Aspectos Espirituais na Doença de Alzheimer
O Perispírito, a Memória e o Tempo
Dr. iso Jorge Teixeira
Definição e anotações sobre a psicopatologia da Doença de ALZHEIMER
O “Mal de Alzheimer”, ou Doença de ALZHEIMER, é um quadro demencial, irreversível, com solapamento progressivo, principalmente, da MEMÓRIA do paciente e de outras funções cognitivas (intelectuais).
Em geral, a doença começa a partir dos 65 anos, mas há vários casos de início precoce, isto é, a partir dos 45 anos.
Para entendermos bem as características e evolução dessa Doença é preciso tentar explicar o que se denomina LEI DA REGRESSÃO MNÊMICA DE RIBOT... Segundo esta, quando uma pessoa apresenta uma alteração mnêmica (da memória) orgânica, primeiramente é comprometida a memória de fixação e memória de curto prazo, ou seja, a pessoa começa a se esquecer de acontecimentos ocorridos mais recentemente e, com o progredir da Doença, a memória para fatos mais antigos também será deteriorada. Outro aspecto da Lei de RIBOT é que as funções psíquicas mais complexas são afetadas, também, mais precocemente do que as funções mais simples. É por isso que, no início da
Doença de ALZHEIMER o paciente costuma se “perder” em via pública ou mesmo esquecer-se de fatos os mais corriqueiros, pois a memória recente estando comprometida, o paciente fica desorientado no tempo e no espaço; além disso, o paciente costuma apresentar alterações ético-sociais -, o pudor (que é uma função complexa) fica comprometido; conseqüentemente, não é raro indivíduos bem educados apresentarem sintomas como despir-se na frente de uma multidão de pessoas, não conseguindo ajuizar eticamente a sua conduta.
A propósito, certa vez, tratamos um paciente com Doença de ALZHEIMER cujo primeiro sintoma foi urinar em via pública, exibindo a genitália para os transeuntes, no entanto, era um Sr. com um passado de moral ilibada e muito responsável e elegante...
Enfim, a Doença de ALZHEIMER vai afetando, progressivamente, as funções corticais do paciente, pois o que acontece é que há uma ATROFIA DO CÉREBRO do paciente e, por isso mesmo, as funções cognitivas (intelectuais) e até motoras (de movimento) são deterioradas pela doença, irreversivelmente, porque as células cerebrais não se regeneram, uma vez atrofiadas não são substituídas por outras, íntegras; por isto, diz-se que o tecido cerebral é “tecido nobre”, isto é, as células lesionadas não são substituídas. Exatamente como a Sra. leitora MARLENE afirmou: “na parte física vemos que a pessoa vai definhando, perdendo o movimento e a noção das coisas.”
A nossa fiel leitora pergunta a si mesma e a nós, como a Sra. sua mãe se sente interiormente e solicita-nos uma visão espírita do “Mal de ALZHEIMER”...
Visão espírita do “Mal de ALZHEIMER”
Na época do lançamento de O LIVRO DOS ESPÍRITOS (OLE), de ALLAN KARDEC (1857), não se conhecia a fisiopatologia da Doença de ALZHEIMER, por isso, a Codificação não se refere à Doença especificamente, porém, podemos extrair algum conhecimento sobre o que acontece com o Espírito da pessoa com essa Doença se analisarmos bem a resposta à questão 156 de OLE e, com tal análise, não podemos nos furtar a um melhor entendimento da natureza e propriedades do PERISPÍRITO e suas correlações com a MEMÓRIA e o TEMPO,,,
Assim, leiamos a questão 156 de OLE e a primeira parte da resposta:
“A separação definitiva entre a alma e o corpo pode verificar-se antes da cessação completa da vida orgânica?
“¾ Na agonia, às vezes, a alma já deixou o corpo, que nada mais tem do que a vida orgânica (...)”.
MORTE CORPORAL E ESPÍRITO
O Espírito desliga-se definitivamente do corpo porque este está morto, masnão é o desligamento do Espírito que causa a morte do corpo
Parece-nos, Sra. MARLENE, que nas doenças crônicas em geral, que afetam o cérebro (como é o caso da Doença de ALZHEIMER), estando este deteriorado, ele não mais reagiria ao comando do Espírito - a vida na doença de ALZHEIMER se resumiria, praticamente, à vida orgânica, vegetativa, “a alma já deixou o corpo”, embora não definitivamente, pois isto só ocorre na desencarnação...
A Sra. poderia, talvez, argumentar que um corpo não poderia viver sem alma, o que não seria verdade... O que mantém a vida corporal é o “fluido” vital e não o Espírito, a vida só se extingue pela exaustão dos órgãos e não pela ausência do Espírito (cf. resp. à questão 68 de OLE). É preciso que se repita: o Espírito desliga-se definitivamente do corpo porque este está morto, mas não é o desligamento do Espírito que causa a morte do corpo...
Obviamente, ainda há uma ligação, muito tênue, entre o Espírito e o corpo de uma pessoa com Doença de ALZHEIMER, mas o rompimento de tal ligação só não é definitivo porque a pessoa ainda não desencarnou, pois o Espírito nada mais tem a fazer estando o cérebro sem NENHUM controle seu... Sabemos que a alma desprende-se do corpo, pouco a pouco, gradativamente, nas doenças orgânicas, crônicas (cf. se depreende da resposta à questão 155-A de OLE) e, num grau avançado da Doença, acreditamos que a alma está quase totalmente liberta do corpo.
Como um paciente com Doença de ALZHEIMER sente-se interiormente? Parece-nos que isto irá depender não só da evolução espiritual da pessoa, como também, do estágio evolutivo da doença, da demência. Quando as funções cognitivas (intelectuais) estão seriamente comprometidas, a pessoa nada sente, isto é, não há nenhuma repercussão ESPIRITUAL do que se passa no corpo... Aliás, KARDEC afirmava mais ou menos isto, em outras palavras, quando disse que de nada adianta ser um bom violinista se o violino estiver danificado. Como tocar boa música, nessa situação?
Prezados Srs. leitores e leitoras, o grande sofrimento na doença de ALZHEIMER é dos familiares e da Sociedade, não é do paciente. É muito duro, às vezes desesperador mesmo, ver um ente querido, um ser humano, desconhecer seus próprios parentes, não saber pronunciar seus nomes (na afasia motora) e, às vezes, nem reconhecer as coisas do ambiente (agnosia) e nem ter coordenação para os mais simples movimentos úteis, como vestir uma roupa (apraxia), certamente, como disse a Sra. MARLENE: “é um sofrimento ver uma pessoa tão dinâmica ir definhando aos nossos olhos.”... Aí está: a doença de ALZHEIMER é uma PROVA, extremamente difícil para os familiares e exige muita resignação e muito Amor e, antes de tudo, a certeza na imortalidade da alma e de sua individualidade após a morte e confiança na Providência Divina e aí está a “vantagem” de ser espírita, se é que assim podemos nos exprimir, porque a Doutrina Espírita é Consoladora justamente porque nos dá essa CERTEZA (através de FATOS positivos) nas respostas a questões existenciais que todos já fizeram algum dia: por que aqui estamos? Para onde vamos? Por que sofremos?...
Enfim, confreira MARLENE, cuide muito bem da Sra. sua mãe, embora acreditemos que não é fácil, mas as dificuldades são postas em nossa vida para crescermos espiritualmente e, quem sabe, se este gênero de prova não foi solicitado pela Sra. antes de reencarnar?! A nosso ver, deve ficar tranqüila quanto ao suposto sofrimento de sua mãe, pois, praticamente ele não existe, e aí é que devemos agradecer à Providência Divina, pois, na maioria das vezes o próprio paciente não percebe o seu comprometimento cognitivo, nem se dá conta de que sua memória está gravemente comprometida. Se ela é um Espírito com certa elevação, deve estar sentindo-se muito melhor que a Sra., disto temos absoluta certeza, pois estando o Espírito dela com uma tal emancipação, as coisas terrenas praticamente não a afetariam.
Onde ficarão “impressas” as vivências presentes e passadas ?
Como dissemos, o sintoma principal na Doença de ALZHEIMER é a deterioração da MEMÓRIA e tem havido muita distorção doutrinária, a nosso ver, em relação à questão do PERISPÍRITO, que, para alguns, seria o “arquivo” das nossas experiências terrenas.
Por isso, achamos útil repetir aqui um artigo nosso publicado no JORNAL ESPÍRITA , órgão da FEESP, intitulado “O PERISPÍRITO, A MEMÓRIA E O TEMPO” (JE,
março/2002, Coluna Saúde Mental , p. 8), ligeiramente modificado, pois ele serviria para melhor entendimento dos aspectos espirituais envolvidos nas doenças em geral, especialmente no “Mal de ALZHEIMER”...
O Perispírito, a Memória e o Tempo
No dia 06 de novembro/2000 escreveu-nos um leitor:
“Prezado Dr. Iso Jorge Teixeira. Saudações Fraternais.
Estimado mestre. Sou estudante da Doutrina dos Espíritos e encontrei divergências sobre o assunto abaixo em algumas publicações. A Doutrina Espírita ensina, nas obras básicas, que o ser humano é constituído do corpo físico, do espírito imortal e do perispírito ou corpo espiritual, este último uma espécie de envoltório do Espírito, de natureza material, porém, de uma matéria com características de densidade, ponderabilidade e plasticidade que não encontram paralelo na matéria densa que compõe a realidade. O aspecto polêmico do problema é saber:
— se o perispírito continua a ser matéria e, como tal, mantém-se absolutamente alheio à elaboração da inteligência e do pensamento, os quais são atributos exclusivamente do elemento espiritual;
— se o perispírito desempenha a função de arquivista temporário dos conteúdos mnemônicos;
— seria a biblioteca do Espírito, cujo acervo o acompanha para onde ele vá, e o arquivo definitivo localizar-se-ia no Espírito.
Assim sendo, tendo em vista as dúvidas e algumas opiniões contrárias, pergunto:
— os registros, conscientes e inconscientes, isto é, aqueles que jazem ocultos e esquecidos, referentes à vida presente ou a vidas passadas na carne e na erraticidade estão impressos aonde?
Pois bem, Dr. Iso, para terminar, os meus agradecimentos desde já pelo esclarecimento à minha pergunta. Muito obrigado.
Fraternalmente,”
GERD ARTUR WAGNER - Ijuí – RS
Agradecemos o Sr. leitor pela deferência ao chamar-me de “mestre”... Em Psiquiatria isto é real, mas em Espiritismo é um estímulo para que um dia cheguemos lá, sem falsa - modéstia.
As questões levantadas pelo confrade GERD ARTUR WAGNER são pertinentes, inteligentes, conseqüentes, sérias e complexas. Como prometemos a ele, em resposta à sua carta, procuraremos aprofundar os problemas levantados e tentar equacioná-los.
Inicialmente, gostaria de fazer um reparo às palavras do Sr. GERD ARTUR, quando ele diz: “A Doutrina Espírita ensina, nas obras básicas (...)”. Existem outras obras, além das básicas, da Doutrina Espírita ? Creio que não, pois não me consta que a Espiritualidade Superior tenha se manifestado doutrinariamente, depois de KARDEC, com a concordância universal dos seus ensinos; eis, talvez, uma das causas dos aspectos polêmicos citados pelo leitor. Há um adágio, cuja autoria eu desconheço, do qual gosto muito: quando os “espíritas” igrejeiros insistirem, estereotipadamente, em que FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO, que, aliás, é uma verdade; poderemos complementar com o adágio: ¾ E FORA DA CODIFICAÇÃO NÃO HÁ DOUTRINA ESPÍRITA...
v Perispírito – Matéria e Espírito – Densidade e ponderabilidade da matéria
Como o próprio leitor quis dizer, o perispírito possui características especiais de densidade, ponderabilidade e plasticidade. Está perfeito! Perguntaríamos, então, ao leitor: conhecemos a densidade e a ponderabilidade do perispírito?!.. Embora seja matéria, desconhecemos a natureza íntima do perispírito. Por que? Porque só conhecemos, aliás não completamente, a matéria terrena. As qualidades de extensão, impenetrabilidade e que impressiona os sentidos cessam, quando desejamos conceituar a matéria constitutiva do perispírito (cf. resposta à questão 22 de O Livro dos Espíritos de ALLAN KARDEC).
Portanto, só podemos definir a matéria, muito genericamente, como “o liame que escraviza o espírito; é o instrumento que ele usa, e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce a sua ação” (cf. resposta à questão 22-A, op. cit.).
A matéria com que lidamos na Terra possui densidade, ponderabilidade, contudo, a matéria considerada como derivada do fluido universal é imponderável para nós, encarnados e imperfeitos. E isso é exposto claramente em resposta à questão 29 (op. cit.), diz ela: “A ponderabilidade é atributo essencial da matéria?
— Da matéria como a entendeis, sim; mas não da matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea e sutil que forma esse fluido é imponderável para vós, mas nem por isso deixa de ser o princípio da vossa matéria ponderável.” A seguir, KARDEC comenta:
“A ponderabilidade é uma propriedade relativa (o destaque é nosso). Fora das esferas de atração dos mundos, não há peso, da mesma maneira que não há alto nem baixo.”
Vários cientistas estudaram a questão da matéria, tais como: CHARLES RICHET, MORSELLI, CESARE LOMBROSO, W.J. CRAWFORD, WIILLIAM CROOKES, etc., inclusive estudaram os fenômenos de ectoplasmia. Contudo, tais estudos foram realizados, fundamentalmente, em médiuns, isto é, com fluidos animalizados do médium em conjunção com os da Espiritualidade desencarnada. Assim, W. CROOKES no seu notável estudo da médium FLORENCE COOK na qual se manifestava principalmente o Espírito de KATIE KING, além dos estudos com a médium EUSÁPIA PALADINO
realizados por RICHET, LOMBROSO, CRAWFORD e outros... Todas essas experiências, realizadas em geral por cientistas, a princípio, céticos em relação ao mundo espiritual, serviram para a comprovação da realidade do mundo espiritual e pouco mais se conseguiu. A propósito, na obra O Psiquismo experimental, ALFREDO ERNY relata que escreveu ao Sr. CROOKES, em 1892, e perguntou-lhe se KATIE KING ter-lhe-ia feito revelações sobre o outro mundo, recebendo do ilustre químico a resposta:
“Tive muitas conversações com KATIE KING, e naturalmente lhe fiz várias perguntas a respeito do outro mundo. As respostas não satisfizeram. Geralmente ela dizia que estava proibida de dar essas informações.”
Enfim, caríssimo leitor GERD ARTUR, se o confrade leu algumas obras atuais estabelecendo as correlações do Espírito com a matéria, pontificando a natureza eletromagnética dessa matéria, tenha muito cuidado; pois no Espiritismo, infelizmente, há muitos espíritos pseudo – sábios, embora a Física moderna têm lançado muita luz sobre tais obscuros problemas. Creio que deverá demorar muito para que conheçamos, aqui na Terra, a densidade e ponderabilidade do perispírito; talvez isto ocorra com a regeneração da Terra... Talvez... Talvez... Por enquanto, há boas hipóteses-de-trabalho, nada mais, o que já é um avanço considerável...
ü Perispírito e participação na elaboração do pensamento e no desenvolvimento da inteligência
Ainda respondendo ao leitor, não concordo com que o perispírito – embora seja matéria quintessenciada – esteja “alheio à elaboração da inteligência e do pensamento”. Na erraticidade, na Terra e em outros mundos o Espírito terá sempre o seu envoltório (perispírito), exceto os Espíritos muito Superiores e os Puros, se não estiverem encarnados; aliás, esta é uma eventualidade rara mas não impossível, embora não estejam mais sujeitos à encarnação, eles podem encarnar-se em missão, nada impede!... Frisamos isto, aqui, como um obstáculo aos sofismas dos roustainguistas.
Como disse a Espiritualidade Superior: “(...) o Espírito muda de envoltório, como muda de roupa.” (cf. resposta à questão 94 ‘in fine’ de O Livro dos Espíritos). Só podemos conceber o Espírito sem a matéria “pelo pensamento” (cf. resposta à questão 26, op. cit.).
Embora a Inteligência e o Pensamento sejam atributos inalienáveis do Espírito, haverá sempre co-participação do perispírito em relação ao Pensamento e à Inteligência. Por que o perispírito não está “alheio à inteligência e ao pensamento”? Justamente porque o perispírito é o liame entre o mundo espiritual e o material. Onde houver matéria, aí estará o perispírito, mais grosseiro como o nosso ou menos grosseiro como na erraticidade e nos mundos mais evoluídos.
Sem a participação do perispírito não há progresso material nem espiritual. Como citamos, anteriormente (questão 26 de OLE), a separação entre o perispírito e o Espírito é uma abstração do pensamento dos encarnados e inferiores, como nós.
ü Memória humana (psíquica ou verdadeira) e Memória animal (Memória orgânica ou Memória - hábito) – A questão do tempo – A “durée” bergsoniana
As explicações da função do perispírito como “arquivista temporário” ou como “biblioteca do espírito”, são interessantes didaticamente, todavia, não há rigor nessas explicações... A memória humana não é um mero repositório de engramas (imagens fixadas e conservadas) “arquivados”.
Coube ao filósofo HENRI LOUIS BERGSON (1859-1941) a distinção entre Memória orgânica (ou Memória – hábito) e Memória psíquica (ou Memória verdadeira). Esta seria apanágio específico do ser humano.
Com o prof. NOBRE DE MELO podemos definir Memória, genericamente, como “a propriedade ou capacidade psíquica de fixar, conservar (em latência) e reproduzir, evocar ou representar (voltar a apresentar na consciência), sob a forma de imagens representativas ou mnêmicas aquelas impressões sensoriais recebidas, transmitidas e conscientizadas sob a forma de sensações.” (A . L. NOBRE DE MELO. PSIQUIATRIA Vol. I. Civiliz. Bras. / MEC, Rio de Janeiro, 1979, p. 398). Prosseguindo, diz o nosso mestre da Psiquiatria brasileira:
“Mas, assim, genericamente concebida, a memória deixa de ser, é óbvio, atributo específico do ser humano”. E exemplifica: “Um cão, digamos, que, alguma vez, tenha sido corrido a pedradas, fugirá espavorido se alguém fizer menção de arremessar-lhe seja o que for, e isso, por efeito, unicamente da dolorosa lembrança anterior fixada”.(op. cit., p. 398 – 399).
MEMÓRIA HUMANA
A memória orgânica existe no Homem como em qualquer animal, mas a memória humana tem algo de específico
Então, com aquela definição genérica, poderíamos dizer que a simples capacidade de armazenar (“arquivar”) e reproduzir impressões deixadas pelos estímulos e excitações do meio externo pode ser encontrada até nos organismos unicelulares, num disco CD, numa fita cassette e nos robôs eletrônicos da moderna Cibernética. Mas seria simplesmente isso a memória humana? Não, a memória orgânica existe no Homem como em qualquer animal, mas a memória humana tem algo de específico...Vejamos a explicação do prof. NOBRE:
“Algo diversos, sem dúvida, são os fatos que definem a chamada memória psíquica ou verdadeira, esta sim, apanágio do ser humano. Aqui, não somente se verifica a possibilidade de reprodução mecânica ou automática (ecforia) de imagens perceptivas fixadas e conservadas (engramas), mas também a revivescência (evocação) voluntária ou involuntária, isto é, mercê de associações fortuitas, de estados psicológicos passados, dos pensamentos , sentimentos, emoções, desejos e fantasias, que constituem o patrimônio de nossa experiência vivida. Quer isso dizer que o homem recorda, não apenas os acontecimentos do mundo externo ou circundante, que lhe é dado aos sentidos, mas também os de sua realidade interna, e suas significações respectivas, reconhecendo-os e localizando-os em determinado momento da existência. A memória psíquica ou verdadeira implica, em suma, um fator intencional e significativo (o destaque é nosso), que, a libera do fatalismo (destaque nosso) da memória orgânica.” (op. cit., p. 399).
Enfim, caríssimo leitor, a memória humana, verdadeira, não é um simples “arquivo”, estático, de nossas vivências pretéritas. Nem a memória de um computador é assim!... O élan vital caracterizado por BERGSON implica numa continuidade do tempo e numa duração (‘durée”). Ou, como dizem os filósofos existencialistas, implica numa intencionalidade, significativa... O movimento humano é para o futuro, evolutivo; nunca retroagimos. Nossa vivências passadas são sempre modificadas pelo nosso psiquismo presente e pelas nossas perspectivas futuras... Quando me lembro de uma vivência ocorrida na minha infância, estando com 61 anos, tal vivência não é hoje, rigorosamente, igual àquela que tive na infância. O que mudou? O meu passado? Não, eu mudei e, portanto, mudou a minha vivência.
Além disso, a lembrança atual de um acontecimento será vivenciado diferentemente pelas pessoas, o que levou, inclusive, o escritor PIRANDELLO a falar na “Verdade de cada um”... Aliás, a vivência atual pode ser modificada por uma série de associações fortuitas como bem assinalava o prof. NOBRE. Através dessas associações há “mudanças qualitativas” na duração (“durée”) e o passado é recuperado , de acordo com o bergsonismo (cf. sua obra “Matéria e Memória. Ensaio sobre a Relação entre o Corpo e o Espírito”). Assim, pode ser traçado um paralelo entre o bergsonismo e a música do compositor CLAUDE ACHILLE DEBUSSY e a obra do escritor MARCEL PROUST.
Obviamente, não cabe neste artigo uma análise pormenorizada da questão do tempo vivido, do tempo como duração. A propósito disse SANTO AGOSTINHO, encarnado, nas suas Confissões em relação ao que seja o tempo:
“Si nemo me quaerat, scio; se quarenti explicare velim, nescio” (Se ninguém mo pergunta, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.).[cf. op. cit. Livro XI – item 14].
Ou seja, a questão do tempo implica um caráter eminentemente intuitivo. Ora, um filósofo, encarnado, afirma não poder explicar o que é o tempo, imagine-se definir o tempo vivido no mundo espiritual!...
A duração (“durée”) do ponto de vista espiritual é bem diferente da nossa e isso foi explicitado na resposta à questão 240 de O Livro dos Espíritos e KARDEC comentou a seguir:
“Os Espíritos vivem fora do tempo, tal como o compreendemos; a duração (o destaque é nosso), para eles, praticamente não existe, e os séculos, tão longos para nós, são aos seus olhos apenas instantes que desaparecem na eternidade, da mesma maneira que as desigualdades do solo se apagam e desaparecem para aquele que se eleva no espaço”.
O tempo vivido pode alterar-se em algumas doenças mentais (Esquizofrenias, depressão, etc.) e até em pessoas normais. Por exemplo, o cantor popular ROBERTO CARLOS diz nos seus versos na canção Amor sem limites: “(...) Aprendi que pouco tempo é muito, se estou longe de seus braços.” . E nos pacientes com a denominada Síndrome de COTARD observa-se um delírio de negação dos órgãos (delírio niilista) e um delírio de eternidade, em conseqüência, o paciente sofre muito por julgar que nada existe e que aquela situação durará eternamente...
É exatamente pelo fato da duração ser diferente no mundo espiritual, que muitos espíritos desencarnados, ainda apegados à vida carnal, julgam-se no inferno, acreditando assim na eternidade das penas. Assim, KARDEC dá inúmeros exemplos dessa situação na 2ª. parte do seu livro O Céu e o Inferno – A Justiça Divina seg. o Espiritismo. Ilustrando-se isso, sugiro ao leitor que leia o caso BENOIST (op. cit., 2ª parte, cap. VI, Criminosos arrependidos, especialmente as questões 3, 9 e 11); e que leia também o caso DUPLO SUICÍDIO, POR AMOR E POR DEVER (op. cit., 2ª parte, Cap. V, Suicidas, especialmente a resposta à questão 4, atentando para o clamor da que foi a jovem PALMYRE: “sempre assim!”).
EPÍLOGO
Enfim, caríssimo GERD ARTUR WAGNER, acreditamos que nossas vivências sejam “impressas” em nosso cérebro e aquelas mais importantes espiritualmente (intelectuais e morais) são levadas ao Espírito, através do perispírito. Mas, tais vivências não ficam ali “arquivadas”, o Espírito as modifica de acordo com o seu livre – arbítrio.
Admitir-se o perispírito como “arquivista temporário” ou como “biblioteca do espírito” é admitir-se a memória orgânica, pura e simplesmente, e, portanto, cair num fatalismo materialista mecanicista, ao qual muitos indivíduos que se dizem espíritas e defensores do “Evangelho de JESUS” são conduzidos, sem se aperceberem que são cegos guiando cegos, como adagiava o Mestre JESUS.
Caro leitor, estou terminando este artigo... Precisarei utilizar o comando “Salvar como” do meu computador para que ele fique arquivado. Toda vez que clicarmos no título O PERISPÍRITO, A MEMÓRIA E O TEMPO, aparecerá na tela todo o meu artigo, porque ele ficará na “memória” do meu computador...
Embora as minhas vivências significativas também fiquem “arquivadas” no meu Espírito, o comando “Salvar como” é sempre “Salvar automaticamente” e eu terei acesso a elas clicando não o título, mas sim a “tecla” VONTADE, aqui ou na erraticidade; contudo, nem todo o “texto” estará disponível para ser revivenciado na minha consciência, como numa ecmnesia (revivescência do passado individual), pois a Providência Divina interdita pensamentos, emoções, sentimentos, etc. que sejam inúteis para o nosso progresso espiritual.
Obrigado ao confrade GERD pela complexa e bela pergunta. Se alguma coisa do meu artigo for útil para a vida espiritual do leitor estarei me aproximando da conquista de “discípulos” como ele, o que muito me alegrará e se nos encontrarmos na erraticidade não seremos nem mestre nem discípulos, e sim, companheiros viajores em busca do conhecimento e da prática na vereda do Bem.
Muito obrigado, também, à nossa fiel leitora MARLENE pela nova indagação. Gostaríamos de dizer a ela que as vivências do Espírito da Sra. sua mãe são qualitativamente diferentes das suas, pois o Espírito dela está parcialmente EMANCIPADO do corpo, ao passo que a Sra. e nós, encarnados, vivemos as nossas experiências na “prisão” da carne... O “Mal de ALZHEIMER” aniquila a vivência do tempo para o corpo, porque este não “obedece” ao comando do Espírito.
Esperamos que sua mãe tenha sido e continue a ser uma exímia violinista, mas, quanto ao violino... Bem, se no futuro ela precisar de um novo violino, certamente ele não faltará para que continue tocando boa música... Por enquanto, toque o seu violino, e Bem tocado!
Amém.
* Médico. Psiquiatra. Professor Livre-Docente de Psicopatologia e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
2007-03-10 13:39:22
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