Fundamentos filosóficos dos livros didáticos elaborados por Ratke, no século XVII
Sandino Hoff
Universidade do Contestado
RESUMO
Apresenta uma visão geral sobre a pedagogia de Wolfgang Ratke (1571-1635), explorando, especificamente, os fundamentos filosóficos que orientaram o conteúdo e a forma de seus livros escolares. Analisa o princípio da harmonia entre a revelação, a natureza e a ciência, a preocupação com as disposições naturais nas crianças e o método que, no caso da confecção de manuais, resulta em textos de formato uniforme a seguir a ordem da natureza. Em Ratke, os aspectos filosóficos – a ciência – são de ordem geral; mas o método de ensino – a arte de ensinar – parte da lição de coisas.
Introdução
Este artigo apresenta um esboço sobre a pedagogia de Wolfgang Ratke (1571-1635) e os fundamentos filosóficos que nortearam os conteúdos e as formas dos livros didáticos elaborados por esse pedagogo alemão. O princípio básico refere-se à harmonia que estabeleceu entre fé, natureza e ciência e está contido em todos os seus livros escolares, de formato uniforme. Nesses livros encontra-se não somente um ensino que segue o curso da natureza, mas também o comportamento do aluno, que deve ter sua psicologia natural reconhecida.
Inicialmente, serão expostos alguns aspectos da pedagogia ratiquiana, considerando que seus estudos antecipam os de Comênio, este mais conhecido no Brasil. Sua obra perpassou os tempos, com sucessivas publicações de seus escritos.
Realizei estudos sobre o pensamento de Ratke, tendo sempre por lema a sua inserção no ser temporal-histórico, articulando suas idéias com a produção material das manufaturas e a permanência de seus aspectos pedagógicos em tempos atuais, inquirindo o que de passado está presente na atualidade. O tema deste estudo compõe-se com a mesma base, elucidando sua pedagogia e analisando os fundamentos filosóficos de seus livros escolares e didáticos.
A obra pedagógica de Ratke
O trabalho pedagógico de Ratke começou com o lançamento do Memorial de Frankfurt, em 1612, um pequeno texto que causou muita polêmica, a ponto de o autor ver-se obrigado a complementá-lo com dois esclarecimentos, estes muito mais extensos do que o próprio Memorial. O texto contém basicamente três idéias: a) uma reforma do ensino das línguas; b) uma reforma da instrução pública; c) uma reforma da vida política e religiosa na Alemanha.
Essas três idéias principais indicam, também, significados correspondentes mais amplos. A primeira idéia erige a língua materna1 como a língua das ciências e das artes, em lugar do latim, propondo que os idiomas estrangeiros só devem ser ensinados após o aluno falar e ler corretamente a sua própria língua. O alcance dessa medida subordina o antigo domínio do latim à língua vernácula e, conseqüentemente, o monopólio feudal-eclesiástico à cultura e à realização de uma educação nacional e burguesa global. O outro ponto, o da reforma educacional, propõe a universalização do ensino através de uma "escola alemã" ou de um de sistema nacional de ensino. Essa escola deveria instruir todos os jovens, de ambos os sexos, nas ciências e nas artes. O último ponto se refere à relação entre a educação e a sociedade. O Memorial de Frankfurt insere-se nas lutas político-religiosas da época, prometendo um programa educacional em prol da unidade política, cultural e religiosa da Alemanha.2
Antes de se dirigir a Amsterdam, Ratke teve contato com os escritos de Francis Bacon, em Londres. Os aforismos contidos no Novum Organum do sábio inglês objetivavam um ensino que evitasse o trabalho penoso das crianças e um método que fizesse o aluno observar a realidade, ser um intérprete da natureza e, na aprendizagem, obedecer ao curso da natureza. Ratke, ao ler o escrito de Bacon, sentiu a necessidade de elaborar um método que auxiliasse o trabalho docente e fosse um instrumento da mente a facilitar o ensino dos alunos. Assim, em seus próprios aforismos, ele prescreve um ensino "sem coação e constrangimento, por ser contra a natureza"; estabelece que a aprendizagem e os livros didáticos devem seguir "a ordem e o curso da natureza". Seu método institui "não mais do que uma matéria por vez", "uniformidade em todas as coisas", "primeiro a coisa, depois a explicação da coisa". Acrescenta: "tudo deve ser ensinado na língua vernácula" (Ratke, 1617, p. 1).
Em Amsterdam, Ratke permaneceu nove anos estudando e trabalhando como mestre-escola. A vida na florescente cidade universal, com seu animado comércio e suas manufaturas, entusiasmou ainda mais seu pensamento para criar uma nova arte de ensinar que, ao lado da instrução humanista em vigor, ministrasse as ciências naturais e as ciências das coisas. Aprendeu o significado das condições econômicas para o desenvolvimento de uma coletividade e preparou-se para criar um método de ensino fácil, útil e rápido. Sua estada em Londres e Amsterdam forneceu-lhe material de observação suficiente para poder convencer-se de mudanças profundas que deveriam ocorrer também na Alemanha, na vida social e na prática educacional.
Quando realizou as primeiras práticas escolares, sofreu reações a seu método. Dois sábios, Jung e Helvic, estudaram a arte de ensinar e a defenderam em um relatório:
Todas as artes e ciências - como a arte de ensinar a história, as ciências naturais, medicina, astrologia, figuras, peso, pedras, construção, arte da fortificação, etc. - serão ensinadas mais facilmente, mais corretamente e melhor difundidas na língua alemã do que no grego, latim ou árabe. [...] A nação alemã ficará melhorada através da língua nacional. [...] A nova arte de ensinar só poderá entrar na vida concreta quando os livros de ensino, correspondentes a cada língua, arte ou ciência, forem elaborados e divulgados. (Jung & Helvic, 1612, p. 2)
Ratke compôs o seu sistema pedagógico observando o exemplo holandês: o uso da língua materna em todos os níveis escolares. Alguns príncipes, como Luís de Coethen, aprenderam o mesmo plano na França e na Itália. Da alta valorização da língua materna nasceu também uma visão de mundo idealizada, humanista e patriótica. Luís de Cohen, o duque João Ernesto e a condessa Dorotéia Maria criaram a Sociedade Frutuosa, nos moldes das Sociedades de Línguas de Amsterdam, de Delle Cruscia em Florença e dos Amigos do Senso Alemão em Hamburgo, cujos objetivos eram manter a língua pátria em sua pureza (Rioux, 1963, p. 31). Defendiam o uso da língua vernácula, baseado nos objetivos nacionais e burgueses.
Nascido na província de Holstein, Ratke passou sua juventude na livre cidade hanseática de Hamburgo e firmou ali, na burguesia, sua posição política. Em Amsterdam aprendeu as livres condições de vida de uma burguesia autoconsciente e saciada. Observou em forte medida como ocorrem as relações entre os homens e entre países nas condições econômicas internacionais; como o comércio e a manufatura transformaram totalmente as condições da Europa Central; e como a burguesia alcançou as liberdades civis. Entendeu que a racionalidade das relações sociais era uma garantia para se ultrapassar as limitações, os obstáculos e as fronteiras. Tudo bem ao contrário do que encontrou no seu retorno à Alemanha.
Na Holanda, uma parte das rendas da antiga Igreja havia sido desviada para a manutenção de escolas públicas. Os governantes criaram um sistema de escolas comuns para as massas populares e de escolas clássicas para meninos que queriam ingressar na vida profissional (Hohendorf, 1957, p.14). As lutas em prol da unificação da nação alemã e em prol de uma educação nacional em língua vernácula apresentaram-se em Ratke como princípios básicos para sua nova arte de ensinar.
A Ratio Studiorum fazia sucesso na Europa e conquistava a juventude, atraindo-a aos bons colégios jesuítas, o que fortalecia a escolástica, reformando-a. O movimento político-religioso da Contra-reforma conquistava novos principados na Alemanha, anteriormente pertencentes aos príncipes luteranos, e com a Guerra dos Trinta Anos, quando o luteranismo se defendia com as armas, a linha de força da Reforma empenhava-se na renovação religiosa (Rioux, 1963, p.18). A formação cristã tornou-se, então, o mais importante objetivo da educação, a fim de que, como Ratke acentuou várias vezes, nenhum cristão recaísse no antigo, isto é, na Igreja do papa. A formação do indivíduo o tornaria forte na escritura da Bíblia e impediria que recaísse no missal: "Quando todos os alemães falarem a língua corretamente e lerem os textos bíblicos na fonte, o velho ensino católico e apostólico poderá livrar-se do que é falso e tornar-se puro e único em todo o império" (Ratke, 1630, p. 2).
Nesse momento, Ratke considera que a estrutura escolar do luteranismo precisava ser renovada, pois negligenciava as realidades concretas, a começar pela língua alemã. Estava convencido de que a educação somente teria sucesso se utilizasse um método por ele considerado prático, útil e fácil.
Ramus3, a partir de 1536, depois de ter elaborado sua tese denominada Tudo o que disse Aristóteles é falso, exigiu que a instrução pública se voltasse contra os métodos medievais. Utilizando a língua materna, a educação deveria partir das experiências e de procedimentos reais. Tem-se também, nessa perspectiva, Erasmo, Vives e Rabelais. Seguindo esses pensadores, Ratke instituía um ensino concreto e simples, que não permitia dar ao aluno nenhuma regra antes de ter estudado e entendido a matéria e a língua dos autores em estudo. Fundamenta toda a aquisição do saber na experiência. Os fundamentos filosóficos de sua didática constituem-se pela classificação de todos os fenômenos naturais e culturais que ele denomina Allunterweisung (O ensino de tudo ou O ensino de todas as ciências ou ainda Enciclopédia). Esta obra foi dividida em partes, de acordo com os programas de ensino. Ratke seguia Bacon e Ramus. Para concretizar seu método de didática, começou a elaborar livros didáticos.
Para que se tenha uma pequena idéia sobre a obra pedagógica de Ratke, apresentarei resumidamente algumas de suas propostas de práticas pedagógicas:
"Nenhuma criança sem escola" e "Aprender é fácil" foram dois lemas seus que apareceram em muitos escritos e impulsionaram toda a sua obra. O pedagogo alemão forneceu sua pedagogia para que Kromayer pudesse elaborar o Regulamento escolar de Weimar, em 1616. O Regulamento utilizou o meio de comunicação mais importante da época:
É dever do pastor anunciar do púlpito o início das aulas e citar o nome de todas as crianças em idade escolar. [...] Todas as crianças e todos os jovens devem com toda a seriedade ser mantidos na escola. Os pastores e os professores devem esforçar-se para que nas aldeias e nas cidades todos aprendam a ler, escrever e contar. É obrigação do Estado e dever de toda a comunidade. (Kromayer,1972, art. 1º)4
Os objetivos de Ratke apontam para três dimensões articuladas: as funções do Estado, a organização da escola e a arte de ensinar. Em relação à primeira dimensão, afirma caber ao Estado a organização e a manutenção da escola pública, obrigatória, gratuita e unitária. Isso inclui a impressão e a distribuição gratuita de livros escolares, a concessão de bolsas de estudo às crianças pobres e a preocupação com a formação dos professores.
Em relação à segunda dimensão, o compromisso com a educação universal exigia a diminuição dos custos; por isso a escola deveria utilizar o seu método de ensino e os seus livros didáticos.
Em relação à arte de ensinar apresenta: o reforço das lições nas sextas-feiras, a utilização do método intuitivo (lição de coisas), a profissionalização para os empregos, a utilidade prática dos ensinos escolares e o ensino através do livro didático.
Os livros didáticos e escolares
Aos esforços de Ratke para introduzir um elevado sentido à educação pública geral e fazê-la efetiva para grandes massas, somam-se também seus trabalhos como editor e estimulador de livros didáticos e escolares. É com razão que se diz que o grande aperfeiçoamento com que ele sonhava para a sua pátria, tendo em vista a ruína que trouxeram as guerras religiosas, pode ser demonstrado pela confiança heróica e ingênua que atribuía ao vigor e ao poder do livro. Hofmann (1974) resume:
O que Comênio, em sua oração significativa "Sobre o Tratamento Correto com Livros, Instrumento Principal da Educação", que no ano de 1650 apresentou a Saros Patak, elogiando o "poder e o sublime" dos livros, esse presente divino para o espírito humano, vale também para Ratke. (p. 3)
Também para Ratke vale a tese de que as escolas estão mortas quando não forem vivificadas através do livro, que Comênio considerava a "alma das escolas". O livro adquire posição central na obra de Ratke e ele próprio elaborou um conjunto de livros didáticos que, conforme seu objetivo, seu conteúdo e sua "anatomia espiritual", espelha uma global preocupação pedagógica com todos os seus fundamentos filosóficos.
A impressão de livros nos anos de 1619 a 1622 resultou num conjunto que recebeu o nome de Enciclopédia, publicada com o apoio do Principado de Cöthen. É o seu Allunterweisung, anteriormente citado. O príncipe deu todas as condições para que se editassem tais livros escolares constantes da herança de Gotha e do curso elementar, em forma de tabelas. Para tal, obteve a colaboração de amigos e professores da época.
Os séculos XVI e XVII produziram muitos livros escolares. A originalidade de Ratke consistiu na confecção de textos em língua vernácula, elaborados conforme um firme princípio: todos eles de acordo com um método uniforme, rigoroso e planejado. Especificamente, Ratke determinou um duplo aspecto: os textos escolares deviam ser fortemente exatos, de acordo com o curso da natureza, a fim de apresentar-se de forma científica em todas as séries escolares, e deviam ser de conteúdo nítido, facilmente assimilável e utilizado comodamente em sala de aula. Cuidou que não fossem muito densos e volumosos. Para ele, o professor deveria ter uma formação global das ciências e um domínio sobre a disciplina de seu ensino. Dessa forma, não haveria necessidade de detalhar os conteúdos dos livros escolares, deixando espaço para a criatividade do mestre-escola. O pedagogo alemão revelou todas as vantagens que um livro didático podia oferecer ao ensino e captou também que um manual volumoso podia tirar a iniciativa e a compreensão geral do mestre-escola. Este perigo revelou-se de constante preocupação nos séculos seguintes. Em contrapartida, o professor devia planejar bem suas aulas e seguir rigorosamente o tempo previsto; além disso, não poderia, de forma nenhuma, ir além ou aquém do conteúdo programado.
Para Ratke, o conhecimento científico provém, em primeiro lugar, da revelação: tudo o que está na natureza e fora dela provém da revelação e o alcance desse conhecimento se dá por meio da "graça de Deus". As coisas do mundo, porém, são entendidas por meio da "luz da natureza".
Os princípios que orientam a elaboração do livro didático
A harmonia entre a revelação, a natureza e a ciência
Em seus princípios teóricos, captados do período de trabalho em Cöthen, Ratke fez distinção entre "ensinos" e "arte de ensinar": os primeiros incluem conteúdos extraídos de uma totalidade enciclopedicamente organizada de conhecimentos, e a segunda, de uma teoria que configura o processo pedagógico. Em outros termos, os "ensinos" são compostos com base na estrutura global das ciências e da filosofia; e a arte de ensinar relaciona-se com normas e métodos extraídos das idéias de harmonia entre a fé, a natureza e as línguas.
A doutrina pedagógica de Ratke sofreu influência de idéias do século precedente e traduziu uma filosofia que assegurava sua perenidade, que buscava a superação do aristotelismo e que fundava uma unidade entre a filosofia e a ciência da natureza. Paracelso (1493-1541), Gassendi (1592-1655), Nicolau de Cusa (1401-1464) e Giordano Bruno (1548-1600) definiram a filosofia da natureza. Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630) e Galileu (1564-1642) dedicaram-se à ciência da natureza. Na época de Ratke, no entanto, ainda não se separava a filosofia da ciência.
O princípio da harmonia do ensino, de acordo com a natureza, Ratke desenvolveu investigando os escritos de Franciscus Valesius e de Lambertus Daneus. A idéia de harmonia do ensino já se encontrava exposta num grande número de pensadores anteriores, como em Vives e Policiano5. As poucas influências que Ratke assumiu em seus escritos indicam, também, Alstedt (1588-1638), seu contemporâneo e amigo, que se dedicou aos estudos da concepção harmoniosa do universo.
Os livros escritos por Ratke contêm títulos específicos, mas quase todos os subtítulos de seus livros aparecem iguais: "Extraído da Santa Escritura, da natureza e das línguas, em harmonia com a fé, a natureza e as línguas". Assim, a didática é justificada e todos os instrumentos de ensino são fornecidos pela escritura santa e pela natureza. Nos aforismos, contidos nos Artigos, as breves determinações para a aprendizagem terminam com as palavras: "tudo em harmonia", acentuando que o fracasso ocorre no ensino porque não se presta atenção à harmonia dos conhecimentos e das línguas.
Ratke elaborou uma organização de ensino em que se completam mutuamente as ciências naturais, a filosofia, as línguas e a revelação divina. O indivíduo, com sua razão e sua vontade, deverá conhecer tudo claramente na harmonia estabelecida entre a revelação e a ciência. A organização didática e todas as atividades humanas serão orientadas pela natureza e por Deus, porque tudo depende dele. Dessa maneira, a educação escolar:
Assegura a salvação particular de cada um. [...] A arte de ensinar permite a cada pessoa chegar rapidamente a um saber suficiente sobre o fundamento e a origem de sua crença, para não ser facilmente enganada pelo erro. Através do Método, cada pessoa pode ser mais facilmente levada ao império de Deus e liberta da goela de seu mau inimigo. (Ratke, 1617, p. 2)
Há uma missão na obra de Ratke. No decorrer de sua atividade educacional, ele manifesta o chamado de Deus para a missão. Em seu livro Breve relato sobre a grande utilidade da arte de ensinar, escrito em 1624, afirma: "Deus me deu a graça de poder mostrar aos homens de fé uma maneira proveitosa de ensinar, aprender e perpetuar as línguas e as artes" (Ratke, 1624, p. 20).
Ao se traçarem alguns pequenos pontos que explicitam um pouco a trajetória do pensamento renascentista para o moderno, tem-se a percepção de que o homem renascentista descobriu a natureza e a considerou como o espaço de sua ação. Para apreendê-la, utilizou a observação permanente, especializada e apurada, a fim de que pudesse classificar e organizar as ciências e alimentar de informações as novas disciplinas escolares. Através de sua percepção, a natureza do fenômeno observado pode ser intuída pelo observador. Os renascentistas aprisionaram o mundo e o descreveram através da literatura e o figuraram através da pintura. Consideravam que as artes continham um ideal a ser seguido, qual seja: a visão de um mundo de absoluta harmonia entre as coisas da natureza e entre esta e o homem. Na visão de Ratke, são os atributos divinos que se manifestam na natureza e no ser criado por Deus. Vinculando um saber de valores divinos e de ação ético-social, o luterano Ratke pauta toda a ação do indivíduo pelas normas estampadas no livro da natureza e da escritura, fonte genuína do conhecimento. Segundo Ratke, todas as ciências se organizam num corpo unitário, de modo que as proposições científicas ficam interconectadas não só no formal ou no sintático, mas também no sentido material e cognitivo. As verdadeiras proposições são as científicas, intimamente ligadas às religiosas.
De seus escritos pedagógicos pode-se tirar um resumo provisório para se entender os princípios que regem sua arte de ensinar: o ensino escolar baseia-se num amplo e harmônico conjunto de saberes, refletido nos textos sacros, na natureza e nas línguas e sistematizado numa perspectiva pedagógica em que a arte de ensinar proporciona o ensino de partes até se chegar ao conjunto da certeza e da verdade.
A primeira medida a ser tomada é a adequação da didática ao curso da natureza e sua utilização no ensino da juventude: "A correta utilização e o curso da natureza exigem que a cara juventude aprenda a ler bem e a falar correntemente na língua materna que, para nós, é o alemão" (Ratke, 1617, p. 1) "Seguir o curso da natureza" é uma expressão que consta em todo o momento nos escritos de Ratke. No entanto, ele não julga necessário definir o que significa essa expressão, muito menos explicitá-la. Não se encontra em seus escritos nenhuma exposição das teorias que utilizou, com exceção de autores bíblicos e de alguns pedagogos antigos, principalmente Quintiliano.
Na primeira parte do relatório a favor do método de Ratke, os autores Jung e Helvics criticaram o método tradicional porque se opunha à natureza e ao espírito da criança. Explicitaram o que, na prática educacional tradicional, não seguia o curso da natureza: a) as crianças passavam as horas do dia sobrecarregadas, coagidas; b) os livros de classe não possuíam homogeneidade e eram compostos em latim; c) as crianças deviam realizar explicações sobre dialética e retórica, que ainda não estudaram; d) as crianças aprendiam de cor, sem compreender; e) as crianças traduziam textos do alemão para o latim, em vez de traduzirem o latim para a língua alemã. Esses pontos eram falhos na educação escolar da época porque se opunham ao curso da natureza (Jung & Helvic, 1612, p. 26).
As críticas à arte de ensinar de Ratke não diminuíram com a publicação desse Relatório. Ainda no mesmo ano, outros professores amigos redigiram um suplemento para o Relatório. Nele afirmam que o método de Ratke é um meio pedagógico de aperfeiçoamento natural, redigido de acordo com a natureza, em vista de um mundo melhor. Acrescentam: "uma melhoria do mundo e da vida geral do povo só pode vir da escola e pela escola" (Gualter et al., 1963, p.37).
A observação das disposições naturais nas crianças
As tendências das crianças e suas aptidões intelectuais são importantes para a aprendizagem. Ratke considera que não somente se deve acionar as ações do indivíduo, mas também levar em conta as suas reações às questões postas ou às sanções aplicadas. Na Orientação geral sobre a arte de ensinar, entre vários assuntos abordados, ele se refere ao ensino em sala de aula e escreve que é preciso:
Perceber com precisão as disposições naturais das crianças; aprender a aprová-las e a diferenciá-las. [...] Não se pode fazer desenvolver numa pessoa a disposição natural da mesma maneira que numa outra. O preceptor deve estudar a maneira de cada aluno se comportar. (Ratke, 1877, p.591)
Vives cuidava para que fosse feito o estudo do homem e das manifestações externas de sua personalidade e se realizasse um ensino sobre a individualidade da criança. Policiano também sustentara, antes de Ratke, que a natureza é o primeiro fundamento da pedagogia, que o indivíduo deve realizar o aprendizado de acordo com as disposições naturais. A formação ativa que aperfeiçoa o indivíduo só se dá quando o aluno adquire o que a natureza concede. Policiano utilizou o seguinte provérbio: "Uma estátua de Mercúrio não sai de qualquer tronco"; Ratke retoma esse ensinamento: "Não se pode esculpir uma figura elegante em qualquer pedaço de madeira" (idem, p. 592).
Qual seria a natureza da criança e do jovem a ser considerada na aprendizagem? O pedagogo alemão não elaborou teorias sobre o conceito de natureza humana, apenas indicava como se podiam revelar as disposições naturais e como deviam ser respeitadas na prática educacional. No capítulo XIV, "Sobre a discriminação das qualidades naturais", do Tratado de administração escolar, Ratke ressaltou que a pessoa experimentada na arte de ensinar devia levar em conta as disposições naturais, determinadas com base nos sinais fisiognômicos e a partir dos sinais exteriores.6 De acordo com essa arte, o século XVII criara uma teoria sobre a forma do crânio e a disposição dos lóbulos cervicais como sinais de comportamentos e uma teoria sobre uma higiene adequada. Em suma, a fisiognomia7 era a arte que ensinava a conhecer as disposições da alma com base nas partes do corpo. Cabia aos professores procurar, entre as qualidades citadas, aquelas que o aluno possui: "Devem informar-se com base no corpo: examinar a estatura, a tez, a cabeça, as vistas, a fronte, o rosto, a carne, os cabelos, o conjunto de unhas da mão" (idem, p. 603). A seguir, Ratke enumerou traços de comportamentos com base nas características físicas do indivíduo:
Uma bela estatura indica geralmente uma natureza superior ou média. A tez fresca denota habitualmente a vivacidade, uma natureza feliz e rápida na aprendizagem. Uma testa redonda é sinal de boa memória. Um rosto firme traduz um espírito sólido e com excelentes disposições para o estudo. Uma fronte serena revela um coração alegre, uma natureza viva e rápida para compreender. Olhos móveis, correndo daqui para ali, escondem um ser ávido de conhecimentos e de saber, bem como falta de constância. Uma pele delicada assinala sólidas qualidades para aprender. Cabelos macios designam uma natureza capaz de captar facilmente e de reter. Unhas finas e polidas são a marca de uma boa e rápida capacidade de estudo. (idem, p. 603)
Para o pedagogo, porém, os traços físicos, ao contrário do que afirmaram as teorias jurídicas posteriores, não são decisivos; a disciplina e a educação seriam fatores de mudanças: "A criança cujo corpo demonstra qualidades contrárias pode também ter qualidades contrárias para o estudo; entretanto, a disciplina e uma boa educação vêm muitas vezes em auxílio à natureza, e a corrigem"(idem, p. 604).
O espaço geográfico tem a sua influência, na concepção de Ratke, que o denominou "fator mesológico": "Os professores devem também recolher informações sobre a região e o lugar em que a criança nasceu e onde tem sido educada. [...] As condições devida da região, da cidade ou do lugar deram-lhe anteriormente qualidades boas e más" (idem, p. 603).
Para Ratke, as qualidades básicas de que os alunos são providos pela natureza denominam-se "qualidades naturais inatas". São qualidades interiores, que podem ser "lidas" pelas partes do corpo físico. Não são as mesmas para todos, porque a experiência cotidiana nos demonstra que uma criança ou um adulto pode compreender mais ou menos rapidamente que outra. O professor, que atua na lida da aprendizagem em sala de aula, deve conhecer as qualidades variadas dos alunos. No Tratado sobre as funções do soberano, lê-se que o cargo de professor exige a compreensão das disposições naturais. Por isso, é preciso "não apresentar e não fazer aprender a uma criança mais do que ela é capaz de reter e não retardar um aluno dotado" (Ratke, 1632, p. 197). Os professores devem adaptar-se às qualidades e às possibilidades de cada um: "Devem levar em conta as qualidades inatas, a habilidade ou a incapacidade e a preguiça dos alunos" (idem, p. 196). No mesmo livro, Ratke sugere: "Durante as aulas, o mestre pode e deve conhecer as preferências das crianças e julgar suas capacidades para os estudos" (idem, p. 198). Logo a seguir escreve: "Cada aluno deve ser instruído e educado conforme suas capacidades" (idem, p. 156).
Os próprios professores podem adquirir habilidades e destrezas, graças às disposições naturais com que nasceram. A aptidão é o verdadeiro começo, o princípio, o fundamento de toda e qualquer habilidade de que os mestres-escolas são providos. Todos os homens nascem com aptidões8, mas depende deles o seu uso e seu desenvolvimento: "Todos os alunos são dotados de habilidade, mas há aqueles que não conseguem desenvolvê-la. [...] Às vezes, as pessoas menos dotadas podem tornar-se mais hábeis, graças a uma longa prática efetuada com aplicação" (idem, p. 193). A tarefa dos mestres é difícil principalmente porque eles têm que conhecer uma diversidade de qualidades individuais, visto que os alunos são numerosos, além do fato de as qualidades inatas serem de difícil observação. Mas: "Essa dificuldade pode e deve ser ultrapassada pela observação atenta, sempre renovada. [...] Os professores devem observar atentamente as crianças para melhor conhecê-las" (idem, p. 182).
A cada professor é imposta a tarefa de conhecer bem seus alunos; e conhecê-los através da observação: "Observar e estudar para saber se os alunos estão preparados ou não para compreender e reter. [...] Eles os examinam e os interrogam sobre o que foi ensinado para perceber se compreenderam e retiveram, e em que medida" (idem, p. 195).
O método da observação investigativa é proveitoso para o objetivo de entender bem o aluno:
Os professores observam o que seduz o espírito das crianças e quais são suas preferências. Observam também suas ocupações fora das horas de trabalho; procuram saber se imitam alguém para tentar tornar-se como ele. (idem, p.194)
Graças a todas as observações atentas, cada mestre hábil e engenhoso pode sondar facilmente as disposições naturais das crianças e julgar suas capacidades de compreensão e de atuação:
Da mesma maneira que um campo estéril pode tornar-se frutífero e fértil por meio de árduos trabalhos, as disposições naturais da criança podem ser melhoradas e tornadas aptas para a aprendizagem através de exercícios repetidos.(idem, p. 195)
Após ter aprendido a ler e a escrever, a criança deve ser encaminhada para setores que sua tendência indica e dirigida constante e amigavelmente: "As qualidades naturais superiores e extraordinárias não se deixam facilmente dirigir; mas, não é por isso que se deve conduzi-la com coação, mas com benevolência"(idem, p. 191).
Ratke insiste na tarefa de o professor incentivar, dirigir o aluno e eliminar o mau hábito e, assim, insere a idéia da atividade ativa tanto do professor como do aluno.
O comportamento dos alunos conforme a ordem na natureza
Seguir o curso da natureza significa, antes de tudo, valorizar a perspectiva da práxis. Ser é atividade: esta é a chave dos renascentistas, com que Ratke também abre sua pedagogia. A natureza dotou cada ser humano de qualidades. A missão do indivíduo é construí-las, utilizando sua atividade. Assim, as qualidades más podem ser superadas pela atividade humana, e as boas, melhoradas: "Aos alunos, nos quais há uma esperança de progresso, o professor deve dar palavras de encorajamento a fim de melhorarem sua situação" (idem, p. 189).
Em outro texto Ratke retoma a questão: "Se for o contrário, o professor deve dirigir-lhe palavras duras e de repreensão. Mas, tudo isso será feito com prudência e discrição especiais, a fim de que prevaleça o amor entre professor e os alunos" (Ratke, 1877, p. 102).
Ratke tem como objetivo formar um indivíduo ativo que constrói a sua própria vida. Para ele, a educação é uma atividade produtiva; não é somente um conjunto de idéias oferecidas à intuição do espírito, mas também um princípio de idéias éticas e religiosas que orientam a ação. A educação tem verdadeira eficácia prática.
Ratke tem uma palavra sobre as crianças que têm grandes dificuldades no estudo:
É preciso perseverar até que [as crianças] tenham adquirido um minimum de conhecimentos para não ficarem ignorantes, como os bárbaros. Não é bom fazê-las deixar a escola antes que tenham tirado proveito do ensino. Quando toda esperança for perdida (o que não ocorre nunca, ou muito raramente, ou que só ocorre às crianças de aparência tola, não inteligentes ou incapazes de falar normalmente, apesar de todos os esforços), os alunos podem então ser devolvidos a seus pais, para que se adestrem em trabalhos honestos. (idem, p. 597)
Muitas vezes, as melhores qualidades naturais ficam escondidas: "Não se deve fazer um julgamento prematuro sobre as crianças que não aprendem bem a ler no início e as considerar incapazes. Muitas vezes, os alunos naturalmente lentos conseguem superar-se, esforçando-se com aplicação" (idem, ibidem).
Cada homem possui uma qualidade inata particular, diferente da dos outros, como os rostos diferem uns dos outros e não se igualam nunca, afirma Ratke. E, quando as qualidades mais nobres e as melhores não forem bem dirigidas, tornam-se más e viciosas: "Um bom começo nos estudos não dá sempre direito a uma seqüência de sucessos contínuos e a um bom resultado final: certas árvores que carregam as flores mais belas nem sempre dão frutos"(idem, ibidem).
O professor deverá cuidar para que a continuidade seja o lema educacional porque "é muito difícil e muitas vezes impossível recolocar em ordem uma qualidade negligenciada, principalmente numa pessoa adulta" (idem, ibidem).
Ratke tira uma conclusão pedagógica e dá normas práticas para uma boa aprendizagem que segue o curso da natureza e as qualidades inatas das crianças: "O ensino e as repetições das lições devem ter lugar em horas certas. Há que consagrar uma hora ao ensino e à leitura; uma outra hora ao repouso e à diversão ou a um exercício de recreação ou passatempo" (idem, p. 598).
Para o pedagogo alemão, há uma ordem na natureza que tem muito a dizer para o andamento do ensino. Para que haja a ordem natural no ensino, tudo deve ser exposto "sob a forma tal que o menor detalhe possa ir ao encontro de um outro e é possível haver aí uma perfeita harmonia da crença, da natureza e das línguas que só com o novo método pode ser realizado" (idem, p. 597).
No aprofundamento desse tema, em Artigos 1, encontramos o seguinte: "Tudo, de acordo com a ordem ou o curso da natureza. [...] A natureza é inimiga da desordem" (Ratke, 1617, p. 23).
Ratke imediatamente liga a ordem da natureza à prática didática e aponta: segui-la significa proibir terminantemente a aprendizagem de cor. Aprender de cor é negar o ordenamento, porque se decora o que não se entendeu; logo, "significa forçar a natureza. Faz-se violência à inteligência. A experiência demonstra que aquele que é obrigado a aprender muito de cor perde sua fineza e sua perspicácia" (idem, p. 1).
Seguir a ordem da natureza acarreta conseqüências práticas no ensino: "Tudo deve ser realizado de acordo com a ordem da natureza, que vai do simples e fácil ao difícil e complicado; isto significa, do conhecido ao desconhecido" (idem, p. 2).
O método natural na aprendizagem
No livro Concepção geral das escolas cristãs, o pedagogo define o que entende por luz natural:
A luz da natureza é uma intuição que nos permite julgar e captar o que é preciso saber para nosso bem temporal. Denomina-se assim porque qualquer pessoa, mesmo não pertencendo a nenhuma fé cristã, a descobre e a comprova; e, por meio dela, o homem é capaz de realizar o conhecimento natural de tudo o que é necessário a esta vida. (Ratke, 1615, p. 123)
A luz da natureza dispõe o homem a refletir corretamente e ele pode, assim, compreender e captar numerosas coisas que estão ao seu redor e que dependem de sentidos exteriores: "A luz da natureza permite atingir a felicidade terrestre, enquanto a luz das graças nos permite compreender o que nós devemos necessariamente saber para a salvação eterna" (Ratke, 1617, p. 1).
No mesmo texto, Ratke afirma que a natureza outorgou ao homem excelentes meios e ocasiões de descobrir os instrumentos e, ao mesmo tempo, mostrou-lhe o seu uso correto. Os instrumentos, por sua vez, demonstram claramente a utilização precisa das coisas e a maneira mais rápida de aprender as línguas com maior segurança e maior facilidade. Servem também para captar tudo e a tudo reter por muito mais tempo e garantir um aprendizado com menos fadiga, conforme os ditames da natureza.
A didática é o principal instrumento da arte de ensinar: "A didática é um instrumento de direção que nos permite aprender a bem administrar os ensinamentos" (Ratke, 1630, p. 1).
Conclusão
Jung e Helvic (1612, p. 2) escreveram: "Ratke simplifica o ensino pela variedade, pela redução do número de horas de estudo e pela utilização de manuais didáticos adaptados."
Os manuais elaborados pelo pedagogo alemão demonstraram que houve uma mudança significativa no trabalho didático. Na produção da vida material nos tempos de Ratke, a divisão do trabalho sinalizou uma mudança técnica do trabalho. Assim, na produção não-material, a utilização do livro didático em larga escala indica uma mudança significativa na organização do ensino e do trabalho docente.
Com base na análise dos livros elaborados por Ratke, tiram-se algumas conclusões.
A primeira impõe-se com base no próprio método que leva os alunos à reflexão. A finalidade da reflexão é o conhecimento da verdade. A reflexão alcança a verdade quando vai do geral para o particular, capta a totalidade antes das diferentes partes, faz o itinerário das coisas simples e implexas para as coisas múltiplas e complexas e examina as questões mais importantes antes daquelas menos importantes (Ratke, 1630, p. 7). A harmonia exige que o ensino vá do geral para o particular, do conhecido para o desconhecido, do confuso e do vago para o conhecimento distinto, do exercício mais fácil e mais útil para o mais difícil e menos necessário. Esta é a ordem das coisas. Este princípio metodológico é seguido por Ratke em todos os seus escritos escolares, afirmando sempre que este é o curso da natureza. A questão pedagógica concentra-se em obedecer à natureza e em considerar a psicologia do indivíduo. Dessa forma, a concepção, que Ratke tem da natureza, deve ser vista como uma natureza ainda não transformada em grande escala. Daí o pressuposto de que o pensamento burguês, do qual Ratke faz parte, ainda não estava voltado para o domínio da natureza, mas para a obediência a ela. A questão pedagógica concentra-se no obedecer à natureza e levar em conta a natureza psicológica do indivíduo. Essa idéia nos leva à segunda conclusão.
Na análise da obra de Ratke descobrimos que a base natural que sustenta sua pedagogia assenta-se antes como um sentimento do que como uma teoria filosófica sistematizada; mais uma inclinação, uma disposição, do que uma análise aprofundada. Ressalte-se, preferencialmente, a simpatia pela natureza e o reconhecimento de que se deve segui-la, obedecê-la e servi-la. Enfim, trata-se mais de um estado emocional do que um sistema de idéias. Seguir o curso da natureza significa sentir que todas as coisas devem ser executadas com uniformidade, com um só método adequado. Natureza, para Ratke, é a primeira e fundamental constituição do indivíduo. Entretanto, uma vez descobertos os segredos da ordem natural, o ensino deve obedecer a um sistema operacional planejado, seguro e objetivo. Unindo a primeira à segunda conclusão tem-se uma terceira dimensão.
A terceira posição que assinalamos neste estudo considera que a arte de elaborar livros didáticos, conforme Ratke, é a arte de fazê-los seguir o curso da natureza. Escreve o pedagogo que em todas as línguas, artes e ciências deve haver uma uniformidade, tanto na arte de ensinar quanto na confecção do livro e, ainda, nas práticas(Ratke, 1617, p. 8). Por isso, os manuais devem ser impressos de um modo uniforme e em partes simétricas, de acordo com a ordem natural, para que seu conteúdo seja mais facilmente ensinado e apreendido e os custos educacionais sejam mais baratos em comparação aos livros clássicos utilizados anteriormente.
A filosofia e a ciência continuavam inseparáveis em Ratke. Ambas explicavam o mundo organicamente estruturado. A observação e a experiência figuravam como bases comuns nos seus métodos. Estas, porém, não estavam dirigidas para o sentido da transformação da natureza; eram apenas instrumentos construídos de acordo com a ordem natural. Eis, a quarta dimensão deste estudo que é sintetizada da seguinte forma: o método de ensino baseia-se na adaptação das formas didáticas às leis naturais. A unidade existente entre filosofia e ciência dá a harmonia do universo. Esta deve ser obedecida na arte de ensinar.
Como quinto ponto, afirma-se que a natureza e a natureza humana eram concebidas como harmônicas, observadas não como um resultado da atividade dos homens, mas como um automovimento. Na base da harmonia, como se percebe, está a legitimação do natural.
O pedagogo alemão descreve o ensino como uma arte que utiliza livros didáticos. Assim, o professor deve ser um bom artista: ser um filósofo da natureza, um cientista natural e um inovador técnico, isto é, ser capaz de reconhecer a ratio naturae. O termo "arte" provém da compreensão seguinte: observar o método é executar uma obra com o auxílio da inteligência, à luz da natureza, a fim de ajudar a ver melhor as coisas naturais e a entendê-las. Ratke aplica à "arte" um duplo significado: o de uma técnica, de um método ou de uma forma, para se conseguir uma utilidade prática para a vida - no caso, a educação -; ao mesmo tempo, o de uma técnica ou de uma forma para se conseguir resultados práticos na sociedade - ou seja, a construção harmônica da sociedade, especificamente uma nação unificada de língua alemã e de religião luterana.
O autor do Memorial de Frankfurt não faz teoria sobre o que entende por arte. Na exposição de todas as profissões de sua época, ele dá uma pista, fazendo uma diferença entre artes e ofícios. Sob o título de ofícios, inclui a profissão do fabricante de couraças, cintas e de espadas, o ladrilheiro, o caldeireiro. Sob o título de artes: o tipógrafo, o fabricante de órgãos, de tapetes e de sedas, o moldador de gesso, o ourives, o fundidor de estátuas. É assunto para estudos posteriores.
Obedecendo à harmonia universal, os indivíduos educados e formados cada qual em seu ofício ou arte têm a tarefa de melhorar continuamente a sociedade. Especificamente, a sociedade burguesa, baseada na crença de Deus. Ratke entende que a ciência é universal; o método de ensino, por sua vez, é uma arte particular.
Ao distinguir a ciência da arte, Ratke também as entende como complementares na educação de todas as coisas para todos. Ambas se completam harmonicamente e são constituídas em seus livros didáticos. Há que se apontar para uma mudança importante, ocorrida na época: a elaboração de livros didáticos modificou tecnicamente o trabalho docente, no propósito de um ensino coletivo, barato, útil e eficiente, para todos.
O PARADIGMA ANARQUISTA EM EDUCAÇÃO
Prof. Dr. Sílvio Gallo
Artigo publicado em Nuances - Revista do Curso de Pedagogia, Presidente Prudente: FCT UNESP, nº 2, 1996
O Anarquismo vem sendo recuperado, pelo menos ao nível das pesquisas acadêmicas, como uma filosofia política; tal recuperação ganhou mais razão de ser com a propalada "crise dos paradigmas" nas ciências sociais, intensificada com os acontecimentos políticos nos países do leste europeu e na ex-União Soviética, com a queda do socialismo real. Ante a falta de referenciais sólidos para uma análise política da realidade cotidiana, o Anarquismo volta à cena.
Quando estudamos o Anarquismo, porém, vemos que seria muito mais correto falarmos em Anarquismos, e não seriam poucos... Como, então, falarmos em um paradigma anarquista? Muito rapidamente, gostaria de demonstrar aqui que considerar o Anarquismo uma doutrina política é um sério problema, tanto prática quanto conceitualmente. Dada a diversidade de perspectivas assumidas pelos diversos teóricos e militantes do movimento anarquista histórico, seria impossível agrupá-las todas numa única doutrina; por outro lado, a força do Anarquismo estaria justamente no fato de não caber a ele a solidificação de princípios que impõe a constituição de uma doutrina. Se ele pode ser uma teoria política aglutinadora de largas parcelas do movimento operário europeu no século passado e se pode ser também uma teoria política que permite a análise dos fatos sociais contemporâneos é justamente porque não se constitui numa doutrina.
O PARADIGMA ANARQUISTA
Para que entendamos a real dimensão da filosofia política do anarquismo, é necessário que o entendamos como constituído por uma atitude, a de negação de toda e qualquer autoridade e a afirmação da liberdade. O próprio ato de transformar essa atitude radical em um corpo de idéias abstratas, eternas e válidas em qualquer situação seria a negação do princípio básico da liberdade. Admitir o Anarquismo como uma doutrina política é provocar o seu sepultamento, é negar sua principal força, a afirmação da liberdade e a negação radical da dominação e da exploração.
Devemos, assim, considerar o anarquismo como um princípio gerador, uma atitude básica que pode e deve assumir as mais diversas características particulares de acordo com as condições sociais e históricas às quais é submetido. O princípio gerador anarquista é formado por quatro princípios básicos de teoria e de ação: autonomia individual, autogestão social, internacionalismo e ação direta. Vejamos brevemente cada um deles.
Autonomia individual: o socialismo libertário vê no indivíduo a célula fundamental de qualquer grupo ou associação, elemento esse que não pode ser preterido em nome do grupo. A relação indivíduo/sociedade, no Anarquismo, é essencialmente dialética: o indivíduo, enquanto pessoa humana, só existe se pertencente a um grupo social - a idéia de um homem isolado da sociedade é absurda -; a sociedade, por sua vez, só existe enquanto agrupamento de indivíduos que, ao constituí-la, não perdem sua condição de indivíduos autônomos, mas a constroem. A própria idéia de indivíduo só é possível enquanto constituinte de uma sociedade. A ação anarquista é essencialmente social, mas baseada em cada um dos indivíduos que compõem a sociedade, e voltada para cada um deles.
Autogestão social: em decorrência do princípio de liberdade individual, o Anarquismo é contrário a todo e qualquer poder institucionalizado, contra qualquer autoridade e hierarquização e qualquer forma de associação assim constituída. Para os anarquistas a gestão da sociedade deve ser direta, fruto dela própria, o que ficou conhecido como autogestão. Radicalmente contrários à democracia representativa, onde determinado número de representantes é eleito para agir em nome da população, os libertários propõem uma democracia participativa, onde cada pessoa participe ativamente dos destinos políticos de sua comunidade.
Internacionalismo: a constituição dos Estados-nação europeus foi um empreendimento político ligado à ascensão e consolidação do capitalismo, sendo, portanto, expressão de um processo de dominação e exploração; para os anarquistas, é inconcebível que uma luta política pela emancipação dos trabalhadores e pela construção de uma sociedade libertária possa se restringir a uma ou a algumas dessas unidades geopolíticas às quais chamamos países. Daí a defesa de um internacionalismo da revolução, que só teria sentido se fosse globalizada.
Ação direta: a tática de luta anarquista é a da ação direta; as massas devem construir a revolução e gerir o processo como obra delas próprias. A ação direta anarquista traduz-se principalmente nas atividades de propaganda e educação, destinadas a despertar nas massas a consciência das contradições sociais a que estão submetidas, fazendo com que o desejo e a consciência da necessidade da revolução surja em cada um dos indivíduos. Pode-se dizer que a principal fonte da ação direta foi a da propaganda, através dos jornais e revistas, assim como da literatura e do teatro. Outro veio importante foi o da educação, propriamente dita - formal ou informal - como veremos adiante.
Tomando o Anarquismo como princípio gerador, ancorado nesses quatro princípios básicos, podemos falar nele como um paradigma de análise político-social, pois existiria assim um único Anarquismo que assumiria diferentes formas e facetas de interpretação da realidade e de ação de acordo com o momento e as condições históricas em que fosse aplicado. É nesse sentido que trataremos, aqui, da aplicação do paradigma anarquista à teoria da educação.
A EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA
Os anarquistas sempre deram muita importância à questão da educação ao tratar do problema da transformação social: não apenas à educação dita formal, aquela oferecida nas escolas, mas também àquela dita informal, realizada pelo conjunto social e daí sua ação cultural através do teatro, da imprensa, seus esforços de alfabetização e educação dos trabalhadores, seja através dos sindicatos seja através das associações operárias.
Foi com relação à escola, porém, que vimos os maiores desenvolvimentos teóricos e práticos no sentido da constituição de uma educação libertária.
Os esforços anarquistas nesta área principiam com uma crítica à educação tradicional, oferecida pelo capitalismo, tanto em seu aparelho estatal de educação quanto nas instituições privadas - normalmente mantidas e geridas por ordens religiosas. A principal acusação libertária diz respeito ao caráter ideológico da educação: procuram mostrar que as escolas dedicam-se a reproduzir a estrutura da sociedade de exploração e dominação, ensinando os alunos a ocuparem seus lugares sociais pré-determinados. A educação assumia, assim, uma importância política bastante grande, embora ela se encontrasse devidamente mascarada sob uma aparente e propalada "neutralidade".
Os anarquistas assumem de vez tal caráter político da educação, querendo colocá-la não mais ao serviço da manutenção de uma ordem social, mas sim de sua transformação, denunciando as injustiças e desmascarando os sistemas de dominação, despertando nos indivíduos a consciência da necessidade de uma revolução social.
Metodologicamente, a proposta anarquista de educação vai procurar trabalhar com o princípio de liberdade, o que abre duas vertentes de compreensão e de ação diferenciadas: uma que entende que a educação deve ser feita através da liberdade e outra que considera que a educação deva ser feita para a liberdade; em outras palavras, uma toma a liberdade como meio, a outra como fim.
Tomar a liberdade como meio parece-me um equívoco, pois significa considerar, como Rousseau, que a liberdade seja uma característica natural do indivíduo, posição já duramente criticada por Bakunin; por outro lado, equivale também à metodologia das pedagogias não-diretivas, alicerçadas no velho Emílio e consolidadas nos esforços escolanovistas, delas diferenciando-se apenas nos pressupostos políticos, mas sem conseguir diferentes resultados práticos além daquela suposta liberdade individualizada característica das perspectivas liberais.
Tomar, de outro modo, a pedagogia libertária como uma educação que tem na liberdade o seu fim pode levar a resultados bastante diferentes. Se a liberdade, como queria Bakunin é conquistada e construída socialmente, a educação não pode partir dela, mas pode chegar a ela. Metodologicamente, a liberdade deixa de ser um princípio, o que afasta a pedagogia anarquista das pedagogias não-diretivas; por mais estranho que possa parecer aos olhos de alguns, a pedagogia anarquista deve partir, isso sim, do princípio de autoridade.
A escola não pode ser um espaço de liberdade em meio à coerção social; sua ação seria inócua, pois os efeitos da relação do indivíduo com as demais instâncias sociais seria muito mais forte. Partindo do princípio de autoridade, a escola não se afasta da sociedade, mas insere-se nela. O fato é, porém, que uma educação anarquista coerente com seu intento de crítica e transformação social deve partir da autoridade não para tomá-la como absoluta e intransponível, mas para superá-la. O processo pedagógico de uma construção coletiva da liberdade é um processo de des-construção paulatina da autoridade.
Tal processo é assumido positivamente pela pedagogia libertária como uma atividade ideológica; posto que não há educação neutra, posto que toda educação fundamenta-se numa concepção de homem e numa concepção de sociedade, trata-se de definir de qual homem e de qual sociedade estamos falando. Como não faz sentido pensarmos no indivíduo livre numa sociedade anarquista, trata-se de educar um homem comprometido não com a manutenção da sociedade de exploração, mas sim com o engajamento na luta e na construção de uma nova sociedade. Trata-se, em outras palavras, de criar um indivíduo "desajustado" para os padrões sociais capitalistas. A educação libertária constitui-se, assim, numa educação contra o Estado, alheia, portanto, aos sistemas públicos de ensino.
O PARADIGMA ANARQUISTA E A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
O mote progressista nas discussões pedagógicas contemporâneas é a defesa da escola pública. A atual Constituição brasileira afirma que a educação é um "direito do cidadão e um dever do Estado", definindo desde o início a responsabilidade do Estado para com a educação. Ela é, porém, um empreendimento bastante dispendioso, como sabemos, e por certo esse interesse do Estado não pode ser gratuito ou meramente filantrópico. A história nos mostra que os assim chamados sistemas públicos de ensino são bastante recentes: consolidam-se junto com as revoluções burguesas e parecem querer contribuir para transformar o "súdito" em "cidadão", operando a transição política para as sociedades contemporâneas. Outro fator importante é a criação, através de uma educação "única", do sentimento de nacionalidade e identidade nacional, fundamental para a constituição do Estado-nação.
Os anarquistas, coerentes com sua crítica ao Estado, jamais aceitaram essa educação oferecida e gerida por ele; por um lado, porque o Estado certamente utilizar-se-á deste veículo de formação/informação que é a educação para disseminar as visões sócio-políticas que lhe são interessantes.
Nesse ponto a pedagogia anarquista diverge de outras tendências progressistas da educação, que procuram ver no sistema público de ensino "brechas" que permitam uma ação transformadora, subversiva mesmo, que vá aos poucos minando por dentro esse sistema estatal e seus interesses. O que nos mostra a aplicação dos princípios anarquistas a essa análise é que existem limites muito estreitos para uma suposta "gestão democrática" da escola pública. Ou, para usar palavras mais fortes mas também mais precisas, o Estado "permite" uma certa democratização e mesmo uma ação progressista até o ponto em que essas ações não coloquem em xeque a manutenção de suas instituições e de seu poder; se este risco chega a ser pressentido, o Estado não deixa de utilizar de todas as suas armas para neutralizar as ações "subversivas".
É por isso que, na perspectiva anarquista, a única educação revolucionária possível é aquela que dá-se fora do contexto definido pelo Estado, sendo esse afastamento mesmo já uma atitude revolucionária. A proposta é que a própria sociedade organize seu sistema de ensino, à margem do Estado e sem a sua ingerência, definindo ela mesma como aplicar seus recursos e fazendo a gestão direta deles, construindo um sistema de ensino que seja o reflexo de seus interesses e desejos. É o que os anarquistas chamam de autogestão.
CONSIDERAÇÕES À MANEIRA DE UMA CONCLUSÃO
Tomar os princípios filosófico-políticos do Anarquismo como referencial para pensar a educação contemporânea é pois uma empresa de movimento; se podemos, por um lado, sistematizar tais princípios a partir dos "clássicos" do século passado e do início deste, traduzindo-os para a contemporaneidade de nossos problemas, não encontramos, ainda, um "solo firme" para nossas respostas - não no sentido de que elas não tenham consistência, mas sim que apontam sempre para uma realidade em construção que processa a des-construção de nosso cotidiano.
Se há um lugar e um sentido para uma escola anarquista hoje, esse é o do enfrentamento; uma pedagogia libertária de fato é incompatível com a estrutura do Estado e da sociedade capitalista. Marx já mostrou que uma sociedade só se transforma quando o modo de produção que a sustenta já esgotou todas as suas possibilidades; Deleuze e Guattari mostraram, por outro lado, que o capitalismo apresenta uma "elasticidade", uma capacidade de alargar seu limite de possibilidades. É certo, porém, que sua constante de elasticidade não é infinita: para uma escola anarquista hoje trata-se, portanto, de testar essa elasticidade, tensionando-a permanentemente, buscando os pontos de ruptura que possibilitariam a emergência do novo, através do desenvolvimento de consciências e atos que busquem escapar aos limites do capitalismo.
No aspecto da formação individual, Henri Arvon já afirmava, em 1979, que para uma sociedade de rápidas transformações como é a nossa, o projeto educativo anarquista parece ser o que melhor responderia às necessidades de uma educação de qualidade. O desenvolvimento científico-tecnológico e especialmente as transformações geopolíticas nesses últimos quinze anos vieram a confirmar essa necessidade de uma educação dinâmica e autônoma, que encontra cada vez maiores possibilidades de realização com o suporte da informática e da multimídia. Não podemos, entretanto, deixar que a própria perspectiva libertária da educação seja cooptada pelo capitalismo, neutralizando seu caráter político transformador, levando-a para um âmbito de liberdade individual e desembocando num novo escolanovismo, aparelhado pelas novas tecnologias. O caráter político da pedagogia libertária deve ser constantemente reafirmado, na tentativa de não permitir o aparecimento de uma nova massa de excluídos, tanto do fluxo de informações quanto das máquinas que permitem o acesso a ele.
Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico que leva-nos cada vez mais rápido rumo a uma "Sociedade Informática", para utilizarmos a expressão de Adam Schaff, define um horizonte de possibilidades de futuro bastante interessantes; numa sociedade que politicamente não se define mais com base nos detentores dos meios de produção, mas sim com base naqueles que têm acesso e controle sobre os meios de informação, encontramos duas possibilidades básicas: a realização de um totalitarismo absoluto baseado no controle do fluxo de informações, como o pensado por Orwell em seu 1984 ou por Huxley em seu Admirável Mundo Novo, ou então a realização da antiga utopia da democracia direta, estando o fluxo de informações autogerido pelo conjunto da sociedade. Em outras palavras, o desenvolvimento da sociedade informática parece possibilitar-nos duas sociedades, uma antípoda da outra: a totalitária, com o Estado absoluto, ou a anarquista, absolutamente sem Estado; a escolha estaria fundada obviamente numa opção política que só seria possível através da consciência e da informação, aparecendo então a figura da educação, formal ou informal, no sentido de sustentar tal conscientização.
Mas a possibilidade de trabalho que parece-me mais próxima no momento é o pensar a filosofia da educação no contexto do paradigma anarquista. Se tal filosofia da educação pode servir de suporte teórico para a construção deste projeto de educação que tem por meta a autogestão e a verdadeira democracia que a tecnologia informática pode finalmente tornar possível através de uma rede planetária que imploda as fronteiras dos Estados-nação, ela pode ainda servir-nos como ferramenta de análise e crítica da sociedade capitalista e da educação por ela pensada, assim como do sistema de ensino por ela constituído - a sempre ambígua dualidade dos sistemas público e privado. No caso específico do Brasil contemporâneo, ela pode constituir-se num interessante referencial para a discussão e análise dos graves problemas educacionais que enfrentamos, de uma perspectiva bastante singular, como no caso da qualidade do ensino e da publicização/democratização da escola, trazendo contribuições criativas diferentes das usuais.
No contexto da polarização da filosofia da educação brasileira entre a tendência neo-liberal - privatizadora - sucessora das tendências tradicional, escolanovista e tecnicista como expressão ideológica da manutenção do sistema e uma tendência dialética que, por sua vez, encontra-se dividida em várias propostas de análise e tem sido - erroneamente - posta em xeque como paradigma devido à crise do assim chamado "socialismo real", tomada como a falência do método dialético e o triunfo do liberalismo - novo ou velho, não importa - e a instauração de uma "nova ordem mundial" centrada no paradigma liberal, a tendência anarquista ou libertária pode apresentar-se como um novo referencial para a análise, ao mostrar, explicitamente, que , como cantou Caetano Veloso, "alguma coisa está fora da nova ordem mundial". O que tentei aqui foi tão somente trazê-la para a luz das discussões, buscando sua viabilidade.
2007-02-28 04:12:04
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answer #2
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answered by Anonymous
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