Estou cansado, é claro,
porque a certa altura a gente tem que estar cansado.
Do que estou cansado, não sei.
De nada me serveria sabê-lo,
pois o cansaço fica na mesma,
a ferida doi como doi, e não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
e um pouco sorridente de o cansaço ser so isto:
uma vontade de sono no corpo,
um desejo de não pensar na alma.
Muito tenho visto e muito tenho aprendido daquilo que tenho visto,
E hà até um certo prazer no cansaço que isso nos dà.
Porque afinal a cabeça, sempre serve para alguma coisa.
Fernando Pessoa
Meu estado de alma se identifica muitas vezes com este poema de F. Pessoa, aquele cansaço inexplicàvel que afinal é normal e humano e serve para nos por "os miolos " a funcionar.Espero que goste!
2007-03-05 11:38:58
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answer #1
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answered by Zau 3
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Este belo poema que vou postar aqui consta In Obra Poética: poemas completos de Alberto Caeiro que muitos sabem ser um dos herônimos de Fernando Pessoa.
A interpretação desse poema é belíssima e muito sentimental, pois após concluir a "feitura" de um poema o poeta despede-se de seus versos já que depois de publicados pertencem à humanidade, aos leitores que os lererm e apreciarem.
DA MAIS ALTA JANELA
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu nem sequer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide, de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
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O poeta sente razões para oscilar entre a tristeza e a alegria pois ao mesmo tempo que vai se separa de algo que criou, sabe que serão apreciados e, mesmo sendo de domínio público sempre lhe pertencerão.
As imagens flor e árvore e rio referem-se tanto ao fato de seus versos servirem para serem mostrados ao público como a flor, a árvore e a água, quanto para servirem de alimento para os olhos, a boca e o espírito.
O verso "Passo e fico, como o Universo." vem nos revelar as inquietações do poeta com a transitoriedade ( também a água do rio, que passa, mas a água é sempre "daquele rio", mesmo misturada a outras ) e a eternidade ( Universo, na época em que foi escrito o poema, era tido como algo eterno ).
Espero que tenham todos gostado. essa análise é minha e portanto, pode ser contestada, não é algo fixo ou definitivo. Poemas a gente sente. Eu senti assim, o que não significa que outros não possam sentir diferente.
Beijinhos.
2007-03-05 18:16:03
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answer #2
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answered by Belinha 7
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Pode ser Camões?
AO DESCONCERTO DO MUNDO
Os bons vi sempre passar no mundo
Por grande tormentos
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O mal tão bem ordenado
Fui mau, mas fui castigado,
Assim q só para mim
Anda o mundo consertado.
2007-03-05 18:06:36
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answer #3
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answered by Araguaia 6
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Dorme enquanto eu velo... deixa-me sonhar...
Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
Fernando Pessoa
2007-03-05 18:01:30
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answer #4
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answered by Herman 6
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amo Fernando Pessoa e a mais linda de todas é essa:
Onda que, enrolada, tornas,
Pequena, ao mar que te trouxe
E ao recuar te transtornas
Como se o mar nada fosse,
Porque é que levas contigo
Só a tua cessação,
E, ao voltar ao mar antigo,
Não levas meu coração?
Há tanto tempo que o tenho
Que me pesa de o sentir.
Leva-o no som sem tamanho
Com que te oiço fugir!
linda né?
2007-03-05 17:52:38
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answer #5
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answered by Srtª Plenilúnio 6
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Apreciou muitas, porém me identifico muito com esta...
A Outra
Amamos Sempre no Que Temos
AMAMOS sempre no que temos
O que não temos quando amamos.
O barco pára, largo os remos
E, um a outro, as mãos nos damos.
A quem dou as mãos?
À Outra.
Teus beijos são de mel de boca,
São os que sempre pensei dar,
E agora e minha boca toca
A boca que eu sonhei beijar.
De quem é a boca?
Da Outra.
Os remos já caíram na água,
O barco faz o que a água quer.
Meus braços vingam minha mágoa
No abraço que enfim podem ter.
Quem abraço?
A Outra.
Bem sei, és bela, és quem desejei...
Não deixe a vida que eu deseje
Mais que o que pode ser teu beijo
E poder ser eu que te beije.
Beijo, e em quem penso?
Na Outra.
Os remos vão perdidos já,
O barco vai não sei para onde.
Que fresco o teu sorriso está,
Ah, meu amor, e o que ele esconde!
Que é do sorriso
Da Outra?
Ah, talvez, mortos ambos nós,
Num outro rio sem lugar
Em outro barco outra vez sós
Possamos nos recomeçar
Que talvez sejas
A Outra.
Mas não, nem onde essa paisagem
É sob eterna luz eterna
Te acharei mais que alguém na viagem
Que amei com ansiedade terna
Por ser parecida
Com a Outra.
Ah, por ora, idos remo e rumo,
Dá-me as mãos, a boca, o ter ser.
Façamos desta hora um resumo
Do que não poderemos ter.
Nesta hora, a única,
Sê a Outra.
2007-03-06 14:50:11
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answer #6
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answered by Anonymous
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