O GRANDE PEIXE
Um jovem pescador contemplava o mar do alto de uma enorme montanha verde. Sua mente irrequieta buscava um argumento para a sua existência. Sentia-se fraco diante do enorme mar que se avultava em azul e engolia o céu ao longe.
A vida dura de pescador não era promissora, por isso sabia que deveria encarar todas as adversidades para poder se projetar e sair daquela rotina que o extenuava e assim, sair daquele círculo limitado. Rogava ao grande Netuno, deus do mar, que o iluminasse e o salvasse de possíveis desgraças.
As horas passavam e ele em meio às suas preces e divagações continuava a acreditar que algo de extraordinário o arrebatasse.
Os albatrozes em evoluções de alarde faziam a sua pesca particular sem rede ou vara, e o pescador ao longe os observava calado.
Viu o dia decair e a noite cobrir o lume diáfano. Adormeceu em meio aos seus anseios, em pleno alto da montanha.
A noite assistiu seu retumbar noturno em meio às verdes galhadas que o acolheram no seu farfalhar. Como uma criança foi tomada pelos seus sonhos e entorpecido por Morfeu caiu no labirinto das suas aspirações!
Quando o crepúsculo da aurora se consagrava estendendo seus raios por sobre as ondas, despertou, e ainda taciturno, viu algo que o emudeceu.
Bem distante, lá em baixo, em meio às ondas e às profundezas, quase sumindo no horizonte, viu um enorme vulto a serpentear submerso.
Atônito e entusiasmado, acreditou ter recebido o sinal a que tanto ansiava. Ali estava a resposta a suas preces:
Um grande peixe, enorme e corpulento vagava mansamente pelo mar dos seus sonhos. Sentiu-se abençoado por aquele lampejo de sorte e acreditou entender o seu destino.
Desceu como um raio, aprumou sua jangada contra o mar e saiu a içar vela.
Em pleno mar, mas sem caniço, saiu a dar linha com isca e a nau a sotavento.
O sol recém acordado e já refulgente o fazia sentir-se consagrado e disposto a capturar o enorme peixe, ia-se destemido e aguçado por um ímpeto de realização. A forte brisa salobra açoitava seu corpo e conduzia a vela mar adentro.
Ansioso empunhava a linha, quando não tardou em sentir um repuxo. Com uma força abrupta recolheu aquilo que submerso tentava resistir em vão. O corpo esguio da pescada saltou para dentro do barco a estribuchar e o decepcionou. Desolado e ensandecido, com o facão decepou-lhe a cabeça e devolveu o corpo inerte ao seu berço.
Ainda assim, não perdeu a iniciativa; novamente ateou a isca e aguardou a surpresa! Novamente puxou com fervor. Sua determinação era tão grande que o corpo do pobre peixe emergiu pelos ares. Mais uma vez, era uma pescada similar à primeira, a qual foi novamente esquartejada com fulgor e devolvida às profundezas.
Numa terceira tentativa, mais uma pescada que teve o mesmo destino. A brisa marota aumentava e a jangada coma vela içada cada vez mais rápida se afastava.
Alheio a esse fato, quase cego de indignação, rezava no seu íntimo que não desistiria enquanto tivesse forças. Bramia a peito largo e ecoava pelo colo sagrado do mar a sua volúpia pungente.
Depois de algumas horas, já se iam mais de uma centena de pescadas e nada de peixe grande!
Mas o pescador prosseguia com uma fé inabalável. No seu íntimo julgava que todos os obstáculos, se vencidos, lhe consagrariam e trariam um troféu inestimável.
Numa luta frenética continuava em pleno sol do meio dia, sempre com força titânica e a desprezar as míseras pescadas que as picava sem zelo.
O duelo do pescador com sua meta rasgou o dia até uma calmaria abraçar sua vela. Já extenuado não perdeu a esperança e começou a perceber que a cada momento que se passava era mais difícil de fisgar algo.
Começou a sentir-se desolado e afastado do seu destino. A água que levara escasseava e reparou que estava muito longe da costa. Ainda assim insistia:
Mais uma isca, um anzol, mais uma espera, uma esperança, um nada! Sentia ainda, que aquela visão do peixe grande fora uma revelação e por ser um iluminado algo aconteceria de miraculoso.
A luz solar arrefecia e mais uma vez ele se encontrava com seus pensamentos e esperanças. Totalmente esvaído, escorria sobre o berço irregular da jangada, mas ainda altaneiro mantinha sua galhardia. Emudecido ia debulhando suas ações e se indagando a respeito da sua existência.
Num momento de mentira e confusão, intentou contra sua própria razão e assim vociferou:
― Oh Leviatã das profundezas, aquele sabe os mistérios do começo e do fim. Da tua sombra não me esgueiro, portanto me faço dignatário fiel das tuas obras. Peço que ouças a minha palavra de súplica, porque também sei que ouves a minha palavra de vitória.
― Acorre, aqui e agora, com tuas potestades e me fazes decifrar o tão parco destino que me foi consagrado! Minhas forças se esvaem e o meu entendimento se estreita. Rogo que não me salves, mas que me ilumines para que entenda o logro que me esgarça o peito.
A brisa calou-se, o mar abrandou, o som de nada se apossou dos sete lados e uma sensação de esplendor se apossou da sua alma.
Viu contra o horizonte cinza-azulado, uma luz forte que se avultou. Em transe estático pensou estar diante de uma legião de nereidas enviadas para acolhê-lo.
Fixo naquela luz que se elevava, percebeu algo que era muito maior do que a visão do grande peixe. Uma presença que estarrecia! Arrepiado se sentiu elevado, possuído por um êxtase magno!
― És quem imagino, viestes para me consagrar?
E das profundezas do mar emanou aquela voz que o paralisou:
―Suplicas pelo teu destino? Por acaso não o construíste? Vistes o que tua vontade o impeliu! Tua gana te consumiu e de nada valeu tua coragem. Encontra-tes prostrado e sem forças para continuar tua vida. Na verdade, não percebestes que teu sonho era uma ilusão!
De fato, nunca vistes o grande peixe. Nas profundezas desse mar de sonhos procuravas o maior deles, mas não observastes que todos os pequenos que tivestes em mãos compunham a silhueta que te encantou. Perdestes a oportunidade de peixe a peixe, sorver cada parte do teu grande sonho. O grande peixe, na realidade um cardume que avistastes ao longe, era na verdade o que procuravas, no entanto, desprezastes cada pequena parte que compunha a tua aspiração e sem perceber tornastes inútil todo teu esforço. Agora, serás engolido pelo pesadelo maior que jaz nesse mar de sonhos, pois fostes tão longe para buscar tua ilusão e matastes a felicidade que te foi consagrada em pequenas porções.
O pescador atônito descobriu então de que lhe valera toda aquela perseguição.
Argüiu com suas virtudes e aceitou a voz de Netuno que o iluminara!
2007-09-19
14:27:00
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Psicologia