A asma é uma doença caracterizada por obstrução variável ao fluxo aéreo e hiper-reatividade ou hiper-responsividade brônquica. Tem como característica básica a inflamação da mucosa brônquica. Na faixa pediátrica, a doença é desencadeada por múltiplos estímulos, alergênicos e não alergênicos, e se manifesta por tosse, sibilância e taquidispnéia. Os sintomas se manifestam de forma intermitente ou persistente, e esta última apresentação requer o tratamento profilático.
O tratamento tem objetivos bem definidos, até mesmo ambiciosos, e poderia ser resumido em apenas uma frase: “vida normal, com função pulmonar normal”. Visa a reduzir ao máximo a freqüência das exacerbações, a sintomatologia do período intercrítico, o uso de broncodilatadores de alívio, além de permitir à criança a participação normal nas atividades sociais, esportivas e escolares. Espera-se a normalização da função pulmonar e variações circadianas normais do pico do fluxo expiratório. Para tanto, é fundamental controlar os fenômenos inflamatórios e, por conseguinte, a hiper-responsividade brônquica, diminuindo a gravidade da doença. As indicações dos antiinflamatórios profiláticos são, assim, muito amplas, e a importância do contexto ambiental na fisiopatologia da doença exige que a abordagem medicamentosa seja complementada por medidas objetivas e racionais de higiene ambiental. A asma do lactente, intencionalmente, não será enfocada neste artigo, devido às suas características distintas, envolvendo particularidades diagnósticas, terapêuticas e prognósticas.
A estratégia para o manejo e prevenção da asma, proposta pelo National Institutes of Health/National Heart Lung and Blood Institute (1) (NHLBI), revisão de 2002, contempla conceitos básicos, objetivos e metas a serem alcançados pelo tratamento profilático da asma, que serão sumariamente revistos nos parágrafos seguintes.
Conceitos básicos
A asma do adulto e a da criança compartilham os mesmos mecanismos fisiopatológicos, mas, devido ao processo de crescimento na criança, as conseqüências da doença e os efeitos adversos do tratamento são diferentes daqueles do adulto.
A maioria dos medicamentos para asma, tais como corticosteróides, ß2-agonistas e teofilina são metabolizados mais rapidamente pelas crianças do que pelos adultos. Quanto mais jovem a criança, maior a velocidade de metabolização.
Os corticosteróides inalatórios são, no presente, as drogas controladoras mais eficazes, sendo recomendadas para a asma persistente, independentemente do nível de gravidade.
O tratamento a longo prazo com corticosteróides inalatórios reduz significativamente a freqüência e a gravidade das exacerbações.
Estudos dos quais participaram 3.500 crianças tratadas por período de um a 13 anos não encontraram efeitos adversos persistentes dos corticóides inalados sobre o crescimento.
Uma vez alcançado e mantido o controle da asma por pelo menos três meses, deve ser tentada a redução gradual do tratamento de manutenção, buscando o esquema mínimo necessário que mantenha o controle da sintomatologia.
Os ß2-agonistas de ação rápida são os agentes de alívio mais eficazes na asma, sendo indicados apenas no tratamento dos sintomas agudos da asma da criança. O uso regular dessas drogas pode ser ineficaz e prejudicial.
Objetivos do tratamento
São objetivos principais do tratamento o alívio ou a minimização dos sintomas; a maximização da função pulmonar; a prevenção das exacerbações e a manutenção com a dose mínima eficaz do profilático, para minimizar os efeitos adversos do tratamento. À família e ao paciente deve ser oferecida informação suficiente para dar suporte e aumentar a adesão ao tratamento. No planejamento do tratamento, devem ser levados em conta fatores como a gravidade da asma, os benefícios, os riscos, a disponibilidade de cada tratamento, as preferências culturais e as características do sistema de saúde. A escolha final de um determinado esquema terapêutico deve integrar a experiência do clínico, com as preferências familiares e as evidências científicas, clinicamente relevantes para a criança (1).
O tratamento profilático deve ser avaliado e monitorizado por parâmetros clínicos, como intensidade dos sintomas (diurnos e noturnos), capacidade de exercer atividades cotidianas e a necessidade de medicação de alívio (ß2-agonistas de curta ação). Sempre que possível, medidas de função pulmonar, utilizando pico do fluxo expiratório (PFE), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e variabilidade do PFE devem ser utilizadas. Os efeitos adversos, potenciais do tratamento, devem ser adequadamente verificados.
A seleção do tratamento farmacológico é feita com base na gravidade da doença. Como a asma é uma condição dinâmica, assim como crônica, os planos devem acolher as variações interpessoais, assim como a variabilidade da doença com o tempo. Um aspecto essencial de qualquer tratamento é o de monitorar o efeito do tratamento (medidas de função pulmonar e sintomas) e sua adaptação à variabilidade da doença.
Avaliação da gravidade
Ela precede qualquer decisão terapêutica e deve ser regularmente reavaliada a cada consulta. Restringir a pontuação apenas à freqüência das crises levará, quase que invariavelmente, à subestimação da gravidade, e é por isso que as classificações clínicas ora em uso resgatam a importância da sintomatologia, presente entre as exacerbações, a intensidade do broncoespasmo induzido pelo exercício, o consumo semanal de broncodilatadores beta-agonistas, o acompanhamento das medições do pico do fluxo expiratório, e a presença eventual de doença ventilatória obstrutiva, detectada pelo exame espirométrico, realizado ao longo do acompanhamento ambulatorial.
Como se observa na Tabela 1, a classificação da gravidade da asma deve ser feita por meio da avaliação dos sintomas, história médica, tratamento atual, exame clínico e, quando possível, pela função pulmonar. Baseado nesta gama de alterações, o National Heart, Lung, and Blood Institute (NHBLI) elaborou, em conjunto com a Organização Mundial da Saúde, o documento intitulado Global Initiative for Asthma (GINA) (1), pelo qual obtém-se uma classificação com níveis crescentes de gravidade (1 a 4), que se aplicam às várias etapas de tratamento.
Na atualidade, defende-se a distinção entre gravidade e controle da asma. As informações contidas na Tabela 1 aplicam-se, geralmente, aos pacientes novos, antes do início do tratamento. Para um paciente que estivesse em acompanhamento, a avaliação da gravidade deveria estar refletida no esquema terapêutico, particularmente as doses de corticóide inalatório. Assim, uma criança que necessita de doses de 400 - 500 µg/dia de beclometasona, por exemplo, mas que está assintomática, tem asma moderada, e se ela permanece sintomática, será enquadrada na categoria asma grave.
Tratamento
Controle ambiental
É um componente primordial do tratamento, na medida em que, reduzindo a exposição aos alérgenos, contribui para reduzir os fenômenos inflamatórios. Os fatores alérgicos ocupam lugar de destaque na manutenção dos fenômenos inflamatórios brônquicos. A redução da carga alergênica, de ácaros em particular, auxilia na redução da intensidade da sintomatologia e da hiper-responsividade brônquica, e baseia-se, por um lado, na diminuição da umidade relativa (através de aeração e insolação), e por outro, pela utilização de capas nos colchões e travesseiros, na remoção de tapetes e similares, cortinas e objetos acumuladores de poeira. Idealmente, as roupas de cama devem ser lavadas em água quente (55 ºC). A utilização de umidificadores de ambiente é desaconselhada. O limiar de risco de sensibilização aos ácaros é de 2 µg/grama de poeira domiciliar, e o risco de instalação de uma crise asmática é de 10 µg/grama de poeira doméstica (2,3). O controle ambiental inclui ainda o afastamento de animais domésticos, controle da população e circulação de baratas, do mofo e do tabagismo passivo.
Medicamentos: características principais e vias de administração
Os medicamentos para o controle da asma incluem os controladores ou profiláticos e os sintomáticos ou aliviadores. Profiláticos são os medicamentos administrados diariamente, a longo-prazo, para alcançar e manter o controle da doença. Os sintomáticos atuam rapidamente, para aliviar a broncoconstrição durante as exacerbações.
Via de administração
Os medicamentos profiláticos podem ser administrados pela via oral ou inalatória. A grande vantagem de liberar a droga diretamente nas vias aéreas, através da inalação, é que concentrações eficazes são ali alcançadas, minimizando ou evitando os efeitos colaterais sistêmicos. São vários os sistemas de inalação disponíveis, a saber, aerossol pressurizado dosimetrado, espaçadores ou câmaras de inalação, com ou sem máscara facial, inaladores de pó (uni ou multidoses) e solução ou suspensão para nebulização. A escolha do dispositivo inalador deve basear-se nos aspectos de eficácia de liberação da droga, custo-efetividade, segurança e conveniência, ou seja, adaptação às habilidades técnicas de execução por parte da criança (1). Antes dos seis anos, os aerossóis dosimetrados acoplados a espaçadores constituem a técnica de escolha; a partir dos seis anos, os inaladores de pó passam a constituir-se em opção apropriada, pois os aerossóis dosimetrados são utilizados de forma correta a partir de 10-12 anos. A qualidade da técnica inalatória deve ser verificada em cada consulta.
Meta-análises recentes, considerando uso, por diferentes dispositivos de inalação, de ß2-agonistas de curta ação (4) e corticosteróides (5), concluem que os aerossóis pressurizados são equivalentes aos demais dispositivos, e os consideram como os de melhor custo-benefício. Em lactentes e crianças maiores, informações sobre deposição pulmonar de uma determinada dose ainda são escassas e, por isso, a escolha do dispositivo para tratamento de manutenção deve ser relacionada com a classe de droga. Devido aos efeitos colaterais potenciais, os glicocorticóides inalados merecem uma escolha cuidadosa do dispositivo, para assegurar efeito terapêutico ótimo, com o mínimo de efeitos indesejáveis, assim como as diferenças no metabolismo de primeira-passagem dos diferentes glicocorticóides inalados deve também influenciar a escolha do dispositivo (1).
Considerando aspectos de comodidade, o dispositivo inalador deve ser portátil, sem necessidade de energia elétrica, e de operação tecnicamente simples, demandando manutenção mínima. A simplicidade de operação é especialmente importante no tratamento de pré-escolares e lactentes, que recebem atenção de diferentes pessoas em diferentes períodos do dia. A necessidade de cooperação e coordenação para utilização do dispositivo deve ser mínima. Cooperação passiva, como a aceitação de máscara facial, pode ser esperada da maioria dos pré-escolares e mesmo dos lactentes. Cooperação ativa, como a realização de manobras específicas de inalação e de ativação subseqüente do inalador devem ser esperadas apenas por parte de escolares e adolescentes. Para lactentes e pré-escolares deve ser usado um dispositivo de aerossol pressurizado, com espaçador e máscara facial (Tabela 2). Com a melhora da cooperação para inalar do espaçador, geralmente alcançada aos 4-6 anos, a criança deve ser encorajada a utilizar a peça bucal em substituição à máscara facial. A partir de 6 anos, um inalador de pó torna-se o dispositivo de escolha (1). Com referência à redução da quantidade da droga inalada, devido a forças de atração eletrostática, quando se utilizam espaçadores de plástico, o estudo de Dompeling não mostrou nenhuma influência negativa (6). Avaliando a eficácia clínica do salbutamol em crianças com asma, observou-se que Nebuchamber® (aço inoxidável), Aerochamber® (plástico) e Volumatic® (plástico) foram igualmente eficazes (6). Os nebulizadores não são dispositivos adequados para tratamento de manutenção, devido a aspectos de custo, comodidade (grandes e pesados), necessidade de tempo prolongado de inalação e de monitoração do procedimento, além dos custos de manutenção (1).
Medicamentos profiláticos
De maneira geral, a asma da criança é indevidamente diagnosticada e tratada. Mesmo que se disponha de medicamentos que permitam ao paciente levar uma vida quase normal, a prevalência da asma está em contínua ascensão, bem como, e muito especialmente, o número de atendimentos em serviços de urgência e de hospitalizações por asma aguda. As razões deste paradoxo repousam, especialmente nos países em via de desenvolvimento, na inacessibilidade aos medicamentos antiinflamatórios. Para que o tratamento por via inalatória alcance a relação custo-benefício e o índice eficácia tópica/efeito sistêmico almejados, eles devem ser corretamente administrados. Substituir um dado corticóide inalatório por outro de maior potência antiinflamatória não repercutirá positivamente, se a técnica permanecer inapropriada.
As drogas controladoras incluem os glicocorticóides inalatórios, os modificadores de leucotrienos, as cromonas (cromoglicato sódico e nedocromil sódico), metilxantinas e ß2-agonistas de longa ação (inalados e oral). Na atualidade, os glicocorticóides inalatórios são as medicações controladoras consideradas mais eficazes. A falta de evidências científicas sobre a eficácia do cetotifeno na criança não justificam o seu uso (1).
Glicocorticóides inalados (GCI)
Constituem a terapia controladora mais eficaz, e por isso são recomendados para a asma persistente em qualquer estágio de gravidade. Estudos de dose-resposta demonstram melhora clínica significativa e rápida, nos sintomas, e função pulmonar com baixas doses de glicocorticóide inalado (por exemplo, 100µg de budesonida/dia). Entretanto, a dose necessária para produzir o efeito clínico máximo depende de vários fatores, tais como dose liberada, tempo de uso, gravidade da asma, combinação droga/inalador utilizada, idade do paciente e da duração da asma quando o tratamento foi iniciado. Todos estes fatores reforçam a importância da individualização de dosagem. A maioria dos pacientes com asma persistente, leve ou moderada, obterá controle adequado com 400µg ou menos de beclometasona, ou dose equivalente de outro corticóide inalatório. É indispensável enfatizar-se que, ao tratar o mesmo paciente com corticóide intranasal e inalatório, simultaneamente, os pediatras devem considerar o risco potencial do efeito cumulativo desta droga.
Meta-análise realizada por Calpin et al. (7), que reuniu 24 estudos randomizados, controlados e duplo-cegos, revelou que a corticoterapia inalatória determina a melhoria de 50% no escore clínico, a redução de 37% no uso de ß2-agonistas e de 68% nos corticóides sistêmicos, além do incremento no pico do fluxo expiratório de 38 l/minuto. O controle das manifestações do período intercrítico tem repercussão evidente na qualidade de vida (8). Embora os glicocorticóides inalatórios reduzam o número de exacerbações em escolares e pré-escolares, em alguns lactentes eles não são igualmente eficazes. Ainda não está definido se os motivos desta baixa eficácia em lactentes sejam em função da pouca adesão, baixa liberação da medicação, dose insuficiente ou dos aspectos fisiopatológicos distintos da asma nesta faixa etária.
A curva de dose-resposta para a fluticasona inalada na asma moderada e grave de adolescentes e adultos inicia o platô em 100 - 200µg/dia e atinge o pico em torno de 500 µg/dia (9). Acima desta dosagem, não ocorre aumento de eficácia Os autores deste estudo argumentam que a associação de um ß2-agonista de longa ação ao corticosteróide inalado pode ser mais eficaz do que o aumento da dose do corticosteróide acima desta faixa de dosagem.
Efeitos colaterais
Entre todos os medicamentos antiinflamatórios disponíveis para o tratamento da asma, a maior atenção deve ser dispensada aos corticosteróides inalatórios, para avaliar a relação entre eficácia e segurança. A ocorrência de supressão do crescimento é um fato ainda controverso, pois tanto a asma não controlada quanto o uso dos corticóides inalados podem afetar o crescimento. Skoner, em artigo recente de revisão, avalia a relação entre eficácia e segurança associada com os corticosteróides inalados (10). Crianças com asma leve podem ser mais suscetíveis aos efeitos colaterais, tais como retardo do crescimento, devido ao alcance mais periférico da droga que, conseqüentemente, leva à maior absorção pulmonar, o mesmo podendo acontecer com as formas moderadas e graves, a partir da melhora da função pulmonar. Outra meta-análise (11), analisando a relação entre corticosteróides inalados e crescimento linear, recomenda a monitorização cuidadosa da estatura e enfatiza a necessidade de se utilizar a menor dose eficaz, no sentido de minimizar os efeitos sobre o crescimento linear. Allen (12), em revisão extensa e bem fundamentada sobre o efeito dos corticosteróides inalados sobre o crescimento de pré-escolares e crianças em fase pré-puberal, conclui que o uso de GCI em baixas doses não provoca efeitos adversos sistêmicos. Quando utilizado continuamente e em altas doses, por longos períodos de tempo, diferenças nas características das drogas, particularmente a eficiência de inativação da droga deglutida, podem afetar negativamente o índice terapêutico da droga. Do ponto de vista prático, a história de uso terapêutico por longo período deve ser valorizada. A administração isolada de GCI não tem sido associada com qualquer efeito indesejável sobre a estatura final que seria alcançada na idade adulta, considerando o uso do GCI isoladamente, nas doses recomendadas e não combinado com corticosteróide nasal. O risco de efeitos adversos pode ser minimizado pelo uso da menor dose eficaz e pela diminuição da disponibilidade sistêmica, com a utilização de dispositivos de inalação e de técnicas adequadas e, nos casos que exigem doses elevadas, pela escolha do GCI mais adequado àquela condição.
Os estudos longitudinais e transversais não revelaram efeitos indesejáveis na mineralização óssea (13). Por outro lado, os efeitos secundários locais não podem ser desprezados, como a sensação de sede (22%), disfonia (11%), candidíase oral (11%) (14), estes dois últimos podendo ser significativamente reduzidos com bochechos e/ou escovação dos dentes após a inalação. O risco de catarata é excepcional (15). Finalmente, cabe destacar que a indicação dos corticóides inalatórios na criança sofre ainda de uma inegável corticofobia, tanto dos pais quanto dos pediatras, e está equivocadamente vinculada aos conhecidos efeitos deletérios dos corticóides sistêmicos, tais como osteoporose, risco elevado para fraturas, osteonecrose, retardo expressivo do crescimento, hipertensão arterial, diabetes e atrofia cutânea e muscular. Todavia, sob a forma de aerossol, mesmo que deglutidos ou absorvidos a partir dos pulmões, eles sofrem um catabolismo hepático rápido e significativo, que concorre para a gênese de metabólitos pouco (ou nada) ativos. O incremento de sua atividade antiinflamatória e de sua afinidade para os receptores limitam ainda mais os efeitos secundários potenciais, especialmente das drogas pertencentes à última geração.
Resta ainda salientar que carece de demonstração, na literatura, que a ação antiinflamatória destas drogas possa modificar a história natural da asma, melhorar o prognóstico em longo prazo, ou prevenir o remodelamento brônquico (16). Por outro lado, parece haver poucas dúvidas de que sua introdução determina melhoria da função pulmonar (17).
Beta 2-agonistas de longa ação
Esta classe de medicamentos representou um progresso real no tratamento da asma (18-20), sendo disponíveis para uso clínico dois tipos de moléculas, salmeterol e fenoterol, esta última possuindo um pico de ação semelhante ao salbutamol. Caracterizam-se pela indução da broncodilatação por 12 horas e pelo controle de sintomas noturnos. Estão indicados, principalmente, como tratamento adicional, combinado aos glicocorticóides inalados, não substituindo os mesmos, ou então como profilaxia da asma induzida por exercício físico (1).
Estudos de longa duração com salmeterol em crianças apresentaram resultados contraditórios. Crianças de 4 – 11 anos, com asma persistente moderada, recebendo salmeterol (50µg bid) obtiveram valores mais elevados de VEF1 do que os que receberam placebo. A necessidade de ß2-agonista de alívio diminuiu significativamente no grupo com salmeterol (21,22). Da mesma forma, Russel et al. (20) demonstraram que crianças que persistiam sintomáticas com o uso de 400 µg de corticóide inalado apresentaram melhoria clínica significativa, após a introdução de salmeterol. Em contrapartida, outro estudo que também comparou salmeterol a placebo, na faixa de 6-14 anos, com um ano de duração, mostrou resultados negativos quanto a hiper-responsividade brônquica e melhora da função pulmonar (23). Verbene e colaboradores, avaliando crianças de seis a 16 anos, com asma leve a moderada, às quais foi administrado salmeterol (50 µg bid) por 12 meses, não relataram melhora no VEF1 nem na hiper-responsividade brônquica, ocorrendo inclusive piora nos parâmetros de broncoprovocação (PC20 diminuiu 0,73%) (24). Esses resultados paradoxais parecem estar associados a diferenças metodológicas, especialmente no que se refere às categorias de gravidade da asma dos pacientes neles admitidos.
Apesar da eficácia comprovada de salmeterol e formoterol em estudos conduzidos em adultos, como terapia complementar aos corticosteróides inalatórios, os questionamentos sobre o desenvolvimento de tolerância e controle da inflamação podem influenciar negativamente na escolha destes medicamentos para a população pediátrica. Ainda que empiricamente, em pacientes nos quais não se obtém controle clínico adequado, apesar de doses elevadas de corticóide inalatório (como por exemplo, doses iguais ou superiores a 750 µg de beclometasona, ou equivalente), é válida a tentativa de uma prova terapêutica com salmeterol ou formoterol, antes de se optar por doses mais elevadas de corticóide, com o intuito de se evitar seus efeitos secundários.
Modificadores de leucotrienos
Em estudo avaliando a eficácia do montelukaste, como monoterapia em crianças de dois a cinco anos de idade, com asma persistente (beta-agonista era necessário seis dias por semana), na dose diária de 4mg, durante estudo de 12 semanas, concluiu-se que o montelukaste diminuiu significativamente o escore diário de sintomas de asma, a necessidade de ß2-agonista, o número de dias com sintomas e a necessidade de corticosteróide de alívio (25). Em outro grupo de crianças com asma persistente, montelukaste foi bem tolerado, diminuiu os sintomas de asma e o uso de ß2-agonista e aumentou o número de dias assintomáticos(26). Estudos efetuados em crianças mostraram melhora clínica, redução das exacerbações, assim como um incremento, embora modesto, do VEF1 (26-27). Segundo Warner (27), as evidências científicas disponíveis sugerem que os antagonistas dos receptores de leucotrienos podem ser usados como terapia adicional aos corticosteróides inalatórios, com o objetivo de reduzir as doses dos mesmos, assim como o uso de beta-agonistas. Segundo o mesmo autor, estudos recentes sugerem que exista um lugar para estes agentes como terapia de primeira linha na criança com asma leve. Apesar desses estudos favoráveis, a posição do NHLBI expressa no documento GINA (1) é de que são necessárias pesquisas adicionais, incluindo os efeitos dos antileucotrienos sobre a inflamação e controle da doença, segurança em longo prazo, e os efeitos sobre a progressão da doença. Até que esses estudos estejam disponíveis, a posição dos antileucotrienos na asma deve ser sujeita a reservas. Meta-análise recente (28), que reuniu 13 estudos selecionados, entretanto apenas um deles com crianças, concluiu que a adição de antileucotrienos aos glicocorticóides inalados pode melhorar discretamente o controle da asma, se comparado aos glicocorticóides inalados isoladamente, mas esta conduta não deve ser recomendada como um estratégia alternativa ao aumento de dose do corticosteróide.
Cromonas
Durante muito tempo, o tratamento de manutenção de primeira linha era constituído pelas cromonas, mas, na atualidade, o papel do cromoglicato sódico e do nedocromil sódico no tratamento profilático da asma, fundamentado nos estudos existentes até o momento, é limitado, particularmente entre pré-escolares. Leflein (29) estudou 287 crianças de dois a seis anos, comparando cromoglicato com budesonida nebulizada, sendo esta última considerada mais eficaz, pois reduziu o número de exacerbações e a tomada de medicações associadas. Esse estudo reforça o papel da terapia antiinflamatória com corticosteróide como de primeira linha no tratamento de manutenção da asma persistente em pré-escolares. Embora o cromoglicato tenha se mostrado seguro no tratamento profilático de crianças com asma persistente leve a moderada, a sua eficácia semelhante ao placebo, e a necessidade 3-4 doses diárias contribuíram para a diminuição de seu uso. O perfil de segurança do nedocromil sódico é semelhante ao do cromoglicato, sendo descrito apenas um gosto desagradável. Como o cromoglicato, seu efeito é questionável sobre a função pulmonar, sugerindo que outras drogas antiinflamatórias devem ser preferidas no tratamento da asma leve a moderada.
Uma revisão recente analisando 24 estudos com cromoglicato, em crianças e adolescentes menores de 18 anos, considera os índices terapêuticos inadequados e conclui pelas evidências insuficientes de que o cromoglicato seja benéfico no tratamento de manutenção da criança com asma (2).
Metilxantinas
A teofilina tem eficácia comprovada por várias décadas, mas o seu perfil de segurança, necessidade de monitorização sérica e ajustamento de dose a coloca à margem dos planos de tratamento. O papel da teofilina no tratamento a longo prazo da criança asmática é limitado (1).
Abordagem seqüencial racional
Uma abordagem adequada no tratamento da asma recomenda que o número, a dose e, eventualmente, a freqüência de medicações sejam aumentados de acordo com o aumento da gravidade. O objetivo final é contemplar as metas de tratamento com o mínimo de medicação possível. No desenvolvimento de um plano de tratamento, deve-se avaliar a necessidade de tratamento inicial mais agressivo – o que pode incluir um curso inicial de glicocorticóide oral, para obter um controle máximo da asma o mais rápido possível – e então reduzir a medicação. Outra forma seria iniciar o tratamento com a dose apropriada para a gravidade da doença e aumentá-la gradualmente, se necessário. Uma vez que o controle adequado da asma é mantido por cerca de três meses, uma redução da dose da droga ou drogas em uso pode ser cuidadosamente planejada. Essa redução é necessária para identificar o esquema mínimo necessário para manter o controle.
A Tabela 3 apresenta as etapas de abordagem terapêutica para alcançar e manter o controle da asma na criança, segundo o NHLBI (1), que considera o uso de droga complementar para pacientes não controlados com dose padrão de GCI, ao invés do uso de médias e altas doses de CGI. Coloca como alternativas os ß2-agonistas de longa ação, a teofilina, ou os inibidores de leucotrienos. Recomenda, de forma não enfática, a preferência pelos primeiros.
O consenso britânico (30), publicado em 1997, propõe um plano de tratamento simplificado. Considera o corticosteróide inalado como droga principal, e como droga complementar, os ß2-agonistas de longa ação. A dificuldade de uso da teofilina de liberação lenta (necessidade de monitorização de níveis séricos), a ineficácia das cromonas, e o ainda escasso número de estudos randomizados e controlados, em crianças, realizados com os antileucotrienos, justificam sua adoção (Tabela 4).
A progressão de uma etapa para outra deve ser realizada quando o controle não é alcançado, ou é perdido durante o tratamento, e existe a certeza de que a medicação está sendo administrada corretamente. A ocorrência freqüente (mais de três vezes por semana) de sintomas como tosse, sibilância e dispnéia e o uso freqüente de ß2-agonistas de curta ação, pode indicar o controle inadequado da asma. A presença de sintomas noturnos ou pela manhã é indicador especialmente útil. Medidas do pico de fluxo expiratório e sua variabilidade auxiliam na avaliação inicial da gravidade e no monitoramento, revelando alterações de gravidade e fornecendo dados para a redução do tratamento.
Redução da medicação profilática
A asma é um distúrbio dinâmico, com variações espontâneas ou induzidas pelo tratamento. Uma vez alcançado e mantido o controle da doença por pelo menos três meses, uma redução gradual da terapia de manutenção deve ser tentada, com o objetivo de identificar a dose, ou o número mínimo de medicamentos para manter o controle (1). Em pacientes com terapia combinada, a redução deve começar pela interrupção da terapia adicional, à qual se seguirá a redução da dose do glicocorticóide inalatório, à razão de 25% a cada 2-3 meses. É recomendado que os pacientes sejam revistos pelo menos a cada dois meses, durante a fase de redução.
Outras modalidades de tratamento
Imunoterapia
A dessensibilização específica reduz os sintomas e a necessidade de drogas, mas não apresenta efeito consistente na função pulmonar. Os efeitos são mais evidentes em pacientes nas formas persistentes leves e moderadas, e naqueles casos com hiper-responsividade brônquica associada a alérgeno específico. É indispensável que a participação de um dado alérgeno seja demonstrada, na anamnese, pelos testes cutâneos e, se necessário, por testes de provocação específica.
Tratamento da asma em países em via de desenvolvimento
A importância do ambiente e dos fatores socioeconômicos na gravidade da asma é amplamente reconhecida. A taxa de prevalência é mais elevada, e a asma se manifesta com maior gravidade em indivíduos ou populações submetidos a condições de vida precárias (31). Considerando a magnitude dos recursos a serem mobilizados, tanto aqueles associados à educação em saúde como o custo do tratamento de manutenção, pode-se então perguntar sobre a viabilidade de aplicação dos consensos, nacionais e internacionais, nessas circunstâncias. Inquérito realizado em 24 países da África e da Ásia revelou que a maior parte dos pacientes não estava corretamente tratada, devido à indisponibilidade e ao elevado custo dos beta-agonistas e corticóides inalatórios, cujo preço no varejo alcançava 20% de um salário mensal médio (32)! Esse panorama reflete aproximadamente o que ocorre no Brasil, onde o preço de balcão, para o consumidor final de cada frasco de qualquer dos produtos comerciais, contendo 200 doses de beclometasona de 250 µg, pode atingir 20% do salário-mínimo vigente. Admitindo que os aspectos diagnósticos e terapêuticos da asma estejam satisfatoriamente equacionados nos consensos disponíveis, o desafio maior que se coloca para os países em via de desenvolvimento reside justamente na ampla disponibilização de medicamentos aliviadores e controladores para os segmentos populacionais economicamente desfavorecidos. Cabral e colaboradores, por exemplo, demonstraram que a implantação de um programa de educação em asma dirigido a crianças pertencentes a famílias paulistas de baixa renda reduziu de forma significativa a morbidade e o custo social, mas a compra de corticóides inalatórios provocara uma despesa adicional de difícil absorção para a família a longo prazo (33).
A análise da realidade brasileira neste sentido revela que, na verdade, os recursos materiais, financeiros e humanos necessitam de um urgente redirecionamento (34). Há desembolsos expressivos com medicamentos sabidamente ineficazes, como é o caso da aminofilina, e dispêndios relativamente elevados das internações por asma aguda (uma única hospitalização custa cerca de R$ 300,00 para o SUS) quando comparados com o custo anual da corticoterapia inalatória (em torno de R$ 150,00/ano, a preços de varejo).
Por outro lado, experiências exitosas vêm sendo colocadas em prática em algumas cidades brasileiras. Este é o caso de Belo Horizonte (MG), Betim (MG), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Caxias do Sul (RS), Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), São José dos Campos (SP) e Vespasiano (MG), entre outras, cujas prefeituras municipais chamaram para si a corajosa decisão política da implantação de programas de atendimento médico e farmacêutico ao asmático, dirigido essencialmente para extratos de baixa renda. Apenas a título ilustrativo, em Belo Horizonte, onde o programa já beneficiou 13.000 crianças e adolescentes, logrou-se reduzir em cerca de 75% o número de hospitalizações e de visitas a serviços de urgência, quando se comparou o período de 6 a 12 meses anteriores e posteriores à admissão dos beneficiários naquele programa (35).
Considerações finais
Antes que ocupar-se do tratamento da asma na criança, é preferível referir-se ao tratamento da criança asmática. Esta postura permite colocar em destaque o lugar ocupado pelo paciente para o sucesso do plano de tratamento a ser prescrito e a expectativa de uma resposta terapêutica favorável e, portanto, de uma qualidade de vida muito satisfatória e até mesmo normal. O êxito do tratamento depende de uma parceria efetiva entre a equipe e/ou o profissional que dispensa cuidados ao paciente, e ele próprio e seus familiares, tendo como premissa o diálogo e a educação em saúde. Diálogo a ser travado especialmente com a criança, para melhor compreensão do impacto causado pela doença, segundo a sua própria visão e expectativa. Exemplo disso é a prescrição de dispositivo de inalação que não corresponda aos anseios do paciente e de cuja atitude decorrerá, por exemplo, melhor ou pior adesão ao tratamento (36). Ademais, a abordagem educativa deve ser continuada e privilegiará as crenças e conceitos internalizados, as diferentes classes de medicamentos, os esquemas terapêuticos e, destacadamente, os diferentes sistemas de inalação disponíveis. A inadequada utilização destes sistemas e dispositivos repercute inegavelmente numa falha terapêutica aparente. É indispensável explicitar para a criança e seus familiares que a asma persistente grave é uma doença crônica e até mesmo ameaçadora, e que seus efeitos deletérios ultrapassam em muito os inconvenientes da corticoterapia inalatória.
ok
2007-01-29 08:15:48
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answer #2
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answered by M.M 7
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