Sotaque mineiro: é ilegal, imoral ou engorda?
Felipe Peixoto Braga Netto
''Minas não é palavra montanhosa.
à palavra abissal. Minas é dentro
E fundo”
Carlos Drummond de Andrade
Gente, simplificar é um pecado. Se a vida não fosse tão corrida, se não tivesse tanta conta para pagar, tantos processos — oh sina — para analisar, eu fundaria um partido cuja luta seria descobrir as falas de cada região do Brasil.
Cadê os lingüistas deste paÃs? Sinto falta de um tratado geral das sotaques brasileiros. Não há nada que me fascine mais. Como é que as montanhas, matas ou mares influem tanto, e determinam a cadência e a sonoridade das palavras?
à um absurdo. Existem livros sobre tudo; não tem (ou não conheço) um sobre o falar ingênuo deste povo doce. Escritores, ô de casa, cadê vocês? Escrevam sobre isto, se já escreveram me mandem, que espero ansioso.
Um simples" mas" é uma coisa no Rio Grande do Sul. à tudo menos um "mas" nordestino, por exemplo. O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horrÃveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo (das mineiras) ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor.
Eu sou suspeitÃssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
Mas, se o sotaque desarma, as expressões são um capÃtulo à parte. Não vou exagerar, dizendo que a gente não se entende... Mas que é algo delicioso descobrir, aos poucos, as expressões daqui, ah isso é...
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: "pó parar". Não dizem: onde eu estou?, dizem: "ôndôtô?"). Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no caminho.
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem — lingüisticamente falando — apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.
Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro — metaforicamente falando, claro — ele é bom de serviço. Faz sentido...
Mineiras não usam o famosÃssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.
Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: — Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofÃcio.
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:
— Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.
Esse "aqui" é outro que só tem aqui. à antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. à mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, olá, me escutem, por favor. à a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.
2007-01-11 08:37:22
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answer #4
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answered by Ricardão 7
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