DIREITO COMO CIENCIA
Constitui este trabalho um breve estudo acerca da Ciência do Direito. Qual motivo o inspira ? Unicamente o desiderato de apreender o conhecimento em torno da temática. ImprescindÃvel estudar para conhecer precisamente um determinado objeto. [01]
A Ciência do Direito [02], classificada entre as disciplinas jurÃdicas fundamentais [03], constitui um conjunto ordenado e sistemático [04] de princÃpios e regras que tem por tarefa definir e sistematizar o ordenamento jurÃdico (Direito positivo ou direito posto [05], vale dizer, produzido pelo Estado) que o Estado impõe à sociedade e apontar solução para os problemas ligados à sua interpretação e aplicação. [06]
Seu objeto [07] é o Direito positivo (ou direito posto), mas considerado o Direito positivo de um Estado determinado, num dado momento histórico-cultural, ou como direito em certo ponto do espaço-tempo, com suas peculiaridades histórico-sócio-culturais. [08]
O Direito-objeto, além de estudado e descrito pela ciência, é normativo. Já a ciência que o estuda e descreve, no entanto, não é normativa, porém descritiva, como ensina o preclaro jurista Eros Roberto Grau. [09]- [10]- [11]Dir-se-á, com o eminente jusfilósofo Miguel Reale, que a "Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual. Assim é que o Direito dos gregos antigos pode ser objeto de ciência, tanto como o da Grécia de nossos dias". [12]A Ciência do Direito preocupa-se com o estudo da norma jurÃdica positiva. Contudo, divide-se em duas partes: a regra jurÃdica não é somente objeto do conhecimento teórico, mas também do saber essencialmente prático ou técnico, do qual emergem os problemas relativos à sua aplicação. Denomina-se a parte teórica de sistemática jurÃdica, enquanto à prática empresta-se a denominação de técnica jurÃdica. [13]Importa anotar a advertência de Daniel Coelho de Souza no sentido de que a Ciência do Direito, como sistemática jurÃdica, tem caráter dogmático, a justificar uma de suas denominações como dogmática jurÃdica, consistindo em que a realização da atividade estritamente cientÃfica pelo jurista importa aceitação da regra jurÃdica como dogma, devendo, pois, aceitá-la e interpretá-la. [14]Aliás, como bem preleciona Wilson de Souza Campos Batalha, o "cientista do Direito, estritamente como cientista do Direito, aceita o ordenamento jurÃdico como um "dado" que elabora, com vistas à sistematização, mas que não pode alterar e que admite com sua indiscutÃvel imperatividade. Daà a denominação de Dogmática JurÃdica atribuÃda à Ciência do Direito". [15]
Essa aceitação, no entanto, não significa que o jurista não possa empreender esforços com vistas a alcançar a revogação da lei. Mas não é este o escopo próprio daquele profissional no campo cientÃfico, máxime porque toda atividade cientÃfica é neutra, de mera sensibilidade voltada para o real, e não há de ser afetada por juÃzos crÃticos com comprometimento da pureza ascética da ação avalorativa. De qualquer modo, a aceitação de que se trata assenta-se na imprescindibilidade de que o jurista reconheça como ponto de partida os dogmas estabelecidos pela escola jurÃdica, tais como valores, modelos e regras preexistentes. [16]
Bem por isso, explicita Legaz y Lacambra que o jurista tem uma função valoradora que é imprescindÃvel, tem a faculdade de criticar o dogma, de valorá-lo sob diversos pontos de vista, assinalando suas injustiças, suas imperfeições técnicas, sua inadequação à s necessidades sociais, sua falta de vinculação aos antecedentes históricos [17], sempre com o escopo de aprimorá-la e adequá-la aos mais puros anseios da sociedade.
Sob o enfoque ainda do dogmatismo, convém lembrar a observação do preclaro jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no sentido de que "os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável dentro dos marcos da ordem vigente. Esta ordem que lhes parece como um dado, que eles aceitam e não negam, é o ponto de partida inelutável de qualquer investigação. Ela constitui uma espécie de limitação, dentro da qual eles podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de comportamentos juridicamente possÃveis". [18]Caracteriza-se a Ciência do Direito pelo aspecto reprodutivo, pois não cria as normas, que são o seu objeto [19]- [20], mas apenas cuida de reproduzi-las. Essa reprodução evidentemente não se fará com base num plano abstrato. Porém, acontecerá tendo em mira os valores eleitos pela comunidade e, pois, a expressão de modelos sociais de comportamento. [21]Cabe ressaltar que a Ciência do Direito adota vários métodos [22], em especial devido à sua natureza investigativa, como o analÃtico, o sintético, o analógico, para alcançar os seus fins consistentes em construir um sistema jurÃdico adequado à realidade atual, não correspondente ao momento histórico em que foram construÃdas as suas partes, como enfatiza Paulo Dourado de Gusmão. [23] A essa trÃade, Miguel Reale acrescenta os métodos indutivo e dedutivo, que de há muito já eram defendidos por Enrico Ferri [24], os quais se completam na tarefa cientÃfica, lembrando que nossa época caracteriza-se pelo pluralismo metodológico. [25]
Diferencia-se da Filosofia do Direito e da Teoria Geral do Direito. Com relação à primeira, dela se distingue por ser a Ciência do Direito eminentemente valorativa. Ademais, a Filosofia do Direito erige-se à condição de crÃtica do Direito positivo, enquanto que a Ciência do Direito o analisa e descreve. E à Filosofia do Direito cumpre analisar e criticar os pressupostos da Ciência do Direito, ao passo que esta considera indiscutÃveis aqueles pressupostos. Também o método desta é indicado por aquela.
Enquanto a Ciência do Direito tem em mira o estudo do sistema de Direito positivo de um determinado Estado, num dado momento histórico-cultural - como o Direito romano, o Direito brasileiro, o Direito francês etc. -, a Teoria Geral do Direito dedica-se ao estudo dos Direitos positivos existentes, atuais ou passados, com vistas a identificar as suas semelhanças e, pelo método de indução, generalizar princÃpios fundamentais, de caráter lógico, válidos para todos eles. [26]- [27] Oportuno registrar, também, que não existe apenas uma Ciência do Direito, mas, sim, uma gama de Ciências do Direito, dentro de cujo contexto encontram-se a Filosofia do Direito, a Teoria Geral do Direito, a História do Direito, a Sociologia do Direito, a Dogmática JurÃdica etc., todas elas dotadas de linguagens próprias que se denominam metalinguagens. [28]
Convém observar que o que o homem busca e anseia com o Direito repousa na paz e na segurança sociais. O Direito representa instrumento que visa a assegurar a coexistência pacÃfica na sociedade. [29] Isso deixa evidente que o Direito, longe de constituir-se num fim, erige-se inequivocamente à condição de meio, como corretamente emerge do pensamento kelseniano. Para Kelsen, a função do Direito está na realização de fins sociais inatingÃveis senão através dessa forma de controle social, fins esses que variam de sociedade para sociedade, de época para época. [30]Nada obstante cuidar-se de um ramo do conhecimento humano dotado de objeto, sistematização e metodologia próprios, a Ciência do Direito é contestada por alguns que não a reconhecem como ciência. Expressão desse posicionamento é o alemão Julius Herman von Kirchmann [31], que se vale para tanto de célebre frase: "bastariam três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras se transformariam em papel sem valor". [32]
Olvidou, contudo, o jurista tedesco que a revogação de uma norma juridica não significa necessariamente a profligação dos princÃpios jurÃdicos que a fundamentaram ou informaram. à válido anotar que as transformações em um sistema jurÃdico opera-se de maneira paulatina, como observa Ãngel Latorre. [33] Cabe acrescentar, também, um dado importante consitente na "persistência duma tradição doutrinal, de métodos, sistemas e conceitos, que se mantêm atráves dos tempos", sobrevivendo à s leis e condicionando o legislador. [34]
Isto mostra, à saciedade, como o argumento impugnativo da cientificidade do Direito peca pela base, partindo de premissa caracterizada pela falta de compromisso com a verdade (portanto, premissa falsa). E, aliás, a verdade é o valor supremo que a ciência sempre teve em mira. Tudo isso, sem contar que tal jurista cometeu o desatino de considerar o Direito Positivo como se fora o Direito na sua mais ampla abrangência e significação gnosiológica, esquecendo-se de que o Direito Positivo não significa senão um dos múltiplos aspectos da Ciência do Direito ou, como preconiza o eminente Ministro Eros Roberto Grau, o Direito produzido pelo Estado. [35] Assim, sem razão Kirchmann.
Por isso mesmo, merece referência o escólio de Machado Neto, para quem, contrário à postura doutrinária de Kirchmann, "o certo é que a subseqüente história do pensamento jurÃdico não confirmou sua desenganada negação da ciência jurÃdica, embora o jurista contemporâneo ainda persevere na atitude de má consciência acima aludida". [36]
Não bastasse isso, a Ciência do Direito ou Jurisprudência possui caráter cientÃfico, sob rigorosa perspectiva epistemológica, notadamente por ser um conhecimento sistemático, metodicamente obtido e demonstrado, dirigido a um objeto determinado, que é separado por abstração dos demais fenômenos. E mais, nela avulta a sistematicidade como argumento eloqüente para afirmar a cientificidade do conhecimento jurÃdico. [37]
Bibliografia:
1. Azevedo, Plauto Faraco – CrÃtica à Dogmática e Hermenêutica JurÃdica, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, 5ª reimpressão.
2. Batalha, Wilson de Souza Campos - Introdução ao Estudo do Direito - Os Fundamentos e a visão histórica, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Forense, 2ª edição, 1986.
3. Diniz, Maria Helena - A Ciência JurÃdica, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1995.
4. Diniz, Maria Helena - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1991.
5. Ferraz Júnior, Tércio Sampaio - Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 1ª edição/3ª tiragem, 1990.
6. Ferraz Júnior, Tércio Sampaio - A Ciência do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 2ª edição/11ª tiragem, 1980.
7. Ferri, Enrico - PrincÃpios de Direito Criminal, Campinas, Bookseller Ed. e Dist., 2ª edição, 1999, p. 90.
8. Grau, Eros Roberto - O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Editora Malheiros, 5ª edição, 2003.
9. Guimarães, Ylves José de Miranda - Direito Natural - Visão MetafÃsica e Antropológica, São Paulo/Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1a. edição, 1991, p. 197-198).
10. Gusmão, Paulo Dourado - Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Forense, 5ª edição, 1972.
11. Gusmão, Paulo Dourado - Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1ª edição, 1984.
12. Hessen, Johannes - Teoria do Conhecimento, Armenio Amado Editor, Coimbra/Portugal, Tradução de António Correia, 7ª edição, 1980.
13. Machado Neto, A.L. - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 6ª edição, 1988.
14. Machado, Hugo de Brito – Uma Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Dialética, 2000.
15. Nader, Paulo - Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 24a. edição, 2004.
16. Nunes, Luiz Antonio Rizzatto, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Ed. Saraiva, 3a edição, 2000.
17. Paupério, A. Machado, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 3a edição, 1993.18. Poletti, Ronaldo - Introdução ao Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 1991.
19. Reale, Miguel - Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 17ª edição, 1990.
20. Soares, Orlando - Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Forense, 1ª edição, 1991.
21. Souza, Daniel Coelho de - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988.
2007-03-14 20:07:50
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answer #2
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answered by ÍNDIO 7
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