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SUMULA VINCULANTE
Veja a definição de:
Ronaldo Rebello de Britto Poletti
Por que a "Súmula Vinculante" é o sumo do absurdo?
Em primeiro lugar, porque a expressão não poderia ser pior. Caricatura da regra do stare decisis et quieta muovere do direito anglo-saxônico, a súmula vinculante é uma contradição em seus próprios termos. As duas palavras são incompatÃveis. O enunciado de uma súmula de orientação jurisprudencial será sempre um resumo e, como tal, não faz sentido que venha a vincular julgamentos futuros. No Common Law o vÃnculo aos precedentes se dá em função da ratio decidendi, vale dizer dos fundamentos da decisão e não de sua mera conclusão. Se houver vÃnculo, não pode ser súmula. Se for súmula, não pode vincular.
Os defensores da súmula vinculante parecem não levar em conta a origem da Súmula da jurisprudência predominante dos tribunais.
O anteprojeto do Código de Processo Civil da lavra do Professor Alfredo Buzaid (8 de janeiro de 1964), na ocasião em que visava a supressão de recursos (especialmente do recurso de revista nos tribunais estaduais e dos embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal), propunha, com a atenção voltada para aquela Corte, a criação de um novo sistema de uniformização de jurisprudência. Qualquer ministro poderia solicitar a manifestação prévia do tribunal a respeito de interpretação de preceito da Constituição ou de lei federal, quando viesse a verificar a possibilidade de divergência, ou quando na decisão recorrida a interpretação de preceito constitucional ou legal tivesse sido diversa da que lhe haja dado outro tribunal. Reconhecida a divergência, o tribunal daria a interpretação da norma jurÃdica e, sendo ela tomada pela maioria absoluta dos membros efetivos do tribunal, seria obrigatória, enquanto não modificada por outro acórdão proferido nos iguais termos. Então, o presidente do tribunal baixaria um assento, que teria força de lei em todo o território nacional. (Arts. 516/520 do anteprojeto, conforme publicação no Código de Processo Civil cit. da Saraiva, 1967)
O Código de Processo de 1973 manteve o objetivo de chegar-se a uma uniformização de jurisprudência, porém não consagrou a idéia do assento obrigatório, como se fosse lei, rejeitada pela opinião pública e dos doutos. Em seu lugar estabeleceu que o julgamento, naquelas circunstâncias, "será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência" (art. 479, caput) e que "os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência dominante" (art. 479, parágrafo único).
A Súmula já existia no SupremoTribunal Federal desde 1963. Naquele ano, aprovou-se, no dia 28 de agosto, uma emenda ao Regimento Interno da Corte, que a criava. A Súmula do Supremo Tribunal ou, simplesmente, Súmula, foi organizada pela Comissão de Jurisprudência e aprovada na sessão plenária de 13 de dezembro daquele ano para vigorar a partir do reinÃcio dos trabalhos do tribunal, em março de 1964.
Na explicação preliminar da primeira publicação (janeiro de 1964) da Súmula (os acréscimos seriam divulgados pelo Diário da Justiça, em três publicações consecutivas, procedendo-se do mesmo modo quanto à s alterações e cancelamentos), subscrita pela Comissão de Jurisprudência integrada pelos Ministros Gonçalves de Oliveira, Pedro Chaves e Victor Nunes Leal (seu relator e, provavelmente, o idealizador da novidade), é possÃvel encontrar alguns esclarecimentos importantes.
Lá está escrito, por exemplo, que "O Supremo Tribunal Federal tem por predominante e firme a jurisprudência aqui resumida, embora nem sempre tenha sido unânime a decisão nos precedentes relacionados na Súmula. Não está, porém, excluÃda a possibilidade de alteração do entendimento da maioria, nem pretenderia o Tribunal, com a reforma do Regimento, abdicar da prerrogativa de modificar sua própria jurisprudência. Ficou, assim, explÃcito que qualquer dos Ministros poderá 'propor ao Tribunal a revisão do enunciado constante da Súmula'." E, também, que "Sempre que o Plenário decidir em contrário ao que constar da Súmula, será cancelado o enunciado correspondente, até que de novo se firme a jurisprudência no mesmo ou em outro sentido. Em matéria constitucional, o enunciado será substituÃdo pelo que resultar da decisão divergente, desde que tomada por seis votos ou mais."
A Súmula, posto que abrisse uma fenda pequena no sistema romanista e refletisse uma conseqüência da adoção temperada do modelo constitucional dos Estados Unidos da América, não era propriamente uma concessão plena ao Common Law, apesar da inequÃvoca influência deste sistema. Sua finalidade era a de "proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes".
Estávamos longe dos desdobramentos e das propostas hoje em discussão no Brasil sobre o efeito vinculante.
A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, criou a representação do Procurador-Geral da República não apenas para argüir a inconstitucionalidade de lei (ação direta de inconstitucionalidade), como também para a interpretação de lei, em abstrato, pelo Supremo Tribunal Federal. Essa representação para "interpretação" já não existe mais. Em compensação, uma emenda constitucional de 1993 criou a ação direta de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, cuja decisão do Supremo Tribunal produzirá eficácia contra todos e terá efeito vinculante. E, agora, tem-se discutido a proposta de estender a idéia da vinculação, vale dizer a obrigatoriedade da tese das decisões de algumas matérias, aos graus inferiores de jurisdição, a critério dos tribunais superiores, o Supremo Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça. Não é, certamente, uma capitulação ao Common Law, porém indÃcio de sua influência consubstanciada em uma caricatura.
De uma certa forma, o problema resulta de uma tensão, que teve inÃcio com a República. Adotamos, então, lapidada pela inefável pena de Rui Barbosa, uma Constituição que, embora com desvios e distorções formais, adotava o modelo dos Estados Unidos da América. Rui, cultor do direito público inglês, assumira também o direito americano. O sistema constitucional não se adequava à s nossas tradições romanistas. Tal descompasso tem gerado problemas, que agora se exacerbam na proposta da súmula vinculante, quase uma traição à s nossas mais caras origens culturais, não fosse ela, como já se disse, uma mera caricatura, idéia que vem funcionando como uma cortina de fumaça a encobrir os graves problemas da crise da função jurisdicional no Brasil.
Qualquer concessão, mesmo superficial, às práticas do Common Law, ou que dele se aproximem, agrava aquela tensão entre o sistema jurisdicional importado em 1891, ainda vigente, e as nossas origens culturais.
Não se trata de condenar o direito e a prática originários dos ingleses e adotados, como subsistema nos Estados Unidos da América, mas de evitar a tentação do seu transplante para o Brasil.
A crise da justiça no Estado brasileiro só encontrará solução se tomarmos consciência do nosso próprio ser. A palavra crise, aliás, tem igual étimo grego de conhecer, discernir, julgar. Quem está em crise tem dificuldade de identificar-se e de encontrar o caminho que lhe é próprio, decidindo a respeito com base em sua maneira de ser e não com alienação de seu atributo de sujeito condutor do seu destino e da sua história. Toda crise é de auto-conhe cimento e de desorientação.
Adotar a súmula vinculante significa não somente afastar-se do sistema brasileiro, como fugir da direção que as nossas raÃzes culturais apontam. à desorientar-se.
Não devemos, nem podemos, fugir dos princÃpios inerentes a nossa tradição jurÃdica, enraizada em nossa cultura. A adoção da súmula vinculante, mal disfarça a influência anglo-saxônica em nosso direito, a que usa expressões americanófilas ou inglesas, como civil law, leading case, ou que vai buscar na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, nos volumes inúteis (para nós) do Corpus Iuris Secundum, os fundamentos para as decisões de nossos tribunais.
A súmula vinculante induz a um direito judicial, lastreado na orientação jurisprudencial dos tribunais, desta feita da cúpula do Judiciário, enquanto o nosso direito é processual. O juiz julga segundo as leis e não a sua bondade (secundum leges non de legibus). Não se deve julgar de acordo com os precedentes, mas de acordo com as leis (non exemplis sed legibus iudicandum sit). A norma é anterior à sentença, não decorrente dela. Não compete ao órgão jurisdicional dizer o direito em tese, mas compor conflitos de interesse. O juiz declara a vontade da lei, que não emana da sentença, porém do momento em que se dá a sua violação. A vontade da lei preexiste à decisão judicante.
O que caracteriza o direito é a interpretação. Não há direito sem interpretação. A regra do efeito vinculante inibe a interpretação do direito pelos seus aplicadores.
Tais colocações não representam qualquer adesão ao positivismo legalista, mas decorrem da dogmática que há séculos vem sendo construÃda, com bases doutrinárias.
E, por último, porém não o derradeiro (the last, but not the least) o argumento da piada do almirante português, que a fraternidade com nossos irmãos lusos, nossos maiores, nos permite, sem ofensa, lembrar. O almirante recebeu uma ordem para bombardear a esquadra inimiga e respondeu que não tinha condições para cumpri-la. Arrolou muitos argumentos: as condições atmosféricas desfavoráveis, a velocidade dos navios inimigos, a falta de adestramento de sua tripulação, e assim foi apresentando novecentos e noventa e nove argumentos até o milésimo: "não tenho pólvora".
A súmula vinculante simplesmente não resolve nada, nem mesmo para esvaziar as estantes e os corredores dos tribunais superiores, porque os juÃzes não poderão ser impedidos de julgar contra a súmula vinculante (a não ser que se crie algum crime ou sanção administrativa!). Teremos novos recursos para aqueles tribunais, talvez reclamações, e a ciranda de apelos e de juÃzos de admissibilidade, de agravos de instrumento, de discussão de natureza lógica processual, de agravos regimentais, de embargos declaratórios, tudo como agora no tocante ao extraordinário e ao especial.
A súmula vinculante não representa uma medida para a solução dos problemas da justiça.
RONALDO REBELLO DE BRITTO POLETTI é advogado, professor da UnB e ex-Consultor-Geral da República.
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2007-03-01 07:24:57
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answer #3
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answered by Anonymous
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