Os meios de comunicação têm candidato
Não é sem razão que a imprensa é conhecida como o “Quarto Poder” pela influência que pode exercer sobre a política por meio da sua capacidade de incidir sobre a opinião pública.
Autor: Kjeld Jakobsen - Participa desde: 18/10/2006
O Observatório Brasileiro de Mídia foi fundado em janeiro de 2005 durante a quarta edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre como uma contribuição a mais para a democratização dos meios de comunicação e já nasceu filiada a uma rede internacional de organizações congêneres, o “Media Watch Global”. Sua direção é composta basicamente por profissionais ligados à área de jornalismo.
O objetivo do seu trabalho é mostrar à sociedade como a mídia trata os temas mais relevantes e se de fato respeita a imparcialidade e a isenção que prega nos seus manuais de redação enquanto princípios do bom jornalismo. Entre estes temas podemos mencionar eleições, políticas públicas, mundo do trabalho, cultura, questões de gênero, entre tantos outros.
Existem inúmeros acontecimentos que justificam esta preocupação, pois apesar dos princípios e códigos de ética que deveriam nortear os meios de comunicação, frequentemente a mídia se auto-atribui o papel de árbitro dos fatos e de porta-voz da opinião pública, além de defender os interesses econômicos e empresariais dos seus donos.
Não é sem razão que a imprensa é conhecida como o “Quarto Poder” pela influência que pode exercer sobre a política por meio da sua capacidade de incidir sobre a opinião pública. Quem não se lembra do clássico exemplo do papel que a TV Globo exerceu para eleger Collor de Mello presidente em 1989? Centenas de políticos brasileiros ou seus familiares detêm a concessão de meios de comunicação e não por meros interesses comerciais.
Se não houver isenção, imparcialidade e transparência da mídia, a opinião das pessoas pode ser modificada, mesmo que temporariamente, o que é uma ameaça à democracia, pois uma decisão adotada à luz de informações distorcidas ou equivocadas muitas vezes não pode mais ser corrigida.
Para cumprir com seu objetivo o Observatório mede a exposição dada aos diferentes temas nos meios de comunicação e se são tratados positivamente, negativamente ou de forma neutra. Isto está sendo feito desde julho sobre o tema mais relevante da conjuntura, que é a eleição presidencial. Para isto acompanhamos cinco grandes jornais (Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Brasiliense) e quatro revistas semanais (Veja, Isto É, Época e Carta Capital) e como trataram os quatro candidatos melhor situados nas pesquisas eleitorais, Lula, Alckmin, Heloisa Helena e Cristovam Buarque, bem como a figura do Lula como presidente.
Durante praticamente três meses constatamos o seguinte:
As figuras de Lula candidato e Lula presidente receberam a maior exposição na mídia (Ver gráfico 1.)
2. As figuras de Lula candidato e Lula presidente receberam a maior parte da cobertura negativa. Conforme as circunstâncias, aumentava a de um ou a de outro, mas sempre negativamente. (Ver gráfico 2.)
Entre as figuras dos quatro candidatos Lula, Alckmin, Heloísa Helena, Cristovam Buarque e da figura Lula presidente, quem teve a cobertura mais positiva foi o candidato Alckmin, seguido por Heloisa Helena e Cristovam. Lula candidato e Lula presidente tiveram o menor percentual de notícias positivas. (Ver gráfico 3.)
Os dois jornais que trataram as figuras de Lula candidato e Lula presidente de forma mais negativa, foram o Estado de São Paulo e O Globo. A maior parte do tempo foi acima de 60%. (Ver gráfico 4.)
A partir destes dados podemos tirar uma série de conclusões. Em primeiro lugar, considerando os percentuais de exposições negativas. Já seria ruim para qualquer candidato ser o mais exposto negativamente nos jornais e revistas, porém para Lula esta situação se agravou durante a campanha do primeiro turno porque ele também foi o mais exposto negativamente na sua função de presidente do país (Quadro 2). Como as suas figuras de candidato e presidente tiveram maior exposição quantitativa em geral nestes órgãos de imprensa (Quadro 1), o dano para sua imagem cresceu de forma exponencial. O “estranho” é que as duas curvas de exposição negativa coincidem. Quando aumenta a cobertura negativa do candidato, aumenta também a do mandato presidencial.
Em segundo lugar, entre todos os candidatos, o que era tratado mais positivamente, era Alckmin com aproximadamente 40% das matérias, embora Heloisa Helena e Cristovam Buarque também tivessem mais cobertura positiva do que negativa. Já Lula candidato e Lula presidente tiveram exposições positivas inversamente proporcionais às negativas (Quadro 3).
Diante de fatos positivos ou negativos não há como a imprensa não publicá-los mesmo quando beneficiam ou prejudicam algum candidato. O problema é quando há desequilíbrio na cobertura e subjetivismo aplicado de forma a prejudicar a um e a beneficiar a outro, pois, particularmente, na cobertura do caso dos “Sanguessugas” e do “Dossier dos Vedoin” há envolvidos de dois lados, mas é apenas um deles que tem sido mencionado e com destaque.
Os gráficos demonstram claramente que houve desequilíbrio na cobertura das candidaturas e que os cinco jornais e três das revistas têm preferências nesta eleição presidencial, sem que o declarem abertamente. Querem Alckmin e não querem Lula. O único órgão de imprensa que tem sido pesquisado e que anunciou sua posição abertamente foi a revista Carta Capital ao apoiar a reeleição de Lula. Pode ser que esta posição leve a perda de alguns de seus leitores, por terem outras preferências eleitorais, mas a revista está sendo transparente e honesta com eles. Os demais, ou não querem correr o risco de perder leitores ou não querem admitir sua parcialidade.
Além da maneira desequilibrada como os candidatos foram tratados, os jornais O Estado de São Paulo e O Globo foram os que mais cobriram a candidatura Lula e o desempenho do presidente Lula de forma negativa. O Estado, em particular, fez o que pode para criar o clima de segundo turno quando isto ainda era uma possibilidade distante, sempre anunciando que a distância entre a candidatura Lula e a dos demais estava se reduzindo, chegando a publicar com alarde uma pesquisa no dia 16 de setembro, aonde esta chegava a apenas 3%, totalmente incongruente com os resultados das demais pesquisas, tanto é que poucos dias depois voltou a acompanhar as tendências dos demais institutos de pesquisa.
Por fim, notaremos que a exposição negativa do candidato Lula alcançou índices médios de 60% nas duas semanas que precederam o primeiro turno, pois a maioria das matérias dos jornais tentou ligar a candidatura ao episódio, ainda não devidamente explicado em sua totalidade, do “Dossier”. É o que o professor de jornalismo da UNB, Venicio Lima, chama de produzir matérias a partir do princípio de presunção de culpa até que se prove a inocência e não o contrário que é muito mais razoável numa sociedade democrática.
link:http://www.jornaldedebates.ig.com.br/index.aspx?cnt_id=15&art_id=2312
2006-10-18
09:47:55
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Anonymous
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