. O esfregaço cérvico-vaginal é adequado para detectar anomalidades cervicais em mulheres infectadas pelo HIV? Com que freqüência deve ser realizado?
A citologia cérvico-vaginal é método propedêutico amplamente utilizado no rastreamento de neoplasias intra-epiteliais do trato genital inferior feminino, seja de origem cervical, vaginal e/ou vulvar.
As lesões intra-epiteliais estão muitas vezes associadas com infecção pelo HPV (papilomavírus humano), agente etiológico com alguns subtipos específicos (por exemplo 16 e 18) envolvidos na progressão oncogênica de tais lesões.
Diversos estudos têm sido realizados demonstrando que a associação das infecções pelo HIV e HPV permite uma progressão mais rápida para estádios mais avançados de neoplasia intra-epitelial, resistência à terapêutica convencional, maior número de recidivas, e maior freqüência de lesões multicêntricas. As lesões de mais alto grau estão diretamente relacionadas a maior imunossupressão.
Baseados em diversos estudos o CDC incluiu, em 1993, o câncer cervical invasivo como definição de AIDS em mulheres HIV positivas.
Para uma análise melhor de pacientes HIV-positivas, além da citologia cérvico-vaginal deve ser realizada simultaneamente a colposcopia, método diagnóstico com visualização direta dos órgãos do trato genital inferior feminino, através de iluminação dirigida e conjunto de lentes, que permitem avaliação de lesões subclínicas de infecção pelo HPV e alterações algumas vezes não detectadas na citologia. A colposcopia fornece também orientação do local a ser biopsiado. No caso de discordância entre citologia e achado colposcópico, ou quando a junção escamocolunar não é visualizada, está indicada a realização de curetagem endocervical.
Os dois métodos, citologia e colposcopia, são de fácil execução, podendo ser realizados ao mesmo tempo, com um mínimo de desconforto para a paciente.
Mulheres HIV-posltivas, sem queixas ou sintomas ginecológicos, devem ser submetidas a citologia cérvico-vaginal e colposcopia a cada seis meses. Em mulheres HIV sintomáticas, ou que apresentem alterações detectadas na citologia, colposcopia ou histologia, o seguimento deve ser realizado em menor espaço de tempo.
2. A doença inflamatória pélvica (DIP) é mais comum nas pacientes com HIV?
A doença inflamatória pélvica (DIP) é a principal causa de morbidade infecciosa do trato genital feminino. Além das complicações clássicas como dor pélvica crônica, prenhez ectópíca e infertilidade, peritonite, formação de abscesso pélvico, em caso de comprometimento do sistema imunológico a patologia pode levar à sepse bacteriana generalizada e morte.
A DIP foi incluída pelo CDC, em 1993, como pertencente a Categoria B, na classificação clínica da AIDS, sendo condição sintomática que pode sofrer influência da infecção pelo HIV.
O quadro clínico habitual é constituído por desconforto abdominal, mobilização do colo e palpação dos anexos dolorosa; material purulento exteriorlzando-se pelo canal cervical ou através de material obtido na punção de fundo-de-saco vaginal, e algumas vezes evidências de abscesso pélvico em exame clínico ou detectado através de exame ultra-sonográfico. A dor pélvica nem sempre é significativa nos casos de DIP em mulheres HIV-positivas. A dor é causada principalmente pela inflamação decorrente da liberação de substâncias envolvidas na resposta imunológica, mais do que pela lesão direta das estruturas anatõmicas. Ora, em tais pacientes a resposta inflamatória encontra-se comprometida, e portanto a dor é menos significativa como característica clínica.
A DIP costuma ser mais freqüente e mais severa em mulheres HIV-positivas, provavelmente pela alteração determinada no curso natural da doença sobre influência da infecção pelo HIV. Estes fatos têm sido demonstrados em estudos em Nova lorque e São Francisco, onde foi observado que a incidência de soropositividade para o HIV era maior em mulheres internadas com DIP (l3,6% e 6,7% respectivamente) quando relacionados com outros grupos de mulheres da mesmapopulação. Além de mais comum, a severidade eratambém maior, com maior freqüência de formação de abscessos, maior número de intervenções cirúrgicas e pior evolução clínica, com persistência de quadro febril.
Estudo de Kamenga e cols. (l995) detectaram a presença de positividade do HIV em 26,7% das mulheres internadas com DIP na Costa do Marfim. As mulheres HIV-positivas apresentavam quadro clínico mais severo, 3,5 vezes mais internações e 6,5 vezes maior necessidade de cirurgia. Indicação cirúrgica por abscesso pélvico foi duas vezes maior em mulheres HIV-posltivas.
Por ser mais comum e severa em mulheres HIV-positivas a terapia para DIP deve ser mais agressiva com hospitalização mais freqüente, principalmente se houver imunossupressão. Até o momento a terapêutica da DIP em HIV-positivas não difere do empregado em mulheres HIV-negativas, porque parece não existir diferença significativa nos organismos infectantes.\
3. Como se deve tratar a candidíase vaginal nas pacientes com HIV?
A candidíase vaginal é afecção ginecológica bastante comum, e o número de mulheres HIV-positivas com vulvovaginite por Candida sp é alto. Além disso, freqüentemente ocorrem recurrências nestas pacientes.
A candidíase vaginal tem sido observada em mulheres com contagem de células CD4+ em sangue periférico normal, diferente do acometimento da cavidade oral, do esôfago e de outras formas sistêmicas pela Candida, que parecem estar relacionados com a diminuição progressiva dessas células na periferia.
Em mulheres HIV-posltivas assintomáticas a presença de recurrência freqüente ou persistência pode ser sinal precoce de imunocomprometimento. Os casos refratários ao tratamento tópico são freqüentemente associados a imunidade severa.
Os principais objetivos do tratamento são a cura microbiológica da infecção, o alívio dos sintomas, a prevenção de seqüelas e a transmissão do agente.
A tendência atual é a menor duração do tratamento, com doses antifúngicas progressivamente maiores, preferencialmente com regimes terapêuticas tópicos ou orais em dose única, que permitem maior aderência ao tratamento. Os regimes que se apóiam na dosagem única são recomendados em episódios infreqüentes de leve ou moderada sintomatologia. Nos casos mais severos e rebeldes a opção é para terapia tópica prolongada, associada a terapia oral.
Entre os agentes tópicos incluem-se os poliênicos (nlstatina) e derivados azólicos como clotrimazol e miconazol. A nistatina tópica deve ser utilizada na dosagem de uma aplicação diária por 15 dias. Os imidazólicos, quando usados topicamente, apresentam poucos efeitos colaterais. O clotrimazol é utilizado diariamente durante sete dias. O miconazol é utilizado em aplicação vaginal diária por sete dias.
Os agentes orais apresentam as seguintes vantagens sobre a apresentação tópica: são mais aceitos pelas mulheres em geral, a duração do tratamento geralmente é menor, são altamente eficazes na cura clínica e microbiológica de vaginite aguda por Candida sp, permitem a eliminação da colonização retal que pode ser importante para impedir as recurrências. Como desvantagens são mais caros e apresentam alguns efeitos colaterais tais como distúrbios gastrointestinais, hepatotoxlcldade e possibilidade de interação medicamentosa. O cetoconazol é utilizado na dosagem de 4OOmg/dia/clnco dias. O fluconazol na dose de 15Omg/dia/dose única e o itraconazol 2OOmg/dia/três dias ou 2OOmg/duas vezes ao dia/um dia.
A Candida albicans parece estar envolvida nos casos de vulvoginite fúngica em 80-90% das vezes, o restante dos casos é atribuído a outras espécies como Candida glabrata, Candida tropicalis, Candida parapsilopsis e outras consideradas menos susceptíveis a tratamentos convencionais e mais freqüentemente detectadas nos casos de recurrências.
Não existe ainda consenso sobre qual seria o melhor esquema para a profilaxia das recurrências da candidíase vulvovaginal em mulheres HIV-positivas. Alguns autores preconizam o uso de medicamentos tópicos durante o período pré-menstrual (cinco a sete dias) ou o uso de medicamentos via oral, no mesmo período ou em dose única.
As mulheres HIV-positivas têm apresentado maior índice de falha ao tratamento com o fluconazol, embora este seja considerado por alguns autores mais eficaz que o cetoconazol.
Embora a candidíase vulvovaginal não seja tradicionalmente considerada como uma doença sexualmente transmissível pode ocorrer transmissão através do sêmen contaminado ou pelo contato orogenital. O tratamento concomitante do parceiro sexual tem diminuído as recurrências. É importante orientar as mulheres com recurrências freqüentes para não terem relação sexual ou usarem condom. Recomenda-se ainda o tratamento do parceiro sexual.
4. A mulher com HIV pode receber terapia oral anovulatória?
O aumento da infecção pelo HIV em mulheres na idade reprodutiva acarreta um aumento da transmissão vertical do vírus, já que a taxa de fertilidade nestas mulheres parece não ser significativamente diferente da encontrada em mulheres HIV-negativas.
A maioria das discussões na escolha de métodos contraceptivos em mulheres HIV-positivas tem sido direcionada para os métodos de barreira, principalmente no uso de condom, que quando utilizado de forma correta e consistente permite proteção adicional contra a transmissão do vírus. Porém, sua ação como contraceptivo parece ser inferior à utilização de outros métodos, como por exemplo os anticoncepcionais orais (ACO). Deve-se pesar então o risco de transmissão do HIV e de concepção para decidir quando usar técnicas de barreira, outro método ou a associação dos dois.
A escolha do método contraceptivo deve levar em conta a eficácia não do mesmo em evitar a gestação, impedir a transmissão do HIV, atuar no curso natural da doença, piorando a imunossupressão ou acelerando a progressão para a AIDS, potencial interação do método com drogas utilizadas na infecção pelo HIV e a possibilidade de uso associado ao condom.
Existem vários fatores que levam a mulher HIV-positiva a escolher o ACO como método contraceptivo entre eles a experiência prévia satisfatória com o método, ou ainda o desejo de experimentar novos métodos.
Os ACO apresentam considerável proteção contra câncer de endométrio, câncer de ovário, doenças benignas da mama e dismenorréia. É de significativa importância nas pacientes HIV-positivas a perda sangüínea regular e em menor quantidade, conseqüente ao uso de ACO, principalmente se utilizadas formulações que contenham derivados estrogênicos e progestogênicos, pois além, de diminuir a possibilidade de contato do parceiro com sangue menstrual rico em linfócitos e macrófagos, ocorre também um menor índice de anemia ferropriva. Além disso, o ACO possibilita a volta à acidez vaginal mais rápida após a menstruação curta, favorecendo assim uma proteção natural no meio vaginal.
A proteção do ACO à doença inflamatória pélvica (DIP) pode ser explicada pelo espessamente do muco endocervical, através da ação da progesterona. Tal fato impede a progressão dos agentes patogênicos do trato genital inferior para o superior. Parece que mulheres que utilizam ACO têm alteração na função imunológica que impedem lesão tubária e conseqüentemente apresentam menores índices de gestação ectópica.
Os estudos, até o presente momento, são contraditórios sobre a ação de hormônios reprodutivos no sistema imune, particularmente para os estrogênios que, segundo alguns autores, promovem aumento na resposta imune e, segundo outros, a diminuição desta. Os níveis aumentados de progesterona na gestação têm demonstrado estarem associados a resposta imune mais fraca contra algumas infecções virais e diminuição da resposta dos linfócitos T. A progesterona inibe a transformação de linfócitos T induzida por antígenos. além de aumentar a atividade de linfócitos T supressores. É descrita diminuição de até 50% na resposta de linfóctos T em usuárias de ACO oral por longa duração.
Os ACO facilitam a instalação de ectopia (exposição do epitélio colunar endocervical, vulnerável a traumas, ao meio vaginal hostil), que por sua vez é responsável pela proliferação de agentes sexualmente transmissíveis como Neisseria gonohrroeae e Chlamydia trachomatis. É reconhecido que qualquer DST, ulcerativa ou não, pode facilitar a transmissão do HIV.
Alguns estudos sugerem que os ACO podem influenciar a farmacocinética de outras drogas. Parece ocorrer aumento do metabolismo e inativação da morfina, aumento dos efeitos colaterais dos antidepressivos tricíclicos. Pode ocorrer diminuição da eficácia dos ACO quando da utilização de rifampicina e tetraciclina. Até o momento não foi descrita nenhuma interação entre zidovudlne e ACO.
Os efeitos adversos dos ACO em mulheres HIV-positivas são ainda inconclusivos. Há necessidade de pesquisas prospectivas envolvendo um número grande de mulheres HIV positivas utilizando ACO por longa duração. Devem ser realizadas pesquisas de biologia básica dirigidas, principalmente, ao estudo da imunidade local e geral do trato genital feminino, das mudanças fisiológicas que ocorrem durante o ciclo menstrual e da provável ação dos ACO nesses mecanismos.
A proteção contra uma gestação não desejada e a transmissão do HIV podem requerer a utilização de dois métodos. Para tanto é necessário uma alta motivação do casal.
As informações atuais não são suficientes para contra-indicar o uso de ACO em mulheres HIV-positivas, desde que não haja qualquer outra contra-indicação para o uso de terapia hormonal, ou estado de imunossupressão importante. por outro lado, é importante ressaltar que o uso de contraceptivo hormonal não protege contra a transmissibilidade do HIV.
5. Deve-se utilizar o dispositivo intra-uterino (DIU) na mulher com HIV?
As pacientes HIV-positivas não devem ser consideradas para o uso do DIU. Tal método contraceptivo promove uma resposta inflamatória no endométrio determinando ulcerações. Podendo acarretar também anemia ferropriva pelo aumento do fluxo menstrual.
Segundo alguns autores o DIU está associado a aumento da incidência de doença inflamatória pélvica (DIP) e abscessos tuboovarianos. Tal tendência é significativamente maior nas pacientes HIV-positivas, já que durante a inserção há aumento do risco de infecção e conseqüente ascensão de germes do trato genital inferior para o superior. Tais possibilidades necessitam ser confirmadas por estudos epidemlológicos de larga escala.
Estudos realizados na África têm demonstrado que mulheres HIV positivas com DIP apresentam um aumento na progressão para a AIDS quando são usuárias de DIU.
Existem outras razões para contra-indicar-se o uso do DIU em mulheres HIV-positivas. O sangue menstrual abundante e de longa duração pode expor o parceiro sexual a grandes quantidades de linfócitos, macrófagos e possivelmente vírus. A presença de células inflamatórias no conteúdo vaginal induzidos pela presença do fio do DIU no canal endocervical, e a possibilidade desse mesmo fio levar a microulcerações no pênis parecem favorecer a transmissibilidade do vírus da mulher para o homem.
6. Qual o efeito da gravidez na infeccão pelo HIV?
A redução da imunidade celular durante a gravidez representa um fator de risco para a progressão da infecção pelo HIV. Estudos demonstraram que as subpopulações de linfócitos, principalmente CD4+, caem durante o segundo trimestre da gravidez, tornando essas pacientes mais suscetíveis a infecções oportunistas, e progressivamente retomam aos níveis anteriores, após o parto.
Verificou-se também diferença estatisticamente significante na evolucão da infecção pelo HIV entre pacientes em diferentes estágios da doença, sendo que em grávidas com linfadenopatla generalizada (estágio lll) o risco de desenvolvimento de doenças oportunistas é cinco a oito vezes maior do que nas grávidas assintomáticas (estágio II), além do que nestas últimas o índice de sobrevida de um ano foi de 97,5%, enquanto nas grávidas estágio III foi de 84%.
Concluindo, a gravidez parece ser um fator de risco na evolução da infecção pelo HIV naquelas mulheres com doença avançada, corno estágios III e IV, enquanto nas pacientes asslntomáticas o curso da infecção parece não se alterar.
7. A infecção pelo HIV pode provocar aborto espontâneo?
Uma das mais freqüentes patologias obstétricas presentes em pacientes infectadas pelo HIV grávidas é o abortamento espontâneo, sendo que na África pode chegar a 15%, contra 7% no grupo controle (mulheres da mesma região geográfica, grávidas e com sorologia anti-HIV-negativa).
Teoricamente se o vírus infecta tecido trofoblástico da placenta no início da gravidez, pode-se ter maior taxa de abortamento.
Vários estudos demonstraram a presença de vírus em tecidos de fetos abortados na décima quinta, vigésima e vigésima oitava semanas de gravidez.
In vitro, observou-se que o tecido placentário pode ser infectado através da fagocitose ativa de complexo HIV- lgG por macrófagos placentários com receptor CD4 em sua superfície.
O estágio da infecção na mulher grávida também interage na ocorrência de abortamento, sendo que aquelas em estágios III e IV têm maiores riscos quando comparadas com as de estágio II (assintomáticas).
Outros fatores responsáveis pelo abortamento espontâneo em pacientes HIV-posltivos são uso abusivo de drogas, álcool e fumo, como também infecção sistêmica materna e déficit nutricional.
8. A mulher com infecção pelo HIV apresenta maior risco de desenvolvimento de complicações na gravidez?
A reducão de atividade da imunidade celular observada no primeiro trimestre da gravidez torna pacientes HIV-positivas mais suscetíveis a infecções oportunistas, tendendo a complicar o curso da gravidez.
Sabe-se que a freqüência dessas infecções está diretamente ligada ao número de células CD4+ em sangue periférico, sendo mais freqüentes com este abaixo de 300 célulaS/mm3.
Além disso, a presença de estágios clínicos Ill e IV nessas pacientes aumenta a freqüência de infecções oportunistas em até 10 vezes quando comparadas com o estágio II (assintomáticas).
As infecções mais freqüentes na gravidez são pneumocistose pulmonar, candidíase, tuberculose principalmente a forma disseminada, toxoplasmose, citomegalovirose e doencas sexualmente transmissíveis como sífilis, herpes genital, clamídia e micoplasma.
A relação entre tuberculose e gravidez em soronegativas tem sido discutida, acreditando-se que a história natural dessa doença não se altere com a gravidez, assim como também a tuberculose não aumente os fiscos de complicações durante esse período. Entretanto, o impacto da infecção pelo HIV nas mulheres grávidas com coexistência de tuberculose ainda é objeto de estudos.
Estudos recentes sobre toxoplasmose e gravidez em mulheres HIV-positivas detectaram um aumento do risco de reativação somente com CD4 abaixo de 200 células/mm3.
A infecção oportunista mais freqüente em mulheres soropositivas é pneumocistose pulmonar, sendo que sua freqüência em estágios III e
· IV é de 24%, enquanto nas pacientes estágio II decresce para 3,5%.
Merece citação o aumento significante da incidência de trombocitopenia entre grávidas com infecção pelo HIV, envolvendo combinação de anticorpos antiplaquetários, complexos imunecirculantes, como também supressão medular.
9. Que fatores influenciam a transmissão materno-fetal do HIV?
As taxas de transmissão vertical do HIV variam em diferentes regiões do mundo. De acordo com estudos epidemiológicos, nos países desenvolvidos oscilam de 14 a 33% e em países em desenvolvimento, de 20 a 39%.
Tais diferenças são devidas às variações de metodologias utilizadas nos estudos, as desigualdades nas taxas de prevalência de fatores que influenciam a transmissão, como estágio da doença materna e aleitamento. Assim, nos locais onde a epidemia iniciou-se existem mais mulheres com doença avançada e consequentemente maiores índices de transmissão vertical. Por outro lado, quando as chances de sobrevivência da criança com outro tipo de alimentação são precárias (desnutrição, diarréia, etc.)
Diversas pesquisas têm demonstrado maiores taxas de transmissão vertical em rnães com baixos níveis de CD4. Não se sabe se os níveis de CD4 são fatores independentes de risco ou se são marcadores de outros fatores que podem influenciar a rnaior taxa de transrnissão, como por exernplo uma maior carga viral. Existem evidências de que níveis aumentados do antígeno p24 no soro materno também estão associados à transmissão perinatal do HIV.
Estudos realizados na África demonstraram que mães de recém nascidos infectados apresentavam níveis de vitamina A significativarnente mais baixos do que mães de recém-nascidos não infectados. São necessárias novas pesquisas para determinar o real papel da vitamina A na transmissão vertical.
A resposta imunológica materna tambérn tern influência na transmissão vertical. Assim, baixos níveís de anticorpos anti-gpl2O no soro materno e ausência de anticorpos contra domínios específicos da gp 120 e da gp4l estariam associados a maiores taxas de transmissão. Por outro lado a fase aguda da infecção viral, ou seja, seu estágio inicial, estaria mais associada à transmissão vertical, já que nesta fase ainda não ocorreu formação de anticorpos.
Fatores relacionados à cepa do vírus infectante podem influenciar a transmissão perinatal. Análise do genoma de vírus isolados da mãe e do concepto demonstraram que a população viral da criança é mais homogênea do que a população de vírus na respectiva rnãe. Talvez esta relação ocorra devido à pressão imune materna, ou seja, seriam transmitidos ao concepto os vírus que resistissem à neutralização pelos anticorpos da mãe. Propriedades biológicas do vírus também influenciam a transmissão para o concepto. Dentre estas destacam-se a velocidade de replicação em células rnononucleares do sangue periférico e o tropismo por linhagens de células T.
Ainda não está claro se o HIV é transmitido para o concepto dentro de células infectadas ou na forma livre, a partir do plasma infectado.
10. Como ocorre a transmissão vertical e qual é seu real risco?
A transmissão vertical pode ocorrer durante a gravidez, durante o trabalho de parto e o parto e no período pós-natal. Objetivando um melhor planejamento de intervenções têm-se dividido a transmissão vertical em três períodos: intra-uterino, intraparto e pós-parto, através do aleitamento.
Embora seja difícil precisar com exatidão quando a criança se torna infectada, técnicas de laboratório mais sofisticadas, como o PCR e o isolamento do vírus têm sido utilizadas para determinar o tempo provável de transmissão.
Com relação aos mecanismos de transmissão do HIV da mãe para o concepto devem ser considerados:
a) transmissão através da placenta, durante a gestação ou durante o trabalho de parto;
b) exposição ao sangue e/ou secreções durante o trabalho de parto e o parto;
c) através do leite matemo.
O isolamento do HIV em tecidos fetais pós-abortamento e no fluido amniótico leva à conclusão sobre a transmissão intra-uterina. Tal forma de transmissão é mais freqüente no final do que no início da gravidez. Estudos epidemiológicos sugerem que processos inflamatórios e/ou infecciosos do córion e do âmnion, mesmo causados por outros vírus e bactérias, podem facilitar tal tipo de transmissão.
A exposição ao sangue ou secreções maternas durante o trabalho de parto e o parto aumenta o risco de transmissão. Embora alguns estudos de meta-análise tenham apontado para um menor índice de contaminação do feto quando o parto é realizado através da cesárea, as conclusões sobre qual seria a melhor via de parto ainda não são definitivas. Os estudos analisados tiveram duas limitações: não fizeram distinção entre cesárea eletiva e de urgência e não consideraram os diferentes fatores maternos que pudessem influir nas taxas de transmissão.
Para mulheres com mesmos valores de CD4 a taxa de transmissão é mais elevada nas que tiveram ruptura precoce de membranas por um período de quatro horas ou mais.
Procedimentos invasivos como episiotomia e o uso de escalpes fetais aumentam o risco de contato do concepto com as secreções matemas infectadas, aumentando a possibilidade de infecção.
A transmissão através do leite foi documentada entre mulheres que se tornaram infectadas no pós-parto ou através de transfusões de sangue ou de relações sexuais. O isolamento positivo do vírus no leite matemo confirmou tal hipótese.
A possibilidade de contaminação da criança através do aleitamento materno é de aproximadamente 14%. Caso a infecção aguda matema ocorra durante o aleitamento, tal possibilidade aumenta para 29%.
Alguns fatores como o uso de cigarros, multiplicidade de parceiros, anemia materna poderiam aumentar o risco de transmissão vertical do HIV, segundo alguns estudos. Tais hipóteses necessitam de maior confirmação.
11. Existe algum teste que indique se uma determinada mulher apresenta maior chance de transmissão do HIV para o feto?
A análise de vários parâmetros na mulher grávida portadora de HIV pode sugerir maior chance de transmissão materno-fetal desse virus. Sabe-se que doença clínica avançada, baixa contagem de células CD4+ e antígeno p24 aumentado estão associados com maior transmissibilidade do HIV para o feto.
A partir de vários estudos, obteve-se que a porcentagem de transmissão em mulheres com doença em estágio Ill ou IV é de 30%, enquanto nas assintomáticas (estágio II), quando a replicação viral está reduzida no sangue periférico, essa taxa é de 14%.
A avaliação das subpopulações de linfócitos é outro parâmetro de grande importância, porque a porcentagem de transmissão em mulheres com CD4 abaixo de 400 células/mm3 é alta.
Apesar de validade duvidosa, a positividade de antígeno 24, indicando viremia materna, pode mostrar também maior risco de transmissão materno-fetal.
Atualmente, a técnica RNA-PCR quantitativo e b- DNA (Branched DNA), métodos usados para estimar a carga viral, podem ser usados para se prever o maior ou menor risco de transmissão fetal.
12. Quais são as orientações para o pré-natal e as intervenções no parto nas mulheres infectadas pelo HIV ?
O primeiro passo para reduzir a transmissão vertical é a identificação das gestantes HIV-positivas a fim de que recebam os cuidados adequados. Neste sentido, os serviços de pré-natal devem oferecer à gestante o aconselhamento e o teste voluntário, o mais cedo possível,para que seja instituída a terapêutica e tomadas as decisões pertinentes desejadas.
Em pacientes HIV-positivas grávidas são comuns alterações hematológicas, disfunção imune e maior prevalência de outras doenças sexualmente transmissíveis. Ocorrem maiores índices de baixo peso ao nascer, trabalho de parto prematuro, ruptura precoce de membranas e doenças infecciosas. Tais pacientes podem também ser usuárias de drogas ilícitas que por si só prejudicam o transcorrer da gestação.
O pré-natal de gestantes HIV-Positivas é considerado de alto risco e, deverá ser realizado segundo as condutas tétricas clássicas para o alto risco, inclusive com perfil biofísico e cardiotocografia em épocas adequadas. Todavia estão proscritos todos os processos invasivos, como por exemplo a cordocentese, amniocentese e biópsia de vilo corial, já que tais procedimentos aumentam a possibilidade de transmissão vertical.
O rastreamento e a terapêutica das patologias infecciosas devem ser cuidadosos e, dependendo do estado materno, deve ser instituída a profilaxia das infecções do trato respiratório.
As gestantes portadoras do HIV devem receber terapêutica antiviral (AZT) a partir de 14 semanas de gestação, na dosagem de 6OOmg/dia (seis comprimidos ao dia). Iniciando-se o trabalho de parto, o medicamento deve ser administrado por via endovenosa. O uso do AZT pode reduzir significativamente a transmissão vertical. Alguns estudos demonstraram que a droga atravessa a placenta por difusão passivá, os níveis detectados em recém-nascidos foram os mesmos ou discretamente mais elevados do que os níveis maternos no momento do parto. Dentre os efeitos colaterais, o mais freqüentemente observado tem sido a anemia. Até o momento não foi observada associação do uso de AZT com malformações congênitas.
Existem questionamentos sobre a possibilidade de resistência do vírus ao medicamento e sobre os efeitos a longo prazo sobre o concepto. Para elucidar estas e outras questões estão sendo realizados estudos prospectivos.
Existem ainda poucas informações sobre o uso de outras drogas anti-retrovirais durante a gravidez. Por tal motivo essas ainda não fazem parte dos protocolos de conduta do pré-natal das gestantes HIV positivas. As mesmas considerações são válidas para a administração de imunoglobulina hiperimune a gestante.
Iniciado o trabalho de parto a vagina deve ser lavada para remover todas as secreções maternas presentes. As substâncias utilizadas são polivinil pirrolidona iodo, hipoclorito de sódio e cloreto de benzalcônio, que possuem a propriedade de inativar o vírus.
O AZT deve ser administrado por via endovenosa na dosagem de 2mg/kg de peso por hora até o parto. É importante que o recém-nascido receba o medicamento por um período de seis semanas, na dosagem de 2mg/kg/dia, via oral.
Não existe ainda consenso sobre qual seria a via de parto mais adequada para as pacientes HIV-positivas. Embora existam estudos demonstrando uma redução de 4,9% na transmissão vertical com a utilização da cesárea, esta leva a maior morbidade pós-operatória em tais pacientes. Deve-se postergar a ruptura das membranas até quando possível já que tal situação favorece a contaminação fetal.
Quando for indispensável a realização da episiotomia, esta deve ser protegida com compressas molhadas com a solução utilizada para a lavagem vaginal quando ocorrer o desprendimento do feto. Deve-se proceder rapidamente ao clampeamento do cordão umbilical. A limpeza das vias aéreas do recém-nascido deve ser feita com muita delicadeza, prescrevendo-se aspirações com tubo rígido.
13. Que orientação deve ser dada à mulher em relação à amamentação?
A possibilidade de contaminação da criança através do aleitamento matemo é de aproximadamente 14%. Caso a infecção aguda matema ocorra durante o aleitamento tal possibilidade aumenta para 29%.
Frente a estes dados tem-se como norma que a mulher portadora do HIV não deve amamentar, nem doar leite, evitando a potencial transmissão da doença ao recém-nascido não-infectado.
Nos países em desenvolvimento, porém, muitas vezes os benefícios do aleitamento materno são tão importantes que prevalecem sobre os riscos, mesmo em mulheres portadoras do HIV. Assim, quando não há possibilidade do uso de alternativas alimentares seguras e eficazes para o recém-nascido, a mãe biológica deve alimentar, mesmo sendo HIV-positiva. Nessa situação a criança, sempre que possível, deverá receber o leite de sua mãe HIV-positiva desde que este seja adequadamente pasteurizado. A pasteurização consiste no aquecimento do leite a 62,5C por 30 minutos. Através deste processo as partículas do HIV presentes no leite humano são inativadas. É importante lembrar que o congelamento ou a liofilização do leite não inativam o HIV. Tais processos podem ser utilizados apenas quando, previamente, for realizada a pasteurização.
Frente ao crescente avanço da infecção pelo HIV em mulheres está totalmente desaconselhada a prática do aleitamento pelas "amas de leite". O chamado "aleitamento cruzado", relativamente comum nos alojamentos conjuntos, também está contra-indicado frente ao quadro atual.
São necessários estudos posteriores para identificar os fatores maternos (mastite, estágio da infecção, etc.) e os fatores relacionados a criança que possarn facilitar ou inibir a transmissão do HIV através do leite materno.
14. Há métodos naturais ou artificiais para que mulheres não infectadas pelo HIV engravidem de seus parceiros soropositivos sem correr o risco de serem contaminadas?
A transmissão de agentes infecciosos através da inseminação artificial já foi bastante documentada. A partir de 1985 o CDC recomendou o rastrearnento da infecção pelo HIV como rotina no sêmen de doadores. A possibilidade de contaminação pelo HIV através,dainseminação, embora, também já foi documentada. No entanto, os fatores de risco para tal contaminação permanecem desconhecidos e dificilmente serão elucidados, pelas dificuldades práticas que as pesquisas em tal sentido ofereceriam. Não está elucidado se existem diferenças na eficácia de transmissão entre o sêmen fresco e o sêrnen congelado.
Apenas Semprini e cols., em 1992 e 1993, descrevem com sucesso a não-transmissão do vírus do HIV de homens contaminados para suas parceiras sexuais, quando da realização de inseminação artificial, após processamento do sêmen obtido. Este trabalho porém é contestado, pois não é descrito no mesmo o tempo e estágio da infecção pelo HIV nos parceiros masculinos, assim como a contagem de CD4, leucócitos no ejaculado e utilização de anti-retrovirais no período de coleta. Estes dados são de relevada importância pois parece que a recuperação do vírus do HIV no sêmen é maior em hornens com estágio avançado da doença, baixos níveis de CD4, sem terapia anti-retroviral e com léucócitos no sêmen.
15. A evolução da AIDS na mulher é diferente do homem?
No início da epidemia da AIDS o número de mulheres infectadas era muito menor que o de hornens e o diagnóstico nestas freqüentemente era tardio, já nas fases muito avançada da doença. Tal fato parecia demonstrar que as mulheres poderiam progredir mais rapidamente para o estágio de AIDS quando comparado aos homens. Com a progressão da epidemia e o reconhecimento mais precoce da infecção nas mulheres ficou claro que não havia diferença de evolução da doença entre homens e mulheres.
2006-12-07 06:23:56
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answer #4
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