Os espelhos estão presentes na ciência, nas artes e até na psicologia. Descubra alguns truques e viaje pela história desses fascinantes instrumentos ópticos
Autoria: Fernanda Ceccon
Tudo começou por volta do ano 3000 a.C., na longínqua Idade do Bronze, quando povos antigos – como os egípcios e os sumérios, que habitavam a região do atual Irã – experimentaram polir alguns metais e pedras com areia.
Não conseguiram obter superfícies que refletissem imagens nítidas, mas produziram uma espécie de espelho rudimentar que mostrava contornos e formas.
Durante séculos, as pessoas dificilmente puderam ver a própria face refletida com clareza.
Por isso, antigas lendas contam que os personagens, ao verem o reflexo da própria imagem, acreditavam que um desconhecido estava se aproximando.
Somente no final do século XIII surgiram os primeiros espelhos planos, similares aos que temos hoje. Fabricados por artesãos de Veneza, na Itália, eram feitos de vidro coberto por uma fina camada metálica refletora.
Graças ao brilho, muitos os consideravam verdadeiras jóias: em meados do século XVI, ainda em produção artesanal, chegaram a custar três vezes mais que uma pintura feita pelo artista italiano Rafael (1483-1520).
Hoje a fabricação de um espelho é bastante simples: uma fina solução, em geral nitrato de prata, é deposta sobre uma face polida, limpa e plana de um vidro.
Para transformar vidro em espelho, a solução de prata é lançada em jato sobre ele. Isso faz com que a substância reaja com certos componentes do vidro, principalmente os óxidos de alumínio, sódio, potássio, cálcio e silício.
Essa reação, chamada de oxirredução química, faz com que o nitrato de prata se fixe no vidro e seja capaz de refletir imagens.
O que acontece é pura física: os raios de luz, provenientes de um objeto, batem no espelho e atingem nossos olhos. “Como a luz se propaga em linha reta, para o observador é como se os raios de luz estivessem vindo de trás do espelho”, diz o físico Cláudio Furukawa, da Universidade de São Paulo.
Apesar da ilusão, a imagem não é formada atrás do espelho; mas, sim, na própria superfície refletora do espelho.
Os segredos da reflexão
A nitidez dos espelhos se deve ao polimento e ao baixo índice de absorção de luz.
Esses dois fatores precisam estar combinados para que uma imagem seja reproduzida numa determinada superfície.
Uma reflexão regular da luz pode ser obtida em diversos materiais – como uma placa metálica bem polida, um vidro ou até a superfície calma de um lago – onde o belo Narciso, famoso personagem da mitologia grega, se enamorou da própria imagem.
“Para entender o fenômeno da reflexão devemos estudar a interação da luz, que é uma onda eletromagnética, com os átomos de uma superfície refletora”, afirma Furukawa.
A luz incidente energiza os átomos do material. Quando esses átomos energizados voltam ao estado normal, reemitem a luz recebida, provocando a reflexão.
O mais instigante nos espelhos, contudo, são os truques que eles produzem. Aumentam e diminuem a imagem, invertem o objeto, engordam ou alongam mulheres nos provadores de roupa.
Alguém já disse que os espelhos não mentem. Será? Para começar, a impressão de que a imagem está invertida no plano esquerda-direita é apenas ilusória.
O espelho plano reflete exatamente, ponto a ponto, a imagem que está voltada para ele.
A única inversão que ocorre é no plano perpendicular ao espelho, num giro de 180 graus.
Quando você levanta a mão direita tem a sensação de que a imagem refletida no espelho ergueu a mão esquerda porque você está de frente para ela.
Mas, na verdade, a imagem também levantou a mão direita!
Faça o teste segurando um objeto qualquer numa das mãos e, mentalmente, coloque-se no lugar da imagem. Se o espelho fosse posto na posição horizontal – fixado no teto, por exemplo – a imagem pareceria estar de ponta-cabeça.
Outros truques são conseguidos com os espelhos esféricos, sejam eles côncavos ou convexos. Em um espelho plano, o tamanho da imagem será sempre igual ao tamanho do objeto.
“Mas, num espelho curvo, a imagem pode ficar maior ou menor, direita ou invertida, dependendo do tipo de espelho e da distância do objeto ao espelho”, afirma Cláudio Furukawa.
Um bom exemplo é uma colher de metal bem polida. A parte interna, onde colocamos a sopa, funciona como um espelho côncavo.
Dependendo da proximidade da colher do nosso rosto, podemos ver uma imagem maior e não-invertida, uma imagem menor e invertida ou ainda não ver imagem nenhuma.
A parte de trás da colher imita um espelho convexo. Nela, vemos uma imagem menor e não-invertida.
O segredo está na posição do objeto em relação ao vértice, ao foco e ao centro de curvatura do espelho
Para que a sua imagem fique alongada ou achatada, você precisa usar um espelho curvo cilíndrico em vez do espelho esférico.
Se o espelho for cilíndrico e côncavo, você se verá magro e alto – imagine como seria bom ter um desses em casa...
Quando você quiser ficar baixo e largo, experimente um cilíndrico convexo.
Nos parques de diversões, todos esses tipos são misturados para que as imagens fiquem deformadas e provoquem risos nos visitantes.
Além da física
Os espelhos também são capazes de despertar controvérsias.
Há quem diga que, nas primeiras décadas do século XV, grandes artistas já usavam instrumentos ópticos para criar pinturas realistas.
Esta é, inclusive, a tese do pintor americano David Hockney apresentada no seu recém-lançado livro Conhecimento Secreto (Editora Cosac & Naify).
Segundo Hockney, para representar fielmente profundidades, brilhos, sombras e volumes, alguns gênios da pintura já usavam uma lente-espelho, que projetaria a imagem do modelo sobre a tela.
Um deles seria o italiano Caravaggio (1573-1610), que usava espelhos, compassos e pintava diretamente na tela sem fazer desenhos preparatórios.
Na pesquisa que fez para escrever o livro, Hockney contou com a colaboração de um professor de Ciências Ópticas da Universidade do Arizona, Estados Unidos, para desvendar o mistério de como pintores como Caravaggio,
Velázquez (1599-1660) e Van Eyck (1422-1441) teriam projetado imagens para traçá-las em seus quadros. O professor demonstrou que isso poderia ter sido feito com espelhos côncavos.
“Alguns usaram imagens projetadas diretamente para produzir desenhos e pinturas e, em pouco tempo, essa nova maneira de representar o mundo – essa nova maneira de ver – tornou-se generalizada”, escreveu David Hockney.
Pinturas à parte, os espelhos também foram personagens de uma história de espionagem industrial. Há relatos de trapaças associadas ao esforço da França em estabelecer suas próprias indústrias de espelhos para satisfazer as demandas de Luís XIV (1638-1715), o “Rei Sol”, que tinha um apetite insaciável por aquelas superfícies prateadas refletoras.
A história fala de suborno e isenção de taxas a fabricantes de Veneza, proibidos por lei de se estabelecer em outro país, e fala também de roubo de segredos industriais.
Na época, os espelhos custavam uma pequena fortuna. Quando a técnica para fabricá-los se popularizou, eles passaram a fazer parte do cotidiano.
Os colonizadores portugueses se aproveitaram do poder de fascinação dos espelhinhos para praticar o escambo com os indígenas brasileiros, que nunca tinham visto um objeto “mágico” como aquele. Por volta do ano de 1750, dois terços da população parisiense possuía um espelho – para uso pessoal ou para decoração de ambientes.
A hora da verdade
Por remeterem ao tema da identidade e flutuarem entre o verdadeiro e o falso, o real e o imaginário, os espelhos são um prato cheio de significados para a literatura, a psicologia e outros campos do conhecimento.
“Viver e morrer diante do espelho”, esse era, segundo o francês Charles Baudelaire (1821-1867), o lema do dândi (algo como o mauricinho blasé do século XIX).
Em Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, o leitor é convidado a participar de um verdadeiro jogo, desmontando palavras, fazendo associações sonoras e tentando decifrar a lógica discursiva do texto.
O psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), por sua vez, cunhou o termo “estádio do espelho” para definir o processo pelo qual o bebê assume a imagem do seu corpo como sendo sua, ou seja, identificando-se com ela:
“Eu sou essa imagem”. É a constatação que fazemos todos os dias, gostando ou não, diante do espelho de casa.
2007-02-01 03:25:11
·
answer #2
·
answered by Juarez dos Reis Correa 4
·
1⤊
0⤋