Reflexões sobre a atuação do Serviço Social em projetos voltados para o estudo de impactos ambientais causados pela construção de Usinas Hidrelétricas.
Palavras-chaves: Serviço Social; questões ambientais; pesquisa.
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APRESENTAÇÃO
Este trabalho parte do princípio de que o Serviço Social tem, junto as questões ambientais, um espaço tão privilegiado como aqueles permitidos por outras questões mais familiares à sua prática profissional. Pretendemos neste artigo, tecer algumas considerações a partir das reflexões sobre a prática que vimos desenvolvendo e da bibliografia que a fundamenta, com vistas a extrair contribuições para a clarificação preliminar das seguintes questões:
¨ Que relações existem entre as questões ambientais e o Serviço Social? O que justifica a prática do assistente social nesse espaço?
¨ Que papel cabe ao Serviço Social junto a equipe interdisciplinar de pesquisa em projetos voltados para o meio ambiente?
1 As questões ambientais e o contexto social
O título acima parece sugerir uma linha divisória entre as questões ambientais e o contexto social de onde essas questões emergem, contudo é necessário lembrar que quando falamos em questões ambientais falamos em meio ambiente e ao falarmos em meio ambiente estamos nos referindo ao contexto social e vice-versa, pois meio ambiente numa linguagem simplificada “é tudo o que nos rodeia”. Não só o verde das matas ou árvores, jardins, animais, insetos, rios, mares, a atmosfera, a nossa casa, nós, o nosso derredor – mas tudo o que faz parte do tecido da vida, seja ela animal ou vegetal, mineral deve ser considerado meio ambiente. Mas, nem todos tem claro esse conceito e a sua extensão. Até os técnicos que projetam os grandes empreendimentos como a construção de Usinas Hidrelétricas parecem ter uma visão unilateral do meio ambiente, pois ao planejarem essas obras pensam todos os detalhes; a escolha do local para a localização da barragem, a prospecção do terreno até os kilowates de energia que se produzirá e o seu destino final. Mas, mas como diz Scherer Warren (1993) ao planejarem tais obras, a vontade política decisória deriva tão somente do Estado em comum acordo com os diversos segmentos interessados no capital a ser gerado pelo desenvolvimento de tais projetos. “É por essa razão que pouco ou nada se avalia sobre os custos sociais inerentes à reprodução das populações atendidas” conforme Camargo (1985) citado pela autora acima.
Os estudos de viabilidade realizados antes de tais construções fazem levantamentos extraordinários dos recursos existentes na área e os relatórios de impactos ambientais (RIMA), instrumentos obrigatórios para permitir a aprovação da obra junto aos organismos que tem a função de cuidar do meio ambiente, tratam mais diretamente das conseqüências que esses empreendimentos poderão causar na paisagem, na fauna, na flora, mas não tratam dos impactos sociais, ou seja, das conseqüências sociais que vão resultar de tais empreendimentos e que tem o homem como alvo maior a ser atingido; quando lembrados, o fazem de maneira superficial. E é esse não reconhecimento que também concorre para a emergência das questões ambientais frente as quais o Serviço Social, assim como outras áreas do conhecimento, vão intervir.
O trabalho, ou seja a intervenção, a partir daí poderá ter como alvo as comunidades rurais e urbanas que sofrerão os impactos de forma direta ou indireta tendo-se como referência que, tanto o rural quanto o urbano, são espaços de moradia e como tais, produzem condições para o desenvolvimento de inúmeros processos sociais, entre os quais as ações das políticas públicas, voltados para essas populações. (Souza, 1991)
No caso das construções de Usinas Hidrelétricas, o objetivo é o de incrementar as ações que vão possibilitar o desenvolvimento da política energética através de maior geração de eletricidade justificada pela necessidade de atender a demanda causada pelo desenvolvimento econômico regional. Diante dessa justificativa as empresas estatais desapropriam terras, desalojam populações e criam situações de conflito em diferentes momentos: antes da construção, durante e após o término do empreendimento.
2 O problema que justifica a intervenção
Os fatores que justificam a intervenção são justamente as novas situações que são geradas não só pelo confronto que passa a existir entre a população, na condição de expropriados e a concessionária, mas também pelos efeitos causados pelo empreendimento. Esses confrontos poderão surgir em virtude do remanejamento das famílias, o tamanho dos lotes onde deverão ser reassentadas, o preço da terra e benfeitorias a ser pago através da ação indenizatória, a cobertura real dos prejuízos, as novas moradias tipo de construção, tamanho, material, etc. o traçado das novas estradas vicinais, as novas pontes que devem ser construídas e outros.
Os mecanismos burocráticos estabelecidos para a compensação dessas perdas sociais não oferecem alternativas condizentes com a vida que a população tem atualmente, daí criam subsistemas de manutenção da miséria.
O objeto da ação interventiva do Serviço Social será pois a situação criada pela proposição do empreendimento que gerará novas condições de vida para a população, a que Scherer Warren (1993), utilizando a classificação de KOWARICK, cita como os expropriados, os espoliados e os explorados. Entendendo-se como os expropriados urbanos e rurais os diretamente atingidos (lavradores e índios) que são removidos compulsoriamente de suas terras ou moradias, para dar lugar a construção; os espoliados urbanos – aqueles indiretamente atingidos tanto na zona rural como na urbana e que sofrerão não só os efeitos ambientais como também esses efeitos sobre o seu sistema de produção; e na zona urbana cujos efeitos serão sentidos na infraestrutura de serviços existentes no local de moradia; e por fim os explorados – representados pelos trabalhadores não qualificados que são recrutados para o trabalho nos canteiros de obras e que terminada a construção, se vêem desempregados.
Como vemos, o homem é a principal vítima desse processo. Todos esses efeitos que o atingem diretamente não são levados em conta, e podemos ver que esses são bastante significativos e emergem em diferentes momentos (Segundo CRAB (1995) – Cadernos de Estudos Básicos II, p. 7 e 8):
§ antes da construção: a tensão da população face a incerteza do futuro que desorganiza a vida social e particularmente, a atividade produtiva, as migrações para a região em busca de futuros empregos, transformações nos setores de serviços e recursos públicos para atendimentos das novas demandas, o que pode significar a exclusão de um maior número de pessoas menos favorecidas, o desemprego, a quebra de produção rural, etc;
§ durante a obra: os efeitos mais importantes são decorrentes da desapropriação de terras e deslocamento de populações que se reflete na sobrecarga sobre a rede de serviços e infraestrutura ( transporte, saúde, segurança, lazer), o aparecimento de doenças estranhas à região;
§ no final da construção: o desemprego, a migração, o crescimento da marginalidade urbana, o aumento das favelas e a queda das atividades comerciais e de serviços causados pelo esvaziamento econômico da região;
§ após a obra: a concentração, das impurezas dos esgotos domésticos e industriais, na água da represa, a toxidade da água trazida pelo não desmatamento da
§ área inundada que passa a ser transmissora de doenças, além de por fim a vida animal na água, acabando com a possibilidade de pesca. Além desses, a paisagem no trecho abaixo da barragem tende a se modificar, pois as curvas do rio surgem e desaparecem e o conhecimento dos moradores das margens do rio é perdido. (CRAB, 1995)
A estratégia a ser utilizada pelo Serviço Social para intervir junto a essas novas situações, geradas por essas construções, será a de desenvolver um processo metodológico de ação para:
– primeiro: elaborar um diagnóstico socioeconômico dessas comunidades;
– segundo: capacitá-la para o enfrentamento das questões emergentes.
Como?
Através do repasse das informações técnicas sobre os efeitos do empreendimento na vida da comunidade e da geração futura; a formação de lideranças para garantir o movimento, em defesa de seus direitos e interesses e posteriormente levá-lo a buscar articulações com outros parceiros, como o Movimento dos Atingido por Barragens (MAB), Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), ONGs e a Igreja através das suas outras pastorais, além de outros, como os movimentos ambientalistas.
Esse processo encontra contudo algumas dificuldades de saída que passam:
– primeiro: pelo desconhecimento dos fundamentos relativos às questões ambientais.
Se formos rever o processo de formação dos Assistentes Sociais, vamos constatar que dificilmente são abordados assuntos que dizem respeito ao meio ambiente;
– segundo: o “desinteresse” da categoria por projetos que tenham como alvo as questões ambientais, causado justamente pelo desconhecimento da grande importância que tem o meio ambiente na continuidade da vida de todos nós.
Devemos nos lembrar que ao colocarmos como objeto de intervenção a questão social, as questões ambientais estão ali contidas; são expressões dela. Se formos privilegiar as políticas sociais veremos que a política pública com vistas à geração de energia, gera sérias conseqüências que clamam por políticas sociais adequadas para o atendimento das populações que se vêem atingidas.
Como vemos não existem diferenças entre questões ambientais e questão social tida como alvo da intervenção do Serviço Social.
3 O Assistente Social enquanto pesquisador do meio ambiente
O Serviço Social poderá, como qualquer outra área do conhecimento estudar os impactos ambientais causados pela construção de Usinas Hidrelétricas ou vir a compor uma equipe de pesquisadores que tem como objetivo o estudo dos impactos causados no meio ambiente por essas Usinas. Enquanto membro da equipe de pesquisadores o Assistente Social não vai “intervir”. Mas o seu processo de formação o torna capaz de realizar o diagnóstico sócio econômico de forma detalhada pois se trata de instrumento que lhe dá subsidios para a intervenção. Cabe a ele, então, a tarefa de realizar enquanto pesquisador, levantamentos que lhe possibilite a elaboração de um diagnóstico sócio econômico ou um “inventário” da zona urbana e rural. Esse estudo é realizado com vistas a conhecer os recursos existentes na região a ser atingida e suas reais potencialidades. É necessário e importante porque vai demonstrar a capacidade dos recursos e serviços que estão postos a disposição da população e a capacidade que os mesmos possuem para atender a demanda diferenciada que deve ocorrer com a chegada de um contingente formado por milhares de trabalhadores que serão envolvidos nas diferentes fases da construção.
Esse estudo deverá pois, oferecer subsídios para que o governo da cidade possa preparar-se para esse atendimento.
Ao Assistente Social cabe ainda realizar o estudo das comunidades que estão situadas ao longo das margens do rio e que são constituídas por agrupamentos de famílias de pequenos proprietários ou arrendatários e de trabalhadores rurais. Essas comunidades se formaram na região entorno do local onde será erguida a barragem que vai represar as águas do rio. Também esse atribuição do Assistente Social uma vez que durante os anos do curso ele foi preparado através de disciplinas específicas para o trabalho em comunidades.
O estudo que se fará dessas comunidades poderá ter como referência o modelo proposto por Caroline Ware (1960) que apesar de não recente, continua atual pois permite um verdadeiro “rastreamento” dessas comunidades através do levantamento de todas as suas características. Tal estudo encontra as razões nas palavras da própria autora pois quando se pretende estudar comunidades deve-se ter por base não os agricultores ou trabalhadores rurais considerados individualmente, mas a comunidade e seus determinantes, ou seja, os fatores geográficos, históricos, culturais, políticos, sociais e econômicos responsáveis por suas diferentes manifestações. Devemos portanto, fixar-nos em todas as características dos indivíduos que afloram no grupo como conseqüência de seu contato com o ambiente e, também, em todas as mudanças que neste produz o grupo e diríamos complementando, e vice-versa.
Os estudos de nivelamento teórico conceitual, obrigatório a quem vai compor uma equipe, permite-nos conhecer teoricamente esses efeitos, mas era necessário conhecê-los na realidade, para que houvesse a apreensão da totalidade desse real era necessário que não nos restringíssemos a pesquisa aos aspectos objetivos ou particulares dessa realidade, para que pudéssemos senti-la na sua totalidade através dessa prática interdisciplinar.
A pesquisa deve envolver, como lembra ***** (1993), também a subjetividade, as representações dos sujeitos, não só os aspectos racionais, mas também como sujeitos de emoções, sentimentos, valorações e a forma de como tudo isso é pensado, simbolizado. Diz esse autor ainda, que devemos adotar uma postura dialética para sair do imediato e entender a realidade dinâmica, contraditória dos processos sociais. Ao adotar essa postura devemos ter claro os perigos que tráz a uniformização, o dogmatismo e o desprezo da subjetividade.
4 A vivência na equipe de pesquisa
Os estudos de nivelamento teórico conceitual foi o primeiro momento da participação da autora na equipe da pesquisa “Estudos dos fundamentos dos impactos ambientais na construção de barragens na porção inferior da bacia do rio Tibagi: Jataizinho e Cebolão”. Isso obrigou-nos a conhecer e utilizar a linguagem comum à equipe, o que pressupõe muitos estudos, pois, como já dissemos o processo de formação profissional dificilmente inclui ou não particulariza as questões ambientais e é necessário compreender a totalidade desses efeitos e suas conseqüências no meio ambiente. Como dizia ***** (1993) anteriormente, é necessário que a pesquisa não se restrinja aos aspectos objetivos ou particulares dessa realidade, mas que possa senti-la na sua toalidade através de práticas interdisciplinares. Dessa feita, não basta conhecer a dimensão social nela contida.
A prática que vem sendo vivenciada no momento subsequente com os trabalhos de campo tem oportunizado experiências significativas, pois tem permitido conhecer de perto o inúmeros processo sociais que tem por base as comunidades rurais e que se formaram às margem do rio Tibagi, no entorno do local onde será construída a barragem Foi nos dado conhecer a importância do estudo de viabilidade sócio-política do empreendimento; os problemas decorrentes da falta absoluta de comunicação entre empresa concessionária (COPEL) e população atingida; os surgimentos de grupos que procuram explorar a situação de incerteza e de possíveis ganhos com as indenizações; os problemas de ordem política entre os municípios vizinhos de Jataízinho, decorrentes do estabelecimento de marcos limítrofes incorretos que não condizem com os limites estabelecidos quando da criação do município, pelo Governo do Estado em 1942. Foi nos dado conhecer sobretudo a extrema miséria que vivem aqueles que lavram a terra, por culpa das políticas agrícolas inadequadas, incertas, que regem a produção do homem do campo. (Colito, 1998)
Como podemos ver são inúmeras as situações que emergem dessa prática e se constituem em objetos de estudo não só do Serviço Social, mas de todas as áreas.
Conclusões
O Serviço Social tem junto às questões ambientais um espaço que vale a pena ser ocupado, pela inúmeras possibilidades de estudos interdisciplinares que apresentam, não só, frente as questões ligadas à construção de Usinas, como ficou evidenciado nas reflexões aqui apresentadas. Mas também pela importância de que se revestem essas questões, que oportunizam inúmeras condições de intervenção ao Serviço Social, em ações de mobilização, organização das populações quando ameaçadas com a degradação do seu meio ambiente ou de educação dessa mesma população para sua preservação.
É bom lembrar que quando falamos do meio ambiente estamos falando das questões ligadas ao tecido da vida, pois se não for pela continuidade da vida, pelo que iremos lutar?
Beijos
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2007-03-11 07:47:01
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answer #1
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answered by Anonymous
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