Falsa doutrina luterana
Embora a moral luterana fosse escandalosa, esse não era o seu pior aspecto. Os excessos e contradições de Lutero não eram senão conseqüência de sua péssima doutrina.
O final da Idade Média assistia ao embate entre os místicos e racionalistas em torno do problema dos universais. É o que Umberto Eco retrata no célebre “O Nome da Rosa”.
Aprofundando as conseqüências em torno do realismo platônico, os místicos seguidores de Mestre Eckhart defendiam as idéias divinas contra a matéria e a inteligência. (Fedeli: 123)
Os místicos seguidores de Eckhart eram, portanto gnósticos:
“Para a Gnose, a matéria é considerada má por ser a causa da individuação e da limitação no homem. A razão enganaria o homem, pois, por meio dela, o homem compreende o mundo, construído como inteligível pelo demiurgo. E, compreendendo o mundo, o homem pensa que ele é bom. (...) Uma intuição mística é que o libertaria dos laços da lógica e do silogismo.” (Fedeli, PG)
Defendendo o nominalismo, os racionalistas discípulos de Guilherme de Ockham promoviam o individualismo e o materialismo mais radical. (Fedeli: 124) Eram assim panteístas:
“O Panteísmo é, pois, racionalista, cientificista, evolucionista e determinista. Nele encontramos um naturalismo total. Ao negar a distinção entre Deus e o mundo, ele recusa radicalmente a ordem sobrenatural. Ele prescinde da graça, de sacramentos ou de um Redentor, pois o Homem seria capaz de realizar sua própria redenção. (...)” (Fedeli, PG)
Ambos hereges foram condenados pelo Papa João XXII. (Fedeli, Jf)
Sabemos que as revoluções ocorrem quando essas duas correntes antagônicas são unidas de alguma forma, o que produz um curto-circuito violento e que inverte a ordem social então vigente.
Mas quem as poderia unir?
Lutero estudou com os Irmãos da Vida Comum em Magdeburg. Esse estranho grupo, que remonta ao Mestre Eckhart, e propunha uma nova forma de devoção, uma "devotio moderna", que segundo Grisar era “uma nova concepção de piedade monástica mais em conformidade com os requisitos da época, de acordo com a qual, além das orações e mendicância, uma ativa e oportuna eficácia seria cultivada em favor da humanidade.” (“a new conception of monastic piety more in conformity with the requirements of the age, according to which, in addition to prayers and begging, an active and timely efficacy was to be cultivated in behalf of mankind.”) (Grisar: 12)
Uma coincidência curiosa: Eckhart fora superior no convento dominicano de Erfurt, e depois geral na Saxônia. Exatamente onde Lutero surgiu, e onde mais o luteranismo irá se espalhar.
Lutero também aprendeu Nominalismo na Universidade de Erfurt. Esse sistema filosófico era o chamado “via moderna”, em oposição ao sistema Aristotélico-tomista. (Grisar: 24)
A universidade de Erfurt era mesmo um centro de difusão do nominalismo, e que havia herdado o prestígio perdido pela Universidade de Praga, depois que esta foi atingida pela condenação de Huss.
Lutero conhecia ambas correntes.
Lutero será o homem que unirá as duas correntes antagônicas.
E se a junção dos opostos produz a faísca revolucionária, produz também a separação violenta desses movimentos no momento seguinte.
É o que ocorreu entre o místico Lutero e o racionalista Erasmo: unidos na eclosão da Reforma, irão se separar definitivamente em 1525, no calor da polêmica sobre a liberdade do arbítrio humano.
Que Lutero era inclinado à mística, não há dúvida. Além da devotio moderna, ele foi influenciado pelo misticismo pessimista alemão, expresso pelo dominicano John Tauler e pela Theologia Deutsch.
Tauler, ainda que tivesse uma doutrina ortodoxa segundo Grisar, defendia um quase quietismo, onde a “calma interior na qual as operações de Deus devem ser recebidas, e as trevas que preenche a alma das pessoas piedosas, de quem ele fala consoladamente.” Essa ênfase na passividade interior irá repercutir na alma atribulada de Lutero como solução para suas aflições. O rebelde alemão irá entender passividade como auto-aniquilação, e treva como desespero. (Grisar: 59)
A Theologia Deutsch era um manuscrito anônimo do século XIV e que produziu vivas impressões no jovem monge, que o editou. O livro era obscuro e exaltava uma visão de que Deus dominava exclusivamente a alma que sofria por Ele. (Grisar: 60)
Grisar comenta que é interessante que uma obra mística tenha sido a primeira publicação de Lutero (Grisar: 60)
Embebido de misticismo, Lutero o manifestará juntamente com seu gnosticismo, como vimos na questão da predestinação:
"Ele [Lutero] recorre a um misterioso Deus escondido, (...) A afirmação do Apocalipse de que Deus quer a salvação de todos os homens, se aplica ao Deus revelatus no Evangelho de Cristo; mas há também um Deus escondido, um Deus absconditus, cujos decretos podem ser bem diferentes." (Grisar: 302)
E ainda em suas elucubrações diabólicas:
“(...) então não se sabe mais quem é Deus, e quem é o diabo. Chega-se a inquirir se o diabo não será Deus”. (Brentano: 98)
Mas até meados do século XX os biógrafos e historiadores só conheciam a doutrina de Lutero indiretamente, através das conseqüências absurdas a que ele chegava com seus sola gratia, sola fide e sola scriptura, amparado no absurdo servo-arbítrio, conseqüência da suposta corrupção absoluta da natureza humana decaída pelo pecado original.
Em meados da década de 60, época emblemática do século XX, uma publicação abalará os alicerces da biografia luterana, e colocará em xeque o processo secular de reabilitação de Lutero.
O autor dessa publicação?
O Padre alemão Theobald Beer.
2007-02-15
21:37:33
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perguntado por
haroldo jose h
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Artes e Humanidades
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