Antônio da Rocha Marmo (São Paulo, 19 de outubro de 1918 - São Paulo, 21 de dezembro de 1930)
Tinha o dom de predizer acontecimentos futuros. Desde pequeno tinha a mania de fazer altares e simular uma missa, era um grande amigo da mãe e muito inteligente quanto a assuntos polêmicos já desde criança. Foi considerado um santo pela população de São Paulo por agracear os pedidos de curas. Faleceu de [tuberculose] aos 12 anos. Sepultado no [Cemitério da Consolação], onde jaz e é constantemente visitado na Quadra Quadra 80, Terreno 6 (Q.80, T.6).
Bibliografia:
Memória e História: Antoninho da Rocha Marmo - Misticismo, Santidade e Milagres em São Paulo, de Marília Schneider. São Paulo, T.A. Queiroz, 2001. 218p. ISBN 85-71820-72-4.
Mais:
ANTONINHO DA ROCHA MARMO JÁ FOI CONSAGRADO PELA DEVOÇÃO POPULAR
Publicado na Folha da Noite, quarta-feira, 12 de março de 1947
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Neste texto foi mantida a grafia original
No fim da Grande Guerra e em plena "gripe espanhola", nascia, nesta Capital, uma criança privilegiada - Com seis meses apenas, acenava para entrar nas igrejas por onde passava - Predisse a solução da velha pendencia entre o Vaticano e o Quirinal - Seu passatempo predileto era "celebrar missas", no quintal, num altarzinho portatil - Atacado de virulenta tuberculose, sucumbiu aos 12 anos - Sempre protegeu os pobres e os humildes - Conformou-se estoicamente com a breve morte irremediavel - O episodio emocionante do pintasilgo - Um dia, os companheiros do céu vieram buscar o anjinho que baixara à terra
São Paulo possui tambem o seu "santinho". Um "santinho" que caiu do céu e veio satisfazer a alma popular, que, há muito, não via santos sobre a terra...
É bem comovedora e merece, por isso mesmo, maior divulgação a encantadora historia diferente dessa criança predestinada que foi Antonio da Rocha Marmo, consagrado pela devoção do povo como o "santinho Antoninho".
Esse suave e exemplar menino paulista, que sobrevoou a terra, durante apenas 12 anos, arrebatado, na flor da idade, por insidiosa enfermidade, trouxe consigo, desde o berço, a aureola da santidade e da espiritual beleza.
Era um pequenino com qualquer coisa de sobrenatural. Uma criaturinha com algo de extraordinario. Foi portador de doce mensagem divina endereçada aos homens esfaimados e egoistas da geração que passa. Veio com uma missão de Deus perante esta humanidade tragica que se suicida na guerra e tinge as mãos de sangue na cobiça insaciavel das coisas materiais. Mas não teve tempo de realizar a sua missão celestial, porque os outros anjos seus irmãos vieram buscá-lo, com medo de que ele, tão pequenino e tão puro, se contaminasse com as peçonhas da terra.
Seu lugar era no céu. E para lá retornou. E lá se encontra na mansão dos justos, gozando as primicias da presença de Deus, enquanto o halo da sua glorificação ainda inebria a pobre humanidade sofredora, que busca lenitivo, alongando os olhos para os céus, numa prece angustiada, bradando por um bocadinho de felicidade...
Baixou à terra um anjo
Antoninho nasceu numa epoca tormentosa que ficou assinalada na historia.
Enquanto, na Europa, rotos da luta sangrenta - uma longa batalha que se prolongava há cinco anos -, os homens matavam-se uns aos outros e, no Brasil, em consequencia, a "gripe espanhola" dizimava vidas preciosas, numa pavorosa epidemia, que se transformara em calamidade publica, o menino prodigio descia à terra...
O calendario marcava o dia 19 de outubro de 1918. E foi naquela casa assobradada da rua Bandeirantes, bem no numero 24, ali no distrito de Santa Efigenia, que seus pais, os paulistas Pamfilo Marmo e dona Maria Isabel da Rocha Marmo, o receberam com indizivel alegria, completando o batalhãozinho ruidoso dos outros maninhos: Maria da Penha, Nair, Ciro e Wanda...
A 13 de junho de 1920 - dia festivo de Santo Antonio - era ele levado à pia batismal, na igreja de Santo Antonio do Pari, servindo de padrinho o casal doutor Oscar Tolens.
Antes, porem, fôra batizado, sob condição em perigo de vida, salvo a tempo por um misterioso medico, que não se sabe quem era e que entrara de porta a dentro, sem ser chamado e sem dizer o nome, num desses designios inexplicaveis de Deus.
Dali por diante passou ele aos cuidados efetivos da boa e dedicada Mariama, como assim era tratada, na intimidade, a empregada de estimação.
Com seis meses apenas, quando levado pela ama a passeiar nas ruas da cidade, Antoninho alegrava-se sobremodo e agitava os bracinhos tenros ao avistar, por acaso, alguma igreja, e, se nela tinha ingresso, transfigurava-se e era tomado de profunda unção ao aproximar-se do altar onde estava a Hostia consagrada.
Se acontecia assistir à benção do Santissimo, procurava ficar de pé e imitava o sacerdote, dando a seu modo a benção aos fiéis com as minusculas mãos. Antoninho era, na verdade, rica alma predestinada.
Predizendo o futuro
O paulistazinho, desde muito cedo, revelara vivissima inteligencia, apreendendo facilmente os principais e mais complexos acontecimentos que se desenrolavam ao seu redor.
Tinha cinco anos quando predisse, com grande surpresa, ante a irmã Maria Vicentina, na Santa Casa desta Capital, que a velha questão romana, entre o Vaticano e a Italia, teria solução definitiva, obtendo vitoria a Igreja, no reinado do S. P. Pio XI. Tal aconteceu realmente em 1929. Ao saber do acorrido, tratou de mandar dizer àquela freira da realidade da sua previsão.
Em certa manhã, assistiu à primeira missa do padre Olegario da Silva Barata. Na hora do beija-mão do néo-sacerdote, Antoninho acompanhou toda gente. Ao aproximar-se do padre, atirou-se-lhe nos braços, num amplexo comovido, chegando a molhar-lhe com lagrimas as vestes paramentais. Em palestra, vaticinou, então, que a morte dele Antoninho dar-se-ia, num coincidir bastante expressivo, no mesmo dia do aniversario do sacerdote, isto é, a 21 de dezembro, o que realmente aconteceu, nessa data, em 1930.
Sua maior ambição era abraçar, quando ficasse grande, a carreira eclesiastica. E ao indagarem da sua vocação, costumava responder sempre: "Quero ser padre, mas quero pertencer ao clero secular, pois desejo estar mais em contacto com o povo. E si algum dia chegar a ser vigario saberei cumprir com o meu dever".
O seu passatempo predileto constituia em "celebrar missa", num altarzinho portatil, improvisado no quintal da casa dos pais. O ilustre bispo paulista, d. Epaminondas, por intermedio do padre Ascanio Brandão, foi quem o brindou com aquele altar, acompanhado de paramentos. Para o pequeno privilegiado aquilo constituiu um regio presente. Dali, por diante, passou, circunspectamente, a "celebrar sua missa" todas as manhãs... E depois da "missa" se seguia a pregação feita a meia duzia de fedelhos da sua idade e a outros maiores, a quem ensinava a doutrina do catecismo.
Amigo e protetor dos humildes
O garoto tinha, na verdade, coisas excepcionais, proprias de gente grande. Antoninho era um menino diferente dos outros. Um menino prodigio.
Doente gravemente, viu-se obrigado a procurar o clima ameno de S. José dos Campos e de Campos de Jordão, a fim de tentar a cura de uma tuberculose que se apossara valentemente do seu debil corpo. Enfraquecera-se, a principio, sob violenta erupção de sarampo. Depois veiu aquela enfermidade insidiosa, para que se tornaram vãos todos os apelos à medicina. Ele mesmo previra que os maiores esforços resultariam inuteis.
Mesmo atormentado pelos dolorosos sofrimentos, jamais esquecia os humildes. Um dia, em Campos de Jordão, soube que fora detido um pobre homem, surpreendido com o porte irregular de um revolver, achado no mato. Antoninho interessou-se pelo caso. Demandou à Delegacia, a fim de falar ao Delegado que era, então, o dr. Caio Machado Leite Sampaio, atualmente Adjunto da Delegacia Especializada em Acidentes no Transito. Não o encontrou. Falou ao carcereiro. Pediu-lhe que transmitisse por favor à autoridade a sua solicitação: "Diga ao delegado assim que chegar que Antoninho quer a liberdade do preso". E como lembrete desenhou uma caricatura qualquer sobre a escrivaninha do delegado.
"Faço esta careta no caso do sr. esquecer-se de transmitir meu recado. O delegado, vendo-a, ha de perguntar quem a fez. O sr. dirá então que fui eu e fará o meu pedido."
E assim aconteceu. A autoridade ali chegando achou extranho o desenho. Interpelou o carcereiro, que lhe contou tudo. O dr. Caio Machado, com aquela bondade que lhe é peculiar, foi em pessoa à procura de Antoninho, que lhe contou do interesse em favor do seu "constituinte". O delegado, que não o conhecia, achou curioso os modos do garoto. E declarou-lhe que mandaria por em liberdade o detido. Assim o fez, porem, por medida de precaução, despachou-o para Pindamonhangaba.
O homem, profundamente reconhecido ao gesto de Antoninho, regressou a Campos, em aspera travessia a pé, a fim de agradecer-lhe pessoalmente, trazendo de presente uma cabra e dois cabritinhos. O garoto enternecido com a atitude do pobre camponês, fez-lhe ver que a Deus devia agradecer e não a ele, e negou-se a receber o presente, aconselhando-o a vende-lo, pois era pobre e necessitava de dinheiro.
Descendo, dias depois, de Campos de Jordão para S. José dos Campos, compôs esta interessante quadrinha:
Deixei o que perdi
Em Campos de Jordão!
Saio soldado raso.
Para lá ganhar galão!
Conformado com a morte proxima
Antoninho piorava cada dia mais nos ultimos meses da sua rapida vida. Conhecia perfeitamente o precario estado de sua saude e mostrava-se conformado com a vontade de Deus.
Uma tarde, vendo a pobre mãe tristonha por causa da sua molestia, interpelou-a assim:
- Por que está tão triste, mamãe?
- Por nada, meu filho. Eu nunca estou triste ao seu lado.
- Mamãe, precisa fazer a vontade de Nosso Senhor! Nosso Senhor precisa de mim!
E após uma pausa:
- A senhora está vendo aquele pintasilgo naquela arvore? Se eu fizer com que ele venha pousar no meu dedo e cantar, a senhora acredita que é por vontade de Nosso Senhor?
- Acredito, sim, meu filho!
- Então veja! Pintasilgo, passarinho querido, em nome de Deus Nosso Senhor, vem pousar aqui no meu dedo e canta!
Realmente, o lindo passarinho veio obediente ter sobre a mão de Antoninho, e cantou um canto mavioso e doce.
- Então, mamãe, ouviu o canto da vontade de Nosso Senhor?
- Sim, meu filho, ouvi e acredito!
- Vai, vai, meu amiguinho, para a tua arvore e lá continua a cantar!
E assim aconteceu. A avezinha voou e foi cantar na arvore donde descera.
Voltaram mãe e filho para casa. Horas depois, interpelava ele:
- Está ainda pensando no passarinho, mamãe?
- Sim, é verdade, meu filho...
Dias após, perguntava Antoninho à sua progenitora:
- Minha mãe, que frade foi esse que esteve aqui conversando comigo?
- Frade, meu filho? Eu não vi nenhum frade ao seu lado. Você, com certeza, teve algum sonho...
- Bem, mamãe, não se fala mais nisso...
Logo mais bateram à porta. Era o carteiro. Trazia um envelope. Abriram. Dentro, o retrato de um frade. Antoninho o reconheceu:
- Este retrato, minha mãe, é de frei Fabiano de Cristo, que, ainda há pouco, esteve palestrando comigo.
Não era possivel aquilo senão por milagre: frei Fabiano de Cristo falecera já há muitos anos. Aquela fotografia fôra enviada por uma irmã do garoto prodigioso.
A morte de um justo
Antoninho marchava, cada dia, para a morte certa. Ele o sabia perfeitamente. E era um conformado com a dura realidade. Era a vontade de Deus. Deus o queria. Que se fizesse, então, a vontade de Deus.
A 19 de dezembro, dois dias antes, ainda armou, com as proprias mãos, num grande esforço, o seu tradicional presepio de Natal!
Dali foi carregado pela mãe desvelada, causando tamanho trabalho, até o leito, donde não mais se levantaria.
Na manhã do dia 20, foi visitá-lo a Superiora da Santa Casa de Misericordia de São Paulo, acompanhada de outras freiras. Aquela visita foi excepcional motivo de alegria para o doente.
Ali compareceu depois frei Angelo de Rezende, que lhe ministrou os ultimos sacramentos, em altar previamente armado e ornamentado pelo proprio Antoninho, que, da cama, ia orientando tudo.
Em dado momento, após a comunhão, supôs o sacerdote que o menino tinha já entregue a alma ao Criador, apresentando-se com os olhos fechados, em atitude de extase. Tocou-lhe de leve no ombro. Ele abriu os olhos e falou: "Eu estou rendendo graças a Deus!"
Logo mais, não esquecendo o padre, pediu à mãe que providenciasse um automovel para reconduzi-lo ao convento e que não o deixasse ir sem tomar uma xicara de café.
Depois solicitou um copo dagua e principiou a balbuciar estas frases:
- Que linda estrada... atapetada de flores... como são belas! Quantos anjos! Olha, minha mãe: alguns tocam... outros sorriem! Convidam-me para acompanhá-los... Que belo cortejo!... Eu vou, mamãe... Vou... Sim... Vejo um clarão! Um vulto se aproxima... Olha, mamãe, é meu avozinho... o pai da senhora!
Pediu que acendessem duas velas em torno da imagem de S. Antonio, junto do leito.
- Antes que estas velas se consumam, eu estarei no céu! Estou cansado... preciso repousar...
Principiou a lenta agonia. Em dado instante, num esforço, abriu os olhos. Circumvagou-os pelo quarto, num meigo sorriso para todos. Um ligeiro tremor de labios, como se quizesse falar alguma coisa. Depois, mais nada. Estava morto! Morrera como um passaro do céu!
O relogio assinalava 11 1/2 da noite de 21 de dezembro de 1930. Contava 12 anos de idade.
No dia seguinte, era inumado no jazigo da familia no Cemiterio da Consolação, na quadra 80, sepultura nº 6, onde a visitação publica o consagrou com a sua admiração e a sua veneração, de então para cá.
A missa de 7º dia foi celebrada sem qualquer pompa, com a encomendação sobre um modesto pano preto, entre quatro velas singelas. Era satisfeita assim a sua ultima vontade.
E, numa curiosa e bem interessante coincidencia, conforme uma sua anterior previsão: por acidental engano da Empresa Funeraria, foi seu corpo encerrado num caixão de adulto, carregado num coche de adulto e enterrado numa cova de adulto...
Toda a pequena existencia desse grande menino paulista, não há duvida, extraordinaria, fôra assim revestida de grandes lances: reviveu, em poucos anos, nos dias da atualidade, uma vida beatifica igual à dos santos da antiguidade...
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2007-03-14 04:09:33
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