Grande Sertão: Veredas
João Guimarães Rosa
NONADA
Por Luiz Ruffato
“Nonada”. Esse estranho vocábulo inaugura e emula o parágrafo de 600 páginas em que Guimarães Rosa (1909-1967) edifica seu Grande sertão: veredas, originalmente publicado em 1956.
Sempre me perguntei porque o autor, amante dos longos e entrecortados períodos, decidiu introduzir o leitor em seu universo ficcional por meio de uma única frase de uma única palavra e justamente essa, “nonada”, ele, que sabia, mais que todos, o peso e o valor de cada termo, cada sinal gráfico...
O primeiro registro da expressão “nonada”, segundo o Dicionário Houaiss, ocorreu entre 1562 e 1575 na obra Sermões, de Diogo de Paiva Andrade, significando “ninharia” – mesma acepção encontrada no Dicionário Aurélio, que acrescenta a informação de que trata-se da junção da forma arcaica de ‘não’ + nada.
O Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa, de Silveira Bueno, também anota a formação da palavra como “non+nada”, e amplia seu significado para “bagatela, coisa de nenhum valor, insignificância”. Laudelino Freire curiosamente (com certeza por conta de um cochilo da revisão) consigna-a como substantivo masculino e dá como sua origem o castelhano nonada, “insignificância, bagatela, ninharia; cousa de pouca monta e valia”, mais ou menos o que registra o Caldas Aulete. Finalmente, o Diccionario de la lengua española, da Real Academia Española, inscreve-a como formada por “no y nada”, “cosa de insignificante valor”.
Aparentemente, então, está sanada a dúvida: “nonada” (ninharia, insignificância) é um arcaísmo que Guimarães Rosa capturou no sertão mineiro, viveiro onde palavras, já extintas na Península Ibérica, mantinham-se vivas na fala popular.
Mas, se explica, ainda não me contenta. Porque o vocábulo não se encontra ali por acaso – se o personagem-narrador Riobaldo Tatarana, travestido de modéstia, inicia seu percurso afirmando que o que vai contar é “coisa de pouco valor”, o leitor-ouvinte não se deve deixar iludir.
O que ele propõe é passar a limpo sua vida, tornando reflexão o que foi ação – ou seja, compreendendo-se como ser histórico, em que dialeticamente as experiências pessoais modificam o curso dos fatos e esses arrastam o indivíduo.
Portanto, podemos entender “nonada” como “não, nada” – a insignificância do individual – e “nãonada”, ou seja, a renúncia do nada, o “tudo” da experiência coletiva. Um termo que carrega em si um significado e sua negação, duplicidade que é a tônica do Grande sertão: veredas.
Luiz Ruffato
Escritor, autor de Mamma, son tanto felice e O mundo inimigo.
Um abraço!
2007-03-16 14:53:39
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answer #1
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answered by ★HELDA★C★ ★ ★ ★ ★ 7
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É o livro intitulado Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa (nasceu em Cordisburgo/MG, em 1908 e faleceu no Rio de Janeiro/RJ, em 1967). Este livro foi originalmente publicado em 1956.
2007-03-17 05:58:54
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answer #2
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answered by Little S 5
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