Os judeus no Iraque
A história dos judeus do Iraque tem mais de 2.700 anos, constituindo uma das mais antigas comunidades judaicas no mundo. Atualmente conhecida como Iraque, a região situada entre os rios Tigre e Eufrates, no Crescente Fértil, era, como indica essa denominação, das mais férteis da Antiguidade. Ela mudou várias vezes de nome – Mesopotâmia, Babilônia, entre outros – à medida que se alternavam seus conquistadores através dos milênios.
Persas, gregos, árabes e turcos se sucederam no domínio da área e talvez essa seja a razão pela qual os judeus locais se autodefinem, muitas vezes, como "judeus babilônicos". Nas palavras da Torá, a própria história do povo judeu começou nessa região. Foi na cidade de Ur, na Mesopotâmia, que nasceu o primeiro patriarca, Abraão, e Sara, sua mulher. E da mesma região vieram as esposas de Isaque e Jacó.
Os judeus deportados para a Babilônia levaram consigo rolos da Torá e suas leis e tradições.
Na Antiguidade
Apesar de alguns historiadores acreditarem que a presença judaica na região teve início em 722 a.C. – quando o Reino de Israel foi derrotado pelos assírios e sua população, as Dez Tribos, dispersa – há maior evidência de que tenha sido somente em 586 a.C., após a derrota do Reino de Judá por Nabucodonosor II, que um grande contingente de judeus passou a morar na região. O exército babilônico, por ele chefiado, conquistou Jerusalém, incendiando o Primeiro Templo e destruindo a cidade. A maioria da população, cerca de 40 mil judeus, foi deportada para a Babilônia. Os judeus levaram consigo rolos da Torá e suas leis e tradições. Iniciava-se a "Diáspora Babilônica", o "Galut Bavel", tão decantado nas orações e na literatura judaica, que historicamente durou até 538 a.C., quando Ciro, o Grande, o novo monarca persa governante da Babilônia, permitiu aos exilados da Judéia voltarem à sua pátria.
Sabe-se que no Império Babilônico os judeus não eram escravizados nem tratados com crueldade. Eles estabeleceram-se em comunidades compactas, onde refizeram sua vida, mantendo sua crença e práticas religiosas. Foi nessa época que os judeus adotaram o aramaico como língua do povo e instituíram vários dos costumes que perduram até hoje. Acredita-se que, durante esse exílio, os judeus tenham atingido um alto grau de desenvolvimento. Quando, por volta de 539 a.C., o rei persa Ciro, o Grande, conquistou a região e colocou um fim ao Império Babilônico, ele deu aos exilados judeus permissão de voltar a Jerusalém e lá reconstruir o Templo. O Livro de Esdras atesta que 42 mil judeus voltaram para a Judéia. Mas, apesar de todos ansiarem pelo retorno, como o comprovam os versos litúrgicos: "Às margens dos rios da Babilônia, nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião" (Sl 137.1) e "Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita" (v.5), muitos judeus optaram por não voltar para a Terra de Israel e permaneceram na Babilônia, onde fincaram sólidas raízes. A presença da comunidade judaica babilônica perduraria até a emigração dos judeus iraquianos para Israel, no século XX.
A Era Comum
"Às margens dos rios da Babilônia, nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião" (Sl 137.1). Na foto: o rio Eufrates.
Mais de quinhentos anos depois da volta dos exilados no tempo de Ciro, já no século I de nossa era – tendo sobrevivido aos exércitos de Alexandre o Grande, ao domínio grego e ao jugo do Império Romano – a Babilônia, na época sob o domínio dos partas, ressurgiu como o grande centro intelectual judaico. Em 40 d.C., os partas – um dos povos que compunham a Pérsia – conquistaram e passaram a dominar esse país e a Babilônia, enquanto a Judéia continuou parte do Império Romano. A opressão dos judeus sob o jugo romano foi o grande propulsor para o crescimento da comunidade judaica na Babilônia, que chegou a superar a da Judéia no final do século I.
Desde essa época até o século II, a situação na Judéia continuou marcada por revoltas e perseguições. A primeira revolta, no ano 70 d.C., provocou a destruição do Segundo Templo. A segunda, liderada por Bar Kochba (135 d.C.), teve conseqüências ainda mais graves, com a morte de milhares de judeus, sendo os remanescentes levados como escravos. Foi o início da Diáspora (Dispersão). Entre várias outras sanções que lhes foram impostas, uma, muito grave, foi o decreto do imperador romano Adriano colocando o judaísmo na ilegalidade. Muitos judeus, entre eles vários sábios, perseguidos pelas tropas romanas, deixaram a Judéia e se estabeleceram na Babilônia. Esta, com o declínio das instituições judaicas na terra de Israel, firmou-se como o mais importante centro isolado de ensino judaico do mundo, assim permanecendo até o início do século XI.
O Império Persa volta a dominar a Babilônia
Após terem vencido os partas em 226, os persas voltaram a assumir o governo da Babilônia. No século III, os judeus gozavam de autonomia religiosa, sob a liderança do exilarca, o "Resh Galuta" (Príncipe do Cativeiro). Líder oficial da comunidade judaica desde seus primórdios, descendente da Casa de Davi, foi ele quem estimulou o estabelecimento de academias rabínicas na Babilônia Central. Nessa época foram fundadas as academias de Sura, ao sul do que é hoje Bagdá, e de Pumbedita. Em seu auge, essas "ieshivot" (escolas) centralizavam toda a vida judaica. Os nomes de Sura e Pumbedita e seus eruditos são reverenciados até o presente.
No século IV, continuaram a florescer os estudos rabínicos. Entre os maiores sábios estão Abaie e Rava, este último também conhecido como Rav Aba. Foi no final desse século que se iniciou, na academia de Sura, a compilação do material para o "Talmude Babilônico". Esse rico cabedal de conhecimento foi praticamente completado por volta do ano 530 da nossa era, passando a constituir orientação segura sobre o judaísmo para a Diáspora, irradiando e influenciando, com seus ensinamentos, todas as futuras gerações judaicas.
O domínio do islã
Entre os anos de 630-640, progressivamente toda a Babilônia caiu sob o controle árabe, sendo o islamismo proclamado religião oficial na região. Devido à escassez de fontes judaicas e à limitada menção nos escritos muçulmanos, poucas são as informações sobre a história do povo judeu nos dois primeiros séculos do Império Islâmico. Sabe-se, no entanto, que ao conquistarem a Babilônia, em cerca de 638, os árabes mudaram o nome da região para Iraque. Os judeus, sempre rápidos em se adaptar às contingências circunstanciais, aceitaram o domínio árabe que, por sua vez, reconheceu a religião que praticavam e confirmou a autoridade do exilarca, que os representava na corte do califa. O árabe passou a ser usado pelos judeus, que deixaram de lado o aramaico em seus escritos.
Os muçulmanos, por considerarem os judeus e os cristãos "os povos do Livro", legalizaram a presença dessas minorias em seus vastos domínios como "dhimmis" (cidadãos de segunda classe).
Os muçulmanos, por considerarem os judeus e os cristãos "os povos do Livro", legalizaram a presença dessas minorias em seus vastos domínios. No período do Califado (632-1057), foi instituído um código de leis – o Estatuto dos Dhimmis, obrigando judeus e cristãos a pagar certas taxas e impostos para que lhes fosse permitido viver em terras muçulmanas, sem aceitar o Corão. Pelo Estatuto dos Dhimmis, tendo pago as devidas taxas, judeus e cristãos poderiam lá residir e manter o exercício livre de suas habilidades profissionais, apesar de serem considerados, por opção própria (isto é, não aceitando Alá e o Corão), "cidadãos de segunda classe".
Bagdá
A cidade de Bagdá, próxima ao reino da antiga Babilônia, tornou-se o centro do Califado por volta do ano 762, transformando-se rapidamente em uma cidade esplendorosa. Acompanhando esse ritmo e valendo-se da tranqüilidade e do sistema de autogoverno que os califas lhes proporcionavam, as comunidades judaicas também vivenciaram um período de grande prosperidade e desenvolvimento. Sua afluente população incluía em seu seio banqueiros, médicos, engenheiros, astrônomos, lingüistas tradutores, entre outros.
Essa prosperidade atingiu seu ponto culminante durante o reinado de Harun al-Rashid, no início do século IX. Nesse período, Bagdá viu aumentar seu contingente de estudiosos e senhores de grandes riquezas. Tornou-se um grande centro comercial, científico e artístico. Também nesse período, para lá se transferiram os dois grandes centros educacionais judeus, as "ieshivot" de Sura e Pumbedita, cada uma liderada por um "gaon" (eminência, em hebraico). O título usado pelos diretores das academias da Babilônia do século VI ao século XI denota a sua liderança espiritual como guardiões da tradição de autoridade emanada do Talmude Babilônico. Eles respondiam perguntas formuladas por judeus de todo o mundo sobre o significado dos textos talmúdicos, iniciando assim a célebre "Literatura das Responsas". Eram esses "gaonim" que, ao lado do exilarca, governavam todos os aspectos da vida comunitária.
Foi justamente a importância de Bagdá como centro de estudo judaico e de grande erudição que fez com que a autoridade dos "gaonim" fosse aceita pelos judeus do mundo inteiro. Os primeiros textos sobre leis e preceitos religiosos foram elaborados na cidade e de lá enviados para outras comunidades em diferentes países. O primeiro livro de rezas foi preparado especialmente para as comunidades da Espanha e do Cairo (Egito).
Essa autoridade suprema dos "gaonim" em questões religiosas continuou até os séculos X-XI, quando surgiram novos centros de estudos judaicos na África do Norte, na Europa cristã e na Espanha moura. Segundo os historiadores, talvez uma das maiores contribuições do período gaônico tenha sido o desenvolvimento do método de ensino do Talmude, ainda utilizado nos tempos contemporâneos.
A história continua e sucedem-se os conquistadores. Em 945, a cidade de Bagdá foi conquistada por muçulmanos xiitas, para ser depois tomada pelos turcos, por volta de 1058. Assim que Bagdá foi atacada por conquistadores estrangeiros, iniciou-se um período de decadência e corrupção interna. A liderança judaica local também foi afetada e, apesar da comunidade continuar a prosperar, houve um enfraquecimento da liderança espiritual. Somente no século XII, o poder do exilarca voltou a crescer junto ao califado. Um texto desse período revela a sua importância: "Cavaleiros, judeus e não-judeus, escoltavam-no toda quinta-feira quando ele ia visitar o grande califa. Arautos seguiam à sua frente, proclamando: ‘Abram o caminho para o nosso senhor, o filho de Davi’. Ele está montado em um cavalo e veste roupas de seda... o califa se levanta e o encaminha ao trono... e todos os príncipes maometanos levantam-se diante dele".
Segundo um relato de Benjamim de Tudela, datado de 1170, cerca de quarenta mil judeus viviam pacificamente em Bagdá. A comunidade possuía 28 sinagogas e dez colégios religiosos. Outros relatos do mesmo período dão conta de que a comunidade judaica era composta por médicos, perfumistas, lojistas e acadêmicos, entre outras profissões.
A era áurea de Bagdá encerrou-se definitivamente com a conquista da região por Hulagu, um neto do Gengis Khan, em 1258. Os exércitos mongóis saquearam a cidade, massacrando, sem piedade, sua população. Se, inicialmente, os conquistadores preservaram a população judaica, até indicando um judeu para o cargo de governador supremo da Babilônia, a situação foi-se alterando à medida que os mongóis se convertiam ao islamismo.
A dominação continuou se alternando entre persas e turcos. A população judaica a todos sobreviveu, apesar de sua vida ter ora períodos de tranqüilidade, ora de perseguições.
2007-03-29 12:18:15
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answer #5
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answered by ÍNDIO 7
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