Sonolóquio
Noites maldormidas
Pesquisas da Sociedade Brasileira de Psiquiatria e do DataFolha apontam que 33% dos brasileiros têm pelo menos um distúrbio ligado ao sono. O mais comum é a insônia, que afeta 55% das pessoas que enfrentam problemas na hora de dormir
Sempre que recebe visita pela manhã, a dona-de-casa Sideny Maria Dias, 33 anos, passa vergonha. Enquanto conversa com as amigas na sala, o marido, André da Silva Dias, 33, dorme no quarto. Ele trabalhou a noite inteira. O silêncio matinal é quebrado com o som cavernoso de um ronco. Sem graça, Sideny vai até a cama e sacode o marido de todo jeito para os ruídos cessarem. O barulho pára, mas recomeça meia hora depois com mais intensidade. ''Ele ronca tal qual um porco. As minhas amigas ouvem e eu fico desconcertada'', queixa-se a mulher.
Acobradora Márcia Gonçalves de Paula, 30 anos, também passa por apertos quando dorme. Na melhor fase do sono, ela começa a dialogar em voz alta com as pessoas que figuram em seus sonhos. O marido, Antônio Carlos, dorme ao seu lado, acorda e fica intrigado. Nos diálogos, ela cita nomes de homens. ''Às vezes, eu me levanto dormindo e caminho falando'', conta a trocadora.
Já Evenilson de Carvalho Eloi, 31 anos, também vive uma situação curiosa. Desde que entrou no Exército, há dez anos, sofre surtos repentinos de sono. Teve que deixar a corporação. A qualquer hora do dia ou da noite, Evenilson sofre um ataque de sono, cai e dorme tranqüilamente. Ele pode estar na fila do banco, no trabalho ou até mesmo passeando pelo shopping. São pelo menos cinco surtos por dia.
Evenilson, André e Márcia não estão sozinhos quando o assunto é transtorno do sono. Pesquisas da Sociedade Brasileira de Psiquiatria e do DataFolha apontam que 33% dos brasileiros têm pelo menos um distúrbio ligado ao sono. São 56,1 milhões de pessoas. A Organização Mundial de Saúde tem uma lista com 88 doenças desse tipo. A mais comum é a insônia, que afeta 55% das pessoas que enfrentam problemas na hora de dormir. Do grupo de pessoas cuja noite é um constante pesadelo, 44% roncam e 4% têm apnéia do sono, crise respiratória que sufoca a pessoa. Dois por cento têm sonilóquio, doença pouco conhecida pela ciência. Nela, a pessoa fala em voz alta enquanto dorme.
André da Silva Dias, que ronca e faz a mulher passar vexame, é um caso raro. Além de emitir ruídos contínuos com a garganta, fala enquanto dorme e ainda tem ataques de sono fora de hora. André trabalha de madrugada no Banco do Brasil. Chega em casa pela manhã e dorme até o início da tarde. Mas o sono continua pelo resto do dia. Na rua, em casa ou no trabalho, sofre surtos e cai desacordado. ''Quando tenho ataque de sono, meu corpo trava'', explica. André já perdeu dois empregos porque não chegava cedo.
A mulher dele já se acostumou com o excesso de sono do marido, mas ainda se incomoda com o ronco contínuo. ''Quando ele trabalhava de dia, eu tinha que dormir primeiro. Caso contrário ele começava a roncar e ninguém mais pegava no sono'', lembra Sideny. Para tentar resolver o problema, André recorreu ao Laboratório do Sono da Universidade de Brasília (UnB). Procurou ajuda médica depois que virou motivo de chacota entre amigos.
Evenilson de Carvalho também tem narcolepsia. Há dois meses ele foi ao Banco de Brasília pagar umas contas, apanhar um talão de cheques e sacar dinheiro. A fila estava enorme. Bastou meia hora para ele ter uma crise. Ainda na fila, em pé, dormiu por quase dois minutos. No ano passado, Evenilson dormiu ao volante e provocou um acidente na estrada que liga Ceilândia ao Recanto das Emas. Hoje, ele trabalha na Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Dos 15 funcionários que trabalham na mesma seção, ele é o único que pode dormir durante o expediente.
A narcolepsia tem cura e o tratamento é feito com medicamentos. Atualmente há 13 narcolépticos em tratamento no Laboratório do Sono da UnB. Os principais sintomas dessa doença são: sonolência diurna excessiva, alucinações hipnóticas, paralisia do sono e cataplexia. Essa última ocorre quando o narcoléptico sente uma emoção muito forte. Os músculos amolecem e ficam fora de controle e a pessoa cai ao chão.
Sufocamento durante a noite
Nenhum distúrbio do sono incomoda mais do que o ronco. O som grave e barulhento perturba uma família inteira. Paulo Tavares, médico e professor da disciplina Fundamentos da Medicina do Sono da UnB, explica que o ronco com volume alto é uma doença e representa um problema grave de saúde. Principalmente porque traz a apnéia, uma síndrome que sufoca e engasga a pessoa enquanto dorme.
O ronco ocorre freqüentemente em pessoas que fumam, em obesos e, em alguns casos, em pessoas chegadas a bebidas alcóolicas. O som grave é emitido pelos músculos da garganta que, relaxados, vibram como uma bandeira ao vento. Há três tipos de cirurgias que alargam a garganta e evitam que as paredes da faringe vibrem. Mas estudos apontam que o ronco reaparece em 90% dos pacientes que se submetem à intervenção cirúrgica.
Outra doença tão incômoda quanto o ronco é o sonilóquio, cujo principal sintoma consiste em falar durante o sono. Trata-se de um enigma que a ciência não consegue desvendar. ''Tanto que é de diagnóstico dificílimo'', atesta o psicólogo do Laboratório do Sono da UnB, Aderval Costa. O mais curioso é que a pessoa que fala à noite não lembra de uma vírgula no dia seguinte.
A cobradora da linha 383 Márcia Gonçalves de Paula fala todas as noites enquanto dorme. Os temas variam, mas ela diz que, geralmente, o monólogo gira em torno dos assuntos vividos durante o dia. ''Agora eu estou dando uma entrevista para o Correio. À noite, quando dormir, vou falar sobre isso'', exemplifica.
Há uma corrente de especialistas em distúrbios do sono que sustentam que as pessoas que têm sonilóquio interagem com as pessoas que aparecem em seus sonhos. Além de falar no sono, ela balança os braços, senta-se na cama e até se levanta. ''Meu marido fica com medo e intrigado''. Há três meses, Márcia passou a fazer tratamento no laboratório do Sono da UnB para tentar descobrir como dormir calada. (UC)
Você sabia?
Dados da OMS atestam que o homem passa um terço da vida dormindo. Isso quer dizer que uma senhora de 60 anos passou 20 deles dormindo.
O animal que mais dorme é o homem (bebê). Nos primeiros dias de vida, ele passa, em média, 20 horas do dia dormindo. O morcego passa 19 horas e o gato 12. O animal que menos dorme é a girafa. Em um dia, ela adormece por apenas duas horas.
2007-01-04 05:58:26
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answer #2
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answered by Ricardão 7
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