Antes de entrar para a medicina, como qualquer outra adolescente eu tinha poucas certezas na vida. Uma delas era a de que, se um dia eu tivesse filhos, optaria pela cesárea. Não conseguia imaginar como e muito menos por que um bebê tinha que passar por um orifício tão estreito! Passei no vestibular e essa certeza me acompanhou. Continuei achando inconcebível a relação cabeça-orifício, e nessa época, tomada por uma crise de ego típica de calouros de medicina, e incentivada por idéias feministas, achava a dor do trabalho de parto coisa do tempo do espartilho - experiência pela qual eu, pessoa pertencente a outra época, não era obrigada a vivenciar!
Mas os anos foram correndo, a empolgação dos primeiros anos de medicina sendo esquecida, e me vi inserida num serviço de ginecologia e obstetrícia, e convivendo com a rotina dos partos e discussões sobre cesárea ou não-cesárea quase que diariamente. Uns se manifestavam contra, outros a favor e eu, sempre em cima do muro por puro comodismo, decidi me posicionar apenas quando chegasse a minha hora - ou quando me visse numa situação onde não tivesse alternativa. Ao menos a essa altura eu já sabia que a vagina tem um tecido elástico e que a possibilidade da anestesia mesmo no parto normal é real!
O tal momento chegou: na semana passada, recebi um press release sobre uma ação pública promovida por uma rede de mulheres, que atua dando apoio às grávidas e divulgando os benefícios do parto normal ativo. Assim, aproveitei a oportunidade. Mas insisto: como não sou obstetra, nem mãe ainda, e no curso médico essa nunca foi questão de prova, não tenho opinião formada sobre o assunto. Nas únicas vezes que me peguei pensando por mais de alguns segundos em parto normal X cesárea, posso garantir que não havia qualquer base científica na minha concatenação de idéias. O que pretendo aqui é, portanto, chamar atenção para o dilema, muito mais do que tirar conclusões sobre um ou outro procedimento.
Bom, fui atrás de argumentos: artigos, livros e opinião de especialistas e de mães. O parto normal, como não podia deixar de ser, tem muito mais adeptos do que a cesariana - pelo menos no discurso, é essa a impressão que fica. Basicamente por proporcionar rápida recuperação, não haver dor no pós-parto, por favorecer a lactação, e principalmente, por ser o meio de escapar da cesárea e de sua lista extensa de desvantagens.
Dessas, destaco: a probabilidade de haver uma hemorragia é 10 vezes maior do que em um parto normal, o risco de morte da mãe chega a ser 16 vezes maior, a possibilidade de desenvolvimento de infecção puerperal ou pós-parto é 30 a 40 vezes maior, pode haver problemas com a incisão cirúrgica e anemia, doenças da vesícula biliar e apendicite aguda. Além desses, existem ainda os riscos da anestesia e a bem provável necessidade de outra cesárea para qualquer parto subseqüente. A recuperação é lenta, há dor no pós-parto e atraso na lactação.
Mas o parto normal também tem seus problemas: danos à pelve, uretra e ânus, além de, a longo prazo, predispor a problemas como bexiga caída, incontinência urinária e fecal. A cesárea não é sempre a vilã - em muitas ocasiões, essa técnica figura como procedimento mais adequado. Dentre essas ocasiões, listo algumas: quando o bebê está em uma posição anormal ou com padrões de batimentos cardíacos anormais, na presença de cicatriz vertical no útero proveniente de uma cirurgia prévia, quando há dilatação do colo do útero insuficiente, criança grande ou bacia da mãe muito pequena, descolamento prematuro da placenta (que ocasiona hemorragias e falta de oxigenação fetal), encurtamento do cordão umbilical, mãe de primeiro filho idosa, eclampsia ou pré-eclampsia, insuficiência placentária, mãe hipertensa ou diabética.
Se você leitor, mesmo diante do exposto acima ainda não conseguiu adotar uma opinião, fique tranqüilo. O fato é que, na medicina, quase tudo segue a ordem do "nem nunca nem sempre". Isso quer dizer que cada situação é uma situação, e determinados casos podem levar até os mais ferrenhos defensores do parto normal a colocarem a cesariana no topo da lista de preferência. Mais importante do que se posicionar é saber os benefícios e malefícios de cada procedimento, para que a escolha seja no mínimo consciente.
O Brasil é o país com as mais altas taxas de parto cesariano do mundo. Em certas regiões, chega a computar 80% dos partos na rede particular e 27% na rede pública - a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que apenas 15% dos partos sejam cesarianas. Em alguns países desenvolvidos esse número chega a ser quatro vezes menor.
São vários os fatores que contribuem para essa realidade. Desde a má informação das gestantes e despreparo do profissional de saúde, até causas absurdas como a comodidade do médico, que num parto normal pode precisar assistir pacientes por até 48 horas, contra uma ou duas horas tomadas na cesariana.
Sobre a desinformação das gestantes, passei uma semana abordando toda mulher grávida que via e perguntando se já tinha se decidido pela cesárea ou parto normal. A maioria das que já tinha uma escolha definida, optou pelo parto normal. Mas quando eu perguntava o por quê dessa decisão, poucas conseguiam me dizer algo além do básico "a recuperação da mãe é mais rápida e é melhor para a criança".
Os depoimentos das já mães, por sua vez, também foram bastante semelhantes. Quase todas aquelas que passaram pela cesariana de última hora - aquelas que queriam parto normal durante toda a gestação e que fizeram cesárea na hora H - não sabem ao certo o motivo pelo qual terminaram assim: "acho que foi falta de dilatação", dizem umas. "Se não me engano, foi alguma coisa com o cordão que tava sufocando o bebê", relatam outras. Ou seja, há uma enorme falta de comunicação entre o médico e a paciente, o direito à informação da gestante não é respeitado, e essas mulheres são praticamente induzidas a passar por procedimentos que envolvem riscos, sem que, em muitos casos, haja uma real necessidade.
Para que essas estimativas não continuem desgovernadas, é importante conhecer as vantagens e desvantagens de cada método, assim como estar preparado para se desvencilhar de alguns mitos como os que seguem abaixo:
Desempenho sexual comprometido - O relaxamento da musculatura pélvica não altera em nada o desempenho sexual.
Falta de Dilatação - Tecnicamente não existe falta de dilatação em mulheres normais. Ela só não acontece quando o médico não espera o tempo suficiente. A dilatação do colo do útero é um processo passivo que só acontece com as contrações uterinas.
Bacia Estreita - Existem situações não muito comuns em que um bebê é grande demais para a bacia da mulher, ou então está numa posição que não permite seu encaixe. Não mais que 5% dos partos estariam sujeitos a essa condição.
Parto Seco - O parto nunca é rápido demais ou demorado demais enquanto mãe e bebê estiverem bem, com boas condições vitais, o que é verificado durante o trabalho de parto. Um parto pode demorar 1 hora como pode demorar três dias, o mais importante é um bom atendimento por parte da equipe de saúde. O que dá à equipe as pistas sobre o bebê são os batimentos cardíacos. Enquanto eles estiverem num padrão adequado, então o parto está no tempo certo para aquela mulher.
Bebê passou da hora - Os bebês costumam nascer com idades gestacionais entre 37 e 42 semanas. Mesmo depois das 42 semanas, se forem feitos todos os exames que comprovem o bem estar fetal, não há motivos para preocupação. O importante é o bom pré-natal. Caso os exames apontem para uma diminuição da vitalidade do feto, a indução do parto pode ser uma ótima alternativa.
Cordão Enrolado - O cordão umbilical é preenchido por uma gelatina elástica, que dá a ele a capacidade de se adaptar a diferentes formas. O oxigênio vem para o bebê através do cordão direto para a corrente sanguínea. Assim, o bebê não pode sufocar.
Não entrou/não teve trabalho de parto - Toda mulher entra em trabalho de parto, mais cedo ou mais tarde. Ela só não vai entrar em trabalho de parto se a operarem antes disso.
Não tem dilatação no final da gravidez - Uma mulher pode chegar a 42 semanas sem dilatação, sem contrações fortes, sem perder o tampão e de uma hora para outra entrar em trabalho de parto e dilatar tudo o que é necessário. É impossível predizer como vai ser o parto por exames de toque durante a gravidez.
Placenta envelhecida - A qualidade da placenta isoladamente não tem qualquer significado. Ela só tem significado em conjunto com outros diagnósticos, como a ausência de crescimento do bebê, por exemplo. A maioria das mulheres tem um "envelhecimento" normal e saudável de sua placenta no final da gravidez. Só será considerada anormal uma placenta com envelhecimento precoce, por exemplo, com 30 semanas de gravidez.
2006-09-30 07:42:13
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answer #11
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