Remédios Caseiros
Moscas fritas para os carecas
vinho em mosto para os raquíticos...
Para a gripe, chazinhos de ervas com aguardente.
Contra o bronquite, "carotos" fritos e para a asma sopa de lesmas ou esterco de pombo-macho. Infusão de agrião para a fraqueza, aguardente em jejum para abrir o apetite. Para nascer cabelo, um preparado de fedigoses ou moscas fritas em azeite de baga de louro...
Era assim que o povo curava os seus males.
Só em último caso é que ia alguém a casa do senhor José alugar a rede para transportar o doente até à casa do doutor. E mesmo assim, com desconfiança. Porque a sabedoria popular tem remédios para tudo e mais alguma coisa. Na hora da desgraça experimenta-se de tudo: a infusão de um ervas com que um tia ou um primo se curou, a cataplasma ensinada pela vizinha ou a receita da curandeira.
Maria tinha pouco tempo para se ralar quando um dos filhos adoecia. Mas enquanto cirandava entre o lar e o canto da lenha, mandava um dos outros buscar o último frango do galinheiro para fazer um caldinho. Era privilégio dos adoentados. Reconfortado com o raro manjar, o doente ia tomando chazinhos até ficar bom. Isto quando o mal não requeria receituário mais complicado.
Para a tosse, Maria deixava nabo ou cenoura com açúcar a destilar ao sereno, Às vezes, quando ia à ribeira aproveitava para trazer folhas de tabaibeira: descascadas e com açúcar fazem um óptimo xarope.
Nas constipações não faltavam nunca os chazinhos de ervas bem quentes com aguardente, e o tradicional chá de limão com mel de abelhas.
Da cozinha, vinha um cheiro de eucalipto. Em chá, sem esquecer de tirar a nervura principal da folha por ser venenosa, ou em infusão para os doentes aspirarem o vapor, ao que se seguia forte resguardo.
Maria conhecia o campo como a palma das mãos. Sabia onde encontrar esta ou aquela erva. Quando havia gripes em casa, abalava depois do almoço de mãos a abanar e chegava com a borragem , o verbasco, a selvageira, a hera terrestre, as sementes de funcho, salva e hissopo, ramos de alecrim e bagas de loureiro também para chá. Doutras vezes lembrava-se de fazer chá de flores de perpétua, de hortelã-pimenta, de musgos ou de rosmaninho, de flores de violeta ou de pitangueira. Tudo bom para a tosse. Assim como os chás de avenca e de poejos ou de sementes de marmelo.
Contra a febre, chá de segurelha, e para a garganta gargarejar com água onde se ferveu amorico ou diabelha. Mas para os gargarejos Maria sempre preferiu a infusão de flores de sabugueiro, que havia à porta da Tia Clara.
A caminho da cidade, a pé e com um molho de cestos à cabeça, Maria foi conversando com uma gaulesa. Foi ela que lhe ensinou um novo remédio para a tosse: agrião com açúcar aquecido no forno. Maria falou-lhe no chá de caracóis ou de lesmas para a mesma maleita.
"Carotos" fritos para a bronquite
De regresso, quando passou na Ribeira da Ponte, trouxe agrião. Já agora, aproveita para fazer uma infusão a uma das pequenas, coitada, que anda com uma fraqueza. A infusão de agrião, mel, figos e ovos é remédio santo para as fraquezas nos pulmões.
Como de costume, a gripe pegou em quase todos: "só aparecem coisas para eu me atentar", resmungava, enquanto preparava a seguinte cataplasma para curar as cosntipações: uma colher de sopa de azeite de loureiro e água-raz em doses iguais, ensopado em estôpa e deixado sobre o peito durante uma hora.
Para a rouquidão, era um limão assado sobre as brasas e colocado em forma de cataplasma na garganta. Contra as dores de garganta também gargarejavam com água do mar morna ou com a mistura de uma colher de sopa de vinagre ou sumo de limão e uma de sal da cozinha.
A sabedoria popular aconselha ainda para os gargarejos da garganta, a alfavaca, as malvas, grelos de silvado e as cascas, frutos e flores ainda não abertas de romã.
Ensinaram-lhe, um dia, mais uma receita para a gripe: ferver num litro de água um limão, três grelos de loureiro, três grelos de alecrim, duas folhas de malva branca, um ramo de erva-cidreira e um cálice de aguardente-de-cana. É de ferver até o limão estar cozido, coar e dar ao doente uma chávena bem quente com açúcar, antes de ele adormecer.
Para as bronquites recomendam ainda papas de linhaça sobre a região pulmunar, fricções de aguardente canforad ou vinagre quente, ou ainda tomar leite quente com aguardente de cana. Um dia quiseram convencer a Rosa a comer "carotos" fritos. Dizem que também é bom para o bronquite. Mas isso! Preferiu continuar a tomar leitinho fervido com alho, em jejum.
Sofria de bronquite desde pequena. Até a levaram de manhã ao palheiro da vaca para apanhar o bafo quente. E, ainda, enterraram-lhe uma camisa no estrume para tentar minorar o mal. Não gostava nada quando a mãe a obrigava a tomar uma gemada: gema de ovo batida com açúcar e leite contra a rouquidão e a fraqueza.
Sempre fora fraca. Em pequena, meteram-na em mosto acabado de sair do lagar para combater o raquitismo. A mãe andava sempre com medo que lhe desse qualquer coisa nos pulmões e obrigava-a a comer muito agrião. Quanto não tinha apetite, fazia-lhe um chá de alecrim ou de macela. Há quem recomende, para abrir o apetite, um pequeno cálice de aguardente de cana tomado em jejum.
Rosa ouvira falar de gente que morrera tísica. Mas até para esse mal o povo arranja remédios.
Para o desmaio uma bota de vilão
Tarde de Verão. Estava um grupo a bordar debaixo da ameixieira grande, quando chegaram machiqueiros a pedir esmola. "Minha Ti Maria, dê-me uam esmolinha. Eu não tenho pai e tenho uma irmã tisicazinha." Maria, com a maior boa-vontade, dispôs-se a ensinar a receita com que se curara da doença uma prima que morava na Camacha.
"É deitar num tacho vidrado agrião, 36 caracóis pisados com as cascas, mel de abelhas, bálsamo de canudo espremido e meia quarta de açúcar. Põe-se massa crua para tapar bem à volta da tampa e vai ao forno durante três horas. Depois de frio, coa-se e dá-se ao doente uma colher de sopa em jejum, uma ao meio-dia e outra ao deitar."
Na cura da tuberculose, recomendavam também, além de comer elevadas doses de agrião, tomar suco de bálsamo de canudo de manhã, ao almoço e ao deitar.
Para as anemias devem igualmente comer-se grandes quantidades de agrião. E além do bálsamo de canudo em vinho Madeira tomado em jejum e antes das refeições, a medicina popular usa chás de losna bem temperados com açúcar de cana, cebolas cruas comidas em jejum ou ainda comer ao deitar e ao levantar uma fatia de pão embebida em mel silvestre e vinho da ilha.
A Ti Júlia, que veio de visita com o bordado, lamenta a sua sorte. "O meu velho tem andado no doutor. Diz que ele tem diabetes." Maria responde prontamente: "Faça uma infusão de folhas de eucalipto, ou então de folhas de jambeiro." A Ti Joaquina ouviu a conversa e deu uma ajuda: uma infusão de abundância, açúcar e álcool.
João foi para a fazenda apanhar erva à vaca e achou de "enfuguitar" um vespeiro. Chegou a casa lavado em lágrimas, todo mordida das vespas. Até deixou na fazenda o molho e a foice. Maria ralhou: "Bem feito, que é para aprenderes." Mas largou da mão o que estava fazendo e foi pisar alho para colocar em cima das "mordidelas".
Há quem prefira pôr anil, sabão ou salsa pisada. Nas picadas de insectos é uso também colocar em cima uma moeda branca ou uma faca "para puxar o veneno".
Para as dentadas de cão o tratamento é diferente. Certa vez, José foi fazer uma festinha ao cachorro que havia em casa do leiteiro e zás. Foi mordido num dedo. Foi mesmo a senhora Conceição quem lhe ensinou o remédio. Pegou num feijão seco partido ao meio, e ligou-o no dedo ferido, metade de cada lado. O feijão agarra-se e só cai depois de estar curado. Se por acaso fosse mais grave, teriam recorrido ao tradicional pêlo do mesmo cão em cima da ferida. Diz a quadra popular, citada pelo Visconde do Porto da Cruz em "Crendices e Superstições do Arquipélago da Madeira":
"Dentada de cão se cura
Cum pelo do mesmo cão
Cura o vilão o desmaio
Cum uma bota de vilão"
Uma bota dada a cheirar é o melhor remédio para as desmaios. De preferência uma de quem cuide pouco dos pés. Usava-se ainda friccionar os pulsos e as "fontes" dos doentes com vinagre, vinho ou água fresca.
Um chazinho de macela cura dores de estômago
Ao fim da tarde, Maria sentava-se junto da janela, aproveitando a luz, já escassa, para remendar as já mais que remendadas calças do marido. A certa altura, dizia para a Graça: "Faz-me um chazinho de salva, a ver se me passa esta maldita dor de cabeça:" Nas enxaquecas, diz o receituário popular, deve colocar-se amarradas na testa rodelas de semilha cruas.
Foi a Ti Antónia do cabeço quem ensinou para colocar na testa um pano molhado em leite de cabra, acabado de tirar e ainda quente, ou então folhas de limoeiro com um pano amarrado por cima.
Às vezes, Maria sentia-se "com azia" e preferia um chá de macela. A macela é uma das ervas mais usadas. Serve para um sem fim de doenças, mas em especial para o estômago, para os olhos e para feridas. Diz a superstição que não se deve ferver na água um número par de grãos.
Além da macela para as cólicas e indigestões, o povo usa a erva cidreira para os enfartamentos, a hortelã-pimenta para as dores de estômago ou a cataplasma de linhaça. Ou aplica um pano de baeta aquecido sobre o estômago, bem como uma fatia de pão molhada em vinho quente. Para as perturbações digestivas, recomendam uma chávena de chá preto e usam ainda tomar um copo de água quente com o estômago vazio. Para não falar na pêra abacate esmagada, no doce de laranja amarga, ou sumo de laranja e limão, e na infusão de botões de chaga em vinagre. Além do chá de macela, tomam depois das refeições o chá de erva-doce, losna ou hortelã-pimenta. Os talos subterrâneos de cenoura da rocha também servem para ajudar a digestão. Fica aqui ainda outra receita: ferver num litro de água uma folha de losna, um pedaço de casca de laranja amarga, um ramo de hortelã-pimenta e uma colher de chá de sementes de erva-doce. É bebido frio antes das refeições.
Sal ou casca de banana em caso de verrugas
Enquanto Graça punha a água ao lume, soprando as brasas do lar até ficar vermelha, Manuel foi para a volta dela. "Não venhas para aqui atrapalhar qu'inda levas c'um vergasto." Dizem que a quem aponta para as estrelas nascem-lhe verrugas nos dedos. Apontando ou não o certo é que Manuel andava sempre com cheio de verrugas nos dedos, nos pés e nas pernas. Então, de tempos a tempos fazia a velha receita: esfregava sal nas verrugas e atirava-o para o lar, tapando logo os ouvidos e saindo a correr para não ouvir os estalos.
Outras vezes, contava as verrugas e dava num pêro tantos cortes quantas as verrugas. Colocava-o na chaminé preso por um atilho num pequeno pau. Conforme o pêro secava, iam secando as verrugas. O mesmo efeito é conseguido esfregando nas verrugas uma casca de banana do avesso e colocando-a ao sol para secar.
Na cura das verrugas, há ainda quem esfregue toucinho, arremessando-o depois no braseiro, ou esfregue o suco amarelo da celidónia, sementes de madressilva ou leite de figueira.
Manuel estava cheio de arranhões de andar subindo aos pinheiros com a canalha da sua idade. Cicatrizavam quase por si. Os pequenos urinavam em cima, para ajudar a sarar. A urina fresca tem fama de ser eficaz também nas queimaduras, assim como uma clara de ovo, a nata do leite e o azeite com uma pitada de sal.
Nas feridas, um dos remédios mais usados era o suco de bálsamo de canudo. Para além do inhame de lagartixa, da formigueira e das folhas pisadas de engos, tanchagem, erva de Santa Maria, amor-de-burro, erva gigante, meimendro ou malvas. Nas inflamações era igualmente muito usado um ungento feito com azeite, folhas de erva de Santa Maria e tanchagem pisadas.
Para as doenças cutâneas usavam-se internamente infusões de azeda, urtiga viva, bolsa de pastor, molarinha, amor-perfeito, teijeira ou folha de nogueira. Para as eczemas da cara, farinha torrada com óleo de soja.
Algumas doenças da pele eram curadas externamente com petróleo, água do mar e sucos de celidónia ou trovisco. Em feridas e chagas usavam-se pelos de feto abrum aquecidos ao lume numa frigideira, demolhados em azeite.
Para estancar o sangue de um golpe, bastava uma teia de aranha ou azeite de loureiro, este último com inúmeras aplicações na medicina popular. O mesmo efeito é obtido com o sumo de bálsamo de canudo ou uma infusão de grelos de carvalho em álcool. Depois de uma queda faziam-se massagens com bálsamo de canudo e friccionava-se com vinagre ou vinho quente. Logo após a queda, havia quem bebesse cerveja preta com pedaços de marmelada e gemas de ovos.
Azeite de loureiro é remédio santo
As pústulas eram curadas com azeite de loureiro, também chamado óleo de baga de loureiro, que o povo usa contra a gangrena, quando se fere ou sofre incisões cirúrgicas. Contra o tétano, embeber um murrão de estopa em azeite de loureiro, incendiar e deixar os pingos ardentes cair sobre o ferimento.
Quando apareciam furúnculos, cobriam com uma passa de uva ou figo, punham folhas de bonina pisadas sobre o inchaço ou aplicavam uma folha de tanchagem com uma camada de banha de porco sem sal. Dizem que o mel de figos os fazia rebentar em pouco tempo. Contra as queimaduras: azeite e vinagre em partes iguais, raspa de semilha crua ou sal moura, tirado da cartola da carne de porco.
Para desfazer caroços, colocar uma papa amassada de cozimento de folhas de trombeteira, violetas, malva brava, tanchagem e erva gigante. Depois de fervido e espremido juntavam uma colher de sopa de farinha de trigo e azeite de loureiro. Depois da aplicação, toca a pincelar com "inxundia" de galinha. Depois de derretida ao sol, esta servia também para untar as ínguas, curadas ainda com uma colher de farinha, bem ligada com azeite.
Nas irisipelas aplicavam sangue de crista de galo cortada de fresco ou tremoço moído, lavando com chá de urtigas vivas ou erva gigante. Ou então penduravam à cabeceira da cama, ou junto ao corpo, cebolas albarrãs.
Nas feridas provenientes de pancadas, recomendavam-se folhas pisadas de engos e para caneladas fazer aplicações com papa de abóbora amarela, mantendo a perna estendida. Crê-se que a lambedela dos cães cicatriza as feridas.
Reumatismo: Petróleo e pena de galinha preta
No canto do terreiro ouviu-se um apupo. Graça deitou a cabeça à porta da cozinha: "Venha sempre". Era a tia Augusta, com o seu inseparável xaile negro, cobrindo os ombros e parte da cabeça, já branca. Não anda nada bem. É o reumatismo. Já experimentou as fricções com vinho ou vinagre morno, com petróleo ou pomada de enxofre e as lavagens com infusão bem quente de alecrim e com o cozimento das cascas, raízes e folhas de buxo.
Maria recorda-lhe que são benéficas as fricções com infusão de dedaleira ou de sempre-noiva. "Inda ontem me disseram que para isso é bom comer em jejum uma cebola crua ou mal cozida ou então pôr uma semilha nova, crua, no lugar da dor." Isso não sabia. Mas já experimentou também beber uma infusão de meio litro de água com meio litro de aguardente de cana e uma mão-cheia de flor de carqueja. Para além do chá de feiteira ou de folhas de abacateiro. "Também já me ensinaram para lavar com alecrim de Nossa Senhora ou com água do mar morna, mas isso ainda não fiz."
Nas curas do reumatismo usavam igualmente fricções com óleo de baga de louro ou madre de louro moída e misturada com tabaco de cheiro. E ainda chá de pelicão, usado também contra a gota. Dizem: "Quando as abelhas ferram, curam o reumatismo." Para o reumatismo, a superstição ensina que o petróleo dado sobre o mal com uma pena de galinha preta é de efeito imediato e radical. Não é o único caso em que a galinha preta aparece com propriedades importantes nesta medicina de trazer por casa. Usava-se muito o sangue de galinha preta, espalhado na pele, para chamar os vermes intestinais.
Muito padeciam os mais novos com as lombrigas. Para não deixar as lombrigas subir à garganta, colocavam dentes de alho ao pescoço das crianças e obrigavam-nas a tomar chás de losna, hortelã-pimenta, lombrigueira ou alho. Chá de nevda é bom mas faz partir os dentes. Havia quem amassasse farinha e desse nas frontes dos doentes. Depois era esperar até ficar enrugado e raspar com uma lâmina ou um pano áspero "para cortar as cabeças das lombrigas, quando elas estão entre a pele e a carne." Para elas fugirem, esfregavam vinagre nos pulsos e no nariz. Na barriga esfregavam sangue de crista de galo, passando depois por cima uma lâmina.
Para expulsar uma ténia ou bica solitária, o remédio é constituído por pevides secas de abóbora ou chá de raízes de romeira. Para as hemorróidas, chá de pimentas malaguetas ou infusões de alfavacas de cobra, em semicúpio, sem esquecer de beber chá da mesma erva.
Estavam todos à volta da grande mesa da cozinha, quando chegou a senhora Maria José. Era véspera de São João. "Olha, Maria, é para ver se o teu João não podia ir amanhã de madrugada com a minha Maria, passar num vimeiro o menino da minha Lurdes, que é roto do umbigo." Então não pode ser! Ensinam o ditado da praxe ao João e à Maria, para repetirem, enquanto passarem a criança por entre o vime aberto ao meio, dos braços de um para os de outro: "- Que me dás, Maria? - Que me dás, João? - Um menino roto, para me dares um são." Tinham de passar a criança três vezes pelo vime.
Nos terçóis, miolo de pão
Lembram-se de ir todos ao mar nessa noite, "a ver se passa a comichão dos pequenos, com a água do mar lampa". O sereno devia ser recolhido e guardado para as alergias da pele e doenças dos olhos. Quando os olhos estão inflamados também podem ser lavados com chá preto frio, com cozimento de tanchagem ou com infusão de macela.
Os terçóis curavam-se espremendo nos olhos suco de bálsamo de canudo ou aplicando sobre a parte inflamada o miolo de pão. "Comer formigas faz apurar a vista."
A vizinha sentou-se um bocado no banco junto ao lar e ficou conversando. Lembrou-se de uma vez, quando era nova, que foi pôr cabelo no olho de uma aboboreira na noite de São João para ver se ele vinha mais forte. Mas o mais usado entre o povo para fazer crescer bem o cabelo são os fedigoses, ou melhor fedegoso.
Às vezes apenas lavavam o cabelo com água em que tinha sido cozida essa planta. Ou então faziam um verdadeiro tónico capilar, como explica nas "Ilhas de Zarco", o Padre Eduardo Pereira. É um quilo de fedegoso a ferver num litro de água até ficar reduzido a meio litro. Quando morno, juntar 25 gramas de alcool pura e 50 gramas de tintura de iodo. Uma vez fria, a loção era guardada num recipiente bem rolhado, sendo bastante agitada sempre que era usada na parte do couro cabeludo onde queriam fazer nascer cabelo. Este tónico era aplicado dia sim, dia não.
Outra receita contra a calvície: lavar o cabelo com chá de artemija ou de macela. Diz ainda a crendice popular que friccionar o casco da cabeça com moscas fritas em azeite de baga de louro faz nascer cabelo, e aconselha igualmente tomar em jejum durante um longo período, água em que foram cozidas cebolas.
A senhora Maria José alisou o vestido e levantou-se para ir embora. "Maria, vou levar uma folha de ensaião, a ver se este calo deixa de me atentar." Para combater os calos era uso amarrar durante quatro noites uma folha de ensaião, lavando depois com água bem quente e auxiliando a degradação com a unha. Dizem ainda ser útil o suco de hera terrestre.
Nervos e coração: Chá de laranjeira
Já no canto do terreiro, à despedida, mais um bocado de bilhardice. A Ti Júlia da Rocha está pior do coração. Recomendou-lhe chá de laranjeira, chá de boliana e que comesse bastantes nozes.
No outro dia, depois do Almoço, Maria pôs o lenço na cabeça, calçou as botas novas e abalou para casa do compadre, o Ti Francisco, que estava mal. Mandaram até chamar o senhor Padre, para a extrema unção. Uma vez em casa, puseram-se todos muito atentos a ver se ele passava muitas páginas do livro. Graças a Deus que sim! Quer dizer que ainda há-de viver bastante o doente, apesar dos agouros da Ti Joaquina que ouviu o barulho de um estrapagado a noite toda.
A Ti Joaquina, de preocupação, já andava "com os nervos num frangalho". Já nem dormia e recomendaram-lhe, por isso, chás de laranjeira, manjerona, erva cidreira, manjericão, pessegueiro inglês ou água destilada de alface.
No sentido de fazer o doente recuperar rapidamente e havendo pouca esperança, vestiram-lhe, em último recurso, uma camisa nova feita na ocasião. A superstição acaba por estar sempre presente nestas andanças. Como o costume de lavar com vinho branco um pingo de sangue caído no lençol, para afastar a morte.
Para todos os males há um chá qualquer, uma erva, uma cataplasma....Para os rins, infusão de malfurada ou de cavalinha. Nas afecções urinárias, o remédio mais usual é o chá de barba de milho. E ainda a linhaça, o chá de folhas de espinheiro ou de hipericão, o agrião cru e as raízes de aipo. Para além da infusão de artemija, pedúnculos de cerejas, folhas e raízes de morangueiro, pessegueiro inglês, sempre-noiva, etc.
O urjevão e o marroio são as plantas preferidas para tratar as moléstias do fígado, bem como as papas de linhaça sobre o fígado ou tomar em jejum durante um mês um copo de água morna com sumo de um limão. Também os chás de pinheiros de água e pedúnculos de cereja. Contra a pedra no fígado colocavam um ovo de galinha fresco e lavado dentro de um copo e coberto com sumo de limão, deixando em repouso um dia e meio. O sumo descalcifica a casca. Deve-se então beber o sumo com o pó, durante dez dias em jejum.
Para combater as diarreias, infusão de casca de canela, de casca de romã, de pontas de silvado, de erva-cidreira e de araçá roxo, para além do cozimento de arroz e de aguardente de ginja, quando o mal não tem um aspecto grave.
Arruda, aguardente e alfinetes de senhora
Contra a desinteria usavam ainda a infusão de alfavaca e os banhos com chá de amor-de-burro, também conhecido por erva-machiqueira, ou chá bravo. OU a seguinte mistura: sumo de limão, canela em pó, duas colheres de vinagre a açúcar.
Quando as visitas chegavam para ver o novo bebé, já sentiam o cheiro de aguardente na porta da rua. A aguardente não era apenas servida à mão, mas também às visitas. Aliás, para a mãe era obrigatória a infusão de aguardente com ervas: madre de louro, canela, botões de arruda, erva-doce e botões de cravo da índia.
Nos padecimentos uterinos eram muito usadas as seguintes ervas: arruda, lombrigueira, losna, alfinetes de senhora, madre de louro, artemija, cuidados, marroios, poejos e salva. Também a infusão de acelgas, alfavaca e amor-de-burro. O alecrim de Nossa Senhora e a alfazema serviam para banhos. Sobre o útero colocavam uma cataplasma de arruda, alfazema ou rosmaninho pisados, um ovo batido e um pouco de farinha. Para acalmar as dores menstruais era costume as jovens tomarem meio cálice de aguardente.
Faziam chá de erva-doce às mães para estas terem abundância de leite. Para o mesmo efeito, diz a tradição que se deve comer semilhas cozidas ou assadas com casca, papas de farinha de milho e chá de lesmas com funcho. Para secar o leite, bastava esfregar salsa nos mamilos. "Sopa de caracóis faz bem às forças perdidas e dá abundância de leite às mães."
Não é só. O povo tem remédios que nunca mais acabam. Para uma simples dor de dentes ou para os casos mais complicados, desde a cura da epilepsia ou da asma.
Para os dentes, eis a receita: bochechar com cozimento de raízes de seixo, chá de arruda, pimentas ou sabugueiro, e uma mistura de vinagre, aguardente e sal.
A asma combate-se com chá de grama ou poejos e também de perpétua branca, tomado em jejum nove manhãs seguidas. Sem esquecer o caldo de lesmas e o excremento de pombo--macho. O suco de inhame de lagartixa tem aplicação em casos de epilepsia. Os antigos garantiam a cura total desse mal com a seguinte receita: esterco de cão preto, depois de torrado e moído, posto de infusão em vinho branco sem álcool, devendo tomar-se meio cálice diariamente em jejum.
Muitas vezes, para ajudar, recorria-se aos serviços de uma das curandeiras do sítio. Muita gente sabia curar de olhado, inveja e pragas, conforma o caso, e ainda de sol, ar, aberto, aranha, impingem, íngua ou irisepela. As crianças eram levadas frequentemente a casa de uma mulher que sabia curar do "bucho encostado".
A pouco e pouco, todas essas rezas, assim como os ensinamentos da medicina popular, vão desaparecendo. Alguns permanecem ainda, mas apenas na memória dos mais velhos. Hoje, o povo vai aos centros de saúde, aos hospitais e aos médicos privados, e tenat seguri à risca as receitas aviadas na farmácia. Tomam os comprimidos mas de vez em quando ainda se ouve alguém dizer: " Para isso, o que era bom era um chazinho de losna...."
Lília Mata
(in: Diário de Notícias, Revista, 29 de Julho de 1990)
Nota:
Na elaboração deste trabalho, além das preciosas informações das gentes do campo, foram consultadas as seguintes obras:
SILVA, padre Fernando Augusto e Carlos Azevedo Menezes - Elucidário Madeirense, 3 volumes, Fac-simile da edição de 1946, Funchal, DRAC, 1984, (Verbete "Medicina Campestre", vol. II, pp. 347 a 349)
Visconde do Porto da Cruz, "A flora Madeirense na medicina popular", in Das Artes e da História da Madeira, nºs 7, 8 e 9, Funchal, 1951 (pp. 29-32, 30-33 e 38-40)
AGUIAR, Fernando de - Cousas da Madeira, credos e superstições, milagres e outros sucedimentos, III Separata da Revista Gil Vicente, Guimarães, 1942.
PEREIRA, Eduardo C.N. - Ilhas de Zargo, 2 volumes 4ª edição, Funchal, Edição da Câmara Municipal do Funchal, 1989 ("Plantas Medicinais", vol. I, Parte III, Flora, pp. 359-364).
Visconde do Porto da Cruz - Crendices e Superstições do Arquipélago da Madeira, Edição do Autor, 1954
Nalgumas destas obras, nomeadamente "Ilhas de Zargo" e "A Flora madeirense na medicina popular", são referidos os nomes científicos das plantas usadas pelo povo madeirense na cura dos seus males.
2007-01-15 02:59:44
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answer #2
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answered by bruce_newmetal 2
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