Viroses da videira no Brasil
Complexo rugoso da videira
Gilmar Barcelos Kuhn
Thor Vinícius Martins Fajardo
Quatro viroses constituem o complexo rugoso da videira ("Grapevine rugose wood complex"), causando alterações no lenho de plantas infectadas: o intumescimento dos ramos ("Corky bark") e as caneluras do tronco, estas por sua vez associadas as viroses "Rupestris stem pitting", "Kober stem grooving" e "LN33 stem grooving". Estas viroses podem ser separadas através de testes biológicos com cultivares indicadoras (Rupestris du Lot, Kober 5BB e LN33) específicas para cada vírus (Tabela 2).
Intumescimento dos ramos da videira (Grapevine corky bark)
Esta doença foi descrita pela primeira vez na Califórnia com o nome de "grapevine rough bark" e posteriormente, foi denominada "grapevine corky bark" e considerada de origem viral. No Brasil a doença foi descrita em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Vale do São Francisco (PE/BA). Até o momento o único hospedeiro natural conhecido para o vírus é a videira.
Agente Causal: O vírus B da videira (Grapevine virus B, GVB), até recentemente classificado como Trichovirus foi transferido para o novo gênero dos Vitivirus, juntamente com os vírus GVA, GVC, GVD isolados de videiras afetadas pelo complexo rugoso da videira. GVB é especificamentre associado ao intumescimento dos ramos. Seu genoma é constituído de ssRNA de senso positivo, partículas com 700-800 nm de comprimento, e subunidades da capa protéica com cerca de 23 kDa. Como os outros Vitivirus de videiras, o GVB é transmissível pela via mecânica para uma gama de hospedeiros herbáceos, a maioria Nicotiana spp.
Epidemiologia: O patógeno é transmitido através do material vegetativo, seja pela multiplicação por estacas ou gemas, como através de enxertia. A dispersão natural do intumescimento dos ramos foi relatada em Israel e no México, associado a possível atuação de um inseto vetor. Posteriormente, foi realizada a transmissão experimental do GVB por meio das cochonilhas Planococcus ficus, P. citri, Pseudococcus affinis e P. longispinus. Não há nenhuma constatação de contaminação de plantas através de ferramentas e tesoura de poda.
Sintomatologia: Nas cultivares americanas (Vitis labrusca), como a Isabel, Niágara Rosada e Niágara Branca, os sintomas são facilmente observados e se caracterizam pelo intumescimento dos entrenós do ramo do ano, com fendilhamento longitudinal do tecido afetado (Fig. 1). Ao se fazer um corte transversal na região intumescida do ramo maduro, nota-se o tecido de aspecto corticento, de cor marrom-escura, que prolifera em direção à medula (Fig. 2). Estes sintomas podem ser observados também no pecíolo das folhas próximas às regiões afetadas dos ramos. Com o amadurecimento do ramo o tecido da região intumescida morre e fica com um aspecto corticento. Os ramos afetados tendem a se curvar para baixo, sendo destacado da planta com facilidade, principalmente quando há formação de tecido corticento na região de sua inserção (Fig. 7). A maturação do ramo é irregular e, normalmente seca total ou parcialmente no período de repouso da planta. Nas plantas muito afetadas, a brotação é retardada e fraca. As folhas tendem a enrolar os bordos para baixo (Fig. 4), além de caírem mais tardiamente no outono. A uva não completa a maturação (Fig. 5) e a planta definha gradativamente (Fig. 3), com a seca parcial ou total dos ramos afetados, podendo morrer em poucos anos. Em algumas cultivares viníferas e híbridas tintas pode ser observado o avermelhamento das folhas (Fig. 8), que se evidencia no outono, enquanto que na planta sadia as folhas permanecem com a coloração normal (Fig. 9). Esta coloração anormal abrange toda a área foliar, inclusive os tecidos ao longo das nervuras. No entrenó da base do ramo do ano ocorrem fissuras e há formação de tecido corticento na região de inserção. Outro sintoma associado à presença do vírus é o engrossamento na região da enxertia, principalmente em mudas de 1 a 3 anos. Forma-se um volume excessivo de tecido de consistência esponjosa na região e acima da enxertia. O tecido, quando maduro adquire aspecto corticento e apresenta fendilhamentos longitudinais (Fig. 6).
Incidência e danos causados: A virose do intumescimento dos ramos é conhecida na maioria dos países vitícolas. A doença afeta muitas cultivares comerciais de produtoras e de porta-enxertos sem que estas apresentem sintomas aparentes. No Brasil a doença tem sido constatada nas principais regiões vitícolas, embora a sua incidência não seja muito grande. Segundo Kuniyuki & Costa (1987), no Estado de São Paulo, no exame de 781 plantas de 28 cultivares de produtoras e 168 plantas de 15 cultivares de porta-enxertos a incidência do vírus foi de 9,6% e 2,3%, respectivamente. No Rio Grande do Sul, no exame de 153 plantas de 16 cultivares de produtoras viníferas e de 4.168 plantas de 2 cultivares de produtoras americanas, a incidência do vírus foi de 20% e 4%, respectivamente. Também constatou-se no exame de 51 mudas de produtoras viníferas, com idade entre um e três anos, que apresentavam uma anomalia caracterizada pelo engrossamento da casca na região da enxertia, a incidência do vírus em 100% das plantas com esse sintoma.
Quanto aos prejuízos causados, em cultivares suscetíveis o vírus induz à redução do vigor, queda na produção, definhamento de ramos da planta. Não se dispõem de dados experimentais definitivos sobre os danos causados, mas tem-se constatado nas regiões vitícolas do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná que o vírus afeta severamente cultivares americanas como a Isabel, Niágara Rosada e Niágara Branca. Nestas cultivares causa a queda progressiva de produtividade, a uva não completa a maturação (queda no teor de açúcar) e a planta pode morrer parcial ou totalmente em poucos anos. Nas cultivares de Vitis vinifera o vírus associado ao sintoma de engrossamento na região da enxertia, causa a morte de mudas nos primeiros 2-3 anos de desenvolvimento.
Caneluras do tronco da videira
Esta doença foi descrita pela primeira vez na Itália com o nome de "legno riccio", sendo também conhecida como "stem-pitting" e "wood-pitting". No Brasil a doença é conhecida no Estado de São Paulo com o nome de Cascudo e no Rio Grande do Sul como Caneluras do tronco.
Agente causal: As caneluras do tronco são devidas à presença de uma ou mais das seguintes viroses: Canelura do tronco de Rupestris ("Rupestris stem pitting"), Acanaladura do lenho de Kober ("Kober stem grooving") e Acanaladura do lenho de LN33 ("LN33 stem grooving"). Ao "Rupestris stem pitting" e ao "Kober stem grooving" estão especificamente associados os vírus Rupestris stem pitting associated virus (RSPaV) e Grapevine virus A (GVA), respectivamente.
Recentemente foi caracterizado o RSPaV, pertencente ao gênero Foveavirus, e possuindo partículas alongadas e flexuosas, com cerca de 800 nm de comprimento, RNA fita simples com aproximadamente 8700 nucleotídeos e proteína capsidial de 28 kDa. Este vírus tem sido identificado como agente causal de caneluras em tronco de videiras, em particular, aquelas induzidas na indicadora Rupestris. Não é transmitido mecanicamente, via inoculação com extrato foliar.
GVA é transmissível para hospedeiros herbáceos (Chenopodium quinoa e Nicotiana spp.). Possue partículas alongadas com cerca de 800 nm de comprimento e RNA fita simples com aproximadamente 7400 nucleotídeos. As subunidades da capa protéica têm 22,5 kDa de peso molecular.
Epidemiologia: A disseminação de longa distância das caneluras do tronco ocorre pelo material vegetativo contaminado e a transmissão através de enxertia. Demonstrou-se que GVA pode ser transmitido entre videiras ou para hospedeiras herbáceas pelas cochonilhas da família Pseudococcidade Pseudococcus longispinus, Pseudococcus affinis, Planococcus citri e Planococcus ficus, havendo ainda um relato de transmissão por Neopulvinaria innumerabilis (Coccidae). Em relação ao RSPaV não há vetor relatado para este vírus. Também não se tem registro da transmissão das caneluras do tronco de uma videira a outra através de ferramentas ou tesoura de poda.
Sintomatologia: Os sintomas da doença em cultivares sensíveis são observados com certa facilidade quando se retira a casca do tronco da videira. Verifica-se, sobre a superfície do lenho a formação de reentrâncias longitudinais (caneluras) (Fig. 10 e 11), que correspondem ao local onde a casca penetra no lenho do tronco (Fig. 12) prejudicando a formação dos vasos condutores da seiva . O número de caneluras, bem como seu comprimento e largura, variam muito, possivelmente devido à sensibilidade da cultivar afetada e às estirpes do patógeno. As plantas doentes em geral diminuem o vigor e há retardamento na brotação das gemas de uma a duas semanas. A casca do tronco é mais grossa e de aspecto corticento (Fig.13 e 14). Em algumas combinações enxerto/porta-enxerto, os sintomas podem se limitar a um dos componentes, quando o outro é tolerante (Fig. 15). Os porta-enxertos, normalmente mostram sintomas nítidos da doença. Muitas cultivares produtoras européias e americanas também têm-se mostrado altamente suscetíveis (Fig. 15 e 16). As caneluras podem ser observadas até nas raízes, especialmente em cultivares muito suscetíveis, como é o caso do porta-enxerto Rupestris du Lot. Também pode ocorrer na região da enxertia uma diferença de diâmetro entre o enxerto e o porta-enxerto. As folhas das cultivares tintas podem apresentar avermelhamento em plantas muito afetadas em função da formação deficiente dos vasos condutores na região afetada. A morte de plantas normalmente ocorre entre 6 e 10 anos de idade, e até mais cedo, quando ambas as cultivares - porta-enxerto e enxerto - são muito sensíveis. Em muitas cultivares a doença permanece em estado latente, ou seja, as plantas são portadoras da doença mas não mostram sintomas. As folhas de cultivares viníferas tintas podem apresentar avermelhamento em planta muito afetada (Fig. 17) em função da formação deficiente dos vasos condutores na região afetada; já em planta sem caneluras as folhas permanecem normais (Fig. 18).
Incidência e danos causados: A doença das caneluras do tronco é conhecida na maioria das áreas vitícolas do mundo. No Brasil, embora não se tenha levantamentos em todas as regiões vitícolas do país a ocorrência de sintomas da virose tem sido verificada na maioria destas regiões. No Estado de São Paulo, em vinhedos da cultivar Itália os níveis de incidência do vírus nas plantas examinadas variaram entre 1% e 10%, enquanto em outras 4 cultivares, os níveis de infecção ficaram entre 8% e 50%. No Rio Grande do Sul a doença tem sido constatada com uma incidência de 3% a 10% em média na maioria dos municípios que compõem a região vitícola, normalmente em vinhedos com mais de 7 anos. Eventualmente, em vinhedos com mais de 12 anos, formados com cultivares muito suscetíveis constatou-se incidência superior a 50%.
A severidade dos prejuízos que a doença venha a causar está relacionada com a combinação produtora/porta-enxerto, suscetibilidade de cultivares viníferas e virulência da estirpe do vírus. Nas combinações mais sensíveis a doença causa o declínio e subseqüente morte da planta, que pode ocorrer aos 7-8 anos após a infecção. O declínio sempre é acompanhado de uma progressiva redução da colheita té a improdutividade total da planta.
Figuras
Figura 1. Sintoma da doença do intumescimento dos ramos em produtora americana.
Figura 2. Corte transversal em ramo com intumescimento mostrando a formação de tecido corticento (morto).
Figura 3. Aspecto de plantas de produtora americana com sintoma da doença do intumescimento dos ramos.
Figura 4. Detalhe do enrolamento das folhas em produtora americana afetada pela doença do intumescimento dos ramos.
Figura 5. Uvas da cultivar Isabel colhidas de plantas com a doença do intumescimento dos ramos, mostrando a maturação incompleta (esquerda) e de plantas sadias (direita).
Figura 6. Engrossamento com fendilhamento da casca na região da enxertia de vinífera(direita) e aspecto da região afetada sem a casca mostrando mostrando as caneluras no lenho (esquerda) sintomas associados ao patógeno causador do intumescimento dos ramos.
Figura 7. Formação de tecido corticento na região de inserção do ramo do ano em plantas afetadas pelo patógeno causador do intumescimento dos ramos.
Figura 8. Planta da cultivar Petit Syrah com avermelhamento das folhas quando afetada pela doença do intumescimento dos ramos.
Figura 9. Planta da cultivar Petit Syrah sem a doença do intumescimento dos ramos.
Figura 10.Tronco de vinífera sem a casca mostrando os sintomas da doença das caneluras do tronco.
Figura 11. Corte transversal do tronco afetado, mostrando detalhe do sintoma daa doença das caneluras do tronco.
Figura 12. Planta de vinífera com sintoma da doença das caneluras dotronco, evidenciando a penetração da casca na lenha.
Figura 13. Aspecto da casca em planta de vinífera afetado pela doença das caneluras do tronco.
Figura 14. Corte transversal do tronco de planta vinífera, mostrando detalhe do engrossamento da casca, causado pela doença das cneluras do tronco.
Figura 15. Sintoma da doença das caneluras do tronco em vinífera, enxertada sobre porta-enxerto resistente.
Figura 16. Aspecto da casca e detalhe das caneluras no lenho num tronco de produtora americana, afetada pela doença das caneluras do tronco.
Figura 17. Planta da cultivar Cabernet Sauvignon com avermelhamento das folhas quando afetada pela doença das caneluras do tronco.
Figura 18. Planta da cultivar Cabernet Sauvignon sem sintomas da doença das caneluras do tronco.
2007-03-26 11:24:44
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answer #2
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answered by olimisi 1
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