A gestão por competências no quadro da hegemonia:
Estudo de caso numa organização multinacional de logística
Por Anne Pinheiro Leal e José Henrique de Faria
Partindo do conceito de que o poder é um atributo do coletivo, mais propriamente, uma capacidade coletiva de definir e realizar interesses objetivos e subjetivos específicos, uma das questões mais complexas que impele os estudos que se vinculam à Teoria Crítica das organizações é compreender como se dão as condições materiais e, sobretudo, as imateriais da subordinação do grupo social majoritário – no caso, os trabalhadores – aos interesses dos dirigentes.
Nesse sentido, entende-se que a gestão por competências como direcionadora das ações de gestão de pessoas atua justamente nesse sentido, ponto de vista esse que não tem sido abordado nas pesquisas sobre o tema em Administração. O objetivo deste trabalho é, portanto, caracterizar os programas de gestão por competências como instrumentos da hegemonia capitalista nas organizações.
O conceito de competência, no âmbito da gestão de recursos humanos, surge em 1973 a partir de um artigo de McClellandi, que inicia o debate sobre competências nos EUA, o qual entende competência como uma característica subjacente a uma pessoa que obtém um desempenho superior na realização de uma tarefa.
Uma competência compreende um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que justificam um alto desempenho. Em um contexto organizacional mais amplo, o trabalho de Prahalad e Hamel sobre as core competencesii, no início dos anos 90, amplia o conceito de competência para o campo de ação da estratégia.
Segundos os autores, a organização de sucesso deve voltar seus recursos para as sua competências essenciais, que podem ser definidas basicamente por três critérios: oferecem valor real aos clientes, são difíceis de imitar e podem ser úteis em novas oportunidades de mercado. As competências essenciais referem-se a conhecimentos, habilidades, tecnologias, sistemas físicos e gerenciais.
Observa-se ainda um movimento proveniente das instituições de educação profissional, no sentido de utilizar o conceito de competência no processo de formação. Esse processo se dá a partir do anseio de aproximar o ensino formal das necessidades reais das organizações, em especial das empresas, no qual a acepção do termo competência está ligada ao saber agir, ou saber fazer, buscando estabelecer, no processo de formação, a relação entre saber e aptidão.
O conceito de hegemonia foi escolhido para a análise do fenômeno da gestão por competências em razão de acreditar-se que ela representa um dos mais elaborados e difundidos instrumentos de gestão contemporâneos de controle ideológico dos trabalhadores, já que tem se mostrado essencial para a manutenção e desenvolvimento do sistema de produção.
O termo hegemonia - derivado do grego eghestai – significa "conduzir", "ser guia". Contudo, é em Gramsci, a partir da produção de Lênin, que o conceito é explorado de forma mais elaborada. A hegemonia, na vertente gramsciana, pode ser definida como uma relação de domínio de determinado estrato social pela formação da vontade coletiva, o que envolve as dimensões econômicas, políticas, intelectuais e morais.
Para sustentar tal tese, realizou-se um estudo de caso descritivo-qualitativo numa empresa multinacional da área de logística. Os resultados apontam que a gestão por competências apresenta-se como um elemento essencial na formação da vontade coletiva dos trabalhadores na realização dos objetivos capitalistas, fornecendo um conjunto de comportamentos aceitáveis para as pessoas.
De uma forma concreta, a gestão por competências orienta as ações de gestão de pessoas no sentido de valorizar os comportamentos desejáveis e punir (ameaçando, inclusive, sob pena de desligamento da organização) os "não talentos", atuando de maneira intensa e sutil como instrumento da hegemonia capitalista informacional.
* Anne Pinheiro Leal é professora da UniBrasil, mestra em Administração pela UFPR, graduada em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande – UFRG e membro do grupo de pesquisa "Economia Política do Poder" (vinculado ao CNPq)
** José Henrique de Faria é professor sênior da UFPR, pós-doutorado em Relações de Trabalho pela University of Michigan - ILIR, doutor em Administração pela USP, mestre em Administração pela UFRGS, graduado em Ciências Econômicas pela FAE-PR e coordenador do grupo de pesquisa "Economia Política do Poder" (vinculado ao CNPq)
***Resumo dos autores do artigo premiado como melhor trabalho da área de gestão de pessoas e relações de trabalho no XXIX ENANPAD - Brasília, 2005
2006-12-13 23:54:29
·
answer #1
·
answered by JESUS TE AMA 7
·
0⤊
0⤋