Introdução
A publicação do livro Philosophiae Naturalis Principia Mathematica atrasou cerca de 20 anos; ele só foi publicado em 1687, e, dessa vez não foi por culpa do editor. A verdade é que Newton não podia tê-lo feito antes disso. A razão para tão grande espera foi que, embora Newton tivesse idéias bastante claras a respeito das leis físicas sobre a gravitação desde o início de sua carreira científica, faltavam-lhe os métodos matemáticos. A Matemática existente então não incorporava as bases que eram extremamente necessárias para o desenvolvimento de todas as conseqüências da sua lei fundamental da interação entre dois corpos materiais. O que se conhecia de Matemática naquele tempo era insatisfatório para a solução dos problemas que foram aparecendo a respeito da interação de corpos.
A solução Galileu
Essas dificuldades também já se haviam apresentado para o famoso cientista italiano Galileo Galilei. Não tanto para verificar o isocronismo do pêndulo (oriundo da colorida história da Catedral de Pisa), nem mesmo para constatar que a velocidade dos corpos em queda livre não depende do peso dos corpos que caem (oriundo do relato não oficial sobre a torre inclinada de Pisa), mas sim para encontrar uma relação matemática entre a velocidade de um corpúsculo em queda livre e o tempo gasto em atingi-la. O problema de relacionar o espaço percorrido pelo corpo com o tempo de percurso foi resolvido com especial maestria.
Como a queda livre, no caso mais geral, é realmente um movimento rápido demais para podermos seguí-la com a vista desarmada, e como Galileu não dispunha dos atuais equipamentos (rápidas câmaras de filmagem, por exemplo), ele resolveu 'diluir' a força da gravidade. Fez com que bolas de diferentes materiais rolassem sobre um plano inclinado ao invés de deixá-las cair diretamente; percebendo perfeitamente a similitude entre os dois tipos de 'quedas'. A vantagem que ele enxergou disso é que a escala de tempo seria aumentada por um fator que iria depender da inclinação do plano. Seu relógio, então, era um relógio de água, onde os intervalos de tempo eram medidos pelo peso da água que escoava.
Seu experimento pode ser hoje repetido com singular simplicidade e, para tanto, basta um cilindro metálico e uma tábua bem polida, com mais de 2 m de comprimento, que apresente uma de suas extremidades elevada cerca de 5 cm.
Cilindro rolando sobre o plano inclinado
A inclinação da tábua será 5cm/200cm = 1/40, e essa será a proporção segundo a qual a gravidade age sobre o cilindro (sabe justificar isso?). Abandone o cilindro do alto do plano, sem empurrá-lo.
O trabalho a seguir será anotar, a cada segundo, as distâncias percorridas pelo cilindro, a contar do topo da tábua, ou seja, deve-se anotar o espaço percorrido no primeiro segundo; o espaço percorrido nos dois primeiros segundos; nos três primeiros segundos, e assim por diante. Com alguma aproximação deve-se obter, como média de várias experiências, o seguinte: 12 cm, 49 cm, 110 cm, 196 cm e 306 cm.
Notemos, como o fez Galileu, que essas distâncias ao fim do segundo, terceiro, quarto e quinto segundos são aproximadamente 4, 9, 16 e 25 vezes maior que a distância percorrida ao cabo do primeiro segundo de movimento.
Essa experiência demonstra que a velocidade na queda livre aumenta de modo tal que a distância percorrida pelo corpo, aumenta na mesma proporção que os quadrados dos tempos de percurso (4 = 22, 9 = 32, 16 = 42, 25 = 52).
Na notação moderna escreveríamos: s = (1/2)a.t2, onde (1/2)a é o fator de proporcionalidade.
Repita agora a experiência com um cilindro de madeira densa e com outro de madeira de balsa e verificará que a velocidade do movimento e as distâncias percorridas ao fim de intervalos de tempos consecutivos e iguais permanecem as mesmas.
O problema mais sério de Galileu veio a seguir: como determinar a lei de variação da velocidade com o tempo, a qual levaria à dependência entre distância e tempo acima estabelecida. Em seu livro Diálogo concernente a duas novas ciências Galileu escreveu que "as distâncias percorridas aumentariam com os quadrados dos tempo de percurso SE a velocidade do movimento fosse proporcional à primeira potência do tempo."
O argumento utilizado por Galileu para justificar tal proposição foi brilhante. Acredito (pensamento do autor) que ele se lastrou nas técnicas da Geometria Plana na resolução de questões (já bem desenvolvidas na época) para sua justificação. Explico: ele admitiu o 'problema resolvido', ou seja, que a velocidade do corpo em queda livre fosse proporcional à primeira potência do tempo e, a partir disso demonstrou que se pode chegar á lei dos espaços percorridos já aceita, demonstrada e justificada experimentalmente. E, o que ele fez foi nada mais nada menos que aplicar o que hoje conhecemos como 'método da integração'.
Vejamos como seria essa justificação usando notações um tanto já modernizadas.
Se a velocidade varia com a primeira potência do tempo, ou seja, aumenta linearmente com o tempo, seu gráfico será uma reta (linha vermelha) passando pela origem dos eixos V e t, como se ilustra:
O método de integração de Galileu
A seguir, Galileu dividiu o intervalo de tempo de 0 até t (quando então a velocidade vale V) em um grande número de pequenos intervalos de tempo e traçou as linhas verticais, como ilustramos acima. Com isso, obteve um grande número de retângulos finos e compridos. Seu pensamento seguinte foi: substituir a reta original da hipótese (a vermelha), que representa a variação contínua da velocidade com o tempo, por uma linha que lembra uma espécie de escada de degraus muito estreitos. Nessa representação, a velocidade passa a representar um movimento feito aos trancos; a velocidade aumenta bruscamente e a seguir permanece constante até o próximo tranco.
Entretanto, continua Galileu, se fizermos os intervalos de tempo cada vez menores e seu número cada vez maior, a diferença entre a subida perfeitamente suave e aquela pela escada tornar-se-á cada vez menos perceptível e desaparecerá quando o número de divisões se tornar infinitamente grande (essa idéia foi bastante utilizada para cálculos de áreas e volumes, em geometria, já conhecida na época).
A beleza da idéia está em que, durante cada um desses curtos intervalos de tempo, o movimento se processa com uma velocidade constante, própria desse breve intervalo de tempo e que a distância percorrida é igual a essa velocidade multiplicada pela extensão desse intervalo de tempo. Pronto! O complicado movimento de queda livre foi 'quebrado' em numerosos e breves movimentos uniformes!
A seguir a coisa ficou mais simples, veja: cada minúsculo retângulo tem a seguinte propriedade ¾ sua área representa o espaço percorrido naquele pequeno intervalo de tempo ¾ e, sendo assim, a área total (soma das áreas de todos os magros retângulos) deverá representar o espaço percorrido pelo corpo em queda livre até o instante t. Mas, essa área é simples de ser calculada, é a área do triângulo ABC, logo:
espaço percorrido (s) = (1/2).base(t).altura(V)
ou
s = (1/2).t.V
entretanto, como por hipótese, a velocidade é proporcional ao tempo (V = a.t), substituindo na expressão acima, obtemos:
s = (1/2).V.t = (1/2).at.t = (1/2).a.t2
Bingo! Chegamos á lei do quadrado dos tempos, que é verdadeira .... logo V = a.t também é verdadeira!
Outra contribuição importante de Galileu à jovem ciência da Mecânica, foi a descoberta do princípio da superposição dos movimentos porém, sua mais importante contribuição foi mesmo ter legado um método que, embora já conhecido pelos geômetras (Arquimedes o usou para encontrar o volume de um cone e de outras figuras), pela primeira vez foi utilizado nos fenômenos físicos. Esse método, nas mãos de Newton, tornou-se um dos ramos mais importantes da Matemática.
Os flúxions de Newton
Newton teve que resolver, por conta própria, vários problemas. Para começar, no tratamento do problema Terra-Lua, ele teve que supor que a força de atração era inversamente proporcional ao quadrado da distância entre os centros dos dois corpos. Como a distância entre esses corpos é relativamente grande ele pode supor as massas concentradas (pontos materiais) e resolver, á la Galileu, o problema da aceleração da Lua. Mas, no tratamento do problema Terra-maçã a coisa complicou; quando a maçã é atraída pelo globo terrestre, a força que a está puxando para baixo é composta de um número infinito de diferentes forças que têm como causa a atração de rochas situadas a várias profundidades sob as raízes da macieira, pelas rochas do Himalaia e das Montanhas Rochosas, pelas águas do Oceano Pacífico e pelo ferro derretido que se encontra no centro da Terra.
Para que pudesse apresentar uma demonstração matematicamente imaculada para as forças com que a Terra age sobre a maçã e sobre a Lua, Newton teve que demonstrar que todas essas forças poderiam ser representadas por uma única força que estaria presente se toda a massa da Terra estivesse concentrada no seu centro.
Esse problema que, embora parecido, era muito mais complicado do que o problema de Galileu relativo ao movimento de uma partícula com velocidade aumentando constantemente, estava além dos recursos matemáticos do tempo de Newton ... e ele teve que desenvolver sua própria matemática. Ao fazê-lo, lançou as bases do Cálculo Infinitesimal (ou simplesmente Cálculo).
O segredo todo está na técnica na qual as linhas, as superfícies e os volumes da Geometria Clássica são divididos em um número muito grande de pequenas partes, e então considera-se as inter-relações no caso limite, quando o tamanho de cada sub-divisão vai de aproximando de zero.
Vejamos o tratamento desenvolvido por Newton para o estudo de um movimento genérico. Nesse desenvolvimento iremos adotar a postura newtoniana e paulatinamente apresentar as notações modernas assim como algumas aplicações.
Iniciemos com um movimento no qual sua coordenada x varie de um modo regular acompanhando o valor de t. No caso mais simples x poderá ser proporcional a t e então escreveremos:
x = A.t (1)
onde A é uma constante numérica (independente do tempo) que torna iguais os dois membros da 'equação'. A expressão (1) acima nos informa, para cada valor de t, o correspondente valor assumido por x.
Tomemos dois instantes distintos t e t + Dt, onde Dt é um pequeno incremento sobre t e que, mais tarde, será feito igual a zero. Só para fixar a idéia, se t = 4 segundos, o t + Dt poderá ser algo como 4,000000000001 segundos ou bem menor ainda
Nesses dois instantes as correspondentes coordenadas x e x' (ou melhor, espaços) terão os valores calculados pela (1):
t ===> x = A.t
t + Dt ===> x' = A(t+Dt)
A distância percorrida pelo móvel (ou melhor, a variação do espaço) durante esse intervalo de tempo Dt é, formalmente:
x' - x = Dx = A(t+Dt) - A.t = A.Dt
e, dividindo-se membro a membro por Dt, obteremos exatamente A.
Dx = A.Dt ===> Dx/Dt = A
Essa é a "razão de variação" de x com t, ou o "flúxion de x" em relação ao tempo, como Newton o chamou e indicou assim:
O flúxion de x em relação ao tempo será a lei de velocidade do movimento em questão. Por comodidade de digitação o flúxion de x, ou seja, x com um ponto sobre ele, será indicado por x*.
Vejamos um exercício 'cinemático', como aplicação desse flúxion: Sobre uma trajetória previamente conhecida a lei de movimento de um ponto material é s = 5t + 2, com unidades no S.I.U. Obter, pela definição, a lei de velocidade desse movimento.
Resolução: para um genérico valor de t teremos: s = 5.t +2
para um instante posterior de valor t' = t+Dt teremos: s' = 5(t+Dt) +2
a variação de espaço nesse intervalo de tempo de extensão Dt será:
Ds = s' - s = 5(t+Dt) +2 - (5t +2) = 5.Dt
O flúxion de s, ou a razão incremental do espaço será: s* = Ds/Dt = 5.Dt/Dt = 5
Então, s* = 5 que é o flúxion de s em relação a t será a lei de velocidade desse movimento, com unidades no S.I.U.
Examinemos agora um caso um pouco mais complicado, onde a coordenada x (espaço) varia com o tempo segundo a expressão:
x = A.t2
Eis o desenvolvimento:
t ===> x = A.t2
t+Dt ===> x' = A(t+Dt)2
A variação da coordenada x no intervalo de tempo Dt será:
Dx = x' - x = A(t+Dt)2 - A.t2 = At2+2AtDt+ADt2 - At2 = 2A.t.Dt + A.Dt2
A razão incremental será: Dx/Dt = 2A.t + A.Dt
Quando Dt vai se tornando infinitamente pequeno, o último termo desaparece e assim teremos, para o flúxion de x: x* = 2At
Aplicação: O espaço de um ponto, sobre trajetória conhecida, varia com o tempo segundo a lei s=3t2+2t+1, com unidades no SI. Obter, pela definição, sua lei de velocidade.
Fazemos:
t ==> s = 3t2+2t+1
t+Dt ==> s' = 3(t+Dt)2+2(t+Dt)+1
Ds = s'-s = 3(t+Dt)2+2(t+Dt)+1 - (3t2+2t+1)
Desenvolvendo o quadrado da soma, eliminando os parêntesis e simplificando temos:
Ds = 6.t.Dt+3Dt2+2Dt
A razão incremental (dividir m.a.m. por Dt) será: Ds/Dt = 6t +3Dt +2
No limite, para Dt tendendo a zero, o termo intermediário desaparece e resta: s* = V = 6t + 2, que é a lei de velocidade com unidades no SI.
Seguindo-se o mesmo raciocínio, calculemos o flúxion de x = At3 .
t ===> x = A.t3
t+Dt ===> x' = A(t+Dt)3
A variação da coordenada x no intervalo de tempo Dt será:
Dx = x' - x = A(t+Dt)3 - A.t3 = At3+3At2Dt+3AtDt2+ADt3 - At3 = 3A.t2.Dt +3AtDt2+ A.Dt3
A razão incremental será: Dx/Dt = 3A.t2 + 3AtDt + A.Dt2
Quando Dt vai se tornando infinitamente pequeno, os últimos dois termos desaparecem e assim teremos, para o flúxion de x: x* = 3At2
Poderemos, pelo mesmo método, continuar calculando os flúxions de x=At4, x=At5 etc., obtendo x*=4At3, x*= 5At4 etc.
É fácil obter a regra geral (algorítmo para o cálculo rápido dos flúxions): o flúxion de x = Atn, onde n é um número inteiro, é x* = n.Atn-1.
Nesses exemplos, calculamos os flúxions de quantidades que variam diretamente com o tempo, com o quadrado do tempo, com o cubo do tempo etc.,mas, como faríamos com as quantidades que variam inversamente com o tempo e suas várias potências?
A Álgebra nos ensina que t-1 = 1/t , t-2 = 1/t2 , t-3 = 1/t3 etc. Usando esses expoentes negativos e procedendo exatamente do mesmo modo como anteriormente, acharemos que os flúxions de x = At-1 , x = At-2 , x = At-3 etc., serão x* = -At-2 , x* = -2.At-3 , x* = -3.At-4 etc.
O sinal (-) aparece aqui porque, no caso de proporcionalidade inversa, as quantidades variáveis decrescem com o tempo, e a razão incremental é negativa. Mas, a regra geral para o algorítmo de cálculo de flúxions permanece a mesma que usamos para a proporcionalidade direta; com um pouco mais de modernidade coloca-se: para se obter os flúxions de funções polinomiais, multiplicamos a função potência original pelo seu expoente e reduzimos de uma unidade o valor de seu expoente.
Tabelemos os resultados dos exemplos citados (isso será usado na integração):
x =
At-3
At-2
At-1
At
At2
At3
At4
x* =
-3At-4
-2At-3
-At-2
A
2At
3At2
4At3
Razão incremental da razão incremental (ou flúxion de flúxion)
Enquanto, na notação de Newton, x* representa a razão de variação de x (razão incremental), x** representará a razão de variação dessa razão de variação (flúxion de flúxion). Assim, se x = At3, teremos: x* = 3At2 e x** = (3At2)* = 3A.2t = 6At
Analogamente, x*** que é a razão de variação da razão de variação da razão de variação, será, para esse mesmo exemplo anterior: x*** = (6At)* = 6A.
Aplicar isso á lei de movimento de queda livre de um corpo, no vácuo, nos levará rapidamente a:
s = (1/2).g.t2
Como a velocidade V é a razão de variação de posição, teremos:
V = s* = (1/2)g.2t = gt
que diz que a velocidade é simplesmente proporcional ao tempo de queda. Para a aceleração 'a' que é a razão da variação da velocidade (ou a razão da variação da razão da variação da posição), fazemos:
a = V* = s* = g
que é, naturalmente, um resultado trivial.
Antes de encerrarmos essa primeira parte dos Flúxions de Newton, devemos chamar a atenção que a notação de Newton não é a encontrada em livros do ensino médio. Acontece que, ao mesmo tempo que Newton desenvolvia seus flúxions, conhecido hoje como Cálculo diferencial, um matemático alemão Gottfried w. Leibniz, estava trabalhando sobre o mesmo assunto usando, no entanto, uma notação um tanto diferente. O que Newton chamava de flúxion primeiro, segundo, terceiro etc., Leibniz chamava de derivada primeira, segunda, terceira etc., e, em lugar de indicar
O Cálculo diferencial, atualmente estudado em nível superior, não se restringe apenas às funções polinomiais. Entretanto, para avançar mais nessa técnica, um estudo dos 'limite de funções' faz-se indispensável. Para a Física, principalmente, alguns limites clássicos fazem-se necessários; sem eles será difícil, senão impossível, o cálculo do flúxion (ou derivada), por exemplo, das funções trigonométricas. Experimente obter, pela definição, o flúxion de x = a.cos(b.t + c), com a, b e c constantes em relação ao tempo, ou seja, obtenha a velocidade de um ponto que realiza MHS, pela definição (não vale usar regrinhas de derivação!).
t+++++
2007-01-09 23:31:00
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answer #2
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answered by lutfe 2
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