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2006-09-05 00:35:57 · 8 respostas · perguntado por Anonymous em Saúde Saúde e Bem-Estar Outras - Saúde e Bem-Estar

8 respostas

é um aumento generalizado e persistente dos preços ou, vendo por outro ângulo, uma diminuição persistente do poder aquisitivo do dinheiro.

Pode-se encontrar, porém, uma outra definição: segundo, por exemplo, o dicionário Michaelis inflação é "emissão excessiva de papel-moeda, provocando a redução do valor real de uma moeda em relação a determinado padrão monetário estável ou ao ouro". Realmente, essa é a origem histórica da palavra inflação, que vem da idéia de que a causa do aumento de preços é o resultado de uma emissão excessiva de papel-moeda que incha ou "infla" o volume de dinheiro em circulação. Essa é apenas uma das possíveis causas imediatas do fenômeno que interessa diretamente aos agentes econômicos, isto é, o aumento geral e persistente de preços, mas era a única considerada relevante pelos economistas liberais que cunharam a palavra (seu primeiro uso, em inglês, data de 1838). O nome do fenômeno acabou por se confundir com o de sua suposta causa.

Mais tarde, economistas de outras escolas– marxistas e keynesianos, principalmente – enfatizaram uma análise mais ampla das causas do fenômeno sobre outros aspectos, não só monetários como tecnológicos, políticos e sociais. Enfatizaram raízes mais fundamentais do fenômeno: para os keynesianos, os aumentos dos custos dos fatores de produção. Para os marxistas, esses aumentos de custos refletem movimentos da luta de classes, ou da luta entre facções da classe dominante procurando apropriar-se de uma parcela maior do produto social. Uns e outros viram que, sob determinadas condições políticas e sociais, pode ser uma estratégia racional, do ponto de vista dos governos, colocar mais dinheiro em circulação para possibilitar os aumentos de preços e redistribuir pela sociedade os custos de uma crise setorial, em vez de se arriscar a acirrar as tensões sociais e gerar uma crise geral. Em certos casos, o keynesianismo recomenda até provocar conscientemente o aumento de preços como forma de desestimular a poupança, estimular a produção e combater o subemprego de trabalho e capitais.

Assim, Keynes, em 1936, já falava em diferentes tipos de inflação, como inflação de rendas, inflação de lucros, inflação de mercadorias e inflação de capital. Mais tarde passou a se falar de inflações setoriais, inflação de energia, inflação deste ou daquele setor e até inflação de salários. O ponto de partida da discussão foi o vocabulário já assimilado pelos economistas, para os quais o nome da desvalorização do dinheiro era "inflação", mas a palavra acabou por se vincular mais ao aumento de preços, cuja existência todos reconhecem, do que às contestadas causas. Acabou sendo redefinida como uma condição dos preços e não da moeda.

Mesmo keynesianos e marxistas admitem que o aumento do volume de dinheiro mais rápido que o aumento do volume da produção é, na maioria dos casos, um elo importante na cadeia de causas que resulta no aumento geral de preços. Mas mesmo nesses casos, não existe uma correlação precisa entre a proporção desses volumes e o nível de preços. Ou seja, não é possível prever a taxa de inflação apenas a partir das taxas de aumento do volume de moeda em circulação e do crescimento do PIB. O que as pessoas fazem com o dinheiro também é importante – o entesouramento, reduzindo a velocidade de circulação, pode contrabalançar o aumento do volume de moeda; por outro lado, a rejeição da moeda (devido à expectativa de desvalorização) exacerba seus efeitos.

A adoção do keynesianismo pelos países centrais legitimou na prática a inflação permanente. Não mais se esperava seriamente a estabilidade dos preços a longo prazo. Porém, nos anos 70 o abandono do padrão-ouro (que veremos adiante) e o acirramento dos conflitos sociais e internacionais na esteira dos choques do petróleo e da rebelião do Terceiro Mundo gerou uma crise de confiança na moeda e no sistema que só se agravou quando os governos tentaram amortecê-la pelas vias keynesianas. O ritmo da desvalorização da moeda ultrapassou aquilo que a classe dominante julgava tolerável.

Dos anos 80 em diante, economistas neoliberais (principalmente os da escola austríaca de Mises e Hayek) procuraram restabelecer a hegemonia teórica do aumento do volume de papel-moeda como causa única (e sinônimo) de inflação, tese que veio a ser chamada de monetarismo. Seu próprio êxito parcial pode ser interpretado como decorrente de mudanças do cenário político e social: por exemplo, o enfraquecimento do movimento sindical e o colapso do bloco soviético criaram condições que tornaram menos útil o jogo de aumentos nominais de salário versus inflação. Antes instrumento regulador da luta de classes, agora podia ser substituída pelo confronto direto com as reivindicações trabalhistas. A nova correlação de forças favoreceu os interesses do capital financeiro – cujo interesse como grande credor sem acesso direto a ativos reais é geralmente o da estabilidade monetária – contra o do capital agrícola, industrial e comercial – que, como devedores em dinheiro e possuidores de ativos reais, tendem a ganhar com uma inflação moderada, que além do mais lhes dá mais flexibilidade para manipular preços e salários.

Entretanto o êxito do monetarismo foi parcial, tanto na teoria quanto na prática. Na teoria, por que economistas e leigos continuam pensando em inflação como aumento de preços mais do que aumento do volume de dinheiro. Na prática, por que mesmo nos modelos do neoliberalismo, EUA e Reino Unido, os bancos centrais não se atrevem a tentar impor a ferro e fogo uma inflação zero: colocam não só limites máximos, como também mínimos para a inflação. Explicitamente ou não, procuram manter uma inflação da ordem de 2% ao ano – moderada, mas suficiente para aumentar os preços em mais de 60% no prazo de uma geração e dar um pouco de flexibilidade às relações de produção.

Na prática, continuamos vivendo a era da inflação permanente. Para a maioria dos bancos centrais, continua sendo uma estratégia, frente à ameaça de recessão, deixar a inflação subir um pouco acima do esperado pelo mercado. Isso reduz ligeiramente os salários reais sem provocar o tipo de reação que seria gerada por um corte salarial explícito determinado pelo governo (só na Argentina essa alternativa é vista como viável!). Isso incentiva, até certo ponto, o emprego e a produção, ao menos enquanto não se fazem sentir os efeitos sobre o consumo da redução dos salários reais.

2006-09-05 00:38:15 · answer #1 · answered by arrodrigo 2 · 0 0

O que é inflação?
Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa
Não é preciso ser economista para se ter uma correta noção intuitiva do que é a inflação. Convém, no entanto, estar atento para manipulações dos índices por governos e economistas, que podem distorcer seriamente qualquer análise.
A palavra "inflação"
Na maioria dos países do mundo – especialmente no Brasil – não é preciso ser economista para se ter uma correta noção intuitiva do que é a inflação: é um aumento generalizado e persistente dos preços ou, vendo por outro ângulo, uma diminuição persistente do poder aquisitivo do dinheiro.
Pode-se encontrar, porém, uma outra definição: segundo, por exemplo, o dicionário Michaelis inflação é "emissão excessiva de papel-moeda, provocando a redução do valor real de uma moeda em relação a determinado padrão monetário estável ou ao ouro". Realmente, essa é a origem histórica da palavra inflação, que vem da idéia de que a causa do aumento de preços é o resultado de uma emissão excessiva de papel-moeda que incha ou "infla" o volume de dinheiro em circulação. Essa é apenas uma das possíveis causas imediatas do fenômeno que interessa diretamente aos agentes econômicos, isto é, o aumento geral e persistente de preços, mas era a única considerada relevante pelos economistas liberais que cunharam a palavra (seu primeiro uso, em inglês, data de 1838). O nome do fenômeno acabou por se confundir com o de sua suposta causa.
Mais tarde, economistas de outras escolas– marxistas e keynesianos, principalmente – enfatizaram uma análise mais ampla das causas do fenômeno sobre outros aspectos, não só monetários como tecnológicos, políticos e sociais. Enfatizaram raízes mais fundamentais do fenômeno: para os keynesianos, os aumentos dos custos dos fatores de produção. Para os marxistas, esses aumentos de custos refletem movimentos da luta de classes, ou da luta entre facções da classe dominante procurando apropriar-se de uma parcela maior do produto social. Uns e outros viram que, sob determinadas condições políticas e sociais, pode ser uma estratégia racional, do ponto de vista dos governos, colocar mais dinheiro em circulação para possibilitar os aumentos de preços e redistribuir pela sociedade os custos de uma crise setorial, em vez de se arriscar a acirrar as tensões sociais e gerar uma crise geral. Em certos casos, o keynesianismo recomenda até provocar conscientemente o aumento de preços como forma de desestimular a poupança, estimular a produção e combater o subemprego de trabalho e capitais.
Assim, Keynes, em 1936, já falava em diferentes tipos de inflação, como inflação de rendas, inflação de lucros, inflação de mercadorias e inflação de capital. Mais tarde passou a se falar de inflações setoriais, inflação de energia, inflação deste ou daquele setor e até inflação de salários. O ponto de partida da discussão foi o vocabulário já assimilado pelos economistas, para os quais o nome da desvalorização do dinheiro era "inflação", mas a palavra acabou por se vincular mais ao aumento de preços, cuja existência todos reconhecem, do que às contestadas causas. Acabou sendo redefinida como uma condição dos preços e não da moeda.
Mesmo keynesianos e marxistas admitem que o aumento do volume de dinheiro mais rápido que o aumento do volume da produção é, na maioria dos casos, um elo importante na cadeia de causas que resulta no aumento geral de preços. Mas mesmo nesses casos, não existe uma correlação precisa entre a proporção desses volumes e o nível de preços. Ou seja, não é possível prever a taxa de inflação apenas a partir das taxas de aumento do volume de moeda em circulação e do crescimento do PIB. O que as pessoas fazem com o dinheiro também é importante – o entesouramento, reduzindo a velocidade de circulação, pode contrabalançar o aumento do volume de moeda; por outro lado, a rejeição da moeda (devido à expectativa de desvalorização) exacerba seus efeitos.
A adoção do keynesianismo pelos países centrais legitimou na prática a inflação permanente. Não mais se esperava seriamente a estabilidade dos preços a longo prazo. Porém, nos anos 70 o abandono do padrão-ouro (que veremos adiante) e o acirramento dos conflitos sociais e internacionais na esteira dos choques do petróleo e da rebelião do Terceiro Mundo gerou uma crise de confiança na moeda e no sistema que só se agravou quando os governos tentaram amortecê-la pelas vias keynesianas. O ritmo da desvalorização da moeda ultrapassou aquilo que a classe dominante julgava tolerável.
Dos anos 80 em diante, economistas neoliberais (principalmente os da escola austríaca de Mises e Hayek) procuraram restabelecer a hegemonia teórica do aumento do volume de papel-moeda como causa única (e sinônimo) de inflação, tese que veio a ser chamada de monetarismo. Seu próprio êxito parcial pode ser interpretado como decorrente de mudanças do cenário político e social: por exemplo, o enfraquecimento do movimento sindical e o colapso do bloco soviético criaram condições que tornaram menos útil o jogo de aumentos nominais de salário versus inflação. Antes instrumento regulador da luta de classes, agora podia ser substituída pelo confronto direto com as reivindicações trabalhistas. A nova correlação de forças favoreceu os interesses do capital financeiro – cujo interesse como grande credor sem acesso direto a ativos reais é geralmente o da estabilidade monetária – contra o do capital agrícola, industrial e comercial – que, como devedores em dinheiro e possuidores de ativos reais, tendem a ganhar com uma inflação moderada, que além do mais lhes dá mais flexibilidade para manipular preços e salários.
Entretanto o êxito do monetarismo foi parcial, tanto na teoria quanto na prática. Na teoria, por que economistas e leigos continuam pensando em inflação como aumento de preços mais do que aumento do volume de dinheiro. Na prática, por que mesmo nos modelos do neoliberalismo, EUA e Reino Unido, os bancos centrais não se atrevem a tentar impor a ferro e fogo uma inflação zero: colocam não só limites máximos, como também mínimos para a inflação. Explicitamente ou não, procuram manter uma inflação da ordem de 2% ao ano – moderada, mas suficiente para aumentar os preços em mais de 60% no prazo de uma geração e dar um pouco de flexibilidade às relações de produção.
Na prática, continuamos vivendo a era da inflação permanente. Para a maioria dos bancos centrais, continua sendo uma estratégia, frente à ameaça de recessão, deixar a inflação subir um pouco acima do esperado pelo mercado. Isso reduz ligeiramente os salários reais sem provocar o tipo de reação que seria gerada por um corte salarial explícito determinado pelo governo (só na Argentina essa alternativa é vista como viável!). Isso incentiva, até certo ponto, o emprego e a produção, ao menos enquanto não se fazem sentir os efeitos sobre o consumo da redução dos salários reais.
Moeda e inflação
Mesmo do ponto de vista monetarista, a definição de inflação do Michaelis como "emissão excessiva de papel-moeda" é insatisfatória. Importa mais o volume total de dinheiro, do qual o papel-moeda é uma parcela, nem sempre a mais relevante.
Nas economias modernas, o papel-moeda emitido pelos Bancos Centrais é uma parcela pequena do dinheiro em circulação. Uma parcela muito maior se deve à moeda puramente contábil emitida pelos bancos estatais ou privados na forma de crédito. Quando alguém deposita seu dinheiro num banco, permite que o banco faça empréstimos com base nesses depósitos e amplie na prática a quantidade de dinheiro em circulação: o depositário continua sendo proprietário do dinheiro na sua conta, mas ao mesmo tempo o banco é proprietário do dinheiro novo que emprestou para um devedor. O devedor, por sua vez, deposita parte do dinheiro recebido do banco em outra conta bancária (talvez no mesmo banco), repetindo o processo e permitindo que o valor original do papel-moeda seja multiplicado muitas vezes. Em economias com governos não gravemente deficitários e moedas relativamente estáveis, a parte mais importante do controle da inflação é realizado através não do controle da quantidade de dinheiro em espécie (meio circulante) mas do controle do volume dessa moeda de crédito, geralmente através da elevação da taxa de juros, que inibe a multiplicação do crédito, ou da imposição aos bancos privados do depósito compulsório de parte do seu numerário no Banco Central.
Nas economias antigas e medievais, o papel-moeda era desconhecido (salvo na China imperial), mas mesmo assim aquilo que identificamos como inflação existia. Naquela época e mesmo em datas mais recentes, muitos governantes, geralmente devido às suas próprias dificuldades financeiras, reduziram a quantidade de metal precioso correspondente à unidade monetária:
reduzindo a porcentagem de metal precioso na liga utilizada nas moedas, como fizeram os imperadores romanos que foram diminuindo a quantidade de prata usada em seu denarius até transformá-lo numa moeda de puro cobre;
reduzindo o peso das próprias moedas, como no caso da Inglaterra, cuja moeda "libra" correspondia realmente a uma libra troy (373,2 g) de prata até 1274, mas sofreu reduções sucessivas até chegar a um terço de libra troy de prata em 1551;
mudando o nome das moedas metálicas em circulação, como fizeram os portugueses em 1826, quando fizeram a mesma moeda de ouro que valia 6 mil e 400 réis passar a valer 7 mil e 500.
Esses expedientes permitiram aos soberanos – freqüentemente com apoio de cortesãos e nobres endividados – aliviar temporariamente seus orçamentos, obrigando seus credores, seus homens e seus fornecedores a aceitar quantidades menores de ouro e prata do que aquela a que originariamente tinham direito. Rapidamente, porém, essa estratégia era anulada pela elevação geral dos preços. Estes, sem dúvida, são casos em que a tradicional análise monetarista se aplica sem grandes reparos – salvo que a análise fica incompleta se não se explicar, em primeiro lugar, quais foram as condições que levaram os soberanos a recorrer a essa saída e não a outras (como, por exemplo, o aumento de impostos ou o cancelamento unilateral de suas dívidas).
Outra causa para o aumento de preços, porém, foi a desvalorização do próprio metal precioso, por causas em geral alheias à vontade dos governantes. Notoriamente, cercos, guerras, catástrofes climáticas e desastres naturais sempre fizeram subir os preços dos artigos de primeira necessidade, mas são casos de aumento não persistente, que se reverte quando o funcionamento da economia é normalizado, o que não é o que normalmente se entende por inflação. O caso, porém, foi diferente quando os espanhóis conquistaram o México e o Peru com suas riquíssimas minas de ouro e prata e depois começaram a aplicar técnicas mais eficientes de mineração e purificação de metais, aumentando enormemente a quantidade de metais preciosos em circulação. Entre 1500 e 1650, os preços – medidos em gramas de prata, não em unidades monetárias – subiram cerca de 400% (em média 1% ao ano ou mais de 30% a cada geração) e nunca mais voltaram aos níveis do final da Idade Média. Mesmo em países que não desvalorizaram suas unidades monetárias durante esse período (como Espanha e Portugal), isso teve todos os efeitos que hoje identificamos com inflação, enfraquecendo a posição relativa dos credores frente aos devedores. Foi ou não inflação?
O padrão-ouro
Se, como quer a ortodoxia liberal, apenas o aumento geral de preços provocado pela emissão excessiva de papel-moeda (ou, quando muito, também pela desvalorização do conteúdo metálico da unidade monetária) é inflação, então o que ocorreu no início da Idade Moderna não deveria receber esse nome. Ou seja, nem todo aumento persistente de preços seria inflação (e nem todo aumento de preços, está implícito, deveria ser combatido ou dar direito a reajustes de salários e outras compensações), mas apenas aqueles que resultassem de emissão excessiva de moeda.
Além disso, até o início do século 20, poucos concebiam que "valor" pudesse significar outra coisa que não a correspondência com um certo peso de prata ou de ouro. Se os preços em ouro e prata aumentavam, só se podia concluir que o valor das mercadorias havia realmente aumentado. Historiadores da economia sentiam-se à vontade para calcular o valor das moedas da Idade Média e da Antigüidade em unidades modernas simplesmente pesando seu conteúdo metálico.
Os marxistas, é verdade, tinham a teoria do valor-trabalho para explicar os fundamentos da formação dos preços, mas ainda julgavam necessário que uma única mercadoria – o ouro ou a prata – servisse de padrão nas trocas concretas, ainda que o papel-moeda ou outro símbolo convencional fosse usado para representá-la. Desde o tempo dos egípcios, essa havia sido a prática real do comércio na maioria das civilizações avançadas e ainda parecia difícil imaginar outra coisa. Mesmo a URSS de Lênin julgou necessário fixar uma equivalência entre sua moeda e o ouro.
Porém, uma abordagem tão ingênua da questão do valor não podia deixar de criar contradições, que se tornarem evidentes ao longo do debate sobre o padrão ouro no século 19 e início do século 20.
Da Antigüidade até o início do século 19, a prata havia sido o principal meio de troca e o fundamento da maioria dos sistemas monetários. O ouro muitas vezes circulava a seu lado, mas seu uso era menos comum e o volume de ouro disponível era provavelmente insuficiente para dar conta de todas as necessidades do comércio e dos governos. A relação entre os preços do ouro e da prata variava ocasionalmente, mas se presumia que a longo prazo seria aproximadamente constante e seria indiferente medir o valor num ou noutro metal precioso.
Isso nunca foi totalmente verdade. Nos primórdios da civilização no antigo Egito, o ouro era mais barato que a prata, por que era mais facilmente encontrado na forma de pepitas, ao passo que as técnicas de extração da prata a partir de minério bruto ainda estava pouco desenvolvida. Mais tarde, mas ainda na Alta Antigüidade, o avanço da mineração tornou a prata cerca de dez vezes mais barata que o ouro. Não houve avanços tecnológicos substanciais, nem mudanças substanciais nessa relação, até cerca de 1600. Nessa época, a introdução do uso do mercúrio na purificação da prata fez cair seu custo relativo, que nos próximos duzentos anos passaria a ser 14 a 17 vezes inferior ao do ouro.
No início do século 19, a descoberta de novas minas de ouro (primeiro nas Minas Gerais do Brasil, depois na África do Sul, Austrália, Califórnia, Canadá e Alasca) combinada com a aceitação crescente do papel-moeda conversível em ouro e do crédito bancário nas transações comerciais (multiplicando na prática o volume de ouro em circulação), já havia tornado viável um sistema monetário baseado na maior parte no ouro. Ao mesmo tempo - como previu David Ricardo num documento de 1819 - mais inovações na mineração de prata estavam para fazer novamente cair seu custo, que até o final do século 19 chegou a ser cerca de 35 vezes inferior ao do ouro.
O sistema monetário poderia continuar a se fundamentar na prata, o que teria resultado num aumento de preços da ordem de 125% na segunda metade do século ou 1,6% ao ano, comparável aos 1% ao ano registrados nos primeiros séculos da Idade Moderna. Não foi isso, porém, que aconteceu. Os países economicamente mais poderosos impuseram o ouro como único padrão. O primeiro foi o Reino Unido, em 1774, seguido por Portugal, seu satélite, assim que a prata começou a dar sinais de cair de preço, em 1854. Mas foi a partir de 1873, quando a recém-unificada Alemanha aderiu ao novo sistema pouco depois de derrotar a França e tornar-se o país política e economicamente mais poderoso da Europa Continental, que o padrão-ouro espalhou-se rapidamente pelo mundo e tornou-se um sistema verdadeiramente internacional.
Do ponto de vista da tradição, não havia nenhuma razão para preferir o ouro à prata, mas era claro para os credores (e o Reino Unido era então o grande credor do mundo) que a prata estava perdendo valor de troca em comparação à média das mercadorias, ao passo que o poder aquisitivo do ouro mantinha-se mais estável. O poder político foi usado, então, para garantir a propriedade dos detentores de créditos, em prejuízo dos devedores cujas reservas eram constituídas principalmente de prata – como era o caso da maioria dos países da América Latina, África e Ásia, que empobreceram consideravelmente em termos relativos e tiveram suas moedas desvalorizadas por volta de 50% em relação à libra esterlina e a outras moedas "fortes".
Mesmo nos países centrais, a inflexibilidade do padrão-ouro causou sérios problemas aos devedores. Como a oferta de ouro era rígida e não acompanhava o crescimento da economia e do comércio internacional, sua adoção no plano internacional provocou uma forte deflação, isto é, queda gerneralizada de preços – no Reino Unido, 35% de 1873 a 1886; nos EUA, 31% de 1873 ao final do século. Neste país, os agricultores e os mineradores de prata criaram uma frente de oposição política ao padrão-ouro. Nos EUA, a volta ao uso da prata como forma de combater a deflação tornou-se por algum tempo uma importante bandeira populista, mas o país não tinha peso suficiente para pressionar toda a Europa a voltar atrás. Lá, como em muitos outros países, a solução política encontrada foi compensar os setores mais prejudicados com um forte aumento das tarifas alfandegárias. Isso contribuiu para conter a deflação, mas também para a retração do livre comércio internacional. Com o crescimento generalizado do protecionismo, encerrou-se a era do liberalismo clássico e iniciou-se a era do imperialismo. A disputa entre as grandes potências por mercados cativos, coloniais ou semi-coloniais, resultou num progressivo agravamento das tensões internacionais que desembocou na I Guerra Mundial (1914-1918).
Já tinha ficado claro, então, que o verdadeiro padrão do valor já era o preço médio de diversas mercadorias, do qual o ouro era apenas uma aproximação – na prática, era um disfarce de um desequilíbrio de relações de classe que se tornava menos sustentável na medida que o crescimento do capitalismo ultrapassava o ritmo de produção das minas de ouro em todo o mundo. Apesar disso, o padrão-ouro manteve-se praticamente inabalável como ideologia até que os gastos sem precedentes dos governos imperialistas durante a I Guerra Mundial forçaram praticamente todos a pagá-las com papel-moeda sem garantir a conversibilidade em ouro. Era politicamente impossível impor explicitamente impostos com a dimensão e a rapidez exigida pelas circunstâncias. O resultado, como a teoria econômica previa, foi uma forte elevação dos preços: 120% no Reino Unido, 192% na França, 350% na Alemanha – e 75% nos Estados Unidos, apesar de ter-se envolvido na guerra apenas à distância e na sua última fase.
A crise do padrão-ouro
O capital financeiro, porém, não se conformou em aceitar a desvalorização de seus ativos: os economistas que os representaram insistiram que não se deveria permitir a transformação do aumento de preços decorrente da guerra em inflação, isto é, em aumento permanente. Exigiram que não só que os governos restaurassem a conversibilidade das moedas, como também que o fizessem aos níveis anteriores à guerra. Em outras palavras, que promovessem uma violenta deflação (revalorização do dinheiro ou queda geral dos preços de mercadorias) à custa dos devedores. O maior deles era o governo da Alemanha, ao qual havia sido imposto o pagamento de uma indenização monstruosa. Não se davam conta de que o cenário social havia mudado: o exemplo da revolução bolchevique na Rússia (e, em menor grau, também o da revolução nacionalista no México) já aterrorizava a burguesia e inspirava a esquerda radical em todo o mundo. Nem de que a Alemanha não poderia ficar eternamente agrilhoada a uma dívida impagável.
Os países mais ricos – EUA, Reino Unido – tentaram realmente atender às exigências do capital financeiro nos anos 20 e a maioria dos demais, incluindo França e Brasil, tentaram restabelecer algum tipo de padrão-ouro, ainda que a uma taxa de conversão mais baixa do que antes da guerra, isto é, reconhecendo como irreversível a inflação do tempo de guerra e a resultante da deterioração econômica do pós-guerra. Na Alemanha, caso mais extremo, a hiperinflação havia elevado os preços em trilhões de vezes. Ela resultou da decisão do governo de imprimir dinheiro para pagar os salários dos trabalhadores alemães da região industrial do Ruhr que faziam greve contra a ocupação francesa.
O novo padrão-ouro internacional, porém, durou apenas seis anos, de 1925 a 1931, quando o próprio Reino Unido o abandonou. Foi adotado principalmente por pressão dos financistas de Londres, que receavam perder não só o valor real de suas reservas como sua credibilidade a longo prazo se a libra esterlina não voltasse a ser conversível segundo o padrão anterior à guerra. Porém, a falta de cooperação e coordenação internacional, resultante por sua vez do acirramento da luta de classes dentro de cada país, rapidamente inviabilizaram a tentativa. Em países como a França, onde a esquerda estava a um passo do poder ou mesmo o conquistava por breves períodos, a burguesia não tinha condições de apoiar a política financeira do Reino Unido responsabilizando-se por uma deflação que certamente traria desemprego, estagnação econômica e a vitória política dos socialistas. Sua moeda, embora conversível em ouro, manteve-se subvalorizada em relação à libra, proporcionando vantagens competitivas ao capital francês e uma enorme acumulação de reservas de ouro.
A exceção foram os EUA, onde a inflação havia sido mais moderada, a esquerda não representava uma séria ameaça e os republicanos no poder tinham simpatias pelo conservadorismo de Churchill. O Banco Central dos EUA se dispôs a ajudar os britânicos a sair de uma crise de pagamentos baixando sua própria taxa de redesconto, mas isso ajudou a inflar em Wall Street uma vasta bolha especulativa inspirada por expectativas demasiado otimistas em relação às novas tecnologias da época (rádio, eletricidade, linhas de montagem). Em 1929, a bolha estourou e a combinação da crise da economia mais dinâmica da época com rigidez monetária generalizada puxou uma depressão mundial. Logo praticamente todos os países eram forçados a desvalorizar suas moedas, abandonar o padrão-ouro e restringir ao máximo suas importações para tentar acumular divisas, causando uma fortíssima retração do comércio internacional.
Os resultados, como se sabe, foram catastróficos para todo o mundo e contribuiriam para os eventos que levariam à II Guerra Mundial e detonariam definitivamente os padrões monetários herdados do passado. A partir de 1933, o novo governo norte-americano do democrata Franklin D. Roosevelt decidiu não só reconhecer a desvalorização do dólar em relação ao ouro, como também suspender a possibilidade de pessoas privadas converterem seu papel-moeda – o metal ficaria reservado para transações de divisas internacionais com outras nações. Na Alemanha, os efeitos catastróficos da hiperinflação (e da estabilização forçada que a sucedeu) levaram ao poder o nazismo, que simplesmente declarou extinta a dívida externa e rompeu totalmente os vínculos da moeda com o ouro. E em 1936, Keynes publicou sua Teoria Geral, condenando a teoria quantitativa da moeda e influenciando o pensamento de toda uma nova geração de economistas burgueses em todo o mundo.
Nos anos seguintes, a II Guerra Mundial impôs aos já economicamente abalados beligerantes – principalmente ao Reino Unido e à própria Alemanha – sacrifícios ainda maiores que as da guerra anterior, que tornaram completamente fúteis as pretensões de manter a moeda estabilizada. Todos os países em guerra precisaram suspender a conversibilidade e recorrer a emissões maciças de papel-moeda para financiar os gastos militares – impondo, ao mesmo tempo, medidas de racionamento e de acompanhamento e controle de preços para limitar os efeitos inflacionários dessas emissões.
No final das contas, para alguns dos beligerantes (incluindo Alemanha, EUA e Reino Unido), a inflação de 1939-1945 foi menor que a de 1914-1918, mas o padrão-ouro nos moldes do século 19 se tornou definitivamente insustentável. Porém, contrariando os conselhos de Keynes (que defendeu a criação de uma moeda internacional independente do ouro), a nova versão norte-americana do padrão-ouro tornou-se a referência internacional. A irreversibilidade da inflação foi reconhecida, mas na medida do possível, as moedas voltaram a se vincular com o ouro (ou ao dólar, que por sua vez estava vinculado ao ouro), ao menos para efeito das transações internacionais.
Porém, desta vez a inflação se tornou um dado permanente da economia. O cálculo e o uso de índices de inflação tornou-se mais generalizado, mais sofisticado e saiu do âmbito dos especialistas para a linguagem quotidiana dos jornais, dos gerentes empresariais e dos movimentos sindicais. A "guerra fria" exigia a manutenção de altos gastos militares e os economistas keynesianos advertiam que tentar forçar a estabilidade dos preços aumentaria o desemprego e a inquietação social. O pacto social do pós-guerra exigia reajustes salariais e aumento dos gastos sociais da maioria dos governos, que não tinham condições políticas de elevar impostos em tal escala. O resultado foi inflação generalizada – mais moderada nos países economicamente mais sólidos e mais elevada nos mais frágeis, mas quase sempre suficientemente intensa para ser perceptível. Apesar disso, em países de inflação mais alta, como o Brasil, existia a ilusão de que moedas como o dólar e a libra eram "estáveis" e de que a moeda nacional só se desvalorizava quando a taxa de câmbio era alterada.
Visto que a tecnologia da produção do ouro não avançou mais rápido que a média da economia, seria questão de tempo até que a paridade com o ouro se tornasse insustentável. O ouro não poderia continuar artificialmente mantido nos 35 dólares por onça troy (31,103 g) de 1933. Em outras palavras, seu preço real não poderia ser indefinidamente reduzido.
O vínculo de fato rompeu-se em 1971, quando as crescentes pressões de governos europeus e árabes para efetivamente converter em ouro parte das montanhas de dólares que haviam acumulado através do comércio internacional – cerca de US$ 70 bilhões, quando as reservas norte-americanas de ouro guardadas em Fort Knox não superavam US$ 11 bilhões – levou à ruptura total e definitiva do vínculo do metal com o dólar (e com praticamente todas as demais moedas, sendo o franco suíço uma das poucas exceções).
A economia depois do ouro
Desde então, um dólar inconversível – e em menor grau, outras moedas igualmente inconversíveis (como o marco, o iene e, mais recentemente, o euro) – passaram a ser a referência do o sistema monetário mundial. A posse de ouro por particulares voltou a ser liberada, o metal passou a ser cotado em bolsa e seus preços subiram tremendamente.
Muitos dos especuladores que fizeram a cotação do ouro bater US$ 875 dólares por onça troy no início de 1980, ano em que a inflação dos EUA chegou a seu auge histórico de 13,6% ao ano, provavelmente contavam com que em algum momento o padrão-ouro seria restaurado. Muitos analistas – não só conservadores, como também marxistas – viram essa situação como uma anomalia temporária. O sistema monetário global não podia ficar totalmente inconversível, órfão de qualquer referência objetiva, suspenso no vazio. Ou podia?
Até agora, parece que a prática mostrou que podia. Com a era neoliberal fundada por Thatcher e Reagan, a repressão do movimento sindical, a liberalização do comércio internacional, a dominação do capital financeiro global e o endurecimento das políticas monetárias dos Bancos Centrais mostraram-se tão eficazes para controlar os preços quanto o padrão-ouro havia sido nas décadas precedentes. De 1945 a 1971, a taxa média de inflação nos EUA foi de 3,2% a.a.; durante a crise inflacionária de 1971 a 1984 passou a uma média de 7,5% a.a.; mas de 1984 (reeleição de Reagan e início da perestroika na URSS) a 2000 voltou a ser de 3,2% a.a.
Enquanto isso, o ouro tornou-se apenas mais uma mercadoria negociada em bolsa, cujos preços, depois de superada a fase de crise inflacionária e especulação selvagem, caíram fortemente. Ao longo da década de 90 mantiveram-se entre 350 e 400 dólares por onça troy. No final da década, a maioria dos financistas concluiu que não valia a pena manter recursos imobilizados inutilmente num metal dourado que não mais se valorizava quando havia tantas oportunidades de lucro com ações, títulos e divisas e tantos novos recursos – como o mercado de derivativos – para se proteger de eventuais crises cambiais e inflacionárias. Muitos governos – inclusive de países exportadores de ouro, como o Canadá e a Austrália – também começaram a concluir que é estúpido manter (com um custo não desprezível de armazenagem e proteção) reservas de ouro que não rendem absolutamente nada, em vez de títulos estrangeiros que oferecem uma renda razoável. Abandonado pelo governo e pelo capital como meio de troca e reserva de valor, a cotação do vil metal caiu ainda mais. Hoje (março/2001) flutua em torno de US$ 260 por onça troy e seu destino parece ser confinar-se a seu real valor de uso, o de mera matéria-prima para jóias e adereços (salvo aplicações quase marginais em odontologia e eletrônica).
Na realidade, porém, a moeda não ficou assim tão suspensa no vazio. A confiança dos agentes econômicos na moeda depende de sua confiança nos critérios segundo os quais a inflação é medida pelos governos e de sua confiança nos bancos centrais que tem a responsabilidade de manter essa inflação dentro de limites. Isso significa que o padrão da medida do valor de troca deixou de ser uma determinada porção de ouro (ou prata) para ser uma determinada cesta de mercadorias – aquela que é usada para aferir os índices oficiais de preços que servem de referência para a política do Banco Central. Na prática, deu-se um passo além do projeto de um commodity dollar ou dólar de mercadorias em que o economista norte-americano Irving Fisher insistiu ao longo de 331 trabalhos publicados entre 1912 e 1935. Essa moeda seria definida em termos de certo valor em ouro determinado por um número índice de preços. Hoje, dispensou-se totalmente o ouro como intermediário e ficou-se só com o número índice.
Os índices de inflação
No caso do Brasil o índice oficial é hoje o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), criado em 1980. Representa as necessidades médias de famílias com renda (salarial ou não) de 1 a 40 salários mínimos em onze capitais brasileiras que contêm 30% da população do país (Rio de Janeiro desde janeiro/1979; Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife desde julho/1979; São Paulo, Brasília e Belém desde janeiro/1980; Fortaleza, Salvador e Curitiba desde outubro/1980; e Goiânia desde janeiro/1991). O IPCA recebeu o adjetivo "amplo" para distingui-lo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), criado em 1979 para representar as necessidades dos consumidores de famílias com renda de 1 a 8 salários mínimos e chefe assalariado. Ou seja, nele as necessidades e preferências da classe média têm um grande peso. Ele reflete o custo de reprodução da vida social, ao passo que o INPC reflete mais estritamente o custo de reprodução da força de trabalho.
No caso dos EUA (e na prática, também dos países que têm sua moeda vinculada ao dólar por uma taxa de câmbio fixa, como a Argentina) o índice oficial é o CPI calculado pelo Departamento de Estatísticas do Trabalho (Bureau of Labor Statistics – BLS), que representa as necessidades médias de uma amostragem de todos os consumidores urbanos norte-americanos, escolhidos entre 87% da população total dos EUA e também dá um grande peso ao consumo das classes médias. O BLS também calcula um índice específico das famílias assalariadas, chamado CPI-W, que é análogo ao nosso INPC e diz respeito a 32% da população daquele país, mas recebe pouca atenção do mercado financeiro.
No Brasil, vale notar, há muitos outros indicadores de custo de vida, calculados por instituições com variáveis graus de autonomia em relação ao Estado, que recebem contínua atenção da imprensa e do mercado financeiro. Para citar os mais importantes em escala nacional, há o Índice de Custo de Vida do Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Socioeconômicos (ICV-DIEESE, que pesquisa famílias com renda de 1 a 30 salários mínimos), o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (IPC-FGV, famílias de 1 a 33 salários mínimos) e o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (IPC-FIPE, famílias de 1 a 20 salários mínimos). Além disso, ao contrário do que ocorre na maioria dos países, grande parte do mercado prefere confiar não num índice de preços ao consumidor, mas no Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas (IGP-FGV) – uma média mais ou menos arbitrariamente ponderada entre o índice de preços ao consumidor (IPC), índice de preços no atacado (IPA) e índice nacional de construção civil (INCC) como principal indicador de inflação. Paradoxalmente, nos EUA, paraíso da livre iniciativa, não existe nenhum índice de preços ao consumidor amplamente divulgado além do calculado pelo governo federal.
Tudo isso reflete desconfiança – não só por parte dos trabalhadores, como também dos capitalistas – nos cálculos oficiais dos preços ao consumidor, manipulados para subestimar o aumento real de preços durante décadas de inflação elevada. O caso mais grave foi o do período 1973/1974, quando, em pleno auge da ditadura militar, a inflação começou a recrudescer. O próprio ministro Mário Henrique Simonsen, membro da FGV acabou reconhecendo a manipulação num relatório de 1978 intitulado "O problema inflacionário em 1974", onde revelou que o critério de manipulação tinha sido usar os preços tabelados pelo governo, ao invés dos preços realmente pagos pelos consumidores. O IPC oficial foi de 13,7% em 1973 e seu item alimentação de 16,4%, ao passo que os valores corretos respectivos foram de 26,6 e 41,4%. Na década de 80, houve outras tentativas de manipular os índices oficiais do IBGE e da FGV que quase liqüidaram definitivamente a credibilidade dessas instituições.
As forças sociais que têm interesse em subestimar a inflação são muitas e geralmente mais poderosas do que aquelas que podem se beneficiar de uma estimativa realista ou exagerada. Entre estes últimos contam-se, naturalmente, o movimento sindical, os trabalhadores e os pensionistas em geral, mas também empresas cujos preços e tarifas são reajustados em função da inflação por contratos de longo prazo – empresas de energia elétrica e outras concessionárias de serviços públicos, empreiteiras e alguns fabricantes de bens de capital sob encomenda, companhias de seguros e credores de dívidas de longo prazo reajustáveis em função da inflação.
Do outro lado, estão a maioria dos empresários privados, já que o cálculo da inflação é um recurso importante na mobilização dos trabalhadores e do movimento sindical, mesmo quando o reajuste de salários, benefícios e pensões em função do aumento do custo de vida não é garantido pela lei ou por convenções trabalhistas – e também porque parte de suas dívidas pode ser reajustada pela inflação. Além disso, uma inflação aparentemente baixa é um argumento a favor de políticas monetárias frouxas, que (ao menos no curto prazo) beneficiam devedores e empresários em geral e mais especialmente negócios arriscados e especuladores das bolsas.
São os governos, porém, que têm a mais longa lista de razões para subestimar a inflação real – apoiar a classe burguesa em suas negociações com os trabalhadores, conter reajustes dos pagamentos da previdência social e dos vencimentos de servidores públicos, conter os juros pagos por títulos governamentais de longo prazo (quando reajustáveis pela inflação) e aparentar um desempenho bom ou menos ruim na gestão da economia. Quanto a este último aspecto, note que quando um governo subestima a inflação não são só os indicadores do aumento do custo de vida que parecem mais benignos: como boa parte do cálculo do Produto Interno Bruto real é obtida deflacionando (isto é, descontando a inflação) do crescimento nominal de vendas setoriais, subestimar a inflação implica superestimar o crescimento da economia, da renda per capita, da produtividade e dos salários reais.
Há, por isso, todo um arsenal de técnicas e argumentos mais ou menos científicos para justificar uma inflação subestimada. Já que em certo sentido cestas de consumo como as do IPCA substituíram o ouro como padrão do valor de troca e se tornaram o sustentáculo do sistema monetário mundial, vale a pena tentar entender com mais exatidão o que são, como são estabelecidas e em que medida realmente representam aquilo que dizem representar.
Índice de Laspeyres
A maioria dos índices de inflação no Brasil e no mundo – incluindo o ICV-DIEESE, o IPCA e o INPC – são índices de Laspeyres. Isso significa que são baseadas no preço de uma cesta de produtos cuja quantidade é supostamente fixa.
Por exemplo, a lei que instituiu o salário mínimo no Brasil em 1936, dizia que ele deveria ser suficiente para assegurar a ração essencial de um trabalhador. Foi feito um levantamento do consumo efetivo em diversas regiões e dois anos depois, um decreto-lei estabeleceu que a ração essencial diária de um trabalhador do Rio de Janeiro consistia em 200g de carne, 1 copo de leite, 150g de feijão, 100g de arroz, 50g de farináceos, 200g de batata, 300g de legumes, 4 pães, 20g de café, 3 frutas, 100g de açúcar, 25g de banha de porco e 25g de manteiga, capazes de fornecer-lhe 3.457 calorias diárias.
A variação de preços de uma cesta como essa poderia ser a base de um índice de inflação. As cestas hoje efetivamente usadas pela maioria dos institutos são muito mais complicadas e abrangem centenas de produtos, cujos pesos são estabelecidos segundo levantamentos estatísticos cuidadosos. Não para definir uma "ração essencial" mínima, mas sim refletir o que em média, as famílias – dentro das faixas de renda consideradas – realmente consomem. Isso pode incluir, por exemplo, cigarros, bebidas alcoólicas e motéis, tanto quanto a chamada "cesta básica".
Nem sempre, porém, foi assim. O primeiro cálculo oficial de inflação no Brasil, divulgado pela Fazenda Nacional de 1920 a 1939 (e calculado retroativamente a partir de 1912) foi baseado nos gastos com a manutenção da família (de alta classe média) do responsável pelo cálculo, o Sr. Leo Affonseca Jr. Só a partir da instituição do salário mínimo foi sentida a necessidade de um cálculo mais científico e mais afinado com a realidade da maioria da população.
A lógica dos índices de Laspeyres é simples (embora na prática o levantamento possa ser muito complicado) e seu significado é intuitivamente claro. Porém, têm um problema: não refletem as mudanças nos padrões de consumo ao longo do tempo. Se levantarmos a ração básica do trabalhador carioca hoje, certamente chegaremos a um resultado bem diferente daquele de 1938. Banha de porco e manteiga foram em grande parte substituídos por óleo de soja e margarina. O consumo médio diário de calorias diminuiu, por diversas causas que nem sempre são decorrentes de um simples empobrecimento. O trabalho assalariado tornou-se, em média, mais sedentário e menos exigente em termos de esforço físico. Idem quanto ao lazer: desde a introdução da televisão; médicos e nutricionistas passaram a preocupar-se mais com o excesso de peso e gordura. Até a FAO tem reduzido, a cada década, o número recomendado de calorias. E se, além da ração básica, for considerada toda a gama dos gastos familiares, as mudanças serão ainda maiores. Mesmo na classe operária, boa parte das despesas de consumo se referem hoje a produtos que na década de 30 eram luxos burgueses ou nem existiam: automóvel, gasolina, TV, CDs, geladeira etc.

Como lidar com essas mudanças? A maioria das instituições que calculam índices de Laspeyres procura atualizar as cestas de consumo com levantamentos periódicos. Porém, fazer esses levantamentos é um processo demorado e dispendioso. No Reino Unido, a cesta de consumo é revisada anualmente, mas a maioria dos países só faz isso a cada cinco anos ou mais. O IPCA e o INPC, por exemplo, foram calculados com base numa Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 1987-88 até 1999, quando passaram a ser calculados com base na POF de 1995-96. O IPC da FGV foi calculado com base numa pesquisa de 1992-1993 até 2001, quando se passou a usar uma nova cesta levantada em 1999-2000.
Num período de sete ou oito anos, os padrões de consumo podem mudar significativamente. As instituições que usam o índice de Laspeyres passam, a partir de uma data arbitrária, a fazer os levantamentos de acordo com a nova cesta, o que se chama "encadear" o novo índice com o antigo. Mas é claro que os consumidores não mudam sua cesta de consumo de um dia para o outro – a mudança deses padrões normalmente é gradual.
Muitos economistas entendem que o índice de Laspeyres, ao não reconhecer devidamente essa mudança, tende a introduzir um viés no cálculo, geralmente superestimando a taxa real de inflação. Estudos indicam que, no caso dos EUA, entre 1987 e 1994, o uso do índice de Laspeyres tornou o CPI (cuja média foi de 3,87% a.a.) cerca 0,25% ao ano maior do que seria se tivessem sido usados índices "superlativos", isto é, que prevêem o efeito substituição supondo que a composição das cestas de produtos muda em função dos preços relativos segundo funções matemáticas flexíveis. Estudos no Canadá e Holanda chegaram a números parecidos, entre 0,2% e 0,3% a.a. Por quê? Porque em geral os consumidores procurariam consumir menos daquilo que aumentou mais de preço e tentariam substituí-lo por produtos ou serviços alternativos cujo preço aumentou menos, ou diminuiu. Na realidade, seu custo de vida tenderia a aumentar menos do que o índice de Laspeyres teria indicado.
Outros índices
Em princípio, em vez de calcular quanto custa hoje uma cesta de consumo levantada num período anterior, é possível fazer o contrário: tomar a cesta de consumo verificada hoje e calcular quanto ela teria custado em períodos anteriores. Tomar, digamos, a cesta de consumo de 1999-2000, verificar quanto teria custado em 1980 e tirar daí quanto foi a inflação no período. Este é o chamado índice de Paasche. Na prática não é utilizado, por que para isso seria preciso a cada mês levantar novamente a cesta de consumo – um trabalho gigantesco – e em seguida recalcular os índices de preços de todos os meses anteriores, de forma que nunca se teria um histórico estável dos índices de inflação. Mesmo que isso fosse praticável, haveria o problema de novos itens de consumo que não foram pesquisados ou não existiam em períodos anteriores.
Além disso, supondo que seja verdade que o índice de Laspeyres tende a superestimar a inflação, o índice de Paasche tenderia a subestimá-la: tudo se passa como se o consumidor estivesse comprando desde há muitos anos atrás a mesma cesta de consumo de hoje, como se ele adivinhasse qual ponderação resultaria no menor índice de inflação no futuro... Claramente, isso é muito menos realista que a hipótese de Laspeyres.
Em 1922, o economista norte-americano Irving Fisher propôs que o ideal seria usar como índice a média geométrica entre os índices de Laspeyres e Paasche, o que viria a ser conhecido como o "índice ideal de Fisher". Estava tão convencido de que seu índice era perfeito que, quando descobriu que não satisfazia certos testes matemáticos concluiu que eram os testes que estavam errados. Apesar de hoje não ser considerado tão perfeito quanto Fisher imaginava, esse índice tem sido recomendado pelos órgãos estatísticos da ONU, quando aplicável. Porém, como depende de se levantar efetivamente a nova cesta de consumo e calcular retroativamente o índice de Paasche, só pode servir para uma revisão retroativa da inflação histórica.
Outra abordagem procura, partindo da cesta de produtos levantada no passado, procurar "adivinhar" o efeito substituição fazendo suposições sobre como o consumidor modifica a cesta a cada mês, considerando que ele substitui produtos cujo preço aumenta mais por outros que aumentaram menos de acordo com uma determinada lógica econômica. Há toda uma família desses índices, que variam de acordo com a hipótese adotada de como se dá essa substituição. Em geral, os resultados são intermediários entre os dos índices de Laspeyres e Paasche e ligeiramente inferiores aos do índice de Fisher, com a vantagem de poderem ser calculados a cada mês sem necessidade de levantar empiricamente a nova cesta de consumo e de revisar toda a série a cada nova medição. Existe uma fórmula geral capaz de gerar fórmulas para todos esses índices (e também as tradicionais fórmulas de Laspeyres e Paasche) conforme a hipótese adotada de elasticidade (isto é, de facilidade de substituição de produtos), que é a fórmula de Divisia.
Um dos índices de Divisia mais usados são o índice de Tornqvist e o índice de Vartia, que calculam a inflação média pela média geométrica ponderada dos aumentos dos diferentes itens (e não pela média aritmética ponderada), variando quanto às suposições sobre como essa ponderação se modifica no tempo (a fórmula de Tornqvist é mais simples e mais usada na prática). A FGV usa média geométrica para calcular a inflação de alimentos, mas o índice de Laspeyres para todos os demais componentes da cesta de consumo; de modo que o IPC da FGV é um índice híbrido – parte Laspeyres, parte Tornqvist.
Outro índice de Divisia, adotado desde 1972 no cálculo do IPC-FIPE, supõe – para usar uma linguagem técnica – que a elasticidade da demanda é sempre igual a 1, de modo que os pesos para agregação das variações porcentuais dos itens são fixos. Supõe que o consumidor gasta sempre a mesma parcela de sua renda com cada bem componente da cesta, que o consumidor sempre muda as quantidades físicas de forma que a composição porcentual de cada item no custo final é sempre a mesma. Ou seja, se no momento 1 o feijão pesava 10% na cesta de consumo e o arroz 10%, então imagina-se que essas porcentagens continuarão sempre as mesmas. Se o preço do feijão aumentar duas vezes mais que a média dos preços, então o consumidor cortará pela metade seu consumo desse produto. Devido ao uso desse método, que supõe um efeito substituição ainda mais intenso que o da média geométrica, a inflação calculada pela FIPE tende a ser quase sempre menor do que a calculada pelas outras instituições brasileiras.
Efeito substituição: ciência ou trapaça?
Segundo a FIPE, o cálculo de seu IPC parte da hipótese de que "as pessoas se comportam racionalmente, buscando atingir o máximo nível de satisfação, decorrente do consumo de bens e serviços, tendo como restrição a renda disponível para gastos de consumo e os preços dos vários bens e serviços consumidos a cada instante de tempo". Porém, nem sempre o que a lógica do índice presume ser o único comportamento econômico racional é razoável do ponto de vista do consumidor. Para ele, outros motivações – racionais ou não – podem ser mais importantes do que a racionalidade estritamente econômica. Por exemplo:
De um ponto de vista da racionalidade da nutrição, substituir um alimento por outro cujo preço aumentou menos nem sempre é um comportamento racional. Carnes, laticínios, verduras, frutas e cereais têm valores nutritivos diferentes – variar seus pesos físicos tendo em vista apenas seus preços poderia levar a um desequilíbrio fisiológico. Isso pode se aplicar mesmo a diferentes alimentos de um mesmo grupo – toucinho e peito de frango, por exemplo.
Mesmo quando a substituição é adequada do ponto de vista da necessidade material, ela pode não ser adequada do ponto de vista cultural. Farinha de trigo e farinha de mandioca, por exemplo, têm valores nutritivos semelhantes. O consumidor urbano da região Sul, porém, tende a consumir muito mais do primeiro produto e o do Nordeste, muito mais do segundo. Tradições culturais como essas não são facilmente modificada por mudanças nos preços relativos dos dois produtos.
A lealdade à determinada marca ou produto – ou seja, o preconceito em relação a marcas ou produtos menos conhecidos – também pode levar o consumidor a apegar-se a determinada marca ou produto mesmo quando seu preço aumenta mais que o de concorrentes.
Modas e inovações, racionais ou não, podem alterar os pesos relativos dos itens de consumo na direção contrária do que pareceria ser economicamente lógico. Quando um determinado produto – um tipo de tênis, uma peça de vestuário, um alimento – é favorecido pela moda, sua demanda e seu preço relativo tendem a aumentar ao mesmo tempo.
Um produto – por exemplo, amianto, freon (gás de geladeira), DDT ou PVC – pode acabar substituído por um similar cujos preços estão aumentando mais rapidamente de uma forma que não parece "economicamente racional", mas segue outras racionalidades: sanitárias, médicas, ecológicas, éticas, estéticas etc.
Às vezes o consumidor é mais economicamente racional do que as fórmulas presumem. Em certos casos, quando um produto é realmente um bom substituto de outro, o consumidor pode abandonar o mais caro inteiramente e não parcialmente. Quando, durante a crise do petróleo, o governo militar introduziu o álcool hidratado como combustível para automóveis – esperando que ele substituísse cerca de 20% do consumo de gasolina – teve muita dificuldade para equilibrar oferta e demanda da forma planejada: dependendo dos preços relativos, ou o consumidor acreditava que o álcool era mais vantajoso e deixava inteiramente de comprar carros a gasolina, ou acreditava que a vantagem estava com a gasolina e ia para o outro extremo.
Certas despesas não podem ser facilmente reduzidas, mesmo que seu custo unitário aumente muito. O consumidor que já comprou eletrodomésticos dificilmente vai deixar de usá-los por que as tarifas elétricas aumentaram. Certos itens do consumo – medicamentos e despesas médicas, por exemplo – não são questão de escolha e não são substituíveis.
Objeções teóricas à parte, a lógica de índices como o da FIPE também não é confirmada na prática. Os levantamentos empíricos mostram que a composição das cestas varia: a comparação da pesquisa da FGV de 1999-2000 com a de 1992-1993, por exemplo, mostrou que os gastos com alimentação haviam caíram de 30% do orçamento familiar para 25%, enquanto as despesas com habitação cresceram de 25% para 31% e as despesas com educação caíram de 13% para 9%. As despesas com habitação – principalmente serviços prestados por concessionárias monopolistas como eletricidade, telefonia etc. – aumentaram mais do que a inflação média e o consumidor naturalmente não pôde substituí-los por outra coisa qualquer. A solução, para muitos, foi abandonar a escola particular – cujas mensalidades freqüentemente também aumentaram acima da inflação média – e colocar os filhos na escola pública, que é gratuita. Tais reações não poderiam ter sido previsto pelas fórmulas usuais.
No início de 2000, no auge da polêmica sobre o reajuste do salário mínimo (então de R$ 136) a Secretaria de Política Econômica do Governo Federal publicou um estudo que calculava o salário mínimo real desde julho de 1940 usando o IPC-Fipe como deflator. O resultado é que o gráfico indicava que o salário mínimo tinha crescido nos primeiros anos da década de 1990 e negava os evidentes efeitos negativos da inflação ascendente sobre os rendimentos do trabalho como se na verdade, a indexação salarial brasileira daquele período não só protegesse os salários da inflação, como contribuísse para seu crescimento. Além disso, indicava que, a preços atualizados, o maior salário mínimo de 1940 eqüivalia a apenas R$ 133 (o valor do menor seria de inacreditáveis R$ 50) e que o maior salário mínimo real da história brasileira, de 1959, teria sido equivalente a R$ 164, quando é claro para a maioria dos historiadores econômicos e sociais que (ao menos nas capitais) o salário mínimo normalmente proporcionava um padrão de consumo bem melhor nos anos 40 e 50 do que nos anos 90. Já o ICV do DIEESE – um índice de Laspeyres – dava um valor real de R$ 560 para o salário mínimo de 1940 e de R$ 700 para o salário mínimo de 1957 (*).
Para resumir, na prática o consumidor nem sempre pode ou quer fazer as substituições da forma que os índices supõem. Mas mesmo quando as faz, será que se deve considerar que a inflação foi menor por causa disso? Trocar um produto (ou uma marca) por outro cujo preço aumentou menos, ou passar a comprar em lojas de descontos onde os preços aumentaram menos, é uma forma de conter o aumento do custo de vida que preserva inteiramente o padrão de consumo? Ou é uma estratégia de sobrevivência que minimiza mas não evita totalmente a deterioração desse padrão, que apenas mascara parcialmente os efeitos da inflação? A resposta não é evidente e, portanto, também não é evidente que os sofisticados índices "superlativos" sejam mais corretos que os índices de Laspeyres. É possível argumentar que estes, por não fazerem suposições arbitrárias sobre o comportamento e a satisfação do consumidor e simplesmente informarem o comportamento dos preços somados de uma cesta de consumo fixa, são na realidade mais objetivos e científicos.
Núcleo da inflação
Outra linha de raciocínio que tende a subestimar a inflação real é a que insiste em que o importante é o "núcleo da inflação", core inflation em inglês, isto é, uma inflação mais ou menos expurgada. Países onde a política do Banco Central é pautada por metas de inflação freqüentemente estabelecem metas para o núcleo da inflação e não para a inflação integral, mas o Brasil por enquanto é exceção – devido à história demasiado embaraçosa da manipulação dos índices no Brasil, aqui não se levaria a sério nada menos que a inflação integral.
Tal como é calculada nos EUA e Reino Unido, o núcleo da inflação é o cálculo do principal índice de preços ao consumidor expurgado de seus componentes geralmente mais "voláteis" – itens cujos preços variam mais freqüentemente e com mais intensidade – que são os alimentos e a energia. Justamente dois dos grupos de itens mais essenciais à sobrevivência, o que é suficiente para demonstrar que o núcleo da inflação não é o custo de vida real.
O conceito de núcleo de inflação não foi criado apenas para iludir a opinião pública. Separar itens cujas variações de preços costumam ser mais imprevisíveis e aleatórias pode ser uma ferramenta de análise para se detectar mudanças nas tendências dos preços a médio prazo. E, o que é mais importante, há motivos razoáveis para um banco central trabalhar como um índice como este. Tentar fixar metas precisas para um custo de vida sujeito a flutuações imprevisíveis, aleatórias e incontroláveis – como as provocadas por uma quebra de safra ou uma crise política no Oriente Médio – não só aumenta o risco de fracasso como pode ser uma política econômica desastrosa. Tentar estabilizar a ferro e fogo o custo de vida quando preços importantes como o do petróleo e de alimentos sobem significativamente só é possível forçando a baixa de todos os outros preços, isto é, causando uma deflação generalizada que só pode ser obtida através de forte recessão e desemprego em massa. Aceitar aumentos do custo de vida produzido por tais "choques externos", mesmo quando esses aumentos podem ser persistentes, às vezes é o mal menor.
Uma coisa, porém, é dizer que tal inflação pode ser vista como mal menor, outra dizer que ela não existe ou não é "realmente" inflação. Alimentos e combustíveis pesam no custo de vida, e muito. Muitas vezes, as flutuações de seus preços têm vida curta, mas isso não significa que não possam também apresentar tendências persistentes: o esgotamento de terras agrícolas e de reservas de petróleo resultam em altas irreversíveis – a menos que sejam compensados por avanços tecnológicos, com os quais nem sempre se pode contar. Quando se trata de reajustar salários e pensões, querer aplicar o "núcleo de inflação" é sem dúvida uma trapaça.
Cálculo hedônico
O CPI dos EUA é, no essencial, um índice de Laspeyres, mas desde 1986 o Departamento de Estatísticas do Trabalho (BLS, em inglês) aplica uma peculiar técnica estatística chamada "regressão hedônica" – isto é, uma regressão que pretende analisar o custo não do bem, mas do seu valor hedônico (valor de uso, ou mais literalmente, de prazer) para o consumidor. Que eu saiba, esse critério ainda não foi utilizado pelas principais instituições do Brasil, mas é uma questão sobre a qual convém estar atento.
O assunto surgiu quando entusiastas da tecnologia informática criticaram os índices oficiais da economia norte-americana por não refletirem um salto em produtividade e eficiência econômica supostamente evidente. Pelo contrário, nos anos 70, 80 e início dos 90, o crescimento da produtividade se arrastou a um ritmo muito mais lento que o dos anos 50 e 60, em alguns setores via-se mesmo um declínio. Para esses críticos, isso era uma ilusão estatística resultante de uma inflação exagerada por indicadores oficiais que não consideravam devidamente os efeitos da introdução de novos produtos e os avanços reais de qualidade dos produtos. Uma comissão encabeçada pelo economista Michael Boskin entre 1995 e 1997 chegou a estimar que, mesmo depois da revisão de 1986 a inflação nos EUA estava sendo superestimada em 1,1% ao ano – metade devido ao efeito substituição, metade por considerar suficientemente a questão da qualidade.
Um aspecto da questão é que, devido ao ritmo relativamente lento da revisão das cestas de consumo, novos itens de consumo como computadores pessoais, videocassetes, toca-discos digitais (CD players), câmaras de vídeo compactas (camcorders), discos de vídeo (DVDs) e TVs digitais só passam a constar dos levantamentos de preços quando se tornam produtos relativamente maduros, com preços mais ou menos estabilizados. Os cruciais anos de sua introdução no mercado, durante os quais seu preço caem mais rapidamente, não influenciaram para nada o CPI.
Mas deveriam ter influenciado? Quando tais aparelhos são colocados pela primeira vez no mercado – como o aparelho de videocassete, que começou a ser vendida a um preço de US$ 7.500 – são produtos de luxo destinados a um público ínfimo. Assim como diamantes de vinte quilates ou telas originais de grandes mestres da pintura, não faziam parte das necessidades do consumidor típico. É razoável supor que só merecem ser pesquisados quando seu preço unitário cai o suficiente para que se tornem itens de consumo popular, ou pelo menos de uma fatia considerável das classes médias.
Outro aspecto, mais sutil, é o dos melhoramentos tecnológicos: em dólares o preço de uma máquina do ano 2000 com microprocessador de 1.000 mHz não é muito diferente do preço de uma máquina de 50 mHz vendida em 1993. Se simplesmente compararmos preços dos melhores computadores disponíveis para venda chegaremos à conclusão de que a contribuição dos computadores para o custo de vida é pouco significativa e que não houve avanços substanciais na produtividade desse setor. Porém, se admitirmos que o computador de hoje é vinte vezes mais potente do que o de sete anos atrás, podemos concluir que a produtividade da indústria de computadores aumentou vinte vezes e que, na realidade, seus preços tiveram uma deflação brutal: hoje paga-se vinte vezes menos que há sete anos pela mesma capacidade de processamento.
Se essa suposta for considerada no cálculo do CPI, este aumentará significativamente menos (principalmente se, além disso, forem usados índices baseados no "efeito substituição") e o crescimento do PIB e da produtividade seriam bem maiores. Esse critério realmente acabou sendo adotado em 1986 e o resultado foi que, de 1987 a 1995, o índice de preços para computadores caiu 14,7% a.a. e, de 1996 a 1999, 31,2% a.a. Ou seja, 4,2 vezes no primeiro período e 4,5 no segundo: um total de 18,7 vezes em 13 anos.
Naturalmente, essa suposta redução nos preços dos computadores significa, na realidade, apenas uma redução nos preços de atributos como certo nível de velocidade, memória, velocidade de acesso a disco, capacidade do disco rígido, presença e velocidade de CD-ROM etc. Assim, de 1993 a 1999, a velocidade dos microprocessadores aumentou 16,2 vezes, as memórias RAM cresceram 75,5 vezes e os discos rígidos aumentaram 176 vezes de capacidade. Ponderando esses e outros aspectos segundo o método da regressão hedônica – que procura avaliar quanto o mercado valoriza relativamente tais avanços – o BLS concluiu que o desempenho de um computador aumentou 5,2 vezes em relação ao preço.
Mas tem sentido dizer que o computador tornou-se cinco vezes mais útil ou produtivo em seis anos? Como apontou um economista da Northwestern University, Robert J. Gordon (1), os seres humanos de hoje não conseguem pensar ou digitar muito mais rápido que há vinte anos atrás. Um computador do ano 2000 é 60 vezes mais rápido e tem 100 vezes mais memória que um que custava US$ 2.500 em 1983. Pela lógica da regressão hedônica, valeria quase trinta vezes mais – em 1983 seria preciso pagar US$ 70.100 para obter a mesma capacidade de processamento que em 2000 custa apenas US$ 1.000. Porém, dificilmente o usuário do computador de hoje consegue produzir 30 vezes mais, ou mesmo se divertir 30 vezes mais que em 1983. Faz essencialmente as mesmas coisas – por exemplo, usar um editor de texto ou uma planilha eletrônica. A capacidade adicional foi consumida basicamente por recursos gráficos cada vez mais sofisticados, mas que proporcionaram retornos cada vez menores em termos de utilidade objetiva.
Mais importante quando se trata de discutir o CPI em geral é que raramente alguém lembra o fato embaraçoso mas verdadeiro de que o cálculo hedônico pode ser uma espada de dois gumes. Existe muita pressão para que melhoramentos qualitativos sejam quantificados de alguma forma, mas poucos ousam propor o contrário: quantificar os casos em que a qualidade dos produtos e serviços objetivamente cai, às vezes ao mesmo tempo que seu preço aumenta; considerar com mais atenção os casos em que o preço de um produto ou serviço (como o de empregada doméstica) aumentou a ponto de convertê-lo em artigo de luxo ou retirá-lo totalmente do mercado.
Ao longo de décadas, moradias, móveis, materiais de construção, eletrodomésticos, vestuário e brinquedos têm perdido em durabilidade e qualidade de acabamento. Em vários desses produtos, matérias-primas nobres, como estanho, cobre, marfim e madeiras de lei, têm sido substituídas por plásticos e outros materiais baratos. Refeições decentes são substituídas por junk food, bons alimentos naturais são substituídos por preparações de qualidade duvidosa, carregadas de conservantes e outros aditivos químicos. A qualidade dos transportes é deteriorada pelo aumento dos congestionamentos. No campo dos serviços de saúde, planos que prestavam assistência incondicional têm sido substituídos (principalmente nos EUA) por planos de medicina administrada que restringem a autonomia do médico e os recursos de diagnóstico e tratamento à disposição do paciente.
No que se refere a vestuário, uma pesquisa de Robert J. Gordon mostra que o índice "hedônico" de preços para vestuário, principalmente feminino, aumentou muito mais que o índice oficial. Este tem subestimado significativamente os aumentos de preços a longo prazo (2), sugerindo como conclusão mais geral que os aumentos de preços de bens sujeitos a freqüentes mudanças de gosto e moda tendem a ser subestimados pelos índices tradicionais de inflação embutidos no CPI norte-americano e provavelmente também em índices comparáveis de outros países. Segundo o índice oficial de inflação, os preços de artigos de vestuário nos EUA aumentaram 7,6 vezes entre 1913 e 1993 e o custo de vida geral 14,6 vezes, mas comparando-se os preços dos catálogos da Sears nesses dois anos verifica-se que a mediana dos preços dos artigos aumentou nada menos que 32,7 vezes, embora os produtos de 1913 usassem tecidos de qualidade superior (seda, caxemira) e usassem mais elementos decorativos (pregas, fitas etc.). Uma pesquisa sobre aluguéis chegou a resultados semelhantes: de 1925 a 1999, o índice oficial de preços de aluguéis aumentou 5,07 vezes, mas o levantamento de anúncios imobiliários na cidade norte-americana de Evanston mostrou que a mediana dos preços de aluguéis aumentou 12,6 vezes no mesmo período. Nos casos em que foi possível acompanhar a evolução do aluguel de um mesmo endereço, o aumento médio foi de 10,9 vezes.
Mas como nenhum setor está muito ansioso para financiar pesquisas que mostrem como a qualidade de seus produtos declinou e insistir em que os técnicos do governo levem isso em conta nos seus levantamentos, a tendência é de que a tentativa de ajustar os preços pela qualidade esteja não refinando, mas enviesando seriamente os cálculos de inflação, crescimento econômico e produtividade. Em vez de cálculos aproximadamente certos, os economistas usam cada vez mais os exatamente errados (3).
Se fatores "hedônicos" negativos forem devidamente levados em conta, é provável que se chegue à conclusão que, ao menos na média e no longo prazo, os ajustes "hedônicos" negativos cancelam os positivos. Só assim se poderia evitar o que Gordon chama, ironicamente, de paradoxo de Hulten-Bruegel. Em 1997, quando as conclusões da comissão Boskin foram levadas a um debate entre economistas, alguns deles aceitaram sua relevância para os últimos 25 anos, mas apontaram que alguns dos supostos vieses que a comissão apontou sempre existiram e, portanto, cairia por terra a idéia de que só hoje os avanços tecnológicos estão sendo subestimados e a inflação superestimada. Não é de hoje que consumidores procuram alternativas mais baratas quando os preços sobem, nem foi ontem que produtos começaram a ser melhorados por avanços tecnológicos. Se a comissão estava certa, então os cálculos de inflação estão sendo superestimados há séculos e o crescimento econômico sempre foi subestimado.
O economista Nordhaus levou esse raciocínio às últimas conseqüências, especulando que, de 1800 a 1992, os salários reais teriam aumentado 40 a 190 vezes e não 13 a 18 vezes como indicam os índices oficiais. Sem o saber, seríamos enormemente mais ricos que nossos tataravós ou eles seriam muito mais pobres do que imaginávamos (4). Porém, outro conferencista, Charles Hulten, mostrou como esse cálculo é implausível. Se fosse verdadeiro, a renda familiar média em 1800 seria de US$ 143 a preços de 1992 ou US$ 0,39 por dia, suficiente para comprar apenas 600 gramas de batata em 1992 (a preços de US$ 0,31 por libra de 453 g). Gordon levou a extrapolação ainda mais longe e a reduziu a um absurdo evidente: de 1569 a 1992, a renda média anual deveria ter-se multiplicado 5.482 vezes! A renda familiar média anual de 1569 teria sido de US$ 5,59 a preços de 1992, o suficiente para 25 gramas de batatas por dia e mais nada! Entretanto, quadros do famoso artista flamengo Pieter Bruegel pintados nesse ano mostram camponeses e burgueses bem alimentados, contentes, bem vestidos e morando em casas sólidas. Como nossos antepassados não viveram em tal miséria, algo tem que estar errado com esse "hedonismo" econômico.
Distorções nos cálculos de inflação já têm sido propostas e introduzidas em períodos de relativa prosperidade internacional como a década de 90, elas provavelmente se multiplicarão em períodos de turbulência como o que se anuncia a partir de 2001. Os índices nunca foram tão sofisticadas e nunca tentaram incorporar tanta informação, mas a qualidade das matérias-primas da análise econômica e dos serviços que ela presta nunca foi tão ameaçada. Hedonicamente, os custos da análise econômica estão sofrendo a maior inflação de todos os tempos.

2006-09-05 00:56:16 · answer #2 · answered by Anonymous · 0 0

Inflação qdo os preços sobem sem justificativa plausível, vejamos se o governo resolve abaixar o juros a 1% ao ano, endoidando o Copom do Banco Central, para efeito eleitoreiro ó q acontece, todos vão as compras, o mercado imobiliário explode, os aviões lotam, pois papai noel existe.....ai ninguém aguenta, o Comércio, Indústria e Serviço aumentam seus preços para freiar o consumo do povo desacreditado na Administração Pública q ficou Pinel, necessitando de eletrochoques e ser internado no Hospital Psiquiátrico por um longo tempo.....

2006-09-05 00:50:11 · answer #3 · answered by adriano g 6 · 0 0

[Do lat. inflatione.]
S. f.
1. Ato ou efeito de inflar(-se).
2. Fig. Vaidade, soberba, presunção.
3. Cosm. Fase de expansão do universo extremamente rápida que teria ocorrido entre o intervalo de tempo de 10-35 segundos e 10-32 segundos depois da Grande Explosão.
4. Econ. Aumento geral de preços (em geral acompanhado por um aumento na quantidade de meios de pagamento), com conseqüente perda do poder aquisitivo do dinheiro. [Antôn., nesta acepç.: deflação.]

u Inflação de custos. Econ.
1. A que se origina de uma elevação autônoma nos custos de produção (como um aumento nas taxas de juros).

u Inflação de demanda. Econ.
1. A que se origina de uma elevação na demanda por mercadorias e serviços, sem correspondente aumento da oferta.

u Inflação inercial. Econ.
1. A que se origina da repetição dos aumentos passados de preços, pela ação dos mecanismos de indexação.

2006-09-05 00:46:41 · answer #4 · answered by Cant 5 · 0 0

Inflação é o aumento persistente dos preços, que envolve o conjunto da economia e do qual resulta uma contínua perda do poder aquisitivo da moeda.

2006-09-05 00:43:40 · answer #5 · answered by Ð♀Þ®☼© 7 · 0 0

Um monstro.

2006-09-05 00:41:36 · answer #6 · answered by Ines M 5 · 0 0

Em economia, inflação é a queda do valor de mercado ou poder de compra do dinheiro. Isso é equivalente ao aumento no nível geral de preços. Inflação é o oposto de deflação. Inflação zero, ou muito baixa, é uma situação chamada de estabilidade de preços.
A inflação é usualmente conceituada como um aumento contínuo e generalizado no nível geral de preços, que resulta em perda ininterrupta do poder aquisitivo da moeda. Altas esporádicas e localizadas em alguns preços, portanto, não podem ser qualificadas como um processo inflacionário. A inflação é medida por meio de índices calculados por entidades governamentais ou privadas. (Clique aqui para ler sobre os índices financeiros brasileiros e suas respectivas cotações).

2006-09-05 00:38:25 · answer #7 · answered by Anonymous · 0 0

Queda do poder de compra ou de valor de mercado

2006-09-05 00:37:48 · answer #8 · answered by MariaCrissssss 7 · 0 0

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