AQUECIMENTO GLOBAL
O Observatório da Imprensa do dia 06 de fevereiro discutiu o papel da mÃdia para diminuir os efeitos do aquecimento global, a partir da divulgação do relatório do IPCC que chamou a atenção de todo o mundo para a questão ambiental. Participaram do programa, no Rio de Janeiro, o jornalista e diretor geral do Globo Ecologia, Claudio Savaget e o colunista do site O Eco, Sérgio Abranches. Em São Paulo, estiveram presentes a repórter do jornal O Estado de S. Paulo, Cristina Amorim e o editor da revista Astronomy Brasil, Ulisses Capozzoli.
Sérgio Abranches falou sobre a importância do desenvolvimento econômico aliado à preservação ambiental: “à o primeiro desafio realmente global que o mundo enfrenta. à um desafio importante porque tem base cientÃfica e deixou de ser aquela questão apenas de defender a biodiversidade. A questão climática redefiniu o problema e mudou nosso olhar. Portanto, é preciso que tenhamos a cobertura da questão ambiental e que todos os jornalistas eduquem seu olhar para, no seu setor, encontrar o ângulo ambiental. Construção civil, energia, transporte, produto de consumo, tudo tem o motivo da questão climática (...). Quando muda o eixo da discussão, a Amazônia deixa de ser apenas árvore e biodiversidade. Hoje, ela tem que ser entendida como reguladora do clima. Significa que se nós levarmos a Amazônia para o seu limite, ela vai levar o nosso clima para o seu limite e nós vamos pagar um preço elevado. Qual o resultado? Pó e pobreza. Como já há vários exemplos na Amazônia (...). Quando eles se retiram da parte desmatada, que já não interessa mais, deixa pó e pobreza, mais desemprego e menos condição de vida para a população (...). A discussão do desenvolvimento tem que ser revista. Não sobre o nÃvel de desenvolvimento mas de que maneira vamos desenvolver daqui para frente. à preciso saber que têm limites. Esses limites são biofÃsicos e estão postos diante da nossa vida. Precisamos encontrar novos padrões de produção, de uso de energia, de consumo de produtos que nos levem a uma economia de baixo carbono, ou seja, uma economia que emita muito menos carbono do que emitimos até agora (...). O imaginário brasileiro é de que a Amazônia é uma área enorme que as pessoas podem explorar, plantar, desmatar, fazer pecuária e que ela vai agüentar. Mas ela não vai agüentar. Não se pode parar o desenvolvimento da região, então temos que buscar um desenvolvimento que use sua biodiversidade, que use indústria da conservação, que use o potencial biotecnológico. Enfim, temos que redefinir o padrão de desenvolvimento da Amazônia, do Brasil e do capitalismo em geral (...). O Brasil é viciado em olhar para BrasÃlia e dizer ‘o que BrasÃlia vai fazer com relação a isso’. BrasÃlia não vai fazer nada se a sociedade brasileira não pedir que faça. BrasÃlia reage lentamente com atraso à s demandas sociais e o Brasil vive um momento de enorme complacência com todos os problemas porque parte do nosso problema ambiental, da destruição da Amazônia, por exemplo, tem a ver com o fato de que o poder público é omisso em todas as áreas, não faz respeitar a lei, há muita corrupção e nós temos tolerado o intolerável. Se pararmos de tolerar e demandarmos mais seriedade, mais aplicação das leis, vamos poder desenvolver (...). A mÃdia pode fazer o papel do tradutor. Ela pode dar cultura cientÃfica, traduzir as soluções cientÃficas e as econômicas numa linguagem que a população entenda e consiga introduzir no seu cotidiano. à preciso que todas as editorias lancem esse olhar sobre as matérias e mostrem para o leitor ou para o ouvinte como fazer.”
Cristina Amorim disse como manter a questão ambiental numa pauta permanente: “A questão é permear esse assunto por todas as editorias. Não é dar uma manchete ou uma chamada na capa e sim inserir esse assunto dentro das redações, em todos os repórteres, em todas as editorias, em toda cúpula do jornal (...). Assim como todo mundo que leu o jornal, no sábado, ficou assustado e percebeu que o problema era muito maior do que imaginava, dentro das redações também houve esse impacto e a tendência é que esse impacto ressoe daqui para frente. Quem cobre economia e relações internacionais, por exemplo, sabe que a sustentabilidade, a busca por novos modelos econômicos é uma pauta diária. A tendência é só aumentar. Então, mais do que uma editoria fortalecida, o próprio jornalismo ambiental sai fortalecido uma vez que ele expande os seus limites. Deixamos de fazer uma página, de fazer um especial, para servir como referência. Esse é o caminho (...). Esse relatório do IPCC mostrou claramente que o problema é muito grave, que deve ser tratado com muita seriedade e, sendo assim, até os jornais não deram espaço e a força necessária para esse assunto. Mas eu vejo com bons olhos as mudanças graduais que têm ocorrido de algum tempo para cá. Na primeira conferência que fui, em 2004, falar sobre aquecimento global era quase uma aventura e, em pouco mais de dois anos, as pessoas incorporaram esse assunto no seu dia-a-dia. Antes, vender uma pauta era, praticamente, ter que dar uma aula. Hoje, elas já sabem do que eu estou falando. Suficiente não é ainda, mas eu acredito que essa cobertura vai aumentar e permear todas as editorias.”
A partir da sua experiência como repórter, Cristina falou também sobre a substituição dos combustÃveis fósseis pelo biocombustÃvel: “Os combustÃveis fósseis, que são a base do modelo econômico praticado em todo o mundo, principalmente petróleo e carvão, precisam ser deixados de lado o mais rápido possÃvel. As opções alternativas sustentáveis estão ainda muito incipientes, não são capazes de substituir totalmente, por diversos motivos econômicos, polÃticos e tecnológicos. Temos como alternativa a energia nuclear (...) e os biocombustÃveis. No Brasil, temos o modelo de biocombustÃveis muito bem desenvolvido. Ao longo de suas décadas de existência, sofreu altos e baixos mas hoje está bem fortalecido, com um investimento alto em tecnologia e em pesquisa. Temos paÃses, como os EUA, que precisam investir nisso, conforme o presidente Bush disse em seu último pronunciamento à nação (...). Nós temos o Brasil nesse momento de vanguarda e que precisa decidir se vai investir pesado para se tornar um grande produtor mundial e se isso ameaça suas florestas. Ou se vamos começar a exportar tecnologia, que pode ser um caminho também. A questão é colocar tudo na mesa do debate e fazer as escolhas certas, considerando todos os pontos, seja do relatório do IPCC, seja do relatório do PIB.”
Claudio Savaget revelou a importância de pequenas ações: “No dia-a-dia das pessoas pode-se fazer muito, mostrando e procurando onde estão as pessoas que fazem. Tem muita gente fazendo coisas bacanas: ações individuais, coletivas, associações de moradores. Eles estão se virando e, de uma certa forma, contribuindo mesmo em vários nÃveis. E isso foi uma experiência que estamos mostrando no Globo Ecologia. Os exemplos do homem comum e da comunidade são muito importantes. A gente não pode abrir mão de ninguém (...). Tudo vai virar um canavial gigante, uma grande cultura de soja ou mamona. Isso é um delÃrio. James Lock, o homem que formulou a teoria de Gaia, hoje é absolutamente a favor da energia nuclear. Não se pode queimar mais carbono (...). A matriz energética do Brasil é predominantemente hidroelétrica. Mas incentivar leilões de compra de energia à gás? Expandir a fronteira agrÃcola para plantar cana? à uma insânia. (...) A energia eólica no Brasil ainda é muito incipiente. Algumas experiências no Nordeste, onde a gente tem ventos bem constantes e de grande velocidade, podem ser melhor aproveitadas. (...) Tudo que a gente faz, na verdade, está aquecendo o planeta, infelizmente, de uma forma ou de outra. (...) E isso vai ter impactos seriÃssimos em tudo: na saúde, na agricultura, na economia. Energias alternativas e pesquisa são importantÃssimas e precisa se pressionar muito mesmo para se conseguir. (...) A mÃdia tem mesmo que influir muito, tem que falar muito sobre isso. Tem que se lembrar sempre que esse planeta, em milhões de anos, já passou por algumas extinções muito fortes, causadas pelo aquecimento global e meteoros. Dessa vez, nós somos o meteoro, temos que imaginar isso. E será que a gente vai estar lá para ver? Acho que é importante lembrar isso. Não é ser catastrofista. As coisas são muito piores do que nos anos 80. E ouvindo as pessoas, a gente pode reverter a situação.”
Ulisses Capozzoli comentou o papel da imprensa nessa questão: “O jornal tem que mudar completamente sua cobertura. Nós precisamos de inteligibilidade possÃvel para esse assunto. Não basta os jornais publicarem matérias. à preciso enfrentar essa questão como um desafio inédito e, sem dúvida, seria muito importante que os jornais tivessem um caderno de ciência onde esse assunto pudesse ser desdobrado mais exaustivamente. à preciso fazer uma convocação de toda a sociedade, quer dizer, cada cidadão pode e deve dar sua contribuição. (...) O que falta na mÃdia, fundamentalmente, é uma idéia de processo. A mÃdia sempre enfoca coisas como acontecimentos isolados. (...) Os jornais, por falta de reflexão interna, por falta de usinagem, pela busca aos fatos, não se preocupam com essa questão estratégica. (...) Se as pessoas não entenderem claramente o que está acontecendo, e é possÃvel explicar isso para as pessoas, ou nós vamos ter desespero e oportunistas e fundamentalistas religiosos explorando isso, ou vamos ser incapazes de criar alguma coisa que, ao menos, minimize esse efeito e que a gente possa ter tratamento ao longo do tempo. (...) Isso deve fazer com que as redações abram os olhos, tirem a preocupação em cima de futilidades e enfoquem aquilo que é de fundamental importância. (...) Eu acho que no Brasil não temos tradição em ciência. Eu penso que esse tipo de desafio traz a possibilidade que se construa tudo isso e se faça uma revisão profunda e não se aceite, digamos assim, colocações definitivas. Dentro da imprensa, de modo geral, é preciso repensar profundamente, entre outras coisas, por que a imprensa, principalmente a escrita, enfrenta uma crise absolutamente inédita. A imprensa escrita precisa encontrar um caminho de reação ao efeito, à chegada, à influência da internet. Nós precisamos fazer jornalismo interpretativo, jornalismo que contextualize historicamente os acontecimentos. E nós, nesse momento, chegamos extremamente atrasados. Nós perdemos um tempo enorme em discussões não-relevantes. à preciso rever valores capitalistas, essa idéia do consumismo, onde pessoas vão substituindo as coisas, (...) é tudo uma indústria de consumo que está atrás disso e que é uma sugadora de energia, têm impactos ambientais enormes nessas questões. As pessoas precisam entender que chegou um ponto em que a população faz pressão em cima do planeta, com recursos limitados, que precisam ser revistos e compreendidos para garantir a nossa sobrevivência. (...) Eu acho que vou discordar um pouco sobre a capacidade da mÃdia de reverter a situação. Eu tenho minhas dúvidas. Acho que a Cristina tem razão quando fala que a mÃdia é um espelho da sociedade mas é uma comparação relativa. Os jornalistas têm como obrigação de ofÃcio informarem, com boa qualidade, à sociedade. O jornalista tem como função levantar informações, processá-las e alimentar a sociedade com boas informações.”
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EDITORIAL
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Bem-vindos ao apocalipse. Ou ao planeta super-aquecido. As conclusões do painel da ONU sobre mudanças climáticas são duplamente preocupantes: em primeiro lugar, pelas previsões concretas, cientÃficas e, em segundo, pela acusação cabal, insofismável: quem está no banco dos réus é a humanidade, ela é a grande responsável, portanto, todos somos igualmente culpados pelo estado em que ficou o nosso mundo.
O relatório de Paris teve o mérito de socializar a noção de pecado. Em matéria ambiental, pelo menos, ficou constatado que todos somos pecadores, tanto os industrializados como os emergentes. Exploramos a natureza com a mesma insensibilidade, desperdiçamos os seus recursos com o mesmo descaso.
Justamente por isso, torna-se tão relevante o papel da mÃdia mundial para diminuir os efeitos do aquecimento. Se a mÃdia continuar abdicando da sua função mobilizadora e educadora, grande parte da humanidade continuará produzindo as mesmas agressões. Na véspera de uma debacle que se assemelha ao dilúvio bÃblico, recorta-se com uma nitidez impressionante a tarefa dos meios de comunicação. Este é um dos raros casos em que o sensacionalismo pode ser benéfico. Quanto mais dramaticidade no noticiário e nos debates, melhor para todos.
Mas, atenção, esta é uma pauta permanente. Numa emergência destas proporções espasmos não adiantam, ao contrário, agravam, criam a sensação de rotina, estimulam a resignação. Porém, uma coisa é certa: pela primeira vez em sua história, a imprensa está sendo convocada para salvar os seus leitores e, junto com eles, a si própria.
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ARTIGO
Por Alberto Dines
AQUECIMENTO GLOBAL, JORNALISMO DESAQUECIDO
Todos são culpados. Inclusive a mÃdia
Alberto Dines
O que é pecado, quem é pecador? Esta é a questão central que, ao longo dos séculos, movimenta o espÃrito humano, aciona angústias, fabrica as religiões, filosofias e ideologias.
O painel de climatologistas & afins reunidos sob a égide da ONU em Paris proferiu uma sentença que vai além das catastróficas previsões ambientais: com 90% de probabilidade, a humanidade é a grande culpada pelo apocalipse anunciado. A questão transcende ao aquecimento global, é moral – em crimes de proporções cósmicas, todos são bandidos. Full time ou part-time.
O Pólo Norte vai desaparecer, o mar vai subir, ondas de calor e enchentes vão aumentar. A culpa não é só do megavilão George W. Bush Jr., que se recusou a assinar o Protocolo de Kyoto, a culpa não é apenas de Ahmadinejad, Chávez e da camarilha dos petrodéspotas preocupados apenas em oferecer emissões de dióxido de carbono a preços acessÃveis. A culpa é da Rússia, da China, dos pastores de cabras e criadores de zebus, dos desmatadores da Amazônia e destruidores das encostas, a culpa é dos emergentes e submergentes.
A proximidade da reprise do Dilúvio deixou claro que ninguém é inocente, inclusive os inimputáveis. Em Paris, talvez por inspiração cartesiana, acabam de ser estabelecidas as bases para a socialização do pecado e a mundialização da culpa, corolário da globalização, herdeiras da circunavegação de Fernão de Magalhães e da aventura de juntar os oceanos através do mar de lama que resultou no canal do Panamá.
Estamos todos no mesmo barco, ninguém é uma ilha, os sinos dobram a cada segundo por algo ou alguém que erra ou desaparece. [Sobre o artigo "Todos são culpados", Ãltimo Segundo, 2/2/2007]
A mÃdia também está no banco dos réus, ocupa posição privilegiada no esquema de culpas concêntricas que provocou o aquecimento do planeta. Seus alertas foram débeis – pÃfios é a palavra apropriada – seus apelos e convocações foram burocráticos e seu compromisso educativo vem sendo progressivamente pisoteado ao longo das duas últimas décadas. Justamente quando a degradação ambiental chegou ao paroxismo.
A própria mÃdia está sendo palco de um confronto entre puristas (que apostam no conteúdo e nos seus compromissos originais) e os eufóricos (fascinados com avanços tecnológicos e seus desdobramentos mercadológicos). Este confronto é na realidade a reprodução em pequeno formato do grande confronto entre ambientalistas e desenvolvimentistas.
Pressionada pelas maravilhosas invenções e as respectivas mudanças que acarretam, perdida no tumulto da velocidade, a mÃdia não consegue se encontrar. Não sabe a que veio. Segue as ondas, modas, senhas e, principalmente, a agenda imposta por interesses alheios aos seus. Agora vai encarar uma realidade que sempre disfarçou com os seus truques otimistas.
Previsão do tempo
Quantos comentaristas polÃticos pontificam nas páginas de jornais e revistas e em que página são publicadas suas transcendentais especulações? Nosso elenco de observadores da cena polÃtica é imenso, formidável em matéria de competência, bem pago, e aparece nas melhores vitrines da nossa mÃdia. Nada contra: são craques, responsáveis, e o público precisa ser permanentemente esclarecido diante da volatilidade polÃtica. Quase o mesmo acontece com os analistas de economia e negócios (sobretudo depois que a grande mÃdia decidiu transformar o brasileiro num "empreendedor").
E quantos especialistas em meio ambiente temos na grande mÃdia? Onde são publicadas as suas preocupações, suas advertências e qual a periodicidade? Não há termo de comparação e, no entanto, o mundo está seriamente ameaçado por riscos meteorológicos e socioeconômicos dificilmente reversÃveis causados pelas agressões à natureza – e, não, pelas agressões polÃticas ou ideológicas.
Quantos Washington Novaes temos na grande imprensa? Apenas o próprio, decano do jornalismo ambiental, que escreve uma vez por semana (sextas-feiras) na página 2 do Estado de S.Paulo. Há outros, claro, igualmente competentes, experientes, idealistas.
Não basta. O ambientalismo deve infiltrar-se nos aquários onde se processam as decisões editoriais, nas redomas dos editorialistas e também nos gabinetes onde são tomadas as decisões de mercado capazes de mudar a essência do processo jornalÃstico. A defesa da Natureza compreende uma percepção ampla sobre a natureza das coisas, dos sistemas e da humanidade.
A Rede Globo só há pouco conseguiu valorizar a previsão do tempo do Jornal Nacional, libertando-a da gangorra das máximas (no Norte-Nordeste) e das mÃnimas (no Sul-Sudeste). Compreender o clima é muito mais do que estender a mão além da vidraça para saber se será necessário sair com o guarda-chuva.
CombustÃveis e alimentos
Nossa mÃdia precisar esverdear ou, pelo menos, abrandar as cores da sua palheta. Dispensam-se as batas, batique, chinelos de couro cru, não é necessário trocar o look Hugo Boss pelo jeito hiponga. Basta a abrir-se à percepção ecológica. Antes de tudo, é preciso entender o significado da palavra ecologia, ciência que estuda a relação entre o homem e o meio ambiente. Depois disso, o resto é fácil.
A ecologia é uma ciência que não cabe numa editoria. Confiná-la a uma página num determinado dia pode ajudar, mas é insuficiente porque a ecologia está exigindo reflexões e desdobramentos em todas as áreas do conhecimento.
Na ânsia de aquecer o noticiário, nossa mÃdia deixou de lado o aquecimento global. Só acordou agora com a catástrofe anunciada. Preferiu a rotina, o chove-não-molha, abriu mão da sua capacidade de provocar questionamentos e insatisfações, perdeu o interesse pelas opções mais difÃceis, porém mais corretas.
Há cerca de dois meses, quando começou a discussão sobre a necessidade de acelerar o crescimento econômico, a mÃdia preferiu embarcar no falso dilema entre o desenvolvimentismo (representado pela ministra Dilma Rousseff) e o ambientalismo (representado pela ministra Marina Silva). Forçou um confronto que só existe na cabeça dos simplistas. Com raras exceções, optou pelo crescimento acelerado sem preocupar-se com a sua sustentação.
Auto-engana-se com a miragem dos biocombustÃveis e nem sequer acompanha devidamente o que está acontecendo no México, onde a repentina valorização do preço do milho para produzir etanol nos EUA tirou a tortilla da mesa dos mexicanos pobres que fazem dela o seu prato de resistência.
Os agrocombustÃveis serão sempre mais atraentes em matéria ambiental do que os combustÃveis fósseis, mas é preciso lembrar que quanto mais terra for destinada a movimentar a frota de veÃculos menos terra sobrará para produzir alimentos.
Ãmpeto arrefecido
A mÃdia não está preocupada com tais sutilezas, suas opções são elementares, ela gosta do básico. Descobriu Adam Smith com 200 anos de atraso e está felicÃssima com a façanha. Nem os habituais denunciadores dos "complôs da mÃdia" perceberam que a mÃdia está perdendo o bonde da história e que eles viajam no reboque. Engajados no mesmo delÃrio do crescimento preconizado por uma parte do governo não se interessam por traumas, choques ou emergências. Precisam de culpados, desde que não seja o petróleo dos caudilhos amigos.
Viciada em anabolizantes, a mÃdia ficou chocada com a proximidade do apocalipse preconizada pelo painel da ONU. Rádios e telejornais na sexta e jornais de sábado pareceram frenéticos. No domingo, sossegaram: muitos veÃculos preferiram ir à praia. Nesta segunda-feira (5/2), apenas a Folha de S.Paulo considerou o anúncio da catástrofe iminente merecedor de destaque na primeira página pelo terceiro dia consecutivo.
Assim caminha a humanidade.
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OBSERVATÃRIO DA IMPRENSA NA INTERNET
MÃDIA & MUDANÃA CLIMÃTICA
O planeta está com febre alta
Ulisses Capozzoli
Se o leitor estiver entre aqueles com sentimento de culpa por tomar um banho quente, temeroso de consumir energia e contribuir para o aquecimento global, aqui vai uma sugestão: relaxe.
Relaxe porque o problema é muito maior que sugere uma preocupação meramente pessoal e não tem como ser resolvido de maneira simplista. Relaxe, mas não se omita nem se aliene. Essa talvez seja uma sugestão mais razoável. E relaxe especialmente porque, por trás das manchetes garrafais das edições dos jornais de sábado (3/2), há uma boa dose de sadismo, coisa que, com freqüência maior do que estamos dispostos a acreditar, transborda das redações para as edições diárias. E nos pegam logo no café da manhã, a cada santo dia.
Na versão sádica dos jornais – com contribuição e endosso de economistas – as coisas dão errado até quando dão certo. Imaginem se já começam complicadas.
Aquecimento planetário
No caso do aquecimento global, assunto que ocupou as manchetes das edições do sábado em todas as redações do mundo, aqui – ao menos em parte – o sadismo se explica pelo fato de parcela dos leitores ter sido tomada de surpresa. "Mas o negócio é tão feio assim?", disseram, com esta frase ou o equivalente dela.
"à feio sim", pode-se concordar. E se parcela dos leitores não sabia disso é porque o jornal que lêem não os informou. O que significa dizer que certos jornais, além de não embrulharem mais peixe nas feiras livres, também não servem para informar seus leitores.
Desde o primeiro encontro para discutir mudanças climáticas – organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Berlim, em 1994 – as modelagens sugerem a essência do que foi dito no relatório divulgado na sexta-feira (2/2), em Paris, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), com 2.500 climatologistas de 130 paÃses.
Diretores de jornais mais apegados à memória que à inteligência, em parceria involuntária com repórteres encantados com o próprio umbigo, no entanto, sustentaram durante boa parte deste tempo a versão que o aquecimento seria um processo natural. E como quem enxerga fantasmas durante o dia, deram conotação ideológica a esta interpretação, o mesmo que fez George W. Bush.
Cultura cientÃfica
Aqui aparece, com toda clareza, a necessidade de os jornais terem seus suplementos semanais de ciência. Vivemos na sociedade da informação, onde informação é a matéria-prima fundamental. Por que os jornais que têm suplemento de turismo, telenovelas e fofocas sociais, informática e turismo não dispõem de suplementos de ciência?
A explicação tradicional é a dificuldade de anúncios. Mas, aparentemente, nos comportamos como o cachorro que corre atrás do rabo.
A boa edição que a Folha de S.Paulo fez no sábado, dia seguinte ao anúncio do relatório do IPCC, evidencia o que deve ser feito para abastecer a sociedade de boa informação cientÃfica.
Lamentável que o segundo grande jornal paulista, O Estado de S.Paulo, permaneça apegado à idéia de que economia e polÃtica – no que estas áreas têm de mais tradicional e limitado – sejam os dois únicos eixos de mundo. E como se – para terem a dimensão que de fato devam ter – não fossem profundamente permeados pela informação cientÃfica.
Especificamente no caso do aquecimento global, é preciso dizer que climatologia é uma área de fascinante complexidade, desautorizando quase sempre afirmações taxativas. Nesse caso, no entanto, um mÃnimo de profissionalismo e responsabilidade social deveriam levar à admissão de que mesmo que o aquecimento pudesse ter origem natural, deverÃamos nos preparar para agir no caso de a fonte ser antrópica, isto é, resultado de atividades humanas.
Agora que o consenso cientÃfico identifica o aquecimento como produzido pelo homem, é preciso refletir sobre o tempo perdido com preconceitos, negligências e o que se pode aprender com tudo isso.
Caos e oportunismo
Mas toda a confusão pode estar só começando. Grupos religiosos desejosos de caos e desorganização ainda não tiveram tempo de se preparar para promover a versão do fim do mundo e com isso faturar alto. Nada de novo, apenas retrocesso histórico.
Até Isaac Newton anunciar sua gravitação universal, em 1686, a igreja católica fez escândalo e badalou seus sinos a cada vez que um cometa se anunciou no céu. Cometas eram interpretados como sinal de guerra e pestes. Gente com a consciência pesada, o que existe em todas as épocas, correu para a igreja para doações capazes de lhes aliviar a alma. Religiosos aceitaram de braços abertos, ainda que anunciassem o fim do mundo.
Agora, com canais de televisão, um número aflitivamente crescente de estações de rádio, influência das seitas mais exóticas e algumas redações influenciadas pelo que existe de mais obscuro no pensamento contemporâneo – o Opus Dei –, o discurso do fim do mundo pode ser o próximo capÃtulo da novela ambiental.
Portanto, caro leitor – compreensivelmente preocupado com os danos que infligimos diariamente ao nosso lar cósmico com nosso consumismo desenfreado, desrespeito aos animais, fontes d’água e de tudo quanto é vivo e não vivo – relaxe e tome seu banho quente.
Depois, com calma, reúna seus amigos, vizinhos e suas energias. Arregace as mangas e se prepare para reagir.
Semear a terra
Não há garantia de que, mesmo com todo empenho, sejamos capazes de minimizar os danos dessa negligência. Mas ao menos morreremos em pé, preservando a dignidade, como fizeram lÃderes indÃgenas que Dee Brown registrou em Enterrem meu coração na curva do rio, livro sobre a destruição do mundo de nativos norte-americanos pela sanguinária ocupação da colonização.
De imediato, tudo o que cada um de nós pode fazer é, literalmente, plantar uma árvore. Na calçada frente sua casa, no jardim do prédio de seu apartamento, no sÃtio de um amigo. Em seu próprio sÃtio.
Observadores mais cÃnicos podem sorrir diante de iniciativa tão quixotesca. Mas um argumento simples é que, remexendo a terra, depositando a semente de uma árvore, de alguma forma estaremos semeando o futuro. Evidentemente que novas fontes de energia devem ser propostas, padrões irresponsáveis de consumo precisam ser urgentemente reconsiderados e governantes – com pressões crescentes da sociedade conscientizada – devem se esforçar para minimizar impactos sobre o ambiente: da queima de florestas tropicais à captura predatória dos oceanos de que não escapam baleias e tubarões.
Seremos capazes de desenvolver uma série infinita de idéias e criatividade enquanto acariciamos a terra e enterramos uma semente. Como relatam todos os livros sagrados e a ciência confirma, somos da mesma poeira que forma a terra e a ela retornaremos.
Enquanto isso seremos capazes de semear a vida e de resistir para que ela permaneça por gerações sem fim, ainda que um dia devamos deixar a Terra e buscar refúgio em outras estrelas porque a Terra pode ter sido atingida mortalmente por atitudes insensatas e irresponsáveis.
Fluxo da história
Nunca, em nenhum momento da história, fomos capazes de produzir um acidente de proporções tão destruidoras quanto a do aquecimento global. Mas chegamos perto de superar até mesmo este desastre maior. Quando a primeira bomba atômica explodiu, cientistas tiveram receio de que incendiasse a atmosfera. Com isto terÃamos nos antecipado a um aquecimento lento, ao menos em comparação com um incêndio nuclear. Escapamos das primeiras bombas e das que estiveram a ponto de explodir durante a Guerra Fria.
A criatividade humana é ilimitada mas, para que produza resultados, é preciso certa fermentação histórica, sÃnteses que se dão de forma coletiva e que nenhum historiador é capaz de identificar precisamente. Historiadores não têm como garantir, por exemplo, que acontecimentos como este possam ser deflagrados por algo que os chineses identificam com o bater de asas de uma borboleta. Um leve movimento, em algum lugar, é capaz de produzir resultados significativos em outro, do lado oposto do mundo.
Que o leitor tome seu banho quente em paz. Afinal, esta não é a razão principal do aquecimento do mundo.
2007-03-08 10:08:37
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answer #6
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answered by Anonymous
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