A cefaléia é um fenômeno conhecido desde os primórdios da história da humanidade. Há descrições e achados arqueológicos que sugerem uma data aproximada de 7.000 anos a.C. Nesta época, o tratamento usado era a trepanação “in vivo”, onde havia a crença de que a dor era causada por maus espíritos e a abertura de orifícios no crânio permitiria a saída destes espíritos. Vários relatos foram feitos ao longo dos séculos.
No início do verão, era acometido de cefaléia intensa, ocorrendo e desaparecendo diariamente em horários fixos, com tal intensidade, que me assegurava que não podia mais suportar a dor ou morreria rapidamente. Raramente durava mais que duas horas. E no restante do dia, não havia febre, indisposição na urina, nenhuma fraqueza no pulso. Mas esta dor recorrente durava até o décimo-quarto dia [...]
Esta descrição não menciona a presença explícita de dor unilateral e fenômenos autonômicos. Talvez o paciente tenha omitido e o médico, não habituado com a síndrome, não o argüiu a respeito.
Por outro lado, uma identificação retrospectiva da cefaléia em salvas poderia particularmente ser baseada no seu caráter cíclico e na intensidade excruciante, para diferenciá-la de outras algias crânio-faciais. Este foi o primeiro provável caso descrito de cefaléia em salvas.
Outro provável caso foi descrito por Thomas Willis (1621-1675), que muito contribuiu para observação dos diversos tipos de cefaléias. Ele distinguiu três tipos: contínuo, intermitente e intermitente com ataques incertos. Na segunda forma, a característica de periodicidade é relatada. Dois outros registros foram feitos por Morgagni (1761) e Whytt (1764), referidos por Eadie, em 1992.
Em 1993, Isler publicou uma descrição feita por Gerard Van Swieten’s em 1745. Somente foi descoberta em 1992, em latim, sob o título de van Switen’s “Commentaria”:
Um homem de meia idade, saudável, robusto, estava sofrendo de dor que aparece diariamente, no mesmo horário, no mesmo local, em torno da órbita no olho esquerdo, onde o nervo emerge, na abertura do osso frontal; após um período curto, o olho esquerdo se torna vermelho e transborda em lágrimas; depois, ele sente como se seu olho estivesse sendo empurrado para fora da órbita, com tanta dor que parece que vai levá-lo à loucura. Após algumas horas, todos estes eventos cessam, e nada no olho se assemelha com aquela mudança.
Eu ordenei uma sangria, dei purgantes antiinflamatórios, freqüentemente aplicava porções no seu pescoço, coloquei-o em isolamento, mas tudo em vão.
Mas na tentativa de entender esta fabulosa doença, eu ia ver o paciente na hora que ele sentia que a dor retornaria, e eu vi todos os sintomas por ele mencionados; porém, no pulso radial, não descobri alteração.
O paciente me lembrou, enquanto eu sentava ao seu lado, que ele sentia uma forte pulsação no ângulo medial do seu olho.
Eu coloquei a ponta do meu dedo menor na artéria que passa no ângulo, suficientemente palpável, enquanto minha outra mão sentia o pulso radial.
E depois, eu objetivamente percebi como esta artéria do ângulo estava pulsando mais rapidamente e fortemente do que normalmente e naturalmente ocorre.
Eu, portanto acreditei que havia febre, mas localizada; e eu dei quinina e curei a dor com sorte: e eu aprendi a partir deste caso, a usar o mesmo remédio posteriormente em casos semelhantes.
Esta descrição histórica foi a primeira a preencher os critérios da Sociedade Internacional de Cefaléia (SIC) para CS episódica.
Os aspectos clínicos têm sido abordados na literatura desde a metade do século XIX, sob a denominação de vários epônimos. Em 1822, neuralgia espasmódica por Hutchinson. Romberg, em 1840, apresentou um quadro sugestivo, sem denominá-lo. Em 1867, Mollendorf se refere à CS como enxaqueca vermelha. Eulenburg, em 1878, denominou-a hemicrania angioparalítica. Sluder, em 1910, a descreve como neuralgia esfenopalatina ou síndrome de Sluder, e Bing, em 1913, como eritroprosopalgia ou síndrome de Bing. Vallery-Radot e Blamoutier, em 1925, a descreveram como síndrome de vasodilatação hemicefálica de origem simpática. Harris, em 1926, a denomina neuralgia migranosa periódica e em 1936, neuralgia ciliar. Parece que este neurologista londrino teria sido o primeiro a notar os sinais autonômicos presentes na crise. Em 1930, Charlin a chama de síndrome do nervo nasociliar. Em 1932, Vail a denominou neuralgia vidiana. Em 1935, Brickner e Riley a denominam de faciocefalalgia vegetativa ou autonômica.
O mais completo relato da síndrome foi apresentado em 1939, por Horton, Mclean e Craig, com a denominação de eritromelalgia cefálica e em 1952, pelos mesmos autores, de cefaléia histamínica, cefaléia de Horton ou síndrome de Horton. Em 1947, Gardner, Stowell e Dutllinger a descreveram como neuralgia do grande nervo petroso superficial ou neuralgia petrosa superficial. Embora alguns autores discordem de que Horton tenha sido o primeiro a descrever o quadro mais completo da CS, todos são concordes em que o autor, após seus trabalhos, fez com que o quadro clínico passasse a ser reconhecido e divulgado. Em 1956, Horton já destacava a freqüência noturna e o horário que o paciente é acordado pela dor, geralmente uma a duas horas após o início do sono. Menciona o álcool como deflagrador na salva e sugere a diidroergotamina e a inalação de oxigênio para tratamento da crise.
O termo “Cluster Headache” foi primeiramente usado por Kunkle e col., em 1952, para destacar a forma típica de recorrência da dor. Em 1958, Friedman e Mikropoulos ampliaram o quadro clínico e legitimaram o termo “Cluster Headache”. Symonds (1956) contribuiu com uma narrativa mais minuciosa, porém não acrescentou novas informações. Em 1965, Heyck, a caracterizou como síndrome cefalálgica de Bing.
Descrições e Nominações da Cefaléia em Salvas ao Longo do Tempo
1822 - Hutchinson - Neuralgia espasmódica
1840 - Romberg - quadro sugestivo sem denominação
1867 - Mollendorff - Enxaqueca Vermelha
1878 - Eulenburg - Hemicrania Angioparalítica
1910 - Sluder - Neuralgia Esfenopalatina ou Síndrome de Sluder
1913 - Bing - Eritroprosopalgia ou Síndrome de Bing
1925 - Vallery-Radot e Blamoutier - Síndrome de Vasodilatação
Hemicefálica de Origem Simpática
1926 - Harris - Neuralgia Migranosa Periódica
1927 – Sluder – Enxaqueca Associada a Fenômenos Simpáticos
1928 – Glasser – Neuralgia Atípica
1930 – Charlin – Síndrome do Nervo Nasociliar
1932 - Vail - Neuralgia Vidiana.
1935 – Brickner e Railey – Faciocefalalgia Vegetativa ou Autônoma
1936 - Harris - Neuralgia Ciliar.
1939 - Horton, Mclean e Craig – Eritromelalgia Cefálica
1947 - Gardner - Neuralgia Petrosa Superficial
1947 - Gardner,Stowell e Dutllinger - Neuralgia do grande nervo petroso superficial ou Petrosa Superficial
1952 - Horton, Mclean e Craig/Kunkle/Symonds - Cefaléia Histamínica, Cefaléia de Horton ou Síndrome de Horton
1958 - Friedman e Mikropoulos - “Cluster Headache”
1965 - Heyck - Síndrome cefalálgica de Bing
1979 - Raffaelli - Cefaléia em Salvas
Em 1969, Graham descreveu, pela primeira vez, as características faciais típicas associadas à CS, mencionando o aspecto “leonino” e a presença de telangectasias, sulcos faciais profundos e pele em “casca de laranja”, assemelhando-se à fácies de um alcoólatra.
Na literatura nacional, por muito tempo, essa forma clínica de dor de cabeça foi conhecida como “cefaléia histamínica” ou “cefaléia de Horton”. O termo cefaléia “em salvas” se deve a Raffaelli (1979), logo se tornando a designação oficialmente aceita e recomendada pela SBCe.
2006-09-29 23:07:19
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answer #1
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answered by Pyru 5
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A cefaléia em salvas é uma doença pouco conhecida, inclusive pela classe médica. Trata-se da mais dolorosa de todas as dores de cabeça, sendo os homens as maiores vÃtimas. Por causa do seu desconhecimento, com freqüência pacientes com essa doença são diagnosticados e tratados de maneira errônea.
A cefaléia em salvas é caracterizada por:
A. Pelo menos cinco crises preenchendo os critérios de B a D
B. Dor forte e muito forte unilateral, orbitária, supra-orbitária e/ou temporal, durando de 15 a 180 minutos, se não tratada
C. A cefaléia acompanha-se de pelo menos um dos seguintes:
1. hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilaterais
2. congestão nasal e/ou rinorréia ipsilaterais
3. edema palpebral ipsilateral
4. sudorese frontal e facial ipsilateral
5. miose e/ou ptose ipsilateral
6. sensação de inquietude ou agitação
D. As crises têm uma freqüência de uma a cada dois dias a oito por dia
E. Não atribuÃda a outro transtorno
Cerca de 10 a 15% dos pacientes têm sintomas crônicos sem remissões. Para ser caracterizada CS crônica, a dor deve ocorrer por pelo menos um ano, sem remissão ou com remissões menores que um mês. Pode ser crônica desde o inÃcio (previamente denominada CS crônica primária) ou evoluir da episódica (previamente denominada CS crônica secundária). Há também a possibilidade do paciente evoluir da forma crônica para a episódica. Foram identificados possÃveis fatores preditivos para um risco aumentado de evolução desfavorável da forma episódica para a forma crônica. O inÃcio tardio, a presença de ataques esporádicos, uma freqüência alta de perÃodos de salva e uma curta duração dos perÃodos intercrises podem significar o agravamento do quadro. As razões para a evolução de episódica para crônica ainda são desconhecidas, mas alguns fatores, como trauma craniano, variações no estilo de vida (por exemplo, tipo de cigarro, freqüência de uso de álcool, etc.), foram indicados como influência negativa com o passar do tempo no curso da dor.
A localização retrorbitária (92%) é a mais freqüente, seguida da localização temporal. Em um estudo recente com 230 pacientes, a dor foi estritamente unilateral em todos pacientes estudados, não havendo predileção significativa pelo lado da dor. Nos casos episódicos, 14% tiveram alternância na mesma salva e 18% na salva seguinte. Dois pacientes apresentaram mudança do lado da dor durante a mesma crise. Alguns casos raros de dor bilateral já foram descritos e podem se apresentar de várias formas: alternância de lado em salvas distintas e alternância de lado na mesma salva, como observadas neste estudo citado ou até mesmo bilateral na mesma crise.
Segundo os autores deste estudo, a duração média máxima de uma crise foi de 159 minutos enquanto a duração média mÃnima foi de 72 minutos. O número máximo de crises foi de cinco nas 24 horas. A média de tempo de remissão foi de um ano, tendo relatos de remissão de 20 anos e o menor de oito semanas.
A maioria referiu predileção pelas estações de outono e primavera, inclusive os pacientes com CS crônica, que relataram exacerbação das crises nestas estações. As crises noturnas foram observadas em 73% dos pacientes, acordando-os à noite.
O lacrimejamento é o sinal autonômico mais freqüente, seguido por hiperemia conjuntival e congestão nasal. Há também relatos de náusea, fotofobia, fonofobia e osmofobia durante a crise. A náusea e os vômitos são mais freqüentes nas mulheres com CS (46,9% vs. 17,4%), enquanto a fotofobia, a fonofobia e a osmofobia se manifestam proporcionalmente em homens e mulheres. A agitação e a inquietude durante a crise foi relatada por 93% dos pacientes e não houve exacerbação da dor pelos movimentos, importante fato no diagnóstico diferencial. Sacquegna e col., em 1987, estudaram o curso de 72 pacientes com cefaléia em salvas episódica, observando que 86% dos casos tinham freqüência regular das salvas por ano e 69% tinham regularidade na freqüência e duração das salvas. A maioria tinha uma salva por ano. O autor sugere que a história natural seja caracterizada pela regularidade, envolvendo mecanismos de controle biológico.
Os sintomas de aura em associação à crise de CS têm sido descritos em aproximadamente 6% dos pacientes. Neste grupo de 101 pacientes estudados por Siberstein e col., a aura durou de cinco a 120 minutos e ocorreu antes da dor em todos os casos. No estudo realizado por Bahra, May e Goadsby, em 2002, 14% dos pacientes mencionaram a presença de aura, semelhante à aura migranosa, durando até 60 minutos, ocorrendo antes ou após a dor. A maioria (70%) apresentou sintomas visuais, também ocorrendo relatos de hemiparesia (16%) e hemiparestesia (13%). No mesmo estudo, 36% dos pacientes com aura tinham migrânea concomitante, sendo que destes pacientes, 40% tinham migrânea com aura. A hemiparesia também foi descrita em quatro casos por Siow e col. (2002), sendo que um dos casos apresentava história familiar semelhante. Os autores interrogam a possibilidade de ser uma canalopatia, com herança autossômica dominante em alguns casos. Na migrânea hemiplégica, a hemiparesia usualmente é precedida pela dor e pode durar menos de uma hora, até dias ou semanas. Recentemente, outros casos foram descritos e verificou-se uma canalopatia nos canais de cálcio, com mutação especÃfica nos canais de cálcio alfa tipo P/Q, subunidade 1A (CACNA1A), cromossomo 19 p13. Talvez estudos genéticos posteriores possam elucidar a causa do chamado “hemiplegic cluster disorder”.
Alguns fatores são considerados como deflagradores da crise, como o álcool, medicamentos vasodilatadores, histamina, sono, alterações comportamentais, aumento das atividades fÃsica, mental ou emocional. As alterações emocionais parecem influenciar principalmente os casos crônicos.
Com os estudos evidenciando sintomas freqüentemente associados à dor, várias sugestões foram sendo feitas para inclusão de algumas caracterÃsticas à classificação. Alguns itens foram considerados e incluÃdos, como a agitação e a inquietude durante a crise, descritas por vários autores.
Fenômenos sensoriais, como fotofobia, fonofobia e osmofobia, e a possÃvel presença de náuseas e vômitos, são descritos em vários estudos. Segundo Van Vliet e col. (2003), este é um dos motivos principais para o erro diagnóstico pelo não especialista, muitas vezes confundindo-a com a migrânea. Um relato freqüente é a ausência de exacerbação da dor com esforço fÃsico, ajudando no diagnóstico diferencia.
O quadro clÃnico observado em casos genéticos parece não se alterar. O que foi representativo no estudo de Torelli e Manzoni (2003) onde foram estudados 19 casos entre familiares foi a precocidade do inÃcio da dor nos casos do sexo feminino.
2006-09-30 06:04:47
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answer #3
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answered by Marcia 3
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