Perguntas e respostas sobre a mutilação genital feminina
Sofia Branco
04/08/2002
Aquilo a que mais correntemente se chama excisão feminina — ou circuncisão feminina, o que não traduz uma ideia muito exacta das consequências para a saúde e sexualidade da mulher, por compará-la à circuncisão masculina — pode assumir três modelos, incluindo sempre alguma forma de mutilação genital.
O QUE É A MGF?
A suna (palavra árabe que se refere às tradições do profeta Maomé) é considerada a forma menos nefasta, implicando o corte "simbólico" da extremidade do clítoris.
Porém, a mais frequente é a excisão ou clitoritomia, que consiste na extracção parcial ou integral do clítoris e dos lábios menores da vulva. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), esta forma representa 80 por cento das mutilações genitais femininas.
A intervenção mais radical e dolorosa chama-se infibulação ou excisão faraónica (o que atesta a sua antiguidade) e envolve a extirpação do clítoris, a extracção da maior parte dos grandes e pequenos lábios da vulva e a posterior costura e suturação das extremidades genitais mutiladas, deixando apenas um pequeno orifício para permitir a passagem da urina e do fluxo menstrual. Após a operação, as pernas da mulher permanecem atadas uma à outra durante várias semanas, até que as feridas cicatrizem. Esta forma afecta cerca de 15 por cento das mulheres excisadas, sendo principalmente praticada no Sudão, Somália e Etiópia, países que estão no topo do "ranking" da prática da MGF.
ORIGEM E INCIDÊNCIA
Não há dados concretos que atestem a origem da MGF. A mutilação generalizada parece ter tido origem na África Central da Idade da Pedra, alastrando para norte, pelo Nilo abaixo, até ao Antigo Egipto. Quando os exércitos árabes-muçulmanos conquistaram o Egipto, no século VIII, a prática alastrou-se para fora de África, a par da disseminação do islão, chegando ao Paquistão e à Indonésia. Historiadores como Heródoto indicam que a circuncisão [sem precisar se masculina, feminina ou ambas] era praticada pelos fenícios e etíopes no século V a.C. Não há qualquer religião que apresente a MGF como uma prática a ser realizada.
De referir que nos séculos XIX e até XX, as mulheres eram excisadas na Europa, nomeadamente no Reino Unido, e nos EUA quando tinham problemas como histeria, epilepsia ou doenças mentais. A MGF era ainda usada como tratamento de tendências para a masturbação e lesbianismo.
Actualmente, a MGF vigora em 28 países africanos e nalgumas comunidades de países asiáticos, como a Índia, Indonésia e Malásia, e do Médio Oriente, como o Iémen, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Omã. Na Guiné-Bissau, sensivelmente 50 por cento das mulheres são excisadas.
Os países que lideram o "ranking" da MGF são a Somália, Djibuti, Eritreia, Etiópia, Serra Leoa, Sudão e Gâmbia, com taxas que rondam os 90 por cento.
A política dos Governos de mais de 20 destes países opõe-se oficialmente contra a excisão, mas poucos entre eles dispõem de leis especiais contra a MGF.
FUNDAMENTOS
A MGF está ligada a vários conceitos culturais e sociais enraizados nas comunidades onde é aplicada.
Entre esses conceitos estão as ideias de limpeza e higiene, sendo o clítoris visto como algo sujo.
À prática da MGF estão também associados os ideais de virgindade, pureza, fidelidade. A infibulação é um exemplo claro da importância destas características nas mulheres das comunidades que praticam a excisão: a vagina da mulher – reduzida a um pequeno orifício – é descosida e recosida de cada vez que tem relações sexuais com o marido e de cada vez que tem um filho. Durante o resto do tempo, a mulher está "fechada" para actividades sexuais ilícitas fora do casamento. Um maior prazer sexual do marido é, por vezes, referido como uma das justificações para a MGF. Acredita-se, por outro lado, que a MGF acalma as mulheres, refreando os seus impulsos sexuais e tornando-as mais dóceis.
Também são citadas razões estéticas. O clítoris é, nalgumas comunidades, considerado um elemento masculinizante, devendo ser retirado à mulher para que esta se torne mais feminina. Há crenças que referem ainda a possibilidade de o pénis ficar preso no clítoris, o que daria um grande poder à mulher em comunidades essencialmente patriarcais.
É com estoicismo que as meninas passam pela MGF quando chega a altura de realizarem o ritual que as fará mulheres. A prática está de tal forma entranhada em determinadas comunidades que poucas são as mulheres que ousam falar dela e, muito menos, denunciá-la como uma ofensa contra o seu corpo. Os rituais de passagem da infância à idade adulta estão envolvidos por um enorme secretismo e uma onda de mistério, que leva a que as meninas não partilhem conhecimentos sobre a experiência. Assim, para qualquer criança, o ritual será uma surpresa, dolorosa, mas, na maior parte dos casos, suportada com a consciência de se estar a fazer o correcto, já que só a partir dessa altura se é aceite e reconhecida pela comunidade.
A noção de que não se presta até se ser excisada – ou seja, não se tem valor como mulher, não podendo almejar a fazer um bom casamento – é essencial para se compreender o que leva as próprias mulheres a perpetuarem a tradição.
COMO É PRATICADA A MGF?
Normalmente a cerimónia é assegurada por uma ou várias anciãs, mulheres especialmente designadas para a tarefa, ou por parteiras tradicionais. Nas áreas urbanas, algumas famílias recorrem a enfermeiros ou médicos, segundo a OMS.
As meninas são agarradas por assistentes durante a intervenção, que dura cerca de 15 minutos.
A maior parte das vezes o ritual ocorre no mato ou na floresta, em locais geralmente vedados aos olhos de estranhos.
QUANDO É PRATICADA A MGF?
A idade das meninas submetidas à prática varia muito de país para país, mas situa-se, geralmente, entre os quatro e os dez anos de idade. No entanto, pode ser feita em bebés e mulheres adultas (inclusivamente durante a primeira gravidez).
CONSEQUÊNCIAS
IMEDIATAS: As hemorragias são inevitáveis e, se forem graves, podem conduzir à morte. O choque, provocado pela dor que resulta do procedimento, pode gerar traumas psicológicos graves. As possíveis infecções são várias, decorrentes, desde logo, do facto de serem utilizados objectos cortantes de todo o tipo, não esterilizados e frequentemente usados mais do que uma vez. Não é administrado qualquer tipo de anestésico ou anti-séptico.
As feridas e hemorragias resultantes da MGF são tratadas com plantas medicinais, acompanhadas por orações. O tétano e a septicemia são as mais sérias ameaças, sem esquecer os perigos resultantes da partilha de um instrumento por várias mulheres no que diz respeito às doenças infecto-contagiosas. A retenção urinária — forçada durante horas ou dias devido às dores — pode causar inflamações ou danificar a uretra.
A LONGO PRAZO: As perdas de sangue podem tornar-se constantes e converter-se em anemia. Os problemas urinários podem passar a permanentes, devido às dificuldades de micção e a eventuais danos do canal urinário. Em casos graves, pode surgir incontinência. Infecções urinárias degenerativas podem afectar a uretra, bexiga e rins.
As infecções pélvicas crónicas são comuns em mulheres que foram infibuladas. Não sendo frequente, algumas destas infecções podem, segundo a OMS, estender-se ao útero, trompas de falópio e ovários, aumentando os riscos de infertilidade. Podem aparecer abcessos, quistos e fístulas na vulva. Se o nervo do clítoris for cortado, toda a área genital passa a estar em sofrimento permanente.
A MGF pode ainda causar disfunções sexuais no casal, na sequência das dores que acompanham as relações. A penetração pode ser difícil ou até impossível. Problemas na gravidez e parto também são frequentes, podendo o feto ficar retido no útero ou no canal. O parto é extremamente doloroso e demorado, levando à exaustão da mulher e do feto.
Conclusão.....Acho um absurdo que nos dias de hoje ainda existam coisas como esta e ninguém se mobilize para acabar com essa pratica.
Se cuidem...
2007-02-01 04:25:54
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answer #1
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answered by Estrelinha 6
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