Nina,
Que bom partir uma pergunta dessa ordem no YR, a Contracultura foi e ainda é um movimento libertário que busca dar oportunidade aos cidadãos fora da mÃdia e dos canais de entrada normais da cultura de exibir seu pensamento. Através desse movimento nos foi apresentado os circuitos alternativos, o underground, os poetas, os beats, o rock, as drogas. Bem como abriu espaço para a Imprensa Alternativa ou Nanica: Luiz Carlos Maciel com o Underground e no Pasquim ou O carapuça de Stanislaw Ponte Preta pela formação existencialista ao lado da psicanálise que contestavam a famÃlia burguesa. Enquadrados ao movimento estiveram Gilberto Gil e Caetano Veloso. O movimento esteve em atuação nos anos 60, 70 e 80.
ABAIXO UMA ENTREVISTA EM ANEXO:
Como foi sua experiência do Pasquim?
Luiz Carlos Maciel. Eu fui chamado logo no começo, quando ainda se estava na idéia do jornal. O Pasquim foi concebido pelo Sérgio Cabral, o Jaguar e, principalmente, pelo Tarso de Castro, que foi quem realmente empurrou o jornal, foi o primeiro editor, durante a sua fase de sucesso. Na verdade, depois que o Tarso saiu o jornal nunca mais foi o mesmo, não teve jeito. Por mais força que o Ziraldo fizesse, não conseguiu mais que o Pasquim fosse aquele do começo. O Tarso era meu amigo e me chamou pra fazer o Pasquim junto com eles, que iria ser um jornal de humor para substituir A Carapuça. O esquema de sustentação do jornal era a Distribuidora Imprensa, que faturava um dinheirinho distribuindo A Carapuça, jornal todo feito pelo Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Ele só tinha um ajudante, o Alberto Eça, e faziam o jornal inteiro com todos aqueles personagens do Sérgio, a Tia Zulmira, o Febeapá, e o jornal vendia muito bem. Aà o Sérgio morreu muito moço, com 40 e poucos anos. E a Distribuidora Imprensa ficou receptiva à idéia de publicar um jornal no formato tablóide, semanal, como era A Carapuça. Só que o Tarso não quis usar o mesmo nome e aà bolaram o nome Pasquim. O jornal herdou essa distribuição nacional, em todas as capitais. E o sucesso do jornal foi tanto que a tiragem do número 1 foi de 25 mil exemplares. Aà a distribuidora avisou o pessoal: "Olha, vendeu tudo, pode dobrar". Aà tiraram 50 mil exemplares. Depois do segundo, eles vieram de novo: "Olha, vendeu tudo, pode dobrar". E foi a 100 mil, rapidÃssimo, em poucas semanas o jornal estava tirando 225 mil exemplares.
E você já começou escrevendo sobre contracultura?
Maciel. Não, minhas primeiras colaborações para o Pasquim são textos de humor, porque o Tarso tinha me dito que ia ser um jornal de humor e eu achei que tinha que ser engraçadinho também. Um dos meus primeiros textos, chamado "Cultura de verão", fica brincando com o negócio da praia no Rio de Janeiro, foi editado muitas vezes, quase tudo que é publicação para turista, sobre o Rio de Janeiro, usa esse texto. Mas eu não fui adiante porque logo vi que nem todos estavam escrevendo humor, como, por exemplo, e principalmente, o Paulo Francis, que nunca fez a menor tentativa de escrever humor, ele já era engraçado naturalmente. [risos] Ele começou a escrever sobre polÃtica internacional e eu disse "Ah, então também posso escrever sobre outras coisas". E eu tinha informação sobre esse negócio de contracultura, que ninguém se interessava naquele momento. O Tarso, que teve idéia da coluna, chegou e disse: "Tem uma coisa diferente, esquisita, que ia ficar bem no jornal". E aà que surgiu a coluna Underground.
A coluna era focada mais lá fora ou procurava também falar do que tinha de contracultura aqui no Brasil?
Maciel. No começo foi mais lá fora. Eu tive uma informação de primeira mão por causa de um leitor do Pasquim, chamado Jaques, que tinha ido estudar em Berkeley. Ele me mandava o que saÃa de imprensa alternativa. Ele estava na Califórnia, o berço do negócio da contracultura, perto de São Francisco, onde ficavam os poetas beats, me mandava as publicações e eu botava na coluna. E depois começou a aparecer informação nacional também. A coluna Underground teve um volume de correspondência muito grande, porque como era coisa diferente e que envolvia a experiência pessoal, o comportamento, esse negócio de sexo, "ah, pode trepar a vontade", isso era um deslumbramento. Muita gente escrevia e mandava informações de como aquele movimento estava começando a aparecer no Brasil.
Como a contracultura começou a se manifestar no Brasil?
Maciel. Foi muito influenciada e copiada de fora. Não acredito que tivesse acontecido um movimento de contracultura no Brasil se não tivesse sido inventado pelos americanos.
E até que ponto a ditadura influenciou nisso?
Maciel. Ah, influenciou demais, porque a ditadura foi a grande responsável pela prosperidade – se houve alguma – desse movimento. A contracultura surgiu nos Estados Unidos em resposta à Guerra do Vietnã. Ela vem do movimento pacifista americano, contrário à guerra, dos protestos estudantis, das manifestações onde começaram a queimar certificados de militares. Com isso, eles estavam optando por uma marginalização do sistema, porque para conseguir emprego, para conseguir trabalhar nas empresas, tudo precisava desse certificado militar. Começava a aparecer o que Timothy Leary chamava de drop out, que é "cair fora". Aquele sÃmbolo hippie, o risco com dois braços, foi criado na Inglaterra, era o sÃmbolo do movimento pacifista do protesto contra a bomba atômica. Mostra um homem com os braços abaixados, ele não está em atitude beligerante, mas em atitude passiva, pacÃfica, e o movimento hippie americano adotou aquele sÃmbolo. A Guerra do Vietnã foi fundamental para a gestação da contracultura americana. E no Brasil, a ditadura militar foi fundamental para a gestação da contracultura brasileira. Ela passou a ser uma opção para aqueles jovens que estavam indignados, eram contra a ditadura e tudo mais, mas com instintos mais pacifistas, sem disposição para pegar em armas. Achavam que a solução de partir para guerra era violenta demais para suas sensibilidades delicadas. Preferiam fumar maconha a dar tiros.
Poderia apontar alguns Ãcones – se é que existiram – dessa contra cultura brasileira?
Maciel. Olha, não teve grandes Ãcones. Em termos de mÃdia, nos Estados Unidos os Ãcones eram artistas de rock e, portanto, de música popular. Aqui também. Os tropicalistas, Caetano, Gil, simpatizavam com o movimento. Não se pode dizer que fossem participantes, mas eram simpatizantes. Outros músicos, como os Novos Baianos, adotaram uma postura mais contracultural mesmo. Já não tinham feito sucesso como os velhos baianos nos festivais. Mas não me lembro de outros Ãcones importantes. A contracultura brasileira não foi um movimento de massa, feito a americana. O que impressionava na época era Woodstock, que teve 500 mil pessoas. Todo mundo no Brasil queria fazer um Woodstock. Teve umas tentativas, Guarapari, Arembepe, mas não passava de cinco mil pessoas, quando muito.
E quando a contracultura começou a ser apropriada pela cultura de massa?
Maciel. Foi no momento seguinte, depois que passou a perplexidade daquele fenômeno novo. Os business man, os homens de negócio começaram a ver que aquilo ali tinha um apelo para a juventude e iniciaram o processo de assimilação. Começou mesmo nas gravadoras, no negócio do show business. Os Beatles foram condecorados pela rainha. Mais recentemente os Rolling Stones também foram. Isso mostra a disposição que o sistema para assimilar e domesticar. Além de mostrar que os caras não tinham culhão para segurar.
Mas, na verdade, o rock surge, nos anos 50, com Bill Haley, Chuck Berry, quando aparece pela primeira vez um público jovem com dinheiro para consumir, um novo e crescente foco de consumo. Por mais que ele se venda como rebelde, o rock surge enquadrado no mercado.
Maciel. O primeiro grande roqueiro a ser domesticado pelo sistema foi Elvis Presley. Você só tem Elvis Presley roqueiro mesmo no começo. Logo em seguida entra aquele coronel Parker, agente dele, e Elvis entre no esquema do show business.
E onde estão as brechas hoje?
Maciel. Existem, claro, muitos jovens que estão dispostos a perseguir uma visão alternativa e contestadora ou pelo menos crÃtica em relação ao sistema e que não têm meios para expressar isso. à muito mais difÃcil hoje você fazer um jornalzinho alternativo do que era naquela época. à mais complicado encontrar espaço. Se antes se fazia um jornal para meia dúzia de gatos pingados, hoje é para três gatos pingados. Tem um instrumento que não tinha naquela época que é a internet. Ali cabe tudo, quer fazer um movimento neonazista, faz. Então pode haver uma articulação de movimento assim pela internet. Mas ela é um mecanismo de comunicação, não é um mecanismo de criação. Ela divulga, comunica, transmite. Para você desenvolver alguma coisa, não é lá dentro. Você usa para espalhar, uma vantagem que existe hoje e não existia naquela época.
E qual seria o caminho para essa cultura que não se pretende pasteurizada, diluÃda?
Maciel. O caminho pra essa cultura é uma coisa, a divulgação dessa cultura é outra. O instrumento pra divulgação é a internet. Para conceber, desenvolver, aà não, tem que ver como você vai polarizar essas forças, né? O tipo humano mais sensÃvel à mudança de mentalidade é, sem dúvida, o campo artÃstico. Não é à toa que os músicos de rock foram os primeiros a adotar uma postura contracultural na época. O rock já era, em si, contracultural, uma coisa muito simples, pobre até, não tinha o verniz, o aparato de outras formas musicais, era mais fácil de aprender. Pega a guitarra, aprende dois acordes e já sai tocando, se expressando. E aà o músico usava aquelas novas sonoridades, o sintetizador Moog e coisas que se desenvolveram depois, mas já naquele momento criavam sonoridades diferentes, já criavam uma personalidade. Quando ouvi pela primeira vez Jimi Hendrix numa loja de disco em Copacabana fiquei assustado, "quem é esse cara?".
Você acompanha ainda essa cultura que não se pretende massificada?
Maciel. Não acompanho, acompanhei na época da explosão disso tudo. Mas depois, na medida em que houve uma diluição, que o sistema se apoderou, a coisa se perdeu. Passou esse momento, agora tem que haver um outro momento. Uma invenção nova qualquer, que propriamente não surgiu. O que existe é muito caudatário do que foi feito nos 60, 70. O que nós vamos inventar de novo? Também na época ninguém disse o que nós irÃamos inventar, mas a invenção apareceu. Não se estava preocupado com isso, mas a novidade surgiu espontaneamente, foi uma surpresa pra todo mundo, para as próprias pessoas que fizeram aquilo.
No momento mais recente, destacaria o pessoal de Pernambuco, do Mangue Bit, que tem Chico Science como Ãcone, até talvez por causa da sua morte, mas com outros aglutinadores com o Zeroquatro, do Mundo Livre, e, hoje em dia, DJ Dolores, que toca mais lá fora do que aqui. Até que ponto esse reconhecimento tem que vir de fora, como foi com o Chico e agora com o funk carioca, que está começando a ser consumido pela classe média, mas antes teve que ir lá para o exterior, para os DJ s gringos remixarem, para depois voltar com certo respeito, porque senão é aquela coisa de pobre, favelado? Com a música eletrônica é a mesma coisa. Nossa cultura não é muito colonizada?
Maciel. Desde os 50 o objetivo dos nossos artistas e pensadores brasileiros é emancipar nossa cultura. Mas o controle econômico é muito forte. Então tem isso, você não consegue o reconhecimento porque esbarra no que os caras de fora estão estabelecendo. Ontem estava conversando com o Affonso [Romano de Sant'anna] e ele estava me falando um negócio do Departamento de Estado do governo americano no anos 50, que houve uma deliberação polÃtica, propositada, de difundir a cultura americana nos paÃses de terceiro mundo, na América Latina, sem colocar conteúdo polÃtico nenhum. A vantagem polÃtica era essa cultura se estabelecer aqui como hegemônica, sem falar em polÃtica. Então promoveram exposições de artistas plásticos, as gravadoras lançaram músicos e escritores americanos foram traduzidos aqui, tudo com grana de lá. Essa difusão era subvencionada pelo governo americano. Você vê que coisa impressionante o cinema. Quando eu era jovem, havia filmes europeus à s pencas. Passavam filmes franceses, italianos, ingleses, você acompanhava o que estava acontecendo no cinema europeu. Acabou isso. Os americanos tomaram conta da distribuição de tal forma que hoje só passa filme americano. à uma exceção passar filme de outra nacionalidade. Tiveram que copiar a própria fórmula americana do cinema de arte, um cinema pequenininho, para passar as coisas esquisitas, coisas cult. Quando esse movimento começou me perguntei: "Será que acabou o cinema europeu?" Aà fui à Paris e lá tinha uma cacetada de filme francês, em todos os cinemas, e nenhum passa no Brasil. Até o contato tradicional do Brasil com a cultura européia foi esgarçado com a presença americana. Para exibir um blockbuster como Titanic eles associam a exibição de outros 50 filmes, em um pacote. Aà o exibidor, que sabe que vai ganhar um dinheiro à beça com o Titanic, assina esse contrato. Uma das dificuldades do cinema brasileiro é conseguir exibição. A produção vem sendo feita, agora exibir é que é complicado.
O atual governo via Ministério da Cultura vem tentando alterar esse cenário, mas houve uma gritaria grande, sobretudo das Organizações Globo, que convocou alguns cineastas.
Maciel. Essas são forças privilegiadas, que já têm sua pequena fatia do mercado onde eles podem se acomodar e se arranjar lá com os americanos. Agora, se passa uma legislação dessas, que aumenta a produção brasileira, eles vão ter concorrência dos próprios brasileiros, eles vão ser, de certa maneira, desalojados da ocupação deste espaço.
Mas não é o que dizem, o discurso é contra o dirigismo cultural...
Maciel. Claro, eles não podem dar essa explicação porque vão dizer que eles são unhas de fome, que querem a carniça só para eles.
Mas não é hipocrisia?
Maciel. Mas o que não é hipocrisia? Todas essas CPIs, por exemplo, são hipocrisia pura.
Seria melhor criar oportunidades pulverizar essa produção, fazer dez filmes de R$ 100 mil e não um filme de R$ 1 milhão?
Maciel. Mas dez filmes de R$ 100 mil ocupam mais espaço que um filme de R$ 1 milhão. Porque o filme pode custar um milhão ou cem mil, mas vai passar uma semana igual nos cinemas. Então, se vier essa enxurrada de filmes de cem mil ocupando o espaço, o que vai sobrar para o filme do Cacá, do Barretão? Vão ser espremidos também. O espaço a ser tomado seria encarando os americanos, mas nisso nem eles falam, nem ninguém mais fala. Quem falava isso era Glauber Rocha, que ficou quebrando lanças até o fim da vida. Mas ele ia no objetivo certo, quem tem o espaço são os americanos, tem que brigar com eles. Não adianta ficar brigando pelo pedacinho que os americanos deixaram. Porque, por definição, não se briga mais com os americanos, não pode. Ninguém nem pensa nisso. Tem coisas que entram no inconsciente ou consciente coletivo, não entram em questão. E tudo isso é determinado pelos interesses capitalistas americanos, por questões econômicas. à a grana! Assunto tabu também, que ninguém fala, o problema é a grana. Tem uma frase do Nelson Rodrigues muita boa sobre isso: "Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro". [risos]
* O repórter viajou a convite dos organizadores do evento.
2007-03-31 05:10:55
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answer #2
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answered by ÍNDIO 7
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