Perguntas desse porte exigem de nós uma compreensão maior na construção do pensamento. Por isso ao colocar parte do texto abaixo, peço que se leia o conteúdo final dele para tirar conclusões mais precisas.
Recuperação de Função e Lesões Neurais no SNC
O SNC é considerado como o produto biológico mais elaborado e complexo da nossa história evolutiva. Os bilhões de neurônios e correspondentes conexões sinápticas, associados às células da glia, formam uma rede neural complexa que faz a integração funcional de estruturas neurais diferentes e, muitas vezes, distantes (Moonen & cols., 1990). Quando o cérebro sofre traumatismos, causados por pancadas ou lesões decorrentes de disfunções circulatórias, como em casos de acidentes vasculares cerebrais ou de intervenções cirúrgicas, podem ocorrer perdas neuronais e distúrbios funcionais nessa rede neural. Nesses casos, as alterações de função ocorrem não apenas nas áreas diretamente afetadas, mas também em outros sítios neurais direta ou indiretamente conectados a elas. Como resultado final são observados prejuízos comportamentais e cognitivos (Cerutti e cols., 1997; Cuello, 1997).
Por essas razões, os estudos de recuperação de função após lesões ou traumas neurais, que abordam a análise de casos clínicos e de modelos animais da plasticidade neural, constituem um outro conjunto importante de investigações (Cuello, 1997; Finger & Almli, 1982; Geschwind, 1984; Stein, Finger & Hart, 1983). No laboratório, os estudos experimentais com animais que avaliam a organização estrutural do SNC após lesões fornecem modelos úteis para o estudo dos mecanismos, das mudanças anatômicas e funcionais subjacentes à recuperação de função ( Kolb & Whishaw, 1989).
Recuperação de alterações comportamentais induzidas por lesão no SNC
Diferentes classes de comportamento motor têm sido analisadas no estudo da reorganização do substrato neuroanatômico da recuperação comportamental após lesão no SNC. A locomoção, por exemplo, constitui uma dessas classes comportamentais. A organização de padrões locomotores ocorre a partir de estímulos espaciais e proprioceptivos, que são processados e integrados pelos dois hemisférios cerebrais, em áreas corticais somatossensoriais e motoras bem como em outras estruturas que compõem os sistemas motores (medula espinhal, tronco encefálico, cerebelo, tálamo, núcleos da base). Toda essa integração neural envolve uma modulação neuroquímica muito sutil com a ação de diferentes neurotransmissores, dentre os quais a dopamina tem uma função primordial. Um conjunto importante de neurônios que sintetizam e liberam a dopamina encontra-se na substância negra (SNe), uma estrutura localizada no mesencefálo. Esses neurônios dopaminérgicos projetam-se para os núcleos da base e seus axônios constituem o sistema dopaminérgico negroestriatal. Se houver lesão na SNe em apenas um dos hemisférios, ocorrerá um desequilíbrio inter-hemisférico na modulação dopaminérgica da motricidade, resultando em dificuldades de locomoção e no aparecimento de um comportamento rotacional em torno de si mesmo, contínuo, estereotipado e assimétrico. A análise desse comportamento rotacional induzido por lesões no sistema motor tem sido útil para estudo de neuroplasticidade e, inclusive, como modelo animal de patologias como a síndrome de Parkinson (Schwarting & Huston, 1996).
Morgan, Nomikos e Huston (1991) analisaram as mudanças no sistema dopaminérgico negroestriatal subjacentes à recuperação da simetria do comportamento rotacional em ratos induzido por lesão. Usaram injeção unilateral de uma substância que provoca a morte de neurônios dopaminérgicos do sistema negroestriatal. Após as lesões, foram analisadas diferentes categorias de comportamento, incluindo a não ocorrência, a diminuição ou a manutenção do comportamento assimétrico durante os testes. Os animais que mostraram recuperação do comportamento de rotação, ou seja, a diminuição da assimetria, reduziram o número de rotações ipsilaterais à lesão e, com o tempo, aumentaram o número de rotações contralaterais. A análise histológica usou um marcador neuronal retrógrado (captado nos terminais das fibras pré-sinápticas e transportado até o corpo celular), injetado nos núcleos da base. Assim, foi possível observar que os animais que mostraram a recuperação comportamental apresentaram maior número de células marcadas na SNe. Esses dados sugeriram que os axônios remanescentes à lesão desenvolveram ramificações e estabeleceram novos contatos sinápticos, um dos processos que caracterizam a plasticidade pós-lesão. Ou seja, após a lesão ocorreu uma recuperação comportamental correlacionada com mecanismos celulares e processos fisiológicos relacionados com a formação de novas sinapses e alterações funcionais daquelas sinapses remanescentes.
Desenvolvimento, aprendizagem e correlatos neuroanatômicos pós-lesão
O desenvolvimento do sistema nervoso é caracterizado por mudanças que normalmente são consideradas como evidências da plasticidade do sistema. Durante a embriogênese são gerados números excessivos de neurônios e, por isso, uma grande parte desses é eliminada por um processo de morte celular que é regulado geneticamente e que resulta num ajuste fino da população neuronal (Oliveira, 1999). Após o nascimento, ocorre a regulação da população e da circuitaria neuronal em momentos que são considerados períodos críticos no desenvolvimento. Ou seja, durante esses períodos são definidas tanto a sobrevivência de neurônios que estabeleceram contatos sinápticos eficientes quanto a manutenção dessas sinapses. Essa regulação da circuitaria neural resulta de uma coordenação sutil e complexa entre as atividades dos elementos pré- e pós- sinápticos, que garantem a integridade e a plasticidade do neurônio.
Muitas vezes, o conceito de períodos críticos é usado como justificativa para a existência de maior plasticidade neural ou de maior capacidade de reorganização e de recuperação funcional em cérebros jovens, em comparação com cérebros adultos. Foi nesse sentido que Brabander, Van Eden e De Bruin (1991) investigaram se haveria diferenças de aprendizagem entre ratos que sofreram lesões do córtex pré-frontal medial no período neonatal ou na idade adulta. A análise da manutenção da função comportamental avaliou o comportamento de escolha entre os braços do labirinto em T, com alternação a cada tentativa, inicialmente com um intervalo de zero segundos (sem atraso) e com intervalo de 15 segundos (com atraso). Foram investigadas as mudanças neuroanatômicas em dois sistemas neurais com conexões ao córtex pré-frontal medial: uma projeção talâmica e uma projeção de fibras dopaminérgicas (sistema dopaminérgico meso-cortical) da área tegmental ventral do mesencéfalo. Ambos os sistemas têm um denso padrão de axônios que se projetam para as áreas pré-frontais, transmitindo informações cruciais para o córtex pré-frontal. Foi usado um marcador neuronal anterógrado (captado ao nível do corpo celular e transportado pelo axônio até sua terminação pré-sináptica) para analisar essas projeções. Esse marcador foi injetado nos núcleos neuronais cujos axônios se projetam para o córtex pré-frontal. Após o teste de alternação espacial com atraso, os animais foram sacrificados e os cérebros foram processados para a obtenção de cortes cerebrais, marcação imunohistoquímica e análise de axônios dopaminérgicos.
Os ratos que sofreram lesões bilaterais neonatais mostraram desempenho similar aos animais-controle. Ao contrário, os ratos que foram lesados quando adultos mostraram maior número de erros no teste do labirinto em T, não alcançando o critério de aprendizagem. A maioria das lesões realizadas no período neonatal não apresentou uma indicação morfológica precisa, exceto como uma cicatriz, enquanto que todas as lesões realizadas em ratos adultos, foram visíveis como uma cavidade limitada por tecido glial. A análise morfológica também não revelou perda de células dopaminérgicas, tanto após as lesões neonatais, quanto na idade adulta. Contudo, em todos os ratos com lesões neonatais, foi observado um aumento da densidade dos axônios dopaminérgicos em todas as camadas do córtex, acompanhado por um aumento de ramificação dos axônios e uma maior quantidade de vesículas sinápticas, em comparação com os animais controles. O aumento dos axônios e das vesículas pode ser uma indicação de maior atividade dopaminérgica ou de um acúmulo de dopamina nos terminais pré-sinápticos. Em resumo, esses dados indicam a ocorrência da plasticidade neural em dois momentos do desenvolvimento ontogenético, demonstrando uma capacidade reorganizadora mais efetiva do sistema nervoso quando as lesões ocorreram precocemente, logo após o nascimento.
Efeitos a longo prazo de lesões neurais sobre a interação neurônio-glia e a aprendizagem
Além de toda a importância da função neuronal, deve-se lembrar que o tecido neural é constituído de um agregado complexo de células que constitui uma rede de comunicação entre os neurônios e a neuroglia. A literatura tem colocado ênfase crescente no fato de que neurônios e células gliais atuam como uma unidade fisiológica com função fundamental na organização neural do comportamento. As células gliais sempre foram consideradas elementos importantes do microambiente neural por participarem em processos durante o desenvolvimento neural e na regulação do meio extracelular neural. Porém, apenas recentemente surgiu uma maior compreensão das complexas interações neurônio-astrócito/microglia e de sua participação no desenvolvimento de plasticidade de conexões sinápticas e, consequentemente, em processos de plasticidade neural e de aprendizagem (Aldskogius & Kozlova, 1998; Cerutti & Ferrari, 1995b; Moonen & cols, 1990; Ridel, Malhotra, Privat & Gage, 1997).
A correlação entre ativação de células da glia e recuperação do SNC fundamenta-se na presença de substâncias tróficas na área da lesão (Cerutti & Chadi, 2000; Chadi, Cao, Pettersson & Fuxe, 1994). As interações astroglia/microglia exercem papel fundamental em mecanismos tróficos de neurônios no SNC. Os neurônios que sofreram danos liberam secreções que estimulam as microglias que, por sua vez, interagem com os astrócitos e induzem a produção de outras substâncias tróficas. Todas essas respostas são importantes para manter a homeostase local e garantir a sobrevivência do neurônio.
Nesse contexto, as funções dos astrócitos têm recebido grande atenção (Bignami, 1984). Recentemente, Cerutti, Ferrari & Chadi (1997) demonstraram aumento no número de astrócitos, quatro meses após a lesão massiva de tecido neural do telencefálo de pombos. Essa lesão provoca perda transitória do comportamento alimentar, associada a alterações imediatas na postura e no ciclo sono-vigília. Por isso, os animais são mantidos em ambiente controlado e alimentados no bico, três vezes por dia até a recuperação de comportamento alimentar que ocorre cerca de um mes depois da lesão. Os pombos foram sacrificados quatro meses após a lesão e os cérebros preparados para análise por técnicas de marcação imunohistoquímica. Foi observada uma maior marcação para a proteína ácida fibrilar de glia (GFAP) no tálamo (núcleo rotundus) dos animais com lesão, indicando uma significante presença de astrócitos. Inversamente, a marcação de neurofilamentos, para identificação de neurônios íntegros, indicou que os animais lesados apresentaram menor número de neurônios. Esse dado é muito interessante por sugerir que nesse momento, longo tempo após a lesão, as funções de astrócitos estariam diretamente relacionadas aos processos de plasticidade neural.
Essas análises estendem as observações de Cerutti e cols. (Cerutti, Cintra, Diáz-Cintra & Ferrari, 1997; Cerutti & Ferrari, 1995a) sobre a aprendizagem de discriminação dos pombos destelencefalados. Após a recuperação de comportamento alimentar, pombos foram treinados em discriminação operante sucessiva, com luz vermelha no disco correlacionada com reforçamento em esquema de razão-variável e luz amarela no disco, correlacionada com extinção. Os pombos lesados aprenderam a discriminação operante após um treinamento mais longo para a aquisição da resposta de bicar o disco e para alcançar o critério de estabilidade do comportamento discriminativo, em comparação aos pombos-controle. Porém, na condição de reversão da discriminação, os pombos lesados não alcançaram os critérios de aprendizagem e de estabilidade do comportamento discriminativo. Esses resultados comportamentais foram correlacionados com análises histológicas (com marcação de fibras mielínicas e de corpos celulares, seguida de morfometria quantitativa em estruturas das vias visuais) que mostraram (a) padrões anormais na orientação dos axônios (fibras neurais) e na organização das camadas neuronais características do teto óptico (estrutura importante para o processamento visual em aves) e (b) uma reducão significativa no número de neurônios, inversamente relacionada a um aumento no número de vasos sanguíneos, observada no tálamo (núcleo rotundus, região que transmite informações para as áreas visuais do telencéfalo). Tais alterações morfológicas foram interpretadas como evidências de mecanismos de plasticidade neural. Diferentes mecanismos celulares estão envolvidos na manutenção do neurônio e no fortalecimento de seus contatos sinápticos e conseqüente funcionalidade. O aumento da vascularização possivelmente constitui um mecanismo compensatório para o sistema, no sentido de garantir o suprimento energético adequado para a sobrevivência e funcionalidade dos poucos neurônios restantes após a lesão.
scielo.br/scielo
diferencia e molda os circuitos neurais, que caracterizam a plasticidade e ... que manipulam o ambiente e analisam mudanças em circuitos neurais
2007-03-18 09:26:51
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answer #2
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answered by ÍNDIO 7
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