A existência da Onda Gravitacional (OG) encontra-se tão intimamente ligada à teoria da Relatividade Geral de Einstein publicada em 1916, que a impossibilidade de detectá-las com as propriedades previstas poria claramente em causa a teoria. Mais ainda, qualquer teoria da gravitação que obedeça ao princípio da relatividade proíbe a propagação instantânea de interações e necessariamente implica a existência de ondas gravitacionais. De acordo com a relatividade geral qualquer aceleração assimétrica numa massa produz ondas gravitacionais que se propagam à velocidade da luz. É preciso no entanto algum cuidado com a forma como se interpreta a propagação de uma onda gravitacional. De fato, as ondas gravitacionais não se propagam no espaço-tempo da mesma forma que uma onda eletromagnética se propaga no vazio: uma onda gravitacional é uma perturbação no espaço-tempo e forma com este uma entidade indivisível. Outra característica extremamente importante das OG é a sua polarização. Uma OG pode apresentar dois estados independentes de polarização, normalmente designados por + e x. A polarização de uma OG contém informação adicional sobre a sua fonte.
Embora as OG constituam uma conseqüência inevitável de qualquer teoria relativística da gravitação, é curioso notar que desde o início mesmo defensores da Relatividade Geral tão notáveis como Sir Arthur Eddington terão tido algumas dúvidas acerca da sua realidade física. De fato, Eddington sugeriu que as ondas gravitacionais poderiam representar simplesmente uma perturbação nas coordenadas do espaço-tempo e como tal não seriam observáveis e a certa altura terá mesmo comentado num tom irônico que as OG "viajam a velocidade do pensamento". Foi necessário esperar até ao final dos anos 50 do Séc. XX (mais de 30 anos após o aparecimento da Relatividade Geral) para que Sir Herman Bondi e colaboradores demonstrassem de uma forma invariante e independente do sistema de coordenadas que as OG transportam energia e momento e a massa de um sistema que radie OG deve portanto diminuir. Foram precisos no entanto mais alguns anos para que fosse encontrada evidência observacional indireta para a perda de energia sob a forma de ondas gravitacionais num sistema astrofísico.
Pulsar binário: A dissipação de energia sob a forma de ondas gravitacionais causa um decréscimo do período orbital.
A descoberta em 1974 de um pulsar num sistema binário por Joseph Taylor, então professor na Universidade do Massachusetts, e pelo seu estudante Russel Hulse veio finalmente produzir evidência (embora indireta) da realidade física das OG. Após a descoberta do pulsar binário PSR1913+16, cedo se tornou claro que este era constituído por dois objetos compactos com raios da ordem das dezenas de quilômetros, mas massas da ordem da massa solar, a uma curta distância um do outro, da ordem da distância da Terra à Lua. Tal sistema apresentava todo o potencial para se tornar um laboratório privilegiado para testar a Relatividade Geral. Mais de quatro anos de observção cuidada por Taylor e colaboradores conduziram finalmente a uma medição da variação no período orbital do sistema de 75 milionésimos de segundo por ano. Este pequeno mas significativo decréscimo do período orbital pode ser explicado pela perda de energia do sistema sob a forma de radiação gravitacional. Uma das conseqüências do decréscimo do período orbital é a aproximação dos dois objetos que formam o binário numa dança da morte que conduzirá à destruição de ambos. Nos instantes imediatamente anteriores ao desfecho macabro para o pulsar e a companheira, a teoria prevê um aumento espetacular na emissão de ondas gravitacionais até a coalescência dos dois objetos.
Apesar da variação observada no período orbital ser quase insignificante a diferença entre este valor e a previsão da Relatividade Geral é menor que 1% ! Apesar deste acordo espetacular entre a teoria e a observação, têm sido feitas tentativas para explicar o decréscimo do período orbital que não envolvem a perda de energia pela emissão de ondas gravitacionais. Convém aqui salientar que esta é uma atitude perfeitamente normal e desejável em ciência: quando um resultado resiste a tentativas de invalidação e explicações alternativas, torna-se necessariamente mais forte. Embora alguns dos cenários alternativos que prescindem das OG não sejam de todo inviáveis, quase todos envolvem hipóteses que dificilmente podem ser testadas e nenhum é tão elegante e simples como a solução fornecida pela Relatividade Geral.
Em face de todo este entusiasmo, convém deixar aqui bem claro que o pulsar binário não oferece uma prova direta para a existência de ondas gravitacionais e não substituiu de forma alguma a detecção direta. Em particular, a astronomia de ondas gravitacionais fornece-nos uma janela sobre o Universo que tem até agora permanecido fechada e dificilmente poderá ser acessível de outro modo:
Uma vez que as OG são produzidas pelo movimento das suas fontes como um todo e não dependem dos movimentos individuais de átomos ou elétrons (como no caso da radiação eletromagnética), a informação por elas fornecida é completamente diferente da informação fornecida por outras fontes. Por exemplo no caso do pulsar binário, a informação fornecida pela polarização das OG revela a inclinação da órbita em relação à linha de observação. Este parâmetro é crucial na modelagem destes sistemas e não é facilmente acessível por outros meios.
As ondas gravitacionais fornecem a única maneira de observar diretamente um buraco negro.
Uma vez que a sua iteração com a matéria é tão fraca, as OG não são dispersas ou atenuadas durante a sua viajem até ao observador. Processos que ocorrem no interior de sistemas astrofísicos ou no Universo imediatamente após o Big Bang e que não são acessíveis por nenhum outro método podem ser observados através das OG por eles produzidas.
Fontes astrofísicas de Ondas Gravitacionais
Vamos agora analisar com mais cuidado algumas das fontes astrofísicas de ondas gravitacionais que esperamos poder detectar nos próximos anos com os detectores que se encontram atualmente em funcionamento ou com data prevista para o início de operação num futuro muito próximo. Antes porém convém olhar com alguma atenção para os parâmetros que caracterizam as ondas gravitacionais: amplitude, freqüência e polarização:
Amplitude
Intuitivamente é mais ou menos claro que a amplitude medida por um detector é o resultado da amplitude intrínseca produzida na fonte combinada com a atenuação do sinal dependente da distância entre a fonte e o observador: se duas fontes produzirem um sinal com a mesma amplitude, o sinal da fonte mais próxima resulta numa maior amplitude medida pelo detector. Vemos assim que quanto mais próximas estiverem as fontes de interesse, mais fácil será a sua detecção.
Como veremos nas próximas semanas, a interação da onda com o detector resulta na variação da distância entre as massas que constituem o instrumento e é portanto conveniente definir a amplitude como h = dL/L, onde L é a distância em repouso e dL a variação induzida pela interação com a onda gravitacional.
Freqüência
No caso de sistemas cuja dinâmica é governada pela sua própria gravidade (o pulsar binário por exemplo, ou a colisão entre dois buracos negros), é relativamente simples obter uma relação entre a massa do sistema M, a sua dimensão R e a freqüência f das ondas gravitacionais produzidas. Para além da massa e da dimensão do sistema, tendo em conta a natureza gravitacional da interação, esperamos que a expressão envolvesse também a constante universal da gravitação G. Recorrendo apenas à análise dimensional das quantidades envolvidas, facilmente concluímos que f~(GM/R)(1/2)~(G/ρ)(1/2). Tomando como casos limite a densidade da matéria nuclear e a densidade da água, vemos que as freqüências produzidas variam no intervalo 10-4-104, que é basicamente a gama de freqüências inicialmente acessível aos detectores atualmente em funcionamento ou em construção. Tendo em conta que, como referi na primeira parte, as características das ondas gravitacionais transportam informação preciosa sobre os sistemas que as produziram, vemos que quando a detecção acontecer a gama de estados da matéria e portanto de sistemas astrofísicos acessível à astronomia de ondas gravitacionais será impressionante e abrirá certamente um novo capítulo na história da astronomia. Quando combinada com informação obtida no domínio do espectro eletromagnético, a astronomia de ondas gravitacionais irá certamente abrir uma nova janela sobre alguns dos segredos mais bem guardados do Universo.
Polarização
As ondas gravitacionais existem em dois estados de polarização normalmente designados por + e x (Figura 1). Como foi anteriormente referido, a polarização fornece, entre outras coisas, informação sobre a inclinação do plano orbital de um sistema binário em relação ao observador. Quando a linha de observação é paralela ao plano orbital do sistema, cada uma das componentes aparenta mover-se numa linha reta e é neste caso possível mostrar que a polarização das ondas gravitacionais emitidas será linear. Se, pelo contrário, a linha de observação for normal ao plano orbital, o movimento das estrelas será circular e a polarização observada será também circular. Entre estes dois casos limite existe uma gama de valores possível para a inclinação do plano orbital que pode em princípio ser deduzida através da polarização do sinal observado.
Fontes detectáveis (ou quase...)
Existem essencialmente três grandes categorias de fontes astrofísicas de ondas gravitacionais: colapso gravitacional, estrelas de nêutrons em rotação e sistemas binários.
Colapso gravitacional
A formação de uma estrela de nêutrons induzida pelo colapso gravitacional do núcleo de uma estrela (Supernova do tipo II) é um dos fenômenos mais violentos que podemos observar no Universo. A energia libertada pela explosão e que se calcula ser da ordem de 15% da massa Solar é transportada essencialmente por neutrinos. Este aspecto da física das supernovas foi espetacularmente confirmado pelas observações feitas na supernova 1987A na Grande Nuvem de Magalhães (Figura 2).
Supõe-se também que uma parte desta enorme energia é convertida em ondas gravitacionais.
Infelizmente, é extremamente difícil fazer previsões rigorosas para as amplitudes e freqüências das ondas gravitacionais emitidas uma vez que a modelação de uma Supernova do tipo II é um problema altamente não trivial dada a complexidade e as incertezas envolvidas. De fato, com os conhecimentos atualmente ao nosso dispor, a emissão gravitacional proveniente do colapso de uma estrela pode ser um impulso numa banda relativamente larga de freqüências centrada em torno de 1KHz, mas uma emissão de alguns ciclos com freqüências entre os 100Hz e os 10KHz não pode ser excluída. Num dos casos mais favoráveis, se assumirmos que a energia radiada sob a forma de ondas gravitacionais é da ordem de 1% da massa solar, possíveis supernovas no Aglomerado da Virgem (a uma distância de 18Mpc) poderiam ser detectadas por um detector com uma sensibilidade de ordem de 10-21. Sensibilidades desta ordem de grandeza poderão ser atingidas num futuro muito próximo.
Toda esta incerteza em torno das ondas gravitacionais resultantes do colapso gravitacional é de certa forma uma situação irônica tendo em conta que esta fonte foi uma das mais fortes motivações no desenvolvimento dos primeiros detectores e continua ainda a ser um dos alvos mais importantes para a detecção.
No caso de estrelas de nêutrons com rotação rápida, existe ainda a possibilidade da desaceleração sofrida imediatamente após o nascimento da estrela resultar na produção de um fundo estocástico de ondas gravitacionais com freqüências acima dos 20Hz. O fundo estocástico de ondas gravitacionais será abordado com algum detalhe na próxima semana quando analisarmos as ondas gravitacionais de origem cosmológica, mas para o leitor mais impaciente posso adiantar que ao contrário das ondas gravitacionais que discutiremos aqui e que podem em princípio ser detectadas individualmente e associadas a uma fonte localizada, as ondas que compõem o fundo estocástico sobrepõem-se de tal forma que as propriedades individuais de cada onda se perdem para dar origem a um coletivo com propriedades bem definidas. Uma analogia (que deve ser tomada com algum cuidado...) consiste na ondulação à superfície do oceano: em condições normais a superfície do oceano nunca será completamente plana, sendo povoada por um grande número de ondas cuja origem e identidade dificilmente poderiam ser encontrados (um pouco como o fundo estocástico de ondas gravitacionais). Ocasionalmente ondas de amplitudes que excedem tudo o que seria de esperar em condições normais são geradas (um tsunami, por exemplo) e em princípio seria possível identificar o seu trajeto, bem como a sua origem. Como referi, é sempre necessário algum cuidado com as analogias...
Estrelas de nêutrons em rotação
De acordo com a teoria da relatividade geral, um objeto assimétrico em rotação produz ondas gravitacionais. Embora este resultado se aplique a qualquer objeto em rotação, na prática apenas objetos compactos como estrelas de nêutrons produzem ondas gravitacionais por este processo.
Uma pequena assimetria de massa m à superfície de uma estrela de massa M, raio R com uma freqüência de rotação fr a uma distância r do observador vai produzir ondas gravitacionais com uma amplitude h~(R f)2 m/r e uma freqüência 2 fr, onde o fator 2 na freqüência se deve ao fato da rotação levar o excesso de massa m a aparecer alternadamente dos dois lados do eixo de rotação. Se assumirmos que a energia radiada sob a forma de ondas gravitacionais provém da conversão da energia rotacional da estrela, a observação de ondas gravitacionais num tal sistema fornece uma pista para a compreensão da dinâmica da estrela. Os modelos de que dispomos atualmente parecem indicar que devido à sua constituição, a superfície da estrela não deverá ser capaz de suportar assimetrias com massas superiores a 10-5 massas solares. A ser confirmado, este resultado leva-nos a concluir que a radiação gravitacional só por si não será capaz de explicar o abrandamento observado na rotação das estrelas de nêutrons. Ainda assim, nalguns casos será possível detectar a emissão gravitacional neste tipo de sistemas com os detectores que se encontram já numa fase avançada de construção.
Sistemas binários
Nesta categoria, que é talvez a que mais possibilidades oferece de detecção podemos incluir essencialmente três tipo de sistemas: binários que incluem um buraco negro, uma estrela de nêutrons (como o pulsar binário descoberto por Hulse e Taylor) ou duas anãs brancas. O último caso é no entanto ligeiramente diferente uma vez que deve contribuir essencialmente para o fundo estocástico de ondas gravitacionais.
Como vimos anteriormente, a energia perdida pelo sistema sob a forma de ondas gravitacionais vai provocar a aproximação das órbitas até à coalescência dos dois objetos. Pode mostrar-se que a coalescência ocorre num tempo t da ordem de 20 M (M/R)-4 (para simplificar admitimos neste caso que ambas as estrelas têm massas da mesma ordem de grandeza M). Como seria de esperar objetos de maior massa em órbitas próximas atingem a coalescência muito mais rapidamente que objetos com massas mais reduzidas em órbitas mais afastadas. Podemos ter uma idéia das enormes quantidades de energia libertadas neste processo, se repararmos que enquanto a luminosidade sob a forma de ondas gravitacionais é da ordem dos 1052 W a luminosidade do Sol não excede os 1026 W, ou seja, mais de 25 ordens de grandeza abaixo.
Embora seja de esperar que a fase final da coalescência com a inevitável colisão dos dois objetos liberte enormes quantidades de energia sob a forma de ondas gravitacionais num curto espaço de tempo, a simulação das fases finais do processo é extremamente complexa resultando numa enorme incerteza quanto ao espectro das ondas gravitacionais produzidas. Felizmente a situação é bem mais clara no que respeita à aproximação dos dois objetos até que a última órbita estável é atingida. Durante esta fase a freqüência das ondas gravitacionais emitidas vai aumentado gradualmente, resultando num sinal característico normalmente designado por "chirp" (chilreio).
O nosso entendimento deste processo é neste momento de tal modo satisfatório que não só tornou a aproximação das estrelas num binário uma das fontes de ondas gravitacionais com maiores possibilidades de ser detectada num futuro próximo, como conseguiu além disso bater alguns limites impostos pela sensibilidade dos detectores de ondas gravitacionais. De fato, quando discutirmos a detecção de ondas gravitacionais, veremos que a técnica de detecção usada neste caso consiste em comparar o sinal do detector com uma biblioteca de formas de onda calculadas para sistemas com diferentes parâmetros. Com este tipo de métodos, a sensibilidade efetiva é proporcional à raiz quadrada do número de ciclos detectados. Para um sistema observado por exemplo durante os últimos 104 ciclos antes da coalescência a sensibilidade efetiva será melhorada por um fator de 100. Usando este tipo de detectores poderemos em principio detectar ondas gravitacionais emitidas por binários a distâncias de 400Mpc. As estimativas de que hoje dispomos apontam para a possibilidade de uma detecção por mês. Este método é de tal forma sensível que a biblioteca que contém as formas de onda esperadas para sistemas com vários parâmetros deve também conter sinais que poderiam ser observados em teorias da gravidade alternativas à relatividade geral e que produzem portanto ondas ligeiramente diferentes das previsões relatividade geral.
Embora envolvendo escalas completamente diferentes, o mesmo tipo de processos aqui descritos pode também dar-se entre dois buracos negros supermassivos quando da colisão entre duas galáxias (Figura 4). É sabido que uma larga fração das galáxias conhecidas contêm no centro um buraco negro com uma massa da ordem de 106 massas solares. Embora para buracos negros com massas tão elevadas o tempo de coalescência seja da ordem de 1010 anos, é de esperar que a aproximação e colisão libertem enormes quantidades de energia sob a forma de radiação gravitacional. Neste caso a freqüência das ondas produzidas será da ordem dos mHz, uma banda que é acessível ao detector espacial LISA.
O caso de um sistema binário com duas anãs brancas é ligeiramente diferente essencialmente por duas razões: a sua abundância (as estimativas correntes apontam para um número da ordem de milhares só na nossa galáxia) e a amplitude relativamente baixa do sinal emitido quando comparado com binários onde uma das estrelas é um buraco negro. Os binários com duas anãs brancas devem em princípio contribuir para uma componente do fundo estocástico (mais uma ...) com freqüências abaixo de 1 mHz. Como veremos nas próximas semanas esta é uma região do espectro acessível ao detector espacial LISA.
2007-03-13 07:55:53
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answer #1
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answered by ЯОСА 7
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