Prezado Alfredo,
Sendo você um escritor, tenho a certeza de que será compreensível a extensão de minha resposta, pois você sabe então muito bem que às vezes poucas palavras são insuficientes para elucidar um pensamento.
Bem, é compreensível tanto discurso sobre Jesus tendo em vista que é o principal personagem da religião predominante em nossa cultura vigente. Por isto penso, ninguém aqui faz perguntas sobre Krishna, Buda ou Maomé, absolutamente, associa-se diretamente Deus com Jesus...crasso erro.
Há alguns aspectos importantes a se saber a respeito da Bíblia, inclusive históricos e atestados pelas autoridades teológicas, as quais começo por elas.
Primeiramente, a Bíblia não é o único nem o primeiro livro chamado sagrado na história da humanidade, nem o primeiro a contar uma “história divina”, há, por exemplo, o livro sagrado hindu, o Vedas, que conta a história de Krishna, uma história com muitas semelhanças com a de Jesus, inclusive Krishna teria nascido de uma virgem, feito milagres, lutado contra demônios, morrido e ressuscitado.
Historicamente, com evidências científicas e reconhecidas pelas "autoridades bíblicas", os evangelhos da Bíblia datam a partir do ano 60, alguns chegando ao ano 120, sequer existem vestígios de um pedaço que seja de um evangelho anterior a isto. Este fato demonstra, com o consentimento das autoridades teológicas, que os evangelhos foram provavelmente escritos por pessoas que não conheceram Jesus, mas que conheceram os apóstolos e ouviam suas narrativas. Algumas bíblias inclusive trazem em suas notas as explicações disto, está lá. Juntei algumas informações também estudando sobre o evangelho "Q".
Nos primórdios do cristianismo prevalecia a tradição oral, conforme a tradição judaica, tudo era contato verbalmente e passado de pessoa para pessoa, até que diante da situação de que os apóstolos já estavam velhos e morrendo, surgiu a necessidade de começar a escrever, segundo o que lembravam de suas histórias... Imagine quanta confusão, por isto havia tantos evangelhos divergentes, e tempos depois, a necessidade do Concílio de Nicéia para decidir quais seriam os "evangelhos oficiais", quando o cristianismo foi reconhecido como religião e oficializado por interesses pelo Império Romano, pois até então era uma simples seita.
Lucas, por exemplo, sequer conheceu Jesus, ele era um acompanhante das viagens de Paulo, sendo que Paulo também não conheceu Jesus nos tempos em que andava entre o povo. Paulo e Pedro discordavam em muita coisa, e isto também se observa na própria Bíblia. Está lá nas notas da Bíblia que Cefas era o mesmo nome de Pedro, e nas cartas de Paulo há várias menções de discordância com Cefas, sendo interessante que, segundo a própria Bíblia, foi diante de Cefas (Pedro) e dos outros apóstolos que Jesus deu seus ensinamentos. Há muitos fatos intrigantes, como por exemplo, ver que Lucas (que não estava lá) é o único a falar do milagre da viúva de Naim, e os demais evangelhos não fazerem nenhuma referência. Da mesma forma, observe que o milagre da transformação da água em vinho consta apenas em João, e ele diz que todos os apóstolos estavam presentes, se fosse verdade, pela grandiosidade deste fato todos não deveriam ter deixado registrado este acontecido? Os outros esqueceram, ou acharam irrelevante, e não escreveram a respeito? Da mesma forma, existiria inspiração divina nas cartas de Paulo que recomendam à mulher ser incondicionalmente submissa ao homem e calar-se diante dele? Uma mulher aceita isto como orientação inspirada por Deus?
Alguém me escreveu certo dia dizendo que questionar a existência de Jesus é como questionar a existência de qualquer outra figura histórica. Não é verdade, pois todos os outros personagens históricos estão registrados em documentos históricos, e todos eles deixaram seus escritos de próprio punho. A Bíblia não é um documento histórico, o novo testamento não foi escrito por Jesus, aliás, a Bíblia contém o único testamento que existe que não foi escrito pelo próprio testamentário.
Por isto, para mim, quando me refiro ao Jesus de Nazaré, considero a figura humana, um ser humano especial, sem artifícios fenomênicos como descreve a bíblia, que provavelmente, pela história que se criou em torno dele, ensinou muitas coisas a seu povo e deixou novos valores que foram transmitidos para a humanidade, mas penso que em cima de sua (provável) verdadeira história se criou uma religião, se criou dogmas e se criou um mito, muito parecido com outros preexistentes a ele, para atender interesses e privilégios mundanos. Penso que ele foi um idealista de uma nova humanidade e que ensinava novos conceitos, como foi Sócrates para os gregos, mas Jesus falava para as massas, falava o idioma do povo, e por isto se tornou querido entre as massas da época. Depois disto, foi questão de tempo para que os homens poderosos, com maus propósitos, oficializassem o mito criado em torno dele para atender a interesses de domínio e controle sobre estas mesmas massas e reforçassem seu poder. Penso que de forma alguma isto o desonra, muito pelo contrário, dignifica a imagem de alguém que conseguiu lutar contra uma cultura vigente na época sem precisar valer-se de privilégios sobrenaturais, o que penso ser mais difícil e mais honrado ainda. Mesmo que, infelizmente, possa-se ter criado religiões sobre seu nome, talvez até com princípios contrários ao que ele queria de verdade, que era homens livres do jugo espiritual.
Quando me referi acima de que aceito melhor a idéia da figura histórica de um Jesus que tenha sido um homem que atingiu algum grau importante de sabedoria sobre os mistérios da existência humana, também fundamento isto nas evidencias recentes de que Jesus provavelmente tinha alguma ligação com os essênios. Vejo-o então, como o Grande Essênio, um verdadeiro iniciado nos mistérios da existência humana, que assumiu uma missão humanitária de deixar algo novo para a humanidade tendo presenciado o caos espiritual que os homens viviam, ainda que, como já escrevi também, sua mensagem tenha sido deturpada e ido contra seu princípio de libertar-se do jugo espiritual. Também observo na própria Bíblia alguns fatos que podem indicar uma associação de Jesus com algum grupo desconhecido, que se dedicava a estes conhecimentos, como na passagem aonde Jesus orienta seus discípulos para prepararem sua última páscoa, de irem até a cidade e passarem numa determinada rua segurando um vaso de água, com a certeza de que alguém vendo isto se aproximaria perguntando “o que o Mestre deseja?”. Intrigante, não é mesmo? Chega a dar a impressão, implícita claro, de que Jesus possuía seus segredos, lembrando um Mestre de alguma fraternidade.
Sobre os milagres também tenho uma compreensão de que o verdadeiro significado deveria encerrar, em sua origem, um conceito espiritual, e não um fato físico. Não penso que Jesus tenha literalmente pegado um barril de água e transformado o líquido em vinho, mas que tenha um significado oculto, assim como o sentido dos alquimistas da antiguidade em transformar chumbo em ouro não era literal, ainda que alguns pensem que sim, ao contrário, era da busca de transformar o estágio de metal bruto sem valor em que os homens se encontravam (o chumbo), em um novo estágio de elevação e verdadeiro valor (o ouro). E assim penso que cada dito milagre deva encerrar algum significado que se perdeu, devido a toda a história de incompreensão, autoridade dogmática, mitos e mentiras pregados durante milênios à humanidade.
Por último, sobre este aspecto de Jesus, tenho a compreensão de que a Bíblia foi escrita de forma a favorecer a interpretação deste outro Jesus que considero o Jesus mitológico, talvez porque este tenha sido o interesse dos que escreveram de fato a Bíblia e fundaram as religiões farisaicas sobre a palavra do Grande Essênio. Digo isto porque é clara a ênfase num Jesus que fez coisas impossíveis, que contrariam as próprias Leis da Natureza que, em minha compreensão, representam a Vontade inexorável do Criador, num Jesus que redimiu a humanidade de seus “pecados”, ainda que eu pense que esta é a catequese de Paulo, a qual em alguns momentos penso que os demais apóstolos não concordavam. Também a Bíblia evidencia um Jesus que morreu, ressuscitou em corpo físico e ascendeu fisicamente ao céu, de onde irá retornar para o chamado juízo final, sendo que ele julgará os homens. Mais uma vez isto, para mim, evidencia que a Bíblia parece ter sido escrita com a intenção de parecer uma panacéia elaborada com referência de outros mitos preexistentes ao cristianismo, como neste caso o conceito egípcio do julgamento de Osíris e o próprio mito de Osíris, e em outros aspectos, as semelhanças de algumas referências entre o que a Bíblia fala de Jesus e o que o Vedas, livro sagrado hindu, fala sobre Krishna, como por exemplo, as narrativas semelhantes entre ambos de que tiveram um nascimento virginal, fizeram milagres, lutaram contra demônios, morreram e ressuscitaram (o Vedas é muito mais antigo do que o próprio judaismo).
Ainda há outro aspecto relevante. Existem muitas religiões no mundo, todas se dizem o caminho correto, mas a verdade é que muitas se contradizem. Então como afirmar que esta ou aquela é a “mais verdadeira”? Algumas se justificam com base em seu livro dito sagrado, outras pelas suas tradições e sua idade, como fica nossa inteligência diante disto? Todo o Universo criado por Deus está fundamentado em pura lógica e sensibilidade, tudo é inteligente no Universo, e justamente a Verdade não seria? Penso que a Verdade está na essência, no que é comum e verdadeiro a todos, sem exceção.
Quanto ao meu conceito sobre Deus, já lhe respondi em outra pergunta sua, mas não deixo de enfatizar o mesmo final que utilizei naquela resposta: eu também não creio no Deus antropomórfico, continue se valendo de sua inteligência, mas não se enclausure no preconceito de "Deus não existe", pois penso que é uma postura tão extremista quanto a de quem aceita um Deus que é divergente entre cada tipo de religião. Desta forma, para mim, é como acabam existindo dois tipos de crentes, o crente religioso e o crente no ateísmo...mas está é apenas minha compreensão, e como já disse, penso que a maturidade de nosso pensamento e de nossas compreensões surgem justamente da troca madura de experiências e aprendizados vividos.
Grato pela atenção e espero ter contribuído com minha compreensão.
2006-08-28 16:43:29
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answer #2
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answered by Fabiano SJ/SC 2
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