Manifestações neurológicas da Síndrome de Turner
Neurological manifestations of Turner's Syndrome
Paulo César Trevisol-Bittencourt
Professor de Neurologia/UFSC
http://sites.uol.com.br/paulo_ctb
pcb@hu.ufsc.br
Abstract
In 1938, Henry Turner recognized the combination of sexual infantilism, webbed neck and cubitus valgus to be a distinct entity and subsequently gonadal dysgenesis was added to the definition. Twenty years after the original description, it was established that in typical patients presenting Turner's syndrome the chromossomal composition was 45,XO and in addition cases of mosaicism were described as well. Although much general information is now available about Turner's syndrome in children and teenagers, much less is known about the natural history of this syndrome in adulthood and the neurological complications are largely ignored. This review was made with the objective of fullfilling this remarkable scientific gap. Neurological symptoms related with the Central Nervous System (CNS) in patients presenting this syndrome deserve strict attention for many reasons. Maybe the most important reason is the evidence that this peculiar syndrome has been associated with a high incidence of vascular abnormalities which may also be seen in the CNS. Empirically, patients presenting Turner's syndrome are at risk of developing cerebrovascular disease and also the relatively high frequency of cognitive disturbances in these patients seems to justify the hypothesis that in certain percentage of cases CNS malformations, not necessarily vascular type, may be part of this syndrome.
Resumo
Henry Turner descreveu em 1938 um síndrome caracterizada por infantilismo sexual, pescoço alado e cúbitos valgos. Disgenesia gonadal foi acrescentada à sindrome nos anos subseqüentes. Critério exigido para sua confirmação diagnóstica é a demonstração de um cariótipo anormal, no qual uma porção ou todos de um dos cromossomos X é inexistente. Apesar do seu rico pleomorfismo, considera-se atualmente que baixa estatura, infantilismo sexual e o linfedema periférico, são seus achados clínicos marcantes. Ainda que nos dias atuais haja muita informação geral disponível sobre a Síndrome de Turner em relação a suas possíveis complicações neurológicas, há uma inexplicável negligência científica. Na tentativa de preencher esta lacuna, as publicações dos últimos vinte anos foram revistas e todas as que continham referências a distúrbios neurológicos foram separadas para estudo. Pacientes com Síndrome de Turner apresentam maior prevalência de transtornos neurológicos que a população em geral e deveriam ser colocadas no grupo de risco para doença vascular cerebral, pois parecem ter anomalias vasculares gerais e também no SNC, significativamente aumentadas em relação à população em geral. Além disso, deve ser realçado que o constante aparecimento de malformações extracranianas, algumas das quais estando empírica e freqüentemente combinadas com malformações do SNC e a incidência relativamente alta de déficits cognitivos nessas pacientes, parecem justificar a hipótese de que em uma certa porcentagem de casos, uma malformação do SNC, não necessariamente do tipo vascular, poderá ser uma parte ainda não descrita desta síndrome.
Introdução
Henry Turner descreveu em 1938 uma síndrome caracterizada por "infantilismo sexual, pescoço alado e cubitos valgus"1. Nos anos subseqüentes, disgenesia gonadal foi definida como parte da síndrome e foram encontrados muitos pacientes com Barr body (cromatina sexual) negativos2. Em 1959, Ford et al relataram que em típicos pacientes com esta síndrome havia falta de um cromossomo sexual (45,X)3. Desde então, uma variedade de anormalidades do cromossomo X e também mosaicismo foram associadas com a Síndrome de Turner e as malformações congênitas características (Tabela 1) tornaram-se conhecidas como os estigmas de Turner. A importância desta condição é evidenciada por alguns aspectos epidemiológicos: ela ocorre em 1 entre 4000 a 10000 nascidos vivos, dando uma incidência aproximada de 1 entre 2500 recém natos do sexo feminino. É também notável que 98-99% das gestações de fetos com Síndrome de Turner abortam espontaneamente e que aproximadamente 10% dos fetos das gestações que têm sido espontaneamente abortadas terão síndrome de Turner4. Ela é, por conseguinte, uma alteração cromossômica comum durante o período concepcional, que é altamente letal durante a vida intra-uterina. O diagnóstico da Síndrome de Turner será feito no período neonatal em um terço dos pacientes, um outro terço será diagnosticado durante a infância e o terço restante será na puberdade, quando elas chamarão a atenção de familiares por apresentarem um desenvolvimento diferente5.
Tabela 1 - Principais estigmas congênitos de Turner
* Estatura baixa
* Tórax em escudo
* Pescoço alado
* Linfedema periférico ao nascimento
* Quarto metacarpo ou metatarso curto
* Unhas hipoplásicas
* Múltiplos nevos pigmentados
* Coartação da aorta
Ainda que na época atual haja muita informação geral disponível sobre a Síndrome de Turner, em relação a suas possíveis complicações neurológicas há uma inexplicável negligência científica. Esta revisão pioneira tem a pretensão de fornecer subsídios para uma melhor abordagem desta condição relativamente freqüente entre nós. Ela abarca recentes publicações sobre o tema com ênfase nos seus aspectos neurológicos. As manifestações neurológicas já descritas em associação com esta síndrome serão enfocadas individualmente e condutas pertinentes frente a elas serão discutidas.
Diagnóstico da Síndrome de Turner
Ainda que o critério exigido para a confirmação do diagnóstico da Síndrome de Turner seja um cariótipo anormal, no qual uma porção ou todos de um dos cromossomos X é inexistente, ela apresenta um pleomorfismo clínico variável. Entretanto, seus achados clínicos cardinais são: baixa estatura, infantilismo sexual e o linfedema periférico. A baixa estatura é um achado clínico fácil de ser reconhecido; ela poderá ser identificada no nascimento e torna-se bastante óbvia para os familiares, freqüentemente pela própria paciente também, antes do início da puberdade. Considera-se que uma taxa de crescimento inferior a 4 cm ao ano durante a infância seja uma boa indicação para a investigação etiológica da baixa estatura; aliás, o diagnóstico da síndrome de Turner deveria ser suspeitado em todas as meninas de baixa estatura5. Amenorréia primária ou secundária de etiologia inexplicável também deveria levar ao questionamento desta possibilidade e, igualmente, a presença de linfedema em meninas deveria alertar o clínico para a suspeição diagnóstica desta síndrome já no período neonatal. A Tabela 1 lista as principais malformações congênitas observadas que podem facilitar o reconhecimento desta entidade a partir do nascimento. Já em termos de diagnóstico diferencial, sumarizado na Tabela 2, a Síndrome de Noonan é a mais importante entidade a ser considerada. Os pacientes com a Síndrome de Noonan têm sido descritos como os pacientes com "Turner do sexo masculino", mas na verdade, a Síndrome de Noonan, que é herdada por uma via autossômica dominante, pode ocorrer em ambos os sexos. Tal como os pacientes com a Síndrome de Turner, os pacientes com Noonan podem exibir defeitos físicos similares, como por exemplo: estatura baixa, pescoço alado, cubitus valgus, deformidades torácicas e hipoplasia facial6; mas retardo mental é geralmente mais intenso e mais freqüentemente associado aos pacientes com Noonan que naquelas identificadas com Turner. Além disso, enquanto o achado de estenose da valva pulmonar combinado com alterações físicas características poderia ser considerado como altamente sugestivo de Noonan, coartação da artéria aorta sugere o diagnóstico de Turner7. Entretanto, o aspecto mais importante na distinção entre ambas é que os pacientes com a Síndrome de Noonan apresentam uma constituição cromossômica normal6. Por outro lado, a possibilidade de hipotireoidismo deve ser considerada e este diagnóstico sempre deveria ser argüido em crianças que apresentem déficits no desenvolvimento psicomotor. Óbvias implicações decorrem do fato de que um precoce reconhecimento desta condição poderia levar a um tratamento efetivo da mesma e, em conseqüência, a uma redução sensível no número de deficientes mentais circulantes. Além disso, merece ser enfatizado o fato de hipotireoidismo ser bem mais freqüente entre pacientes com a Síndrome de Turner que na população em geral. Aliás, estima-se que 20% das pacientes adultas com esta anomalia irão apresentar franco quadro de hipotireoidismo de natureza auto-imune8. Embora até em passado recente se estimasse que o retardo mental fosse altamente prevalente nas pacientes com Turner, hoje admite-se que somente uma minoria delas, estimada em 10%, irá apresentá-lo7. Diante disso, seria boa regra clínica neste grupo peculiar de mulheres, excluir causas tratáveis de deterioração mental progressiva antes de concluir pela "irreversibilidade de uma alteração mental congênita". Ainda dentro da Tabela 2, é necessário salientar uma das possibilidades lá colocada, por sua importância no mundo moderno: FOME. Em várias regiões do planeta, é possível identificar áreas densamente povoadas (e o nosso charmoso país paradoxal e lamentavelmente está repleto delas), cujas populações a persistirem sobrevivendo em um estado de desnutrição crônica coletiva, darão naturalmente origem à fenótipos defeituosos que mimetizarão os achados físicos de pacientes com a Síndrome de Turner, apesar de cromossomicamente serem normais. Por conseguinte, este aspecto deveria ser levado em consideração, quando estivermos frente à pacientes suspeitos, provenientes de zonas onde a fome é endêmica. Estes indivíduos, sem qualquer conotação preconceituosa, poderiam ser chamados de "nanicos da miséria" e poderão ser difíceis de distinguir clinicamente daqueles pacientes identificados com o epônimo de Noonan.
Tabela 2 - Diagnóstico diferencial da Síndrome de Turner
Baixa estatura
Síndrome de Noonan
Baixa estatura familiar
Hipotireoidismo
Deficiência do hormônio do crescimento
Desnutrição crônica
Síndrome de Leri-Weill (Discondrosteose)
Amenorréia
Disgenesia gonadal pura
Síndrome de Stein-Leventhal
Amenorréia primária/secundária
Linfedema
Linfedema hereditário congênito
AD - tipo de Milroy
AR - linfedema com colestase recorrente
AD - linfedema com linfangiectasia intestinal
Elefantíase em áreas endêmicas
AD - autossômico dominante
AR - autossômico recessivo
Aspectos Neurológicos
Manifestações mentais: retardo/demência?
Os relatos iniciais, extremamente pessimistas, sugeriam que pacientes com Síndrome de Turner teriam, via de regra, uma baixa performance intelectual, com retardo mental de diferentes níveis, afetando a maioria delas9,10. Os resultados destes estudos são questionados atualmente; pondera-se que a incidência de retardo mental tenha sido superestimada no passado e hoje, conforme já citado, aceita-se que a taxa de pacientes com Síndrome de Turner e retardo mental concomitante seja algo em torno de 10%. Todavia, Money, pesquisando déficits neuropsicológicos, encontrou nas suas pacientes uma "significativa discrepância entre a performance obtida nos testes verbais e de QI, com o pior desempenho sendo observado na organização perceptual, isto é, um tipo de cegueira espacial, além de um certo grau de discalculia; alterações que sugerem uma anomalia no desenvolvimento do lobo parietal em muitas pacientes com Síndrome de Turner"11,12. Ainda mais recentemente, Tsuboi et al, avaliando resultados de eletroencefalogramas realizados em 62 pacientes com Síndrome de Turner e comparando com grupo controle, concluiu que "há evidências de transitória hipofunção nas áreas temporal, parietal e occipital, mais freqüentemente no hemisfério direito, que sugere a presença de um distúrbio funcional no tálamo e na substância reticular ascendente que altera o circuito tálamo-cortical"13. Lamentavelmente, tomografia computadorizada por emissão de pósitrons ou ressonância nuclear magnética, exames complementares que poderiam definir o significado destas alterações eletroencefalográficas, bem como esclarecer a razão dos déficits neuropsicológicos detectados, não foram feitos por nenhuma das pacientes desse estudo.
Entretanto, há também quem afirme que a prevalência de retardo mental em pacientes com Síndrome de Turner que tenham anormalidades no cariótipo limitadas ao cromossomo X, não será diferente que na população em geral14. Apesar das controvérsias, parece haver um consenso de que o achado de déficit intelectual deveria merecer cuidadosa avaliação. Como quadros clínicos de deterioração mental gradativa, não raramente, são diagnosticados como "retardo mental", um rótulo contundente que sugere simultaneamente a ausência de uma terapêutica efetiva e a irreversibilidade da situação, seria boa política sempre que houver dúvidas em relação à natureza do processo, submeter a paciente com Turner que apresente "retardo mental" a criteriosa investigação complementar com o intuito de impedir que causas tratáveis de demência acabem aniquilando-a.
Neste aspecto, uma delas, já mencionada anteriormente, merece particular atenção por sua alta freqüência entre pacientes com essa condição: HIPOTIREOIDISMO. Aproximadamente 20% das pacientes adultas com Turner o apresentarão. Além dos sinais e sintomas clássicos, ele poderá se apresentar com quadro de miopatia difusa, que poderá dificultar o seu reconhecimento. Também a possibilidade de HIDROCEFALIA deveria ser considerada no diagnóstico diferencial da paciente com deterioração mental progressiva. Igualmente a hipótese de múltiplos infartos cerebrais deveria ser aventada, pois anomalias vasculares descritas em cérebros de pacientes com Turner, poderão provocar lesões isquêmicas difusas e, eventualmente, serão a etiologia dos déficits cognitivos16. Malformações congênitas no SNC, outrora identificadas em estudos neuropatológicos16,18, embora muitas delas continuem tendo um sombrio prognóstico terapêutico, poderão ser identificadas pelos modernos exames complementares disponíveis atualmente e correlacionadas com a deficiente performance intelectual. Mais raramente, poderá ocorrer na mesma desafortunada paciente, a combinação de duas síndromes genéticas maiores, Down e Turner, que Villaverde sugere chamar de Polissíndrome Turner-Mongolismo19. Pacientes apresentando esta inusitada combinação de síndromes, constituem um desafio diagnóstico para o médico assistente. Todavia, recordo-lhe que esta alteração poderá ser a causa óbvia da deficiência mental exibida por uma paciente em particular.
Cefaléia
Cefaléia é um sintoma cada dia mais freqüente na sociedade moderna. Ela é a expressão comum de uma gama variada de enfermidades; entretanto, a má qualidade de vida, causa ou conseqüência de ansiedades e frustrações, persiste sendo o grande gerador de cefaléia na maior parte dos seus sofredores. Assim, a cefaléia dita tensional, será o tipo mais comumente encontrado na população em geral e não raro, alguns destes pacientes serão a origem da "dor de cabeça" do médico assistente. Apesar da inexistência de estudos nesta área, podemos supor que pacientes com Síndrome de Turner, por possuírem todos os ingredientes necessários20, terão uma incidência de cefaléia tensional, no mínimo igual àquela encontrada na população em geral. Sugestões terapêuticas para esta comum condição foram feitas em publicação não tão recente; porém suas recomendações permanecem válidas21. Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) não controlada poderá ser causa de cefaléia e esta alteração tem uma alta prevalência em pacientes com a Síndrome de Turner. Aliás, estima-se que 30% delas apresentarão níveis tensionais elevados e as possibilidades etiológicas de coartação da aorta e de feocromocitoma deveriam ser interrogadas em todas aquelas identificadas como sofredoras de HAS22.
Mas, além disso, o que precisa ser realçado é a existência de vários relatos comunicando a presença de anomalias vasculares diversas nestas pacientes, em uma taxa bem acima daquela observada na população em geral. Tais anormalidades vasculares poderão ser encontradas em qualquer parte do organismo, incluindo o Sistema Nervoso Central (SNC). Coartação da aorta é vista em pelo menos um terço das pacientes e aneurismas do SNC tem sido descritos mais recentemente16,17,23. Deste modo, a queixa de cefaléia proveniente de pacientes com Síndrome de Turner deve ser valorizada e a possibilidade de sangramento em SNC sempre deverá ser interrogada, principalmente quando ela for de instalação súbita e estiver acompanhada de vômitos. Pacientes com quadro de hemorragia sub-aracnoídea, além destes sintomas, freqüentemente apresentam sinais de irritação meníngea e febre também. A história de subtaneidade da instalação do quadro é crucial para diferenciação clínica com meningite bacteriana; entretanto, muitas vezes, só com exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) ou evidência imageológica, poderá ser estabelecido o correto diagnóstico21. Valorizar a queixa de cefaléia nestas pacientes poderá evitar a repetição do ocorrido com uma das pacientes descritas por Reske-Nielsen et al, encontrada morta em seu quarto, após repetidas visitas aos serviços de saúde, por CEFALÉIA RECIDIVANTE; com necrópsia exibindo extensa hemorragia sub-aracnoídea secundária a ruptura de aneurisma da artéria cerebral posterior16. Com base nestes dados, parece sensata a sugestão de incluir as pacientes com Síndrome de Turner no grupo de risco para desenvolvimento de hemorragia em SNC. É oportuna a lembrança de que cefaléia recidivante possa ter etiologia outra que enxaqueca21,24.
Pacientes com a Síndrome de Turner também poderão desenvolver cefaléia persistente secundária a um aumento benigno e idiopático da pressão intra-craniana, pois quadros de pseudo-tumor cerebral tem sido descritos com certa freqüência entre elas6,26. Classicamente, a cefaléia nestes casos é generalizada, pulsátil e pior no período matinal. Ela pode ser agravada com manobras que aumentam a pressão do LCR como compressão de jugulares, tosse, defecação, etc. Entretanto, não raramente, deficiência visual por atrofia óptica secundária a crônico papiledema, ao invés de cefaléia, é o primeiro sintoma que aparece27. Há quem sugira que o diagnóstico da Síndrome de Turner deveria ser considerado e estudos cromossomiais realizados naquelas mulheres com pseudo-tumor cerebral que tenham baixa estatura e história de múltiplos abortos, menopausa precoce ou infertilidade, já que estes poderão ser os únicos indicadores da síndrome26. Por outro lado, quadro de hipertensão intra-craniana benigna tem também sido associado com o uso de hormônio tireoidiano para o tratamento de hipotireoidismo28 e se considerarmos que aproximadamente 20% das pacientes com Síndrome de Turner irão desenvolver franco hipotireoidismo, necessitando de terapêutica hormonal específica, este fato poderá ter importância. Diante disto, a monitorização do exame do fundo de olho é uma necessidade, particularmente naquelas pacientes com Turner que estão em tratamento com hormônio tireoidiano, pois a identificação precoce de edema de papila induziria ao diagnóstico apropriado com um mínimo de transtornos para ambos, médico e paciente.
Finalmente, caberia ressaltar que o sintoma cefaléia apresenta um número considerável de alternativas etiológicas na população em geral21, dados que obviamente também se aplicam às pacientes com Síndrome de Turner; contudo, as causas listadas aqui são de um ponto de vista neurológico, as que devem ser enfatizadas por serem as mais prevalentes nestas pacientes.
Epilepsia
Apesar de várias publicações mencionarem a ocorrência de epilepsia em pacientes com Síndrome de Turner, nestes relatos, epilepsia foi relegada a um plano secundário, não havendo uma boa descrição deste aspecto7,15,20. Entretanto, há dados suficientes para sugerir uma maior prevalência de epilepsia em pacientes com Turner que na população em geral20. O fato destas pacientes terem predominantemente crises parciais, reforça a necessidade imperiosa de se confirmar/descartar lesão estrutural no SNC como etiologia. Porém, merece registro que crises de opsomioclonus ("olhos dançantes") sugere a possibilidade de neuroblastoma; uma relação muito bem documentada por outros autores e com bom prognóstico, a despeito de às vezes o tumor ser de difícil localização29.
Exames complementares apropriados para tal finalidade deveriam ser realizados em todas as pacientes com Síndrome de Turner que apresentem crises epiléticas, independendo de como estas foram classificadas.
De um ponto de vista terapêutico é importante salientar que como todas essas pacientes aparentemente têm uma maior predisposição para apresentarem distúrbios cognitivos diversos, drogas barbitúricas e benzodiazepínicas, salvo em situação especial, não deveriam ser consideradas para o tratamento inicial das crises, pois ambas têm um potencial superior que as demais drogas anti-epiléticas para desencadear problemas na esfera cognitiva ou agravar aqueles porventura já pré-existentes1,30. Por outro lado, o bom senso recomenda poupá-las dos malefícios estéticos freqüentemente associados com o uso crônico de fenitoína. Aliás, em nossa opinião esta deveria ser a última opção medicamentosa para o tratamento de mulheres com epilepsia, não importando idade ou condição associada31,32.
Anorexia nervosa
É aceito que pacientes com Síndrome de Turner tenham um risco aumentado para desenvolverem anorexia nervosa. Desta maneira, apesar dos poucos estudos disponíveis nesta área, a sugestão de se checar o cariótipo de todas as mulheres com anorexia nervosa parece lógica33. Transtornos psíquicos em decorrência de anormalidades físicas que todas as pacientes apresentam e também de limitações intelectuais observadas em um significativo número delas, certamente dever tomar importante participação na gênese desse distúrbio; ainda que inanição como meio de suprimir a sexualidade têm sido sugerida como o principal fator na sua etiologia34. Independente das condições que estiverem associadas, a aplicação da tabela de avaliação criada por Morgan e Russell facilitaria o seguimento clínico de pacientes com anorexia nervosa. Por ser de fácil utilização e não requerer treinamento especial, ela deveria ser empregada em todas essas pacientes35.
No caso de uma determinada paciente ter epilepsia concomitante, independentemente do tipo de crise ou síndrome epilética identificada, valproato de sódio deveria ser considerada como a droga de primeira opção; não somente por possuir reconhecida eficácia no tratamento de crises parciais ou generalizadas, mas principalmente por apresentar aumento de peso como freqüente efeito colateral5,31. O mecanismo pelo qual esta droga promove ganho de peso é ainda obscuro, postulando-se porém uma ação direta sobre os centros hipotalâmicos da fome, provocando desta maneira um apetite insaciável em muitos dos seus usuários36.
Conclusões
1. O constante aparecimento de malformações extracranianas, algumas das quais freqüentemente combinadas com malformações no SNC, e a incidência relativamente alta de disfunção cognitiva nas pacientes com Síndrome de Turner, parecem justificar a hipótese de que em uma certa porcentagem de casos, uma malformação no SNC poderá ser um componente ainda não descrito desta síndrome.
2. Todas as pacientes com Síndrome de Turner que apresentem sintomas relacionados ao SNC, epilepsia ou cefaléia por exemplo, deveriam ser investigadas para confirmação/exclusão de anormalidades no SNC como etiologia, pois muitas das anomalias já descritas nestas pacientes poderão ter uma eficaz terapêutica. Investigação neuro-radiológica apropriada deveria ser implementada para detecção de dano cortical e alterações vasculares tipo aneurisma ou malformações.
3. Cuidadosa avaliação deveria ser conduzida em todas as pacientes com Síndrome de Turner que apresentem evidências de déficits cognitivos. Exames neuropsicológicos seriados poderão ser necessários para que se estabeleça com segurança a diferenciação entre retardo mental e deterioração mental progressiva. Nesta circunstância, sempre as hipóteses diagnósticas de hipotireoidismo e hidrocefalia deveriam ser consideradas por representarem condições passíveis de um tratamento eficaz.
4. Aproximadamente 30% das pacientes com Síndrome de Turner apresentam hipertensão arterial sistêmica e esta alteração poderá se expressar com sintomas diversos. Entretanto, quando identificadas nestas pacientes, as possibilidades de coartação da aorta e feocromocitoma deveriam ser interrogadas, pois ambas poderiam ter soluções cirúrgicas adequadas ao invés de crônica administração de drogas sintomáticas.
AGRADECIMENTOS
O autor gostaria de tornar público seu seu eterno agradecimento ao Chalfont Centre for Epilepsy, Londres/UK, pelo indispensável apoio durante o ano de 1989, oportunidade em que esta revisão foi empreendida. Suzy Joas foi pessoa bela (in all senses) e fundamental.
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2006-10-25 07:47:16
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