Na culinária brasileira, arte mestiça, parte integrante da cultura original deste povo, a moqueca tem um lugar de real destaque. Seja capixaba, traduzindo e simbolizando o comer do estado do Espírito Santo, seja nordestina de vários estados: Bahia, Pernambuco, Alagoas e Maranhão, ela sempre leva a marca da mistura, que é a marca do Brasil.
À peixada trazida pelos portugueses somaram-se os ingredientes habituais da culinária africana, introduzidos pelos negros, aqui chegados na mais triste das condições, a de escravo. Eram eles que, na maioria das vezes, estavam à frente das cozinhas das casas-grandes, adaptando o comer europeu aos ingredientes aqui encontrados, e ao paladar vindo dos navios negreiros. Assim, o azeite de oliva juntou-se ao azeite de dendê; o branco leite de coco trouxe uma nota de doçura no contraste com a pimenta-de-cheiro da terra conquistada. A mandioca do índio veio enriquecer a receita, pois da sua farinha faz-se o pirão que acompanha o prato, complementando-o de maneira perfeita.
Em quinhentos anos de Brasil, a moqueca assumiu novos sabores. Do peixe, da arraia tradicionais, passou-se aos mariscos, camarões e lagostas, encontrados com fartura em nossa costa. Com a elevação dos preços, para uma comida menos cara, a came encontrou substitutos: folhas de taioba e espinafre, ovos ou mesmo o maturi, que é a castanha de caiu ainda verde. O tempero, no entanto mantém-se o mesmo: coentro, cebolas, pimentões e tomates, os azeites, as pimentas, o coco.
A moqueca deixou de ser um prato único, para ser a preparação de uma comida que, cozida em panela de barro, mistura estes temperos portugueses, africanos e indígenas e excita a imaginação de quem cria arte com os sabores. A moqueca é o manjar brasileiro por excelência.
MOQUECA CAPIXABA
Moqueca não tem hora. Não carece de serviço requintado à mesa, mas se assim for não se faz de rogada. Torna-se parceira das toalhas de linho, do vinho branco de colecionador, dos talheres de prata, do jantar à luz de velas. Ou do almoço da casa avarandada, de ares e poses mediterrâneas. Seu delicado sabor e seu fino aroma são prazeres permanentes e eternos. Mas eu os prefiro precedidos de um cálice da melhor cachaça, longe dos condicionadores de ar, pé no chão e, se possível, a poucos metros de uma cama que queira depois dividir comigo os sonhos reais de uma tarde inesquecível.
A moqueca capixaba parece não ter mais segredos pra quem é bom de cozinha. Já sabem todos, na ponta da língua, que pimentão não entra, que o urucum derretido no óleo é muito melhor que o colorau, que a panela tem que ser de barro e feita pelas paneleiras de Goiabeiras, aquelas mágicas senhoras que modelam, queimam e as tingem com cascas tiradas do manguezal.
Mas não é só isso, não! A moqueca, a mais gostosa de todas, exige madrugar. Há que se ir bem cedo pro mercado dar uma espiada nos peixes que chegam antes do sol. Olhar desavergonhadamente na cara de cada Pargo, nos olhos de cada Badejo, meter o nariz em cada guelra de Garoupa, espetar o dedo nas Sardas, nos Dourados, nas Curvinas. Escolhido enfim o pescado que mais lhe insinua a excelência do banquete, parta então para as bancas dos temperos, ao encontro da serena alma da moqueca: o coentro, o limão galego, a cebolinha e um punhadinho de pimenta, que moqueca pede molho ardido.
Terminada a refeição, recomenda-se, até aos ateus, um “Em nome do pai, do filho e do Espirito Santo”. Não é por nada não, mas me parece a sobremesa perfeita pra tão divina iguaria
2006-09-13 01:02:53
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answer #1
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answered by Nina 5
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