1a) O que foi
O que
(se) foi
é (s)ido.
(Arnaldo Antunes in "as coisas" Ed. Iluminuras 1993)
2a) O Buraco do Espelho
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora
(in o carioca - revista de arte e cultura nº 2/ julho e agosto 1996)
3a) Os Peitos
Mulheres
têm dois
peitos. Os
homens têm
um peito só.
(Arnaldo Antunes in "as coisas" Ed. Iluminuras 1993)
4a) as coisas
As coisas têm peso,
massa,
volume,
tamanho,
tempo,
forma,
cor,
posição,
textura,
duração,
densidade,
cheiro,
valor,
consistência,
profundidade,
contorno,
temperatura,
função,
aprência,
preço,
destino,
idade,
sentido.
As coisas não têm paz.
(Arnaldo Antunes in "as coisas" Ed. Iluminuras 1993)
5a) Cultura
O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.
O bigode é a antena do gato.
O cavalo é o pasto do carrapato.
O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.
O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.
O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.
A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.
O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.
O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.
O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.
Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.
(Arnaldo Antunes in "Nome" São Paulo.BMG Ariola Discos,1993)
2007-01-17 14:45:19
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answer #4
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answered by Anonymous
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Arnaldo Antunes (São Paulo, 2 de setembro de 1960) é um músico, poeta e artista visual brasileiro, mais conhecido por sua participação como integrante do grupo de rock Titãs.
Em suas principais áreas de atuação artistica, a música, a poesia e a arte visual, demonstra a influência de subgêneros modernistas ou pós-modernistas.
Em 1978 ingressou na Faculdade de Letras da USP, onde seguiria o curso de LingüÃstica, não fosse o sucesso dos Titãs lhe tomar todo o tempo entre shows, gravações, ensaios, turnês e entrevistas.
Desligou-se da banda em 1992, depois de 10 anos de grupo, por conta de suas direções artÃsticas. Apesar de sua saÃda, Arnaldo continuou compondo com os demais integrantes do grupo, e várias dessas parcerias foram incluÃdas em discos dos Titãs, assim como em seus discos solo.
Também atuou como ensaÃsta na Folha de São Paulo, onde deixou evidente o substrato teórico que transparece no seu trabalho estético.
Sobre a origem da poesia
Arnaldo Antunes
"12 Poemas para dançarmos" (12 poems to be danced: 2000
A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.
Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou:
qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais Ãntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.
Como se ela restituÃsse, através de um uso especÃfico da lÃngua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mÃnimos flashbacks de uma possÃvel infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado.
Houve esse tempo?
Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras?
Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partÃcula verbal externa a elas, o que faria delas lÃnguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica.
Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os Ãndios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem "maçã vermelha", "água boa", "cavalo veloz"; em vez de "a maçã é vermelha", "essa água é boa", "aquele cavalo é veloz".
Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo à quelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta).
No seu estado de lÃngua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensÃvel mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em "Marxismo e Filosofia da Linguagem") "o estudo das lÃnguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada 'complexidade' do pensamento primitivo.
O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc".
Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre.
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.
IncluÃdo no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo
2007-01-17 14:56:30
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answer #7
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answered by ★HELDA★C★ ★ ★ ★ ★ 7
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