Doenças genéticas
Detecção de Portadores Assintomáticos de Genes Deletérios
Em relação a testes genéticos neste grupo, os exemplos seguintes levantam outras questões, tais como: Até onde vai o nosso direito de interferir? Devemos sempre dizer a verdade? Podemos nos negar a fazer um teste genético?
Uma consulente vem procurar um serviço de Aconselhamento Genético para diagnóstico pré-natal. O levantamento da genealogia mostrou que seu pai é hemofílico, o que significa que ela é portadora assintomática deste gene e portanto um feto, de sexo masculino, terá uma probabilidade de 50% de vir a ser afetado por hemofilia. Inesperadamente, o estudo de DNA da consulente e de seus pais revela que "o suposto pai hemofílico" não é na realidade o seu pai biológico. Isso significa que a consulente não é portadora do gene da hemofilia e portanto não existe risco para esta ou futuras gestações, o que dispensa a realização de qualquer teste genético. É ético revelar à consulente que "seu pai não é seu pai" e arriscar a desestruturação de uma família aparentemente unida? Ou, por outro lado, é ético submeter a paciente a um exame pré-natal desnecessário, sabendo-se de antemão que não somente esta como futuras crianças dessa consulente não têm risco de hemofilia?
Em outro caso, a consulente tem um filho afetado por distrofia de Duchenne (DMD), uma doença letal grave, cujos afetados raramente ultrapassam a terceira década. O exame de DNA revela que tanto a consulente como sua mãe são portadoras do gene da DMD e, portanto, há um risco de 50% de virem a ter descendentes de sexo masculino com DMD. Durante o Aconselhamento Genético (AG) a consulente é informada sobre seu risco genético e que suas tias, primas e sobrinhas, também em risco de serem portadoras do gene da DMD, podem recorrer ao exame de DNA para tentar prevenir o nascimento de novos afetados. A consulente, entretanto, nega-se terminantemente a alertar seus familiares sobre esse risco.
Pergunta-se: É ético deixar que pessoas em risco ignorem essas informações que poderiam prevenir o nascimento de uma criança afetada por uma doença genética grave? Por outro lado, temos o direito de invadir a privacidade dos outros? Ou quebrar o princípio da confidencialidade deve ser uma norma no AG?
Um terceiro exemplo ilustra uma situação ainda mais complicada. Uma consulente adolescente é encaminhada para diagnóstico pré-natal pois tem dois irmãos afetados por DMD. O estudo de DNA revela que ela é portadora do gene da DMD e, portanto, existe 50% de risco de que venha a ter um filho afetado. Antes de realizarmos o estudo de DNA do feto, entretanto, somos informados de que há uma suspeita de que o pai biológico da criança seria o próprio pai da consulente. Somos consultados sobre a possibilidade de confirmar essa suspeita, pelo exame de DNA, sem o conhecimento da consulente. Do ponto de vista genético, o risco de uma criança, fruto de uma relação incestuosa (pai-filha), ser afetada por uma doença genética (retardo mental, doenças recessivas ou malformação congênita) é da ordem de 50%, independentemente do sexo. Ou seja, é um risco tão grande quanto o da DMD, mas neste caso sem possibilidades de um diagnóstico pré-natal. As grandes questões são: a) é ético realizar um exame de DNA sem o prévio consentimento dos interessados?; b) ou é mais ético não realizar esse exame, mesmo sabendo do alto risco para o feto e da possibilidade, neste caso, de se interromper a gestação com amparo legal?
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A ocorrência das mutações gênicas soma novos alelos ao conjunto gênico de todas as populações. Graças à ocorrência das permutações, esses novos alelos se misturam aos pré-existentes, determinando a enorme variabilidade verificada dentro dos grupos de seres vivos. Sobre essa mistura de características, atua a seleção natural. Os organismos dotados das características mais adaptativas tendem a sobreviver e gerar descendentes em maior número do que aqueles desprovidos dessas características. Como dissemos no capítulo anterior, a seleção natural estabelece uma "taxa diferencial de reprodução".
Pela atuação desses fatores (mutações e seleção natural, principalmente), o equipamento genético das populações tende a se alterar, com o passar do tempo. Portanto, as populações não são imutáveis!
Em 1 950, o biólogo Theodosius Dobzhansky postulou um conceito genético para as populações. Segundo ele, uma população é um conjunto de indivíduos que se reproduzem sexuadamente, compartilhando um conjunto de informações genéticas e mantendo um patrimônio gênico comum.
Em cima do conceito genético de população, muitos postulados foram lançados, todos partindo de uma "população ideal". Essa população ideal foi chamada de população mendeliana, e apresenta as seguintes características:
· deve ser uma população muito grande.
· todos os cruzamentos podem ocorrer com igual probabilidade, casualmente, permitindo uma perfeita distribuição dos seus genes entre todos os seus indivíduos. Uma população assim é conhecida como população panmítica (do grego pan, total, e miscere, mistura).
· não deve estar sofrendo a ação da seleção natural, podendo manter com igual chance qualquer gene do seu conjunto, sem que nenhum tenha a tendência de ser eliminado.
· não há a ocorrência de mutações, que acrescenta novos genes ao patrimônio gênico da espécie.
· não há fluxo migratório entrando ou saindo dessa população, pois eles acrescentam ou removem genes do grupo original.
Você está se perguntando se uma população assim realmente existe. A resposta é não! Uma população humana pode até ser grande, mas as outras condições não são obedecidas. Os cruzamentos não são casuais, e estão na dependência de fatores afetivos, sociais, étnicos, religiosos, etc. Todas as populações humanas sofrem a ação da seleção natural e, nelas, ocorrem mutações. Os fluxos migratórios são intensos.
Entretanto, vamos considerar que os postulados da genética populacional sejam válidos e aplicáveis desde que as populações sejam grandes.
1. As populações e a freqüência gênica
A base do estudo da genética de populações é o conceito de "pool gênico", conjunto total de genes presentes em todos os indivíduos de uma população. Tomemos como exemplo um certo locus gênico que pode ser ocupado alternativamente pelos alelos A e a. Em uma população de 100 000 pessoas, encontramos 49 000 homozigotos AA, 42 000 heterozigotos Aa e
9 000 homozigotos aa. Vamos chamar de pool gênico ao total de genes da população.
49 000 homozigotos AA ===> 98 000 genes A
42 000 heterozigotos Aa ===> 42 000 genes A e
42 000 genes a
9 000 homozigotos aa ====> 18 000 genes a
TOTAL ===> 140 000 genes A e 60 000 genes a
Nessa população, há um total de 200 000 genes para esse locus. Desses, 140 000 são o alelo dominante A e 60 000 são o alelo recessivo a. Portanto, as freqüências gênicas correspondem a:
freqüência do alelo dominante
A = f(A) = 140 000/200 000 = 0,70 (ou 70%)
freqüência do alelo recessivo
a = f(a) = 60 000/200 000 = 0,30 (ou 30%)
Como não há outra forma alternativa de ocupação desse locus, a soma das freqüências gênicas é igual a 1,0 (ou 100%).
f(A) + f(a) = 1,0 (ou 100%)
Habitualmente, a freqüência do alelo dominante, no caso a freqüência do gene A, é expressa por p, e a freqüência do alelo recessivo, por q. Portanto:
f(A) + f(a) = p + q = 1,0 (ou 100%)
No início do século XX, o alemão Weimberg e o britânico Hardy lançaram um postulado segundo o qual, caso uma população mendeliana não esteja sofrendo influência de nenhum fator evolutivo (mutações, seleção natural, migrações, etc.), as freqüências gênicas de todos os seus alelos deveria permanecer constante, ao longo das gerações. Esse postulado é conhecido como princípio de Hardy-Weimberg, ou princípio do equilíbrio gênico.
2. A expansão do princípio de Hardy-Weimberg
Como, em uma população mendeliana clássica, as freqüências gênicas são constantes e os cruzamentos podem ocorrer ao acaso, podemos estimar as freqüências dos diferentes genótipos.
Voltando ao exemplo anterior, a freqüência do gene dominante A é igual a 0,7 (ou 70%), e a freqüência do alelo recessivo a é de 0,3 (ou 30%). De todos os espermatozóides gerados pelos machos dessa população, esperamos que 70% deles tenham o gene A, e que 30% tenham o alelo a. As mesmas proporções devem ser observadas entre os óvulos gerados pelas fêmeas.
Como todos os espermatozóides podem, teoricamente, se encontrar com qualquer óvulo, temos:
· Se a freqüência do gene A dentre os espermatozóides é igual a p, e essa também é a freqüência desse gene entre os óvulos, a probabilidade do encontro de um espermatozóide A com um óvulo A é igual a (p x p), ou seja, p2.
· Se a freqüência do alelo a, nos espermatozóides, é igual a q, que também é a freqüência do gene a nos óvulos, a probabilidade da fusão de um espermatozóide a com um óvulo a é igual a (q x q), ou seja, q2.
· Há duas maneiras de se formar um zigoto Aa: espermatozóide A e óvulo a, ou espermatozóide a e óvulo A. Cada um desses eventos tem probabilidade igual a (p x q). Logo, o total de indivíduos de genótipo Aa corresponde a 2pq.
Concluindo, a expansão do princípio de Hardy-Weimberg determina que:
I - A freqüência do genótipo homozigoto é igual à freqüência do gene elevada ao quadrado.
II - A freqüência do genótipo heterozigoto é igual a duas vezes o produto das freqüências de cada gene.
3. Casos especiais de genética das populações
Polialelia - Determinam-se as freqüências gênicas e, a partir delas, as freqüências dos diversos genótipos. Por exemplo, vejamos como trabalhar com a herança dos grupos sangüíneos do sistema ABO. Nesse caso, há uma série de 3 polialelos Ia, Ib e i. As freqüências gênicas serão nomeadas, respectivamente, p, q e r. Pelo princípio de Hardy-Weimberg, essas freqüências são constantes, e a soma é igual a 1 (ou 100%).
p + q + r = 1
Pela expansão do princípio, calculamos as freqüências dos genótipos e dos fenótipos:
Herança de dois ou mais pares de genes alelos - O princípio de Hardy-Weimberg é válido para o estudo de dois ou mais pares de genes alelos. Assim, como foi dito no estudo da segunda lei de Mendel, quando se analisam simultaneamente dois ou mais pares, estamos diante de eventos independentes. Uma vez determinada a probabilidade de acontecimento de cada um dos eventos, as suas probabilidades devem ser multiplicadas para que obtenhamos a probabilidade de ocorrência simultânea de todos eles.
Herança ligada ao sexo - Aplicado o princípio de Hardy-Weimberg, concluímos que as freqüências gênicas são iguais nos dois sexos. Como um gene ligado ao sexo (localizado na porção heteróloga do cromossomo X) se manifesta nos homens mesmo estando em dose simples, a freqüência de homens afetados é igual à freqüência do próprio gene.
Cruzamentos consangüíneos - Chamam-se cruzamentos consangüíneos (ou endocruzamentos) aqueles que envolvem indivíduos com ancestrais comuns, como tio e sobrinha, primo e prima, etc. Esses cruzamentos têm grande importância em genética clínica, porque tornam maiores as probabilidades de nascimento de crianças com distúrbios genéticos.
Há doenças genéticas determinadas por genes dominantes, como a polidactilia, e por genes recessivos, como o albinismo. Os genes recessivos tendem a ser detectados com mais facilidade, porque sempre se manifestam, desde que estejam presentes em dose simples ou em dose dupla. Já os genes recessivos costumam permanecer mais tempo ocultos nas populações, uma vez que só se manifestam em dose dupla, no homozigoto recessivo.
Todos nós temos, em nossas células, um ou alguns genes deletérios (causadores de doenças) que, por serem recessivos, não estão se manifestando. É maior a probabilidade de que esse mesmo gene seja encontrado nas células de uma pessoa aparentada do que em uma outra pessoa qualquer da população. Portanto, o cruzamento consangüíneo permite que, no descendente, um gene recessivo se encontre em dose dupla e possa se manifestar.
Os cruzamentos consangüíneos não aumentam a freqüência dos genes deletérios, nas populações, mas aumentam a probabilidade de que venham a se encontrar em dose dupla, podendo se manifestar.
2006-07-25 02:43:38
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answer #2
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answered by panteralvinegra 3
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