O Paraíso e o Inferno
Em todas as épocas o homem tem acreditado, por intuição, que a vida futura deveria ser feliz ou infeliz, em razão do bem ou do mal que se fez aqui em baixo. Crendo que a Terra é o centro do universo, os Antigos tinham colocado o Paraíso no Céu e o Inferno sob a terra. Esta idéia, que predominou durante séculos, tornou-se obsoleta quando a ciência se pôs a observar as profundezas do espaço e da Terra. Diante desses novos conhecimentos, as crenças tiveram que se modificar: o céu e o inferno foram deslocados. Onde estão? Diante desta questão, as religiões permanecem mudas.
O Espiritismo veio esclarecer esta questão nos ensinando que não existem lugares circunscritos para as almas.
Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas com a aptidão de tudo adquirir e de progredir, em virtude de seu livre arbítrio. Pelo progresso, eles adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções e, por conseguinte, novos gozos desconhecidos dos Espíritos inferiores; eles vêem, entendem, sentem e compreendem o que os Espíritos atrasados não podem ver, nem entender, nem sentir, nem compreender. A felicidade está na razão do progresso realizado; de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto o outro unicamente porque não é tão avançado intelectual e moralmente, sem que tenham necessidade de estar em lugares distintos. Ainda que estejam ao lado um do outro, um pode estar nas trevas, enquanto que tudo resplandece ao redor do outro, absolutamente como um cego e um vidente de mãos dadas; um percebe a luz, que não causa nenhuma impressão sobre seu vizinho. A felicidade dos Espíritos, sendo inerente às qualidades que possuem, são por eles absorvida em toda parte onde a encontram, na superfície da Terra, no meio dos encarnados ou no espaço.
Uma comparação vulgar permitirá compreender ainda melhor esta situação. Se, em um concerto se encontrarem dois homens, um bom músico, de ouvido exercitado, o outro sem conhecimento de música e com sentido da audição pouco desenvolvido, o primeiro experimentará uma sensação de felicidade, enquanto que o segundo ficará insensível, porque um compreende e percebe o que não causa nenhuma impressão sobre o outro. Assim são todos os gozos dos Espíritos, que estão na razão da sua aptidão em senti-los. O mundo espiritual tem esplendores por toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, ainda submetidos à influência da matéria, sequer entrevêem, e que são acessíveis apenas aos Espíritos depurados.
O espírito adiantado está liberto de todas as necessidades corporais. A alimentação e o sono não têm para ele nenhuma razão de ser. Ele deixa para sempre, ao sair da Terra, as vãs inquietações, os sobressaltos e todas as quimeras que envenenam a existência aqui em baixo. Os espíritos inferiores levam com eles, para o lado de lá do túmulo, seus hábitos, suas necessidades e suas preocupações materiais. Não podendo se elevar acima da atmosfera terrestre, eles voltam para compartilhar da vida dos humanos, misturar-se em suas lutas, em seus trabalhos e em seus prazeres. Suas paixões e seus apetites, sempre despertos, superexcitados pelo contínuo contacto da humanidade, os sobrecarregam, e a impossibilidade de os satisfazer torna-se para eles uma causa de torturas.
O espírito puro leva com ele sua luz e sua felicidade; elas o seguem por toda parte; fazem parte integrante de seu ser. Da mesma forma, o espírito culpado arrasta com ele sua noite, seu castigo, seu opróbrio. Os sofrimentos das almas perversas não são menos vivos por não serem materiais. O inferno não é senão um lugar quimérico, um produto da imaginação, um espantalho, necessário talvez, para ser imposto às pessoas infantis, mas que nada tem de real.
Pode-se ler em O Livro dos Espíritos, a propósito da eternidade das penas:
«Interroguem seu bom senso, sua razão, e perguntem se uma condenação perpétua por alguns momentos de erro não seria a negação da bondade de Deus? Que é, com efeito, a duração da vida, fosse ela de cem anos, com relação à eternidade? Eternidade! Compreendem bem essa palavra? Sofrimentos, torturas sem fim, sem esperança, por algumas faltas! Seu julgamento não recusa um tal pensamento? Que os antigos tivessem visto no mestre do universo um Deus terrível, ciumento e vingativo, se concebe; na sua ignorância, emprestaram à divindade as paixões dos homens; mas esse não é o Deus dos cristãos, que coloca o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas na categoria das primeiras virtudes: poderia Ele mesmo falhar nas qualidades das quais fez um dever? Não há contradição em lhe atribuir a bondade infinita e a vingança infinita? Vocês dizem que antes de tudo Ele é justo, e que o homem não compreende sua justiça; mas a justiça não exclui a bondade, e Ele não seria bom se consagrasse a penas horríveis e perpétuas, a maior parte de suas criaturas. Poderia Ele impor aos seus filhos a justiça como uma obrigação, se não lhes tivesse dado os meios de a compreender? Além disso, não é uma sublime justiça, unida à bondade, fazer depender dos esforços do culpado para se melhorar a duração das penas? Aí está a verdade destas palavras: «A cada um segundo as suas obras».
«Deus não criou os seres para que fossem devotados ao mal perpetuamente; apenas os criou simples e ignorantes, devendo todos progredir, em um tempo mais ou menos longo, conforme sua vontade. A vontade pode ser mais ou menos tardia, como há crianças mais ou menos precoces, mas ela vem, cedo ou tarde, pela irresistível necessidade que experimenta o Espírito de sair de sua inferioridade e de ser feliz. A lei que rege a duração das penas é então eminentemente sábia e benevolente, pois que subordina esta duração aos esforços do Espírito».
Chega enfim um dia em que o espírito, após haver percorrido o ciclo de suas existências planetárias e ser purificado por seus renascimentos e suas migrações através os mundos, vê cerrar a série de suas encarnações e se abrir a vida espiritual definitiva, a verdadeira vida da alma, onde o mal, a sombra e o erro estão banidos. Então, as últimas influências materiais se esvaneceram. A calma, a serenidade e a segurança profunda substituíram as aflições e as inquietudes de outrora. A alma atingiu o termo de suas provas; está assegurada de não mais sofrer. Com que sentimento emocionado rememora os fatos de sua vida, esparsos na sucessão dos tempos, sua longa ascensão, a lenta conquista de seus méritos! Que ensinamento nesta marcha ininterrupta, ao curso da qual se constitui e se afirma a unidade de sua natureza, de sua personalidade imortal!
Da lembrança dos longínquos sobressaltos, dos cuidados, das dores, ela se reporta às felicidades do presente e as saboreia com delícia. Que embriaguez sentir-se viver no meio de espíritos esclarecidos, pacientes e doces; unir-se a eles pelos laços de uma afeição que nada perturba; compartilhar suas aspirações, suas ocupações, seus gostos; saber-se compreendida, sustentada, amada, desligada das necessidades e da morte, jovem de uma juventude que os séculos não mais tomam! Depois, estudar, admirar, glorificar a obra infinita, penetrar mais profundamente os divinos mistérios; reconhecer por toda parte a justiça, a beleza e a bondade celeste, identificar-se com elas, dessedentar-se, nutrir-se; seguir os gênios superiores em suas tarefas e missões; compreender que chegaremos a igualá-los, que subiremos ainda mais alto, que sempre, sempre, novas alegrias, novos trabalhos, novos progressos nos esperam: tal é a vida eterna, magnífica, transbordante, a vida do espírito purificado pelo sofrimento.
Vale a pena anotar:
O paraíso e o inferno não existem em lugares circunscritos: eles representam o estado de consciência do Espírito segundo o bem ou o mal que realizou.
Nenhuma pena é eterna. Não depende senão da vontade do Espírito melhorar sua condição.
Para saber mais:
O Livro dos Espíritos de Allan Kardec (4ª parte, cap. II, Penas e gozos futuros)
O Céu e o Inferno de Allan Kardec (1ª parte, cap. III, O céu)
O Céu e o Inferno de Allan Kardec (1ª parte, cap. IV, O inferno)
O Céu e o Inferno de Allan Kardec (1ª parte, cap. VI, Doutrina das penas eternas)
O Céu e o Inferno de Allan Kardec (1ª parte, cap. VII, As penas futuras segundo o Espiritismo)
Após a morte de Léon Denis (4ª parte, cap. XXXIII, A vida no espaço)
Após a morte de Léon Denis (4ª parte, cap. XXXIV, Erraticidade)
Após a morte de Léon Denis (4ª parte, cap. XXXV, A vida superior)
Após a morte de Léon Denis (4ª parte, cap. XXXVII, O inferno e os demônios)
2006-06-20 02:30:03
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answered by Anonymous
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