Sabe-se que ele não é, necessariamente, o homem de letras, o artista, o político, o historiador, o filósofo, o escultor, o sábio etc., ou seja, sabe-se que nem todo homem de letras, nem todo artista, nem todo político etc. é intelectual, o que não significa que um deles não possa vir a ser.o intelectual é “uma parte de nós mesmos que não apenas nos desvia momentaneamente de nossa tarefa mas que nos conduz ao que se faz no mundo para julgar e apreciar o que se faz”. Não existe, portanto, essa figura do intelectual em tempo integral ou inteiramente intelectual. Para transformar-se em intelectual, o ser deve desdobrar-se, acumular momentaneamente nele mesmo outras funções, deixar de lado os saberes particulares para se dedicar ao trabalho da crítica e à luta pelos ideais universalizantes: Razão, Justiça, Liberdade e Felicidade. Daí o intelectual se caracterizar pelo desvio a todo determinismo e lidar com potências indeterminadas. Ele não é o teórico, muito menos o homem da vida prática e do saber objetivo: pode-se dizer, mais precisamente, que ele encarna o espírito crítico, capaz ao mesmo tempo de reconstruir o passado e construir idealmente o futuro. Já no seu surgimento no século XIII, “momento decisivo na história do Ocidente”, como nos lembra Alain de Libera, o intelectual medieval seria definido pela contraposição: “o intelectual é o ator da mudança social; o universitário, um espectador indiferente”. Uma contraposição primordial que deve ser vista com nuances, no entanto: “o intelectual não se renega pelo simples fato de ser universitário, e não basta ‘tomar suas distâncias’ em relação à universidade para ser um intelectual”. Essa é uma das fragilidades do conceito gramisciano de “intelectual orgânico”, funcionário a serviço da Igreja, do Estado ou do Partido. Entre o bispo e o príncipe, o intelectual cria o seu espaço. Em relação à Igreja, marca sua diferença quando o homem abandona a idéia de que Deus pensa em nós, anunciando o começo do fim de uma inteligência impessoal. Em relação ao príncipe, ele estabelece novos vínculos políticos com a comunidade.
A matéria do intelectual são, pois, dois abismos, a ordem e a desordem do mundo e das coisas. O intelectual é, enfim, aquele que tenta infatigavelmente construir a si mesmo e a todas as coisas através de atos articulados do espírito. Mais: por encarnar os ideais universais, procura reunir em si o que está disperso, “Dispersão e junção, essa seria a respiração do espírito, o duplo movimento que não se unifica, mas que a inteligência tende a estabilizar para evitar a vertigem de um aprofundamento sem fim”. O intelectual seria, pois, uma espécie de “matemático que trabalha com símbolos e os combina com certa coerência sem nenhuma relação com o real”. Assim, ele está, como lembra ainda Blanchot, tanto mais próximo da ação e do poder, quanto mais não se mistura com a ação e com o poder político. Ao mesmo tempo, ele não pode ser um desinteressado da política: “Afastado da política, não sai dela, mas tenta manter esse espaço de afastamento e esse esforço de retirada para aproveitar essa proximidade que o distancia a fim de se instalar nela (instalação precária) como um guardião que está lá apenas para velar, manter-se alerta, por uma atenção ativa onde se exprime menos o cuidado de si do que o cuidado dos outros”.
Talvez a clássica divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual não dê mais conta da complexidade do tema. Divisão datada do século XIX, quando a função do intelectual começou a ser reconhecida, em grande parte como conseqüência do affaire Dreyfus, a partir do qual escritores passam a ter grande papel político tanto pelo renome, quanto pelas obras: Victor Hugo, Zola e Lamartine devem ser lembrados. Destacadamente, Marx, que dedicou boa parte de sua reflexão à divisão do trabalho e à definição de um conceito pouco discutido, hoje, nos meios acadêmicos, que, em tempos de domínio da tecnociência, merece nossa atenção: a alienação, chave da diferenciação entre intelectual e trabalhador intelectual. Como isso se dá? É evidente que o trabalhador intelectual distingue-se do trabalhador manual pela maior educação formal, pelos títulos acadêmicos e pela sua posição nas divisões de classe e trabalho, enfim, ele é o “servo vaidoso”, como escreveu um pensador americano. Podemos, por exemplo, identificar o trabalhador intelectual na figura do publicitário, que vende uma marca de sabão ou um candidato político. Então, nessa tarefa, ele difere muito pouco do trabalhador manual que, por dever de ofício, não domina a totalidade da produção, ou seja, é um especialista, e isso diferencia ambos, em essência, do intelectual que procura, permanentemente, fazer relações com as demais áreas da atividade e da existência humana. Ao contrário deste, a marca mais forte do trabalhador intelectual está na separação consciente entre meios e fins, isto é, a separação entre a ciência e a técnica, de um lado, e os valores, de outro. É comum ouvi-lo dizer: pensei a bomba, mas quem a detonou foi o militar ou o político. Ele é o cultor do mito da ‘neutralidade’ científica, que o permite abandonar os ideais universais em troca da defesa dos interesses imediatos e práticos. Essa questão se põe até mesmo no insuspeitável campo da filosofia, como afirma, em tom amargo, o filósofo Jacques Bouveresse: o que se tornou impossível ou inaceitável não é a filosofia, mas o que os ‘especialistas’ fizeram dela.
2007-03-21 11:17:07
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answer #8
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answered by patpedagoga 5
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