Click na fonte que tem mais informações
Arquivos de Neuro-Psiquiatria
Print ISSN 0004-282X
Arq. Neuro-Psiquiatr. vol.60 no.2B São Paulo June 2002
COMPARAÇÃO DO DESEMPENHO DE ATIVIDADES FUNCIONAIS EM CRIANÇAS COM DESENVOLVIMENTO NORMAL E CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL
Marisa C. Mancini1, Patrícia M. Fiúza2, Jerusa M. Rebelo2, Lívia C. Magalhães3, Zélia A. C. Coelho4, Maria Lúcia Paixão5, Ana Paula B. Gontijo6, Sérgio T. Fonseca7
RESUMO - OBJETIVO: Comparar o desempenho de atividades funcionais de auto-cuidado em crianças com desenvolvimento normal e crianças com paralisia cerebral (PC), utilizando o teste PEDI. MÉTODO: 142 crianças com desenvolvimento normal e 33 crianças com PC foram avaliadas em 22 itens da escala de auto-cuidado do teste funcional PEDI. A metodologia Rasch transformou os escores em incrementos de dificuldade intervalar de 0 a 100 (logit). O índice de correlação Spearman rank comparou a ordem dos logits nos dois grupos. RESULTADOS: Onze itens apresentaram diferença significativa nos valores logit dos dois grupos. Destes, sete itens apresentaram dificuldade relativa superior no grupo de crianças com PC e quatro itens apresentaram dificuldade relativa maior no grupo de crianças normais. Foi observada ainda relação significativa na ordem dos 22 itens nas duas escalas intervalares.CONCLUSÃO: Resultados sugerem que o desenvolvimento de atividades funcionais de auto-cuidado pode ser influenciado pela presença de PC. Tais resultados podem subsidiar estratégias de avaliação e intervenção para crianças com distúrbios neuromotores.
PALAVRAS-CHAVE: função, paralisia cerebral, desenvolvimento normal, auto-cuidado.
Comparison of functional activity performance in normally developing children and children with cerebral palsy
ABSTRACT - OBJECTIVE: To compare the pattern of self-care performance in normal children and children with cerebral palsy (CP). METHOD: 142 normal children and 33 children with CP were evaluated by 22 items from the self-care scale of the PEDI functional test. Rasch methodology transformed scores into interval measures of difficulty from 0 to 100 (logit). Spearman rank correlation coefficient compared the order of logits in the two groups. RESULTS: Eleven items showed significant differences in the logit values received. Out of these, 7 items showed relative difficulty values greater in the group of children with CP and 4 items showed relative difficulty values greater among normal children. A significant correlation was observed in the order of the 22 items displayed in the two interval scales. CONCLUSION: The results suggest that the development of self-care functional activities may be influenced by the presence of CP. These results may support assessment and intervention strategies for children with neuromotor disorders.
KEY WORDS: function, cerebral palsy, normal development, self-care.
A paralisia cerebral, também denominada encefalopatia crônica não progressiva da infância, é consequência de uma lesão estática, ocorrida no período pré, peri ou pós-natal que afeta o sistema nervoso central em fase de maturação estrutural e funcional. É uma disfunção predominantemente sensoriomotora, envolvendo distúrbios no tônus muscular, postura e movimentação voluntária1. Estes distúrbios se caracterizam pela falta de controle sobre os movimentos, por modificações adaptativas do comprimento muscular e em alguns casos, chegando a resultar em deformidades ósseas2. Esta doença ocorre no período em que a criança apresenta ritmo acelerado de desenvolvimento, podendo comprometer o processo de aquisição de habilidades3. Tal comprometimento pode interferir na função, dificultando o desempenho de atividades frequentemente realizadas por crianças com desenvolvimento normal4.
Em países desenvolvidos observou-se um aumento nos casos de paralisia cerebral nas duas últimas décadas, com índices de prevalência dos casos moderados e severos variando entre 1,5 e 2,5 por 1.000 nascimentos5-8. Estes dados têm sido atribuídos à melhoria dos cuidados médicos perinatais, contribuindo para aumento da sobrevivência de crianças com idade gestacional e baixo peso ao nascimento cada vez mais extremos. Entre os recém-nascidos pré-termo com muito baixo peso (inferior a 1500g) a presença de disfunções neurológicas é observada com maior frequência do que em crianças nascidas a termo com peso adequado, podendo a paralisia cerebral acontecer com frequência de 25 a 30 vezes mais no grupo de crianças consideradas de risco perinatal7. Em países subdesenvolvidos a incidência desta doença é maior do que nos países desenvolvidos, observando-se índices de 7:10007. No Brasil os dados estimam cerca de 30000 a 40000 casos novos por ano9.
Com base no modelo de classificação proposto pela Organização Mundial de Saúde1 esta enfermidade pode apresentar consequências variadas. No que se refere à função de órgãos e sistemas, a paralisia cerebral geralmente interfere no funcionamento do sistema músculo-esquelético. Neste nível, as características associadas a esta patologia incluem distúrbios de tônus muscular, postura e movimentação voluntária1. O comprometimento neuromotor desta doença pode envolver partes distintas do corpo, resultando em classificações topográficas específicas (e.g., quadriplegia, hemiplegia e diplegia)6,10. Outro tipo de classificação é a baseada nas alterações clínicas do tono muscular e no tipo de desordem do movimento podendo produzir o tipo espástico, discinético ou atetóide, atáxico, hipotônico e misto6. A gravidade do comprometimento neuromotor de uma criança com paralisia cerebral pode ser caracterizada como leve, moderada ou severa, baseada no meio de locomoção da criança10,11. Estas classificações servem a um propósito de descrição e caracterização da lesão, não fornecendo informação sobre as consequências desta enfermidade na rotina diária da criança.
Além das deficiências neuromotoras, a paralisia cerebral pode também resultar em incapacidades, ou seja, limitações no desempenho de atividades e tarefas do cotidiano da criança e de sua família1. Estas tarefas incluem, por exemplo, atividades de auto-cuidado como conseguir alimentar-se sozinho, tomar banho e vestir-se, ou atividades de mobilidade como ser capaz de levantar da cama pela manhã e ir ao banheiro, jogar bola e andar de bicicleta com amigos, além das atividades de características sociais e cognitivas como brincar com brinquedos e com outras crianças e freqüentar a escola. Informações sobre o desempenho de atividades funcionais como estas são extremamente relevantes, uma vez que as dificuldades no desempenho das mesmas constituem, geralmente, a queixa principal de crianças, pais e familiares. Portanto, a promoção do desempenho de atividades e tarefas funcionais pode ser definida como objetivo a ser alcançado pelas terapêuticas empregadas12,13.
O objetivo deste estudo foi descrever o padrão de desenvolvimento das habilidades funcionais de auto-cuidado em crianças com desenvolvimento normal e crianças com paralisia cerebral, comparando a ordem e as dificuldades relativas no desempenho de atividades funcionais de alimentação, banho, vestir e higiene pessoal, nestes dois grupos de crianças, utilizando o método de avaliação PEDI14.
MÉTODO
Participantes
Este estudo transversal contou com a participação de crianças de duas amostragens distintas que foram selecionadas de forma não aleatória, com base em critérios de inclusão previamente determinados para cada grupo. Os critérios utilizados para inclusão de crianças no grupo normativo foram: apresentar desenvolvimento normal, ter nascido a termo, não fazer uso regular de medicamento e não apresentar problemas físicos, sensoriais ou emocionais. Para participação no grupo de paralisia cerebral os critérios de inclusão foram: ter diagnóstico definitivo desta doença e apresentar severidade leve ou moderada. Foram excluídas deste estudo crianças que apresentassem distúrbios associados (retardo mental, epilepsia, déficit sensorial). O critério para classificar a severidade das crianças com paralisia cerebral foi baseado no meio de locomoção11. Crianças que apresentavam locomoção independente foram classificadas como leve; aquelas que se locomoviam com algum auxílio (bengala, muleta, andador) foram identificadas como severidade moderada e as que não se locomoviam (e.g., faziam uso de cadeira de rodas) foram consideradas graves; crianças com severidade grave foram excluídas deste estudo.
Cada um dos grupos foi estratificado em relação à variável sexo, visando incluir um número equivalente de crianças de ambos os sexos.
Instrumentação
Crianças de ambos os grupos foram avaliadas pelo teste funcional norte americano Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI)14 que foi traduzido para o português15 e adaptado para contemplar as especificidades sócio-culturais do Brasil, com permissão e colaboração dos autores da avaliação original. O PEDI14,15 é uma avaliação realizada através de entrevista com pais ou responsáveis que possam informar sobre o desempenho típico da criança em casa. Este teste avalia aspectos funcionais do desenvolvimento de crianças com idades entre 6 meses e 7 anos e meio, em três áreas de desempenho: auto-cuidado, mobilidade e função social. Este teste pode ser usado para crianças com idades superiores a 7 anos e meio, caso seu desenvolvimento funcional encontre-se dentro da faixa etária proposta14,15.
Esta avaliação é dividida em três partes distintas, sendo que cada parte inclui as três áreas de desempenho citadas acima. A primeira parte avalia as habilidades ou capacidades funcionais da criança; a segunda parte informa sobre a quantidade de ajuda ou assistência que a criança recebe para desempenhar as atividades funcionais e a terceira parte documenta as modificações do ambiente necessárias para o desempenho de tarefas funcionais.
2007-04-24 04:49:58
·
answer #1
·
answered by Ricardão 7
·
0⤊
0⤋