Ora, o respeito à diversidade é um dos valores mais importantes do exercício da cidadania,como não podemos esquecer. Só nesse respeito absoluto podemos entender que nãoexistem seitas (pois não existem grandes e pequenas religiões), não existe sincretismo (poisnão existe uma religião pura de influências de outras) e, acima de tudo, não existe para ohistoriador ou para o filósofo uma religião melhor do que outra. Cada uma colaborou comuma parte do pensamento religioso; cada uma expressa uma visão de um grupo e cada umateve e tem seu valor específico, exatamente por serem diferentes.Ensino de religiões, estudo de diversidades, exercícios de alteridade: estes, sim, podem serconteúdos trabalhados na escola pública. Da mesma forma que o professor de literatura fazreferência a diversas escolas literárias; da mesma forma que o professor de História enfatizadiversos povos, assim o ensino de religiões deve enfatizar diversas expressões religiosas,considerando que as religiões fazem parte da aventura humana.Definição de ReligiãoPara estudar a história dos fenômenos religiosos, portanto, é preciso ficar atento aos usos esentidos dos termos que, em determinada situação, geram crenças, ações, instituições,condutas, mitos, ritos, etc. Além disso, o pensar religioso também pode ser colocado nodomínio da História Cultural que tem, na definição básica do historiador Roger Chartier, oobjetivo central de identificar a maneira através da qual, em diferentes tempos e lugares,uma determinada realidade social é construída, pensada e lida. Representações do mundoque aspiram à universalidade são determinadas por aqueles que as elaboram e não sãoneutras, pois impõem, justificam e procuram legitimar projetos, regras, condutas, etc. Dessaforma, uma abordagem teórica preliminar para o estudo das religiões, do pensamentoreligioso, das formas de religiosidade em geral, é aquela que leva em conta a historicidadedos fenômenos religiosos construídos em variados aspectos e matizados na suacomplexidade histórico-cultural.A maioria das pessoas tem alguma idéia do que seja “religião”. Costuma-se pensar essadefinição como crença em Deus, espíritos, seres sobrenaturais, ou na vida após a morte. Épossível pensar, ainda, esse conceito como o nome de algumas das grandes religiõesmundiais: Cristianismo, Hinduísmo, Budismo ou Islamismo. Embora parte do senso comumwww.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf3
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222sobre o conceito de “religião” aplique-se aos estudos dos fenômenos e sistemas religiosos,eles são insuficientes para estudos científicos.O próprio termo “religião” originou-se da palavra latina religio, cujo sentido primeiro indicavaum conjunto de regras, observâncias, advertências e interdições, sem fazer referência adivindades, rituais, mitos ou quaisquer outros tipos de manifestação que,contemporaneamente, entendemos como religiosas. Assim, o conceito “religião” foiconstruído histórica e culturalmente no Ocidente adquirindo um sentido ligado à tradiçãocristã. O vocábulo “religião” - nascido como produto histórico de nossa cultura ocidental esujeito a alterações ao longo do tempo – não possui um significado original ou absoluto quepoderíamos reencontrar. Ao contrário, somos nós, com finalidades científicas, queconferimos sentido ao conceito. Tal conceituação não é arbitrária: deve poder ser aplicada aconjuntos reais de fenômenos históricos suscetíveis de corresponder ao vocábulo “religião”,extraído da linguagem corrente e introduzido como termo técnico.Por isso, uma definição para uso acadêmico e científico não pode atender a compromissosreligiosos específicos, nem ter definições vagas ou ambíguas, como, por exemplo, definir“religião” como “visão de mundo”, o que pressuporia que todas as “visões de mundo” fossemreligiosas. Do mesmo modo, se “religião” é definida como “sagrado”, a questão torna-sesaber o que é “sagrado” e o seu oposto, o “profano”. Outras definições são muito restritivas:a definição “acreditar em Deus” deixa de fora todos os politeísmos e o Budismo, enquanto acrença numa realidade sobrenatural ou transcendental também não satisfaz, por não sercomum a todas as culturas religiosas.A definição mais aceita pelos estudiosos, para efeitos de organização e análise, tem sido aseguinte: religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos.Aqui, é necessário fazer duas observações: de um lado, é importante ressaltar que, naslínguas de outras civilizações e culturas distintas do Ocidente pós-clássico, não existe umtermo para designar “religião” (no caso da tradição hindu, por exemplo); de outro, que todasas culturas conhecidas possuem manifestações que costumamos chamar de “religião”. Istosignifica pressupor que pode existir uma religião sem essa conceituação, ou que o nossoconceito de “religião” é válido para determinados conjuntos de fenômenos nas culturas ondeaparecem, mas não se distinguem como “religiosos” no interior de outros universos histórico-www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf4
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222culturais. Assim, o conceito de “religião” deve levar em conta a variedade dos fenômenosque costumamos chamar de “religiosos”.Assim sendo, o problema fundamental a ser colocado no estudo dos fenômenos religiososdeve ser o seguinte: Como determinada cultura constrói, historicamente, seus sistemasreligiosos, já que para estudar os fenômenos religiosos deve-se estar atento aos usos esentidos dos termos que, em determinada situação histórica, geram crenças, ações,instituições, livros, condutas, ritos, teologias, etc.Diversidade Religiosa como parte da CulturaEstudar os fenômenos e sistemas religiosos como parte da cultura significa apreender umfator identificável da experiência humana, que se apresenta como imagens que passaramatravés de milhares de pessoas, ao longo de diferentes tradições, algumas modeladas nossantuários, outras nas universidades. Entretanto, muito desse universo permaneceinclassificável. Essa constatação, contudo, não deve ser impedimento para pensarmos otema. Ao contrário, o reconhecimento de que, em termos de religiões, a variedade é, acimade tudo, humana, significa compreender o nosso lugar no panorama religioso, reconhecendoos “outros” menos como competidores, mas sim, verdadeiramente, como companheiros deaventura existencial.Religiões, religiosidades, experiências religiosas se expressam em linguagem e formassimbólicas. Saber o que foi experimentado, vivido e como isso pode ser compreendido exigea capacidade de identificar coisas, pessoas, acontecimentos, através da nomeação,descrição e interpretação, envolvendo conceitos apropriados e linguagem. Atualmente, osestudos sobre religião e religiosidade valorizam os fenômenos religiosos de formadiversificada. Há o reconhecimento de que as questões religiosas permeiam a vida cotidianacomo religiosidade popular, sob formas de espiritualidade que fornecem elementos paraconstrução de identidades, de memórias coletivas, de experiências místicas e correntesculturais e intelectuais que não se restringem ao domínio das igrejas organizadas einstitucionais.Muitos movimentos religiosos procuram repensar os papéis de gênero, as opções sexuais, aparticipação política engajada, os conflitos em nome da fé, as novas práticas espirituais, asliturgias alternativas e as revisões teológicas, de acordo com as necessidades dawww.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf5
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222modernidade, destacando-se aí o papel das mulheres e das minorias dentro da sociedade esuas expressões culturais. Trata-se, portanto, de privilegiar, como objeto central depesquisas, correntes de pensamento, movimentos, tendências até então consideradosmarginais à cultura religiosa “oficial”: movimentos religiosos dos povos indígenas latino-americanos e africanos; religiões orientais; as centenas de igrejas evangélicas, pentecostais,neopentecostais e avivadas; o espiritualismo, a constituição de identidades religiosasnacionais e supranacionais; a “Nova Era”; as religiões afro-brasileiras como a umbanda e ocandomblé. Desta forma, impõe-se a necessidade de ampliar os limites, desmontandopreconceitos, revendo cronologias e desenvolvendo análises comparativas, numa área deestudos nova e emergente.Nenhuma tradição religiosa é “total”, nem existe um status de favoritismo de religiões.Conhecer o lugar onde estamos e onde os outros estão em relação à fé e às crenças leva-nos a desenvolver um sentido de proporção no amplo campo das religiões, religiosidades,experiências religiosas - onde todos devem ser ouvidos e respeitados. A diversidade se fazriqueza e deve conduzir à compreensão, respeito, admiração e atitudes pacificadoras.Religião sempre foi um assunto de vida e morte, não somente em termos de suas própriasfunções (batismos e funerais), mas também um assunto existencial decisivo para milhões depessoas. O espaço crescente na mídia dos assuntos envolvendo religião não tem sidoacompanhado pelo conhecimento histórico e cultural sobre o tema. Assim, com freqüência,julgamentos apressados e preconceituosos são feitos, baseados em pouco ou nenhumconhecimento. Por isso, é necessário construir e divulgar informações objetivas e críticas deforma a garantir um conhecimento que conduza à compreensão e respeito.Necessitamos saber não apenas quantos são os muçulmanos ou cristãos no mundo, masquais as diferentes formas e maneiras possíveis de ser cristão ou muçulmano, as diferentescrenças e grupos existentes como possibilidades de experiências religiosas que conferemsentido à vida e à morte. Em quase todas as religiões as experiências religiosastranscendentais ou divinas estão relacionadas diretamente ao sentido vida-morte, e sobreisso podem ser encontradas definições, tanto nos monoteísmos quanto nos politeísmos,procurando combater a desesperança e ocupando um grande espaço na realidade cotidianade nosso tempo. Qual é o sentido da vida? De onde viemos? Para onde vamos depois damorte? Questões ainda e sempre fundamentais, para as quais livros foram escritos,www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf6
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222esculturas e pinturas produzidas, poesias e músicas compostas que, nos últimos cinco milanos, formaram um patrimônio cultural que pertence a todos e à história de cada um.Pluralismo, diversidade e tolerância como ação afirmativaNos últimos 200 anos falou-se muito sobre a crise e da decadência das religiões formais. Noséculo XIX, tanto o movimento científico como grupos socialistas falaram de uma agonia dasexpressões religiosas formais. Um coro de filósofos, cientistas e políticos apregoava, noalvorecer do século XX, que não haveria espaço para religiões formais ou para Deus nomundo do avanço científico que se anunciava. As vozes variavam: ora afirmavam a morte deDeus (Nietzsche) ora tratavam do colapso de uma instituição (como a Igreja Católica).Porém, para surpresa de muitos, os séculos XX e XXI foram marcados por um considerávelressurgimento de crenças e práticas religiosas em todo o mundo. Igrejas Católica eProtestantes, Ortodoxos nos países remanescentes da antiga URSS, mesquitas naIndonésia, templos na Índia, marcam este florescimento das religiões. É um desafiocompreender, de forma adequada, o papel que crenças e práticas religiosas desempenhamna construção de subjetividades, sociedades e culturas contemporâneas.Os grupos religiosos estão presentes na mídia, em canais de TV, rádios e jornais. Muitaseditoras e gravadoras têm, no público religioso seu ponto forte. As bancadas religiosas nosCongressos do Ocidente ou governos teocráticos em outras regiões do globo levam a umnovo tipo de dúvida: haverá espaço para o pensamento não-religioso no futuro? Os ateus eagnósticos, as explicações materialistas, o cientificismo e outras formas terão espaço deexpressão? Se no XIX alguns religiosos temeram pelo futuro das instituições, seria válidohoje que os não religiosos também temessem por seu futuro?Para consolo dos que condenam as formas religiosas oficiais ou pessoais, o avanço visíveldo pensamento religioso está sendo acompanhado de muitos atritos entre diversasexpressões religiosas e dentro mesmo de igrejas formais. É inevitável pensar, nestemomento, na questão central da tolerância. Se “religião” não tem uma identidade essencialúnica, não existiu sempre nem é um fenômeno universal, temos que perguntar o que ela é ecomo pode ser estudada.Os trabalhos mais recentes em diferentes áreas de pesquisa defendem a posição de quereligião é um fenômeno histórico, que surge em circunstâncias intelectuais e culturaiswww.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf7
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222particulares. O fenômeno religioso constitui-se por práticas discursivas ocidentais,especificamente definidas para estudos de caráter científico e acadêmico.Embora possamos estudar as funções da religião de forma histórica e crítica, e até abordarde forma hermenêutica os mitos, símbolos e comportamentos sem grandes contradiçõesentre teologia e estudos científicos, tal convivência torna-se tensa e contraditória quandotratamos da questão das origens e causas da religião. Para muitas pessoas quepermanecem pessoalmente comprometidas com crenças e práticas religiosas, esses temasprovocam grandes resistências.Embora profundamente influenciadas pelo Iluminismo e pelo Racionalismo do século XVIII,foi durante o século XIX que análises históricas e comparadas de diferentes tradiçõesreligiosas proliferaram e se tornaram mais sofisticadas. O tema das origens e causas dasreligiões foi analisado por diferentes estudiosos e pensadores: Strauss, Feuerbach, Marx,Nietzsche, Freud, Weber e Durkhein, entre outros. No final do século XIX e nas duasprimeiras décadas do XX, as grandes linhas mestras das abordagens psicológicas,sociológicas e antropológicas dos estudos da religião tinham sido articuladas.Contudo, o contexto institucional que permitiu o desenvolvimento desses estudos fora doscentros teológicos de tradição cristã ocidentais (os seminários bíblicos e teológicos dasdiferentes confissões protestantes ou católicas, principalmente na Europa e Estados Unidos)só surgiu no anos cinqüenta do século XX. Os movimentos culturais e sociais da década desessenta e a efervescência universitária subverteram e impulsionaram os estudos dereligião. O surgimento da contracultura, da luta pelos direitos civis das minorias e de umanova sensibilidade no trato das questões multiculturais superando as fronteiras nacionais ereligiosas, a busca pelo respeito às diferenças, a defesa intransigente da investigaçãointelectual e da liberdade de opção em todos os aspectos da vida (religiosos, sexuais,econômicos, etc.) levaram a uma prevalência das preocupações para a relação, porexemplo, entre ética, liberdade e tolerância no que se refere às livres opções religiosas. Adiferença entre “ensinar religião” e “ensinar sobre religiões” mudou a maneira de abordaressa polêmica questão, sem evitar o surgimento, crítico e propositivo, de novas questões.Quando reconhecemos o papel salutar da diversidade e da diferença, a necessidade de falarem respeito e tolerância diante da integridade e viabilidade de outras tradições religiosas eculturais, estamos herdando o florescimento intelectual da contracultura dos anos sessenta.www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf8
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222A valorização do pluralismo, do acesso ao conhecimento de diferentes teorias, métodos,experiências e pontos de vista transformou-se em base do processo educacional.Educar é ensinar a compreender, experimentar e respeitar as diferenças. O ensino e oestudo responsável sobre religião devem ser multidisciplinares e multiculturais, semvalorizar, por exemplo, certos padrões que a cultura ocidental e burguesa coloca comouniversais e “superiores”. É preciso deixar claro que esses padrões ideais de civilidaderepousam sobre determinadas condições na construção de diferenças sociais e culturais queencontram sua sustentação num sistema de poder responsável por determinadas lógicashierárquicas extremamente segregadoras.Evidentemente, com a expansão contínua dos temas e perspectivas do estudo da religião, aquestão da diversidade é inevitável. Não é mais suficiente pensar sobre diferentes religiões;é necessário considerar como pensamos as diferentes formas de religião. É necessárioabandonar a pretensão de chegar a uma teoria ou metodologia final ou absoluta. Oreconhecimento de que os estudos atuais sobre religião devem ser multiculturais emultidisciplinares leva à necessidade de construir várias estratégias interpretativas. Oreconhecimento crescente da importância de diferentes tradições religiosas trouxe desafiosteóricos e metodológicos, e também promoveu o surgimento de questões comparativasbastante complexas.A variedade de abordagens e a pluralidade das tradições religiosas não só enriqueceram osestudos e investigações das religiões como são um desafio a uma compreensão maisadequada da história e do significado contemporâneo das religiões. Estabelecer um diálogoentre o “familiar” e o “estranho” representa um esforço de trazer antigas questões para novoscaminhos, novos objetos e novas abordagens, promovendo um diálogo entre os estudos dereligião com a História, a Antropologia, a Sociologia, a Política e a Arte. Todo esse trabalhointelectual deve, contudo, levar em conta que a especificidade histórica e a relatividadecultural significam que vários termos, conceitos, definições e estruturas cognitivas não sãouniversalmente aplicadas. Por exemplo, em algumas tradições religiosos termos como“religião” ou “Deus” podem não existir. Toda forma de conhecimento passível deinterpretação, no nosso caso o estudo das religiões, é sempre incompleto e sujeito a novasformulações.www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf9
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222Todos os argumentos sobre a tolerância religiosa podem ser distribuídos ao longo de umgrande espectro que vai do puro pragmatismo aos princípios morais e éticos. Podem variarda necessidade de proteção de interesses muito específicos de cada pequeno grupo até aanálise mais elaborada das verdades religiosas, das questões de obrigação moral. Mas é aquestão da diversidade, da pluralidade que fará a grande diferença.Trata-se de reconhecer a diferença como elemento-chave da paz e do progresso humanos,de celebrar, aprovar e reafirmar a diferença como um valor básico e essencial.Evidentemente, essa posição traz seus problemas. As diferenças que encontramos emnossa sociedade pluralista são tão profundas e grandes, e estão relacionadas a assuntosbásicos e essenciais sobre o que é uma vida com sentido e qualidade, que não é possívelimaginar consenso sobre vários temas incluindo as questões de ética e moral, por exemplo.É possível reconhecer o valor de cada ser humano e a importância de garantir os direitoshumanos para todos. Isto inclui a liberdade individual de seguir suas próprias crenças ecaminho espiritual. Valorizar os direitos de outras pessoas a crenças variadas e diferentes éum passo fundamental para apreciar a diversidade religiosa. Na medida em queaprofundamos o estudo das religiões, podemos aumentar a compreensão das crençasindividuais e romper as barreiras dos preconceitos e exclusivismo, atitudes que constroemum mundo muito perigos para se viver.Tolerância religiosa não significa indiferença. A tolerância envolve ação e participação. Emprimeiro lugar, aceitar que os seguidores de diferentes religiões consideram suas crençascomo verdadeiras e, talvez, a única verdade que admitem. Em segundo lugar, permitindoque os outros tenham crenças diferentes e que, livremente, sem coerção de qualquerespécie (familiar, social, educacional, etc.) possam mudar de religião, denominação oucrença. Em terceiro, trabalhar em prol da garantia de livre prática religiosa, dentro dos limitesda razão, cultura e sociedade. Um outro conjunto de ações afirmativas significa recusar-se adiscriminar emprego, alojamento, função social, procurando respeitar e acomodar asnecessidades religiosas que envolvam dias festivos, datas sagradas, rituais significativos.A tolerância religiosa é parte essencial da política de direitos humanos, da cidadania e éticademocrática. Contudo, devemos agir de foram enérgica e crítica quando líderes ouseguidores de religiões promovem o ódio e a discriminação, restringindo direitos humanosfundamentais e atacando seguidores de outras religiões, minorias sexuais ou étnicas,www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf10
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Revista de Estudos da ReligiãoNº 2 / 2004 / pp. 1-14ISSN 1677-1222mulheres, crianças, deficientes. Da mesma forma, devemos ser críticos e ativos contracrenças que promovem formas variadas de abusos físicos, psicológicos ou materiais sobreseus seguidores como prova de fé.A Força das Mudanças:Como fenômeno social, cultural e histórico, as tradições, instituições e movimentos religiososestão em constante mudança. Esse é o mais forte argumento a favor da tolerância. Damesma forma que um consenso é impossível, a consciência da mudança constante nos levaa refletir sobre a necessidade de compreensão dos fenômenos religiosos no tempo eespaço, em suma, na sua historicidade.Em primeiro lugar, não há nada de novo em novas religiões. Em alguns lugares e, emmomentos específicos, tornam-se visíveis e conhecidas. Em alguns momentos históricos edeterminados lugares, quando pessoas parecem particularmente sensíveis a novas idéias eesperanças, ondas de novos movimentos ocorrem. Foi assim no período romano tardio,quando centenas de movimentos religiosos emergiram junto com o Cristianismo. Na Europajá cristianizada, sucessivas ondas de novos movimentos aconteceram nos séculos IV, XII eXVII. Nos Estados Unidos, durante a segunda metade do século XIX, período de guerra,imigração, descoberta do ouro, da expansão para o Oeste, o surgimento de váriosmovimentos promoveu o que os historiadores das religiões chamaram de “O GrandeDespertar”. Grupos se organizaram em torno de esperanças variadas, da Salvação pelasantificação e Batismo no Espírito até a iminência do Apocalipse: Testemunhas de Jeová,Adventistas de Sétimo Dia, Ciência Cristã, etc. surgiram nessa esteira de turbulênciareligiosa. No final do século XIX, sob o impacto da laicização da sociedade, da redescobertadas religiões orientais, movimentos espiritualistas floresceram: Teosofia, Espiritismo,Antroposofia. Estima-se que, na África, nos últimos cem anos, 10.000 novas religiõesapareceram.Quase todos estes movimentos surgiram exigindo rompimentos radicais com estruturasimplantadas, fossem elas sociais, religiosas ou familiares. Jesus, em algumas passagensdos Evangelhos, é lembrado por ter dito que seria um erro considerar que tinha vindo paratrazer paz ao mundo. Ao contrário, tinha vindo com uma espada. Todos os movimentosradicais querem proteger seus seguidores do mundo, negar e rejeitar antigas verdades
2006-09-20 04:55:02
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answer #1
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answered by Anonymous
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