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Quais as aprendizagens significativas permitidas pela disciplina educação e exclusão no âmbito acadêmico , profissional e pessoal ?

2006-12-10 04:43:40 · 5 respostas · perguntado por Rita M 1 em Educação e Referência Nível Superior

5 respostas

Que pergunta mais prolixa, nem dá para responder.

2006-12-10 04:46:02 · answer #1 · answered by Anonymous · 0 0

A EDUCAÇÃO É UMA NECESSIDADE. A EXCLUSÃO É MALÉFICA A INCLUSÃO É SEMPRE BENÉFICA.

2006-12-12 15:03:31 · answer #2 · answered by Daniel . 6 · 0 0

Nem diria prolixa, mas complicada mesmo. Analisando o que pode ser ^DISCIPLINA EDUCAÇÃO E EXCLUSÃO" creio ser uma matéria eleita por alguma faculdade. Se assim for, procure no conteúdo progrmatico da disciplina e terá a relação. Dessa relação poderemos tirar as mais SIGNIFICATIVAS e, ai é que complica mais porque vc quer saber para o ambito academico, profissional e pessoal. Reformule a pergunta.

2006-12-10 06:03:12 · answer #3 · answered by Garcia 4 · 0 0

Rita, se for focado na educação padrão, pode se considerar que o estímulo ao concenso de atração ao ponto de vulnerabilidade da situação de quem estuda e procura alcançar o limite ideal de conhecimento, pode em momentos de translucidês, focar na amplitude do momento de ser ou não ser entendido e daí se buscar a deixar que sua posição capaz de ter uma visão olística do problema o situe em dificuldades de decisão baseada em realidade.

2006-12-10 12:04:17 · answer #4 · answered by Jcdasilva 1 · 0 1

A Europa compreende trinta nações diferentes, com grandes variações entre si no que se refere à economia, cultura, religião e sistemas políticos. Meu enfoque limita-se aos avanços na Europa Ocidental e do Norte. Ao invés de fazer uma descrição e uma análise completa de cada um dos países aí incluídos, usarei exemplos de vários países para ilustrar as mudanças.

Sociedade inclusiva é uma sociedade para todos, independentemente de sexo, idade, religião, origem étnica, raça, orientação sexual ou deficiência; uma sociedade não apenas aberta e acessível a todos os grupos, mas que estimula a participação; uma sociedade que acolhe e aprecia a diversidade da experiência humana; uma sociedade cuja meta principal é oferecer oportunidades iguais para todos realizarem seu potencial humano.

Limitar-me-ei a discutir pessoas com deficiências, mas é importante lembrar que algumas das estratégias para a construção de uma sociedade inclusiva serão as mesmas para todos os grupos atualmente prejudicados, os quais podem provocar as mudanças políticas necessárias com mais rapidez trabalhando juntos e apoiando-se mutuamente.

Muitos termos têm surgido relativos à deficiência: reabilitação, integração, normalização, plena participação, igualdade, inclusão, todos focalizando o indivíduo. O indivíduo deve ser reabilitado, integrado, incluído, tornando-se normal. Em muitos desses conceitos, ele é visto como objeto passivo de uma intervenção profissional. Não temos voz para dizer como desejamos ser reabilitados e nos tornar normais, e para que fim. O indivíduo carrega o problema. O fato de eu não poder subir escada é culpa minha e não do legislador, que não prescreveu rampas e elevadores. É problema do surdo não entender o noticiário na TV, não do canal de televisão, que não fornece texto escrito nem linguagem de sinais. O termo "sociedade inclusiva", por outro lado, coloca a sociedade como aquela que deve mudar.

Pelo mesmo motivo, não gosto da expressão portuguesa "portador de deficiência". Ser "deficiente" é desviar-se de uma norma. O que é "humano" para a condição humana? Quem decide isso? Homens de vinte a quarenta anos ou bebês de um ano? Pessoas com setenta anos ou mulheres grávidas no ônibus, com muitas sacolas de compras numa mão e uma criança de 3 anos, cansada, na outra? "Deficiente" é um termo absoluto e global. Precisamos de palavras que descrevam nossas limitações em atividades particulares e que apontem a possibilidade de compensar essas limitações. Eu trabalho na Organização Mundial de Saúde com essa finalidade. Mas, não importa o termo que usemos em referência a nós mesmos, devemos revesti-lo de conteúdo positivo. Precisamos ter orgulho de pertencer a uma minoria sem privilégios, que trabalha muito e com eficiência, num esforço global crescente, no sentido de melhorar seu status legal e material no mundo. Outros grupos já fizeram isso antes de nós. Por exemplo, negros e homossexuais nos Estados Unidos e na Europa já conseguiram mudar, lentamente, as conotações negativas desses termos.

Não importa sobre a inclusão de qual grupo estejamos falando, existem fatores que facilitam a inclusão na sociedade, alguns deles indispensáveis: são as provisões para o bem-estar em geral. Isso significa um sistema de instituições públicas protegidas pela lei e supervisionadas pelo processo político, que garantam a todos:

serviços de saúde pública, incluindo serviços de prevenção, tratamento e reabilitação, e provisão de recursos de assistência; educação obrigatória desde o jardim de infância até, pelo menos, os 18 anos, dirigida para o potencial do indivíduo; apoio financeiro na forma de pensões, compensações e bem-estar social para os que não podem trabalhar devido à idade, doença, deficiência ou condições do mercado de trabalho; uma política de mercado de trabalho com instrumentos e programas de treinamento e retreinamento vocacional, colocação e treinamento no emprego; uma política de mercado de habitação que garanta habitação segura e com instalações sanitárias para todos. Além dessas provisões gerais para o bem-estar, há necessidade de políticas públicas e instrumentos políticos para investimentos em infra-estrutura, como transporte, telecomunicações, mídia e cultura, com acesso igual para todos.

Sem tais políticas públicas, em minha opinião, será impossível atingir uma sociedade inclusiva. Sem aumentar o nível de bem-estar para todos, é difícil melhorar as condições de vida de grupos minoritários, que ainda não tiveram acesso à sociedade. Isso é verdade em todos os países. Trabalhar para uma sociedade inclusiva, portanto, é um projeto a longo prazo, para muitas gerações, mas devemos começar esse trabalho hoje!

Surge freqüentemente o argumento de que nossas sociedades não podem investir em mudanças de longo alcance, necessárias para que todas as minorias sejam totalmente incluídas. Temos o desafio de apresentar estudos provando que tais investimentos são lucrativos para a sociedade. Existem estudos demonstrando que muitos investimentos na área de inclusão de pessoas deficientes levam a economias futuras para a sociedade, que ultrapassam em muito seus custos. Entretanto, devemos ser cuidadosos. Exigimos serviços de saúde adequados, moradia na comunidade ao invés de em instituições, oportunidades educacionais e emprego. Esses são direitos humanos básicos. Direitos humanos não devem ser discutidos em termos de custos ou de lucros.

Além disso, há outros ganhos que não os meramente econômicos. Quando uma distribuição de renda muito desigual cria inveja e ódio, quando a avenida do progresso individual na sociedade está fechada para a maioria devido ao sexo, cor da pele ou deficiência, quando muitos vêem o crime como a única saída para ter condições de vida decentes, quando nem arame farpado, nem segurança, nem recursos eletrônicos são suficientes para fazer com que os ricos se sintam protegidos, quando até os pobres temem que alguém mais pobre e mais desesperado possa tomar o pouco que possuem - numa sociedade assim, qualquer investimento em mais igualdade será benéfico para todos. Da mesma forma, viver numa sociedade em que nenhum deficiente tenha de pedir esmolas na rua, em que deficientes não sejam confinados em instituições e possam viver com a família ou sozinhos, ou constituir sua própria família, em que deficientes possam educar-se e trabalhar da mesma forma que seus irmãos e irmãs, amigos e vizinhos não deficientes, viver sabendo que uma deficiência não é uma catástrofe para o indivíduo e sua família, isso eleva a qualidade de vida para todos.

Além das provisões gerais para o bem-estar que acabo de enumerar, as exigências para uma sociedade que inclui pessoas com deficiências referem-se a um planejamento global de tudo aquilo que se relaciona com transporte, construções, ferramentas e instrumentos, informações, comunicações, mídia e cultura. Devem ser abolidas leis e regulamentações que distinguem portadores de deficiências e os excluem de direitos civis como casamento, filhos, voto, trabalhar como jurados, gerir negócios etc.

Mas, mesmo após todas essas mudanças, ainda haverá pessoas que, para exercer todas as funções, precisam de serviços de assistência pessoal, como eu, ou de leitores, no caso de serem cegas, ou, ainda, de intérpretes de sinais, se tiverem dificuldades de audição.

Minhas próprias experiências durante a vida ilustram muitas das mudanças em direção a uma sociedade inclusiva na Europa. Tive poliomielite aos 17 anos. Isso foi na Alemanha, em 1961. Fui hospitalizado imediatamente. Desde então, tenho lutado, no meu desenvolvimento pessoal, para voltar à sociedade de forma plena. Tentarei estruturar minha exposição sobre o caminho rumo a uma sociedade inclusiva na Europa, usando, como ilustração, parte de minha própria biografia.

Quando tive poliomielite, todo o tratamento médico foi gratuito. O sistema de seguro de saúde na Alemanha faz parte do sistema de seguro social, iniciado em 1870. A Alemanha teve o primeiro sistema de seguro social nacional e tem influenciado vários países, entre os quais o Chile, primeiro país latino-americano a adotá-lo, na década de 20. A razão pela qual a Alemanha implantou um sistema tão progressista no governo conservador do Chanceler Bismarck foi a influência crescente do movimento socialista e social-democrata na Europa, como mostram os movimentos de 1848 e o levante de Paris, em 1870. Temendo que o Partido Social-Democrata chegasse ao poder na Alemanha, Bismarck adotou a idéia social-democrata de um seguro social nacional como se fosse sua. Dessa forma, os conservadores conseguiram manter-se no poder por mais algumas décadas.

O sistema de seguro social tem sofrido muitas mudanças desde então, mas consiste, basicamente, nas seguintes soluções:

participação compulsória; companhias de seguro semi-públicas, rigidamente controladas pelo Estado; pagamento igual para todos em prêmios de seguro; benefícios e serviços pagos sem que se considere a renda do segurado; 50% dos custos cobertos pelo segurado e 50% pelo empregador, a família do segurado sendo incluída no seguro; seguro-desemprego. Esse mesmo princípio rege seguro de saúde, aposentadoria e aposentadoria precoce, indenização de trabalhadores, salário-desemprego, férias, licença médica e licença-maternidade.

Os sistemas escandinavos diferem num aspecto muito importante: são financiados por impostos. Assim, quanto mais alta a renda, maior a contribuição ao seguro social. Mas os serviços e os pagamentos são baseados na necessidade, e não na renda. Para grupos de baixa renda, os modelos de bem-estar escandinavos são vantajosos, pois suas contribuições não representam um fardo tão pesado para a renda familiar, como acontece nos outros países. Além disso, o conceito é mais intuitivo e mais simples de administrar: todos os que vivem no país estão automaticamente segurados desde o nascimento e contribuem através do imposto de renda. Infelizmente, hoje existem pressões para que os governos examinem o sistema de seguro, pois o número de cidadãos em faixa etária produtiva nos países europeus tem diminuído, enquanto o número de pessoas acima de 65 anos tem aumentado constantemente, ameaçando o futuro econômico do sistema.

O seguro de saúde também é responsável pelos recursos de assistência. Lembro-me de quando recebi minha primeira cadeira de rodas elétrica. Ainda estava morando na enfermaria do hospital, mas a cadeira me permitia sair da área do hospital para passeios curtos no mundo normal lá fora.

Tive de ficar cinco anos no hospital, não porque precisasse de assistência médica, mas devido à falta de moradia acessível. Naquela época, tanto na Alemanha quanto no resto da Europa, não havia programas de moradia para portadores de deficiência. Deficientes ricos construíam ou adaptavam residências com seus próprios recursos. O resto tinha de viver em instituições.

Foi somente na década de 70 que moradia acessível passou a ser discutida na Alemanha, como parte do programa social de moradia subvencionada pelo Estado. Mas isso acontecia apenas se o construtor quisesse incluir alguns apartamentos acessíveis. O programa não era, e ainda não é, obrigatório. Na Suécia, em 1978, foi promulgada uma lei estipulando que, nos prédios residenciais de três andares ou mais, todas as unidades deveriam ser acessíveis, segundo definições operacionais muito específicas. Na década de 80, vivi num apartamento assim. De acordo com a lei, não havia degraus entre o passeio e a entrada do prédio e o elevador. Este era suficientemente grande para acomodar até cadeiras de rodas maiores. Banheiros e cozinhas eram espaçosos. Mas minhas visitas estrangeiras ficavam desapontadas porque não viam nada de especial. Por exemplo, não havia rampas na entrada do prédio, porque a construção não tinha degraus. Também perguntavam: "Quantos outros deficientes físicos moram neste prédio?". Eu explicava que era a única pessoa e que todos os apartamentos tinham as mesmas características de acesso, independentemente de quem ali morasse. A única coisa que importava era a data da licença do prédio. A partir de 1978, todos os apartamentos tinham de ser assim. Infelizmente, a lei tinha provisões muito fracas. Na década de 90, foi substituída por outra lei, que dá certa liberdade ao governo local para definir acessibilidade, e existem muitas moradias inacessíveis para usuários de cadeira de rodas.

A Suécia é um dos poucos países europeus que têm códigos de construção prescrevendo acesso a edifícios públicos, como prédios do governo, escolas e universidades, escritórios comerciais e teatros. No entanto, aplicam-se apenas a construções novas e não a prédios já existentes. Além disso, a lei que surgiu nos meados dos anos 60 também tem provisões muito fracas, e é, muitas vezes, negligenciada.

Argumenta-se freqüentemente que nem mesmo os países ricos podem custear uma legislação que determina construções acessíveis. Conheço alguns estudos sobre os custos. São mais caras as adaptações retroativas de moradias existentes de uma só família, se for necessário um elevador. Mas adaptar apartamentos é consideravelmente menos dispendioso, pois o custo dos elevadores pode ser dividido entre os muitos moradores. Não custa muito adaptar prédios públicos, a menos que sejam herança histórica, principalmente se o trabalho for feito juntamente com reformas gerais. Nesse caso, haverá um custo adicional de, talvez, 10% a 15% para incluir o acesso. Obviamente, fica mais barato incluí-lo desde o início do planejamento. Assim, todos os custos de adicionais, como rampas e mudanças estruturais, serão evitados. Em prédios públicos, custos de acesso são mínimos, se este for incorporado no início. Em edifícios de apartamentos novos, o acesso representa um acréscimo de 1%, ou menos. Em casas, o elevador, o banheiro e a cozinha serão um pouco maiores, o que deve ser visto como aumento de padrão.

Vamos voltar à minha história. Mesmo se houvesse uma moradia acessível, eu não poderia deixar o hospital. Precisava de ajuda de outra pessoa para tomar banho e me vestir, preparar as refeições e auxiliar-me em várias outras coisas durante o dia. Minha família não podia fazer esses serviços. A assistência pessoal e o dinheiro para custeá-la não eram fornecidos pelo governo. Eu corria o risco de ser colocado numa instituição da qual,

Conferências









Educação de necessidades

especiais: uma perspectiva

internacional



Peter Mittler* (voltar)




Nenhum país no mundo tem razões para estar satisfeito com a qualidade dos recursos educacionais colocados à disposição de alunos que têm necessidades especiais. Apesar disso, os inúmeros exemplos de uma boa prática em diferentes países tornam possível reavaliar as maneiras como uma educação inclusiva e uma aprendizagem de alta qualidade poderiam ser oferecidas a todos. Nesse processo, todos os países têm muito a aprender uns com os outros.





Rumo à educação inclusiva



A educação pode ser definida, em termos gerais, como algo que, sistematicamente, promove a aprendizagem e o desenvolvimento. Desse modo, a educação é um processo que se estende pela vida toda, não começa nem termina com a vida escolar. Por essa razão, é realizada por muitas pessoas que não são professores. Os anos passados na escola são evidentemente, de vital importância, mas são apenas um elemento no processo educacional em cujo centro os pais estão desde o princípio. Existe a crença de que todo trabalho com pessoas que têm necessidades especiais é educacional, na medida em que as ajuda a desenvolver seu conhecimento, habilidades e compreensão das coisas.

Nos últimos anos, o termo “educação inclusiva” tem sido cada vez mais usado no campo da educação de necessidades especiais (Mittler, Brouillette & Harris, 1993; Unesco, 1995). O princípio é de que a educação inclusiva começa com uma radical reforma da escola, mudando-se o sistema existente e repensando-se inteiramente o currículo, a fim de que se alcancem as necessidades de todas as crianças. Significa também a idéia de educação numa sala de aula comum, numa escola da vizinhança que uma criança normalmente freqüentaria, com o apoio requerido pelo tratamento individual, e uma atenção extra para fazer frente a necessidades específicas como o ensino de cuidados pessoais ou habilidades de comunicação que não são fáceis de serem ensinadas nas salas de ula comuns. Por esse motivo, a educação inclusiva pressupõe a presença de mais de uma pessoa de apoio na sala de aula.

Ao contrário da inclusão, a integração não tem como ponto fundamental um processo semelhante de radical reforma da escola. As crianças podem receber um currículo modificado ou adaptado, mas têm de ajustar-se às estruturas existentes. Por definição, a integração nem sempre tem lugar na escola da vizinhança; ela pode ser feita em uma escola comum, com adaptações, ou em uma classe especial, podendo haver um currículo modificado ou adaptado.





Aproveitando iniciativas das Nações Unidas



Campanhas para incluir na educação todas as crianças incapacitadas são agora parte integral de amplos programas das Nações Unidas, como o “Educação para Todos”. Mesmo que isso seja ideológica e estrategicamente vantajoso, há o risco real de crianças deficientes de um modo geral e aquelas com severos distúrbios de aprendizagem em particular verem-se, mais uma vez, no fim da linha ou mesmo serem inteiramente preteridas.

Sabe-se, através de amargas experiências, que as necessidades de pessoas com deficiências de aprendizagem são, normalmente, as últimas a serem incluídas em um programa de reforma educacional e que ainda há países industrializados em que tais pessoas são excluídas da escolaridade, permanecendo sob a responsabilidade dos departamentos de saúde e de bem-estar social. Apesar do substancial progresso em alcançar tais crianças para oferecer-lhes a chance da aprendizagem, menos de um por cento das que têm significativas deficiências de aprendizagem freqüentam, em muitos países desenvolvidos, algum tipo de escola (Unesco, 1995). O restante permanece em casa, freqüentemente levando uma vida solitária e isolada.

Defensores das pessoas com deficiências de aprendizagem precisam tirar proveito das amplas e genéricas iniciativas internacionais, como “Educação para Todos”, “Saúde para Todos” e “Ano Internacional da Família”. Deveriam fazer gestões significativas tanto no nível político quanto administrativo das Nações Unidas e no dos seus governos nacionais, a fim de assegurar que os interesses dos que têm deficiência de aprendizagem não sejam negligenciados e, ainda, que benefícios positivos resultem de tais iniciativas.





A iniciativa “Educação para Todos”



O movimento “Educação para Todos” visa à inclusão de todas as crianças que, de alguma maneira, estão excluídas dos benefícios da escolarização: aquelas que não estão freqüentando a escola por alguma razão (meninos de rua, crianças trabalhadoras, desistentes totais ou parciais), bem como crianças com deficiência que nunca freqüentaram a escola ou que têm sido excluídas como inaptas. Somam-se aí também as numerosas crianças que freqüentam a escola mas que, por outro lado, estão sob o risco do fracasso, como os repetentes e os que nunca completam quatro anos da educação primária, os rotulados como imotivados, de baixo aproveitamento e insubordinados e os que são vítimas de abuso. Muitas dessas crianças vivem abaixo da linha de pobreza, em condições de grande sofrimento, privações e má nutrição. Tais condições não propiciam a aprendizagem.

Esse não é um problema apenas das regiões mais pobres do mundo, pois, mesmo em países altamente desenvolvidos, como a Grã-Bretanha, há uma clara ligação entre pobreza e baixo aproveitamento (Kumar, 1993). Crianças egressas de ambientes socialmente inferiores entram na escola aos cinco ou seis anos, com níveis de cognição e funções lingüísticas substancialmente abaixo das de seus companheiros. Essas diferenças aumentam à medida que as crianças progridem na escola e continuam a ter reflexos nos baixos resultados educacionais aos dezesseis anos e no ingresso na educação superior. Apenas a aprendizagem não aliviará a pobreza dessas famílias ou da comunidade em que vivem, mas pode propiciar uma base segura para a emancipação de tais condições.

Por essas razões, é preciso encarar o desafio do acesso à educação das crianças com necessidades especiais nesse contexto mais amplo. A iniciativa “Educação para Todos” surgiu de programas das Nações Unidas como Convenção dos Direitos da Criança (1989), a Declaração de Jomtien e a Cúpula Mundial das Crianças, de 1990. Sob a influência desses e de outros instrumentos, os líderes mundiais têm-se sensibilizado para a implementação de objetivos nacionais que aumentem a proporção de crianças freqüentando e permanecendo na escola. Dedica-se particular atenção à educação de meninas.

É vital que os objetivos nacionais colocados em termos da iniciativa “Educação para Todos” contemplem o acesso à aprendizagem para todas as crianças, incluindo as portadoras de deficiência. É preciso dizer que as perspectivas não são boas. Por exemplo, houve pouca ou nenhuma referência à educação para crianças deficientes em duas das principais conferências que se seguiram a Jomtien, realizadas na Índia em 1993.

O desafio de implementar a Declaração de Jomtien parece não ter saída. Considerem-se, a propósito, algumas das estatísticas globais disponíveis (Unicef, 1994):



a) Pelo menos 100 milhões de crianças em todo o mundo têm o acesso à educação primária negado e mais 100 milhões não conseguem os benefícios da freqüência à escola.

b) Nos quarenta países menos desenvolvidos do mundo, somente metade das crianças que entram na escola primária completa quatro anos de aprendizagem. Apenas 21 por cento dos meninos e 12 por cento das meninas matriculam-se na educação secundária.

c) A população mundial de crianças na idade da educação primária crescerá de 508 milhões em 1980 para pelo menos 724 milhões no ano 2000.

d) Menos de um por cento das crianças deficientes no mundo freqüentam a escola em países desenvolvidos.

Embora esses dados pareçam assustadores, assim como inalcançáveis as metas, não se deve esquecer que se está falando do grau de prioridade que os governos dão ao atendimento às crianças, comparativamente com a alocação de recursos para todos os outros gastos. O Banco Mundial (Lynch, 1995) e o Unicef (1994) têm publicado dados que mostram os gastos com o acesso das crianças às escolas num contexto mais amplo.

• Nos 72 países de renda baixa e média no mundo, aproximadamente 5 bilhões de dólares por ano serão necessários para custear o acesso à educação primária para todas as crianças, o que, presumivelmente, inclui aquelas que são deficientes.

• 5 bilhões de dólares representam o custo de dois dias de gastos com armamentos pelas nações industrializadas e uma semana de despesas em países em desenvolvimento. A mesma soma é apenas dois por cento do que os países em desenvolvimento têm de pagar pelo serviço da dívida a cada ano.

• O Presidente do Equador, na Conferência de Jomtien, disse que o custo de um único submarino nuclear financiaria o orçamento anual de 23 países em desenvolvimento e atenderia a 160 milhões de crianças em idade escolar.

Esses impressionantes exemplos deixam claro que o gasto com a educação de crianças no mundo requer vontade política e uma mudança nas prioridades nacionais. Na época da realização da Conferência de Jomtien, em 1990, ainda havia muitas falas otimistas sobre dividendos da paz que surgiriam ao fim da Guerra Fria. Desde então, apareceram outros conflitos armados no Kuwait, na Bósnia, na Somália, em Ruanda e, em cerca de 80 países, guerra civil ou rebeliões têm preenchido o que seria aquele vazio deixado.

O Diretor Geral da Unesco afirmou em Jomtien que, “em aproximadamente metade dos países em desenvolvimento, o objetivo da educação primária universal parece mais recuar que avançar”. Ele atribui isso, em parte, ao rápido crescimento da média de nascimentos nesses países e, por outro lado, ao enorme peso que representa o pagamento das suas dívidas externas.





Iniciativas internacionais



Apesar das estatísticas pouco promissoras, há algum progresso a ser comemorado no campo da educação de necessidades especiais pelo mundo. No nível internacional, particularmente no das Nações Unidas, há iniciativas cada vez mais numerosas, visando à inclusão de crianças com deficiência intelectual no sistema de escolas regulares. A própria ONU promulgou, recentemente, 22 regras sobre a equalização de oportunidades para pessoas deficientes (1993).

A regra 6 estabelece que: Os Estados devem reconhecer o princípio da igualdade de oportunidade de educação no primeiro, segundo e terceiro graus para as crianças, jovens e adultos com deficiências. Devem, pois, garantir que a educação de pessoas com deficiência seja parte integral do sistema educacional.



Um relator especial foi indicado pela Secretaria Geral da ONU para monitorar a implementação dessas regras e relatar os progressos para a Assembléia Geral.

A Unesco também tem feito um grande esforço para promover a educação inclusiva. Pode-se dizer que os resultados mais impressionantes são o desenvolvimento de testes de campo em oito países, assim como a atual aplicação de um Programa de Apoio ao Professor, denominado “Necessidades especiais na sala de aula”. (Unesco, 1990; Ainscow, 1994)

Esse programa foi concebido para ajudar os professores a repensar a sua prática na sala de aula e a organização da escola em seu conjunto, a fim de atender mais efetivamente à diversidade dos alunos. Ele acaba de ser introduzido em 40 países e também está sendo difundido em projetos de desenvolvimento regional.

A mais recente iniciativa da ONU foi divulgada na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, que teve lugar em Copenhagen, em março de 1995, e que contou com a participação de cerca de cem Chefes de Estado (sem contar os do Reino Unido). Os temas principais dessa Cúpula referiam-se a políticas para reduzir ou eliminar a pobreza, o desemprego e a exclusão social, mas o lobby promovido pelas maiores organizações internacionais de deficientes lançou uma bem-sucedida campanha para incluir os direitos e necessidades de pessoas deficientes nos compromissos e recomendações finais.

Como exemplo, tem-se o Compromisso 6, que se refere ao acesso à educação e à saúde, cuja recomendação estabelece: “... deve garantir oportunidades educacionais iguais em todos os níveis para crianças, jovens e adultos com deficiência em situações de integração, cuidando inteiramente das diferenças e situações individuais”.

Uma resolução posterior é expressa em termos semelhantes: “... o acesso à reabilitação e a outras situações de vida independente e à tecnologia de apoio...”.





Iniciativas nacionais



Resoluções internacionais são úteis no sentido de propiciarem uma estrutura que facilita o monitoramento das ações, mas, em última análise, o seu progresso depende de atitudes nos níveis nacional e local.

De acordo com levantamentos da Unesco (Unesco, 1995), inúmeros países estão assumindo a responsabilidade ou promulgando novas leis para a educação de crianças com deficiências em geral e deficiência de aprendizagem em particular. Crianças que anteriormente estavam sob a responsabilidade dos departamentos de saúde ou do bem-estar social, estão agora sob a responsabilidade do Ministério da Educação ou das autoidades e dos conselhos escolares locais.

Há uma crescente aceitação do princípio da educação inclusiva, bem como do número de animadores exemplos de sua prática por todo o mundo, em países desenvolvidos ou em desenvolvimento. (Mittler, Brouillette & Harris, 1993)

Inúmeras reformas inovadoras têm sido feitas. A Espanha, por exemplo, desenvolveu um cuidadoso programa, executado passo a passo, a fim de propiciar a educação inclusiva para todas as crianças. Apontada como exemplo do desenvolvimento da educação inclusiva, mediante a implementação de uma reforma fundamental do sistema educacional e dos currículos, a Espanha garantiu uma redução de 25 por cento do número de alunos em cada classe e a disponibilidade de uma equipe de apoio. Um setor especial da escola ainda trabalha as necessidades de uma minoria de crianças, mas a educação inclusiva é sempre a primeira opção a ser considerada para todas as crianças. (O’Hanlon, 1993)

Na Itália, o processo de inclusão começou mais cedo do que na Espanha e foi mais rápido e mais radical; muitas escolas especiais foram fechadas e as crianças foram simplesmente realocadas em escolas comuns. Os necessários sistemas de apoio estão agora sendo disponibilizados e há mais suporte político e comunitário para a educação inclusiva, embora entre os pais não haja unanimidade quanto à qualidade do apoio oferecido nas escolas comuns. (Daunt, 1991)





Um currículo revitalizado



A eficiência de nossas escolas e nosso sistema educacional serão julgados, em parte, pela dimensão com que serão capazes de preparar seus estudantes para contribuírem com a comunidade em que vivem e pela competência e confiança que esses estudantes terão ao defrontar-se com obstáculos. Uma prioridade no futuro em todos os países deve ser a reconsideração do papel desempenhado por professores e pais na preparação de jovens, para que se tornem os próprios defensores de seus direitos. Essa é uma necessidade bastante urgente para os jovens que apresentam deficiência de aprendizagem.

As habilidades dessa defensoria própria são um componente essencial para a vida em comunidade. Nesse cenário, os jovens com necessidades de aprendizagem precisam adquirir confiança para expressar opiniões e serem ouvidos com respeito. Entretanto, para isso, os pais, os profissionais, os colegas e as pessoas comuns terão de modificar suas atitudes e expectativas, aprendendo a ouvir, o que não é algo fácil, porque foram condicionados a acreditar que as pessoas com deficiências de aprendizagem carecem de capacidade para pensarem por si mesmas e dependem dos outros para expressar suas opiniões e tomarem atitudes. Como o movimento da defensoria própria ainda está na sua infância, são os pais e os profissionais que, geralmente, respondem pelo interesse de tais pessoas. As vozes dos que têm problemas de aprendizagem não são tão poderosas quanto às de outras pessoas deficientes que falam por si mesmas. Por essa razão, é animador ver os movimentos denominados People First unindo suas forças às de outras organizações de defensoria própria para exigirem os direitos de cidadania de tais pessoas.

Um currículo de escola convencional inclui uma ativa preparação para o desenvolvimento de habilidades da vida social e comunitária: saber usar o dinheiro, reconhecendo valores, fazer compras, estimar preços, conduzir-se com segurança no trânsito, desenvolver aspectos vocacionais, preparação para o trabalho, educação social e sexual. Entretanto, há também urgente necessidade de as escolas prepararem estudantes para a defensoria própria e desenvolverem o que se poderia chamar de revitalização curricular. No plano ideal, os fundamentos para um currículo dessa natureza devem ser implementados nos primeiros anos de vida, devendo propiciar oportunidades para fazer escolhas e tomar decisões. Inicialmente, as escolhas precisarão ser feitas nas situações básicas do dia-a-dia: entre duas bebidas, duas peças de roupas, duas histórias, dois brinquedos. É essencial, entretanto, evoluir dessa iniciação simples para a da escolha de amigos e, mais tarde, de parceiros, para as atividades de trabalho e de lazer e para a decisão de onde e com quem viver. Há sinais de que as escolas estão começando a desenvolver tais currículos revitalizados. (Coupe O’Kane and Smith, 1994)





Conclusões



A educação de necessidades especiais não é uma alta prioridade para muitos países do mundo. Crianças e jovens com necessidades educacionais especiais e suas famílias ainda estão marginalizados ou são ignorados. As atitudes para com eles revelam, freqüentemente, preconceitos e ignorância, indo do nível dos políticos e dos que tomam decisões aos professores e outros profissionais nas comunidades locais. Contudo, seria um erro admitir que, devido ao fato de a educação de necessidades especiais não representar uma alta prioridade para os governantes, nada está sendo feito. Em primeiro lugar, pais e familiares estão em toda parte procurando ensejar uma educação básica comunitária de modo informal para suas crianças e seus filhos e filhas adultos. Em segundo lugar, muitas escolas da comunidade estão recebendo de braços abertos e ensinando com grande sucesso crianças com necessidades educacionais especiais, pelo simples fato de serem crianças da localidade e de seus pais solicitarem sua admissão. Uma integração casual como essa não pode ser desconsiderada.

No nível nacional, o progresso depende de vontade política, da alocação de tais prioridades no planejamento, de legislação e, sobretudo, de alocação de recursos. Igualmente importantes são uma eficiente e relevante educação de professores e uma nova forma de parceria com os pais e com as agências da comunidade. No nível local e escolar, a chave da educação inclusiva repousa no acesso planejado a um currículo amplo e balanceado, concebido desde o início como um currículo para todos.



Referências bibliográficas

Ainscow, M. Special needs in the classroom: a teacher education guide. London: Jessica Kin-gsley and Paris: Unesco, 1994

Coupe O’Kane, J. & Smith, B. (Ed.). Taking control: enabling people with learning. London: David Fulton, 1994.

Daunt, P. Meeting disability: a european response. London: Cassell, 1991.

Daunt, P. Disability and the European Community: sources of initiative. In: MITTLER, P. (Ed.). Changing policy and practice for people with learning disabilities. London: Cassell, 1995.

Kumar, V. Poverty and inequality in the UK: the effects on children. London: National Chil-dren’s Bureau, 1993.

Lynch, W. Special needs education in the Asia region. Washington, DC: World Bank, 1995.

Mittler, P., Brouillette, R. & Harris, D. (Ed.). World yearbook of education: special needs education. London: Kogan Page, 1993.

O’Hanlon, C. Special education in Europe. London: David Fulton, 1993.

UNESCO. Special needs in the classroom. Paris: Unesco, 1990.

UNESCO. World conference on special needs education: access and quality: Paris: Unesco, 1995.

UNICEF. State of the World’s children. New York: Unicef, 1994



Mesa-redonda

Inclusão escolar: desafios









Rosita Edler Carvalho (voltar)



Mestre em Psicologia, Doutora em Educação e Pesquisadora em assuntos educacionais.





Este Seminário Internacional elegeu como objetivo “discutir questões contemporâneas concernentes à problemática das pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais (leia-se pessoas portadoras de deficiência)”. Trata-se de assunto atual e que tem merecido destaque em fóruns nacionais e internacionais, em busca da cidadania plena de pessoas com deficiência.

O título do trabalho que me foi proposto induz à análise dos atuais desafios (obstáculos, situações provocativas, inquietantes e estimulantes que exigem providências) que essas pessoas têm enfrentado, no âmbito da educação escolar. No entanto, o primeiro desafio que me ocorre mencionar é o de ficar restrita ao próprio tema, sem considerar todas as manifestações perversas de exclusão experimentadas por tantas e tantas pessoas, além das portadoras de deficiência. Dizendo de outra maneira, considero um desafio examinar a inclusão escolar sem discutir seu contraponto – a exclusão (na escola e em outras instituições sociais) – não só dos portadores de deficiência como de outros grupos minoritários e em situação de desvantagem.

Refiro-me, também, aos meninos e meninas na rua, às crianças e adolescentes que trabalham, a todos os que abandonam a escola precocemente, aos que têm doenças crônicas, aos encarcerados, às prostitutas, aos analfabetos, aos que vivem no campo, às po-pulações nômades, às minorias lingüísticas, aos negros, mulatos, aos desempregados, às crianças, jovens e adultos oriundos das camadas populares, pobres ou miseráveis, com ou sem dificuldades de aprendizagem. Enfim, aproveito o ensejo para me referir a todos aqueles que, no imaginário social, representam “risco” e merecem, portanto, atenções diferenciadas, principalmente de cunho protecionista (em vez de emancipatório), seja para o sujeito ou para a sociedade (que acaba adotando medidas que segregam e estigmatizam).

Na verdade, a inclusão escolar não é um processo em si mesmo, dissociado de ou-tros, igualmente sociais. Para analisá-la, precisamos considerar os mecanismos excludentes adotados pela sociedade, segundo o modelo de desenvolvimento econômico vigente no país.

Após a grande crise mundial de 1929, o Brasil procurou afirmar-se através de um modelo nacional desenvolvimentista, expandindo a indústria nacional por meio da substituição das importações de bens não duráveis por bens duráveis. Ganharam força os ca-pitais industriais e os ideais nacionalistas, centralizados pelo governo federal.

Com o modelo de internacionalização do capital ocorreu um inchaço nas cidades, para onde migravam populações rurais em busca de trabalho nas indústrias, pois minguavam suas economias no campo. Mas as indústrias emergentes não foram capazes de absorver toda a mão-de-obra que chegava às cidades. Além disso, as exigências do trabalho industrial não puderam ser atendidas, pois os campesinos estavam despreparados.

A intervenção do Estado na vida urbana não se deu através de ações corretivas ao desenvolvimento desordenado do capital, mas através de ações de instalação, expansão e melhoramento de infra-estruturas necessárias ao capital.

Os acontecimentos concomitantes nas grandes cidades são carregados de tensões sociais e assinalam diferenças marcantes entre as classes. (Castelo Branco, 1997)

A exclusão social chegou a níveis absurdos, principalmente entre crianças que mudavam de denominação, segundo sua condição de pobreza: eram “menores” quando abandonadas, carentes se perambulavam pelas ruas, se infratoras, passando à responsabilidade do Ministério da Justiça. Ao serem designadas como “menores”, perdiam sua característica infantil e passavam para o imaginário como perigosas, precisando de meca-nismos de “proteção” judicial.

Apesar dos inegáveis avanços alcançados com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda permanecem como “menores”, como “meninos de rua”, em vez de “crianças”, como são chamadas as oriundas de segmentos mais favorecidos economicamente na sociedade.

Convivemos, infelizmente, com altos e inaceitáveis índices de desigualdades sociais. O longo período de recessão e de instabilidade política, econômica e social, deixou como conseqüência níveis muito elevados de desigualdade social e regional, tornando o Brasil um dos países mais perversos em distribuição de renda do continente.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos em 1997, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, os 10% brasileiros mais ricos concentram cerca de 45% da renda nacional e os 10% brasileiros mais pobres não chegam a 1% da renda do país! Numa outra leitura dos dados obtidos nessa pesquisa, os 10% mais ricos detêm sete vezes a renda obtida pelos 40% mais pobres!

Diante de uma realidade tão perversa, parece óbvio que nosso contingente de ex-cluídos do acesso e posse dos bens e serviços historicamente acumulados é extremamente numeroso. Não é constituído, apenas, por pessoas com deficiência.

Ainda em relação à desigualdade de renda, estudos recentes do IPEA (1997) concluem que: as camadas mais pobres da população experimentaram as maiores reduções de renda nos 12 meses de inflação ascendente que antecederam o lançamento do Plano Real. À medida que caminhamos da cauda inferior para a cauda superior da distribuição de renda, observamos incrementos do nível de renda familiar crescentes. A introdução do Plano Real reverteu a direção do processo cumulativo de concentração de renda até então observado: os décimos mais baixos da distribuição de renda que experimentavam as maiores quedas de renda no período de inflação ascendente passam a apresentar os maiores ganhos de renda e à medida que caminhamos em direção à cauda superior da distribuição, os incrementos de renda vão paulatinamente se reduzindo.

Examinando-se os dados do Anexo 1 nos quais se baseia a análise acima, constatamos que a parcela de renda dos 50% mais pobres, quando se comparam os anos de 1995 e 1996, apresenta um acréscimo bem pequeno (0,1%), acompanhado de também pe-queno decréscimo (0,2%) na renda da parcela dos 20% mais ricos, naqueles mesmos anos.

Há, de fato, um decréscimo na desigualdade da distribuição de rendas, segundo essas informações, construídas a partir da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), tomando-se como unidade básica de análise a renda domiciliar per capita (soma das rendas de todas as pessoas da família dividida pelo número de membros que a compõem). Mas o referido decréscimo na desigualdade é tão pequeno que pouco ou nada alterou na discrepância entre os desníveis existentes, até porque a proporção de pobres aumentou de 1990 para 1996.

Vários são os efeitos da exclusão; alguns irrecuperáveis. Em termos psicológicos, a auto-estima dos excluídos vai se estruturando, calcada em auto-imagens negativas. Os sentimentos de menos valia que se desenvolvem em decorrência, intensificam comportamentos de apatia, de acomodação, ou de reações violentas, talvez, como mecanismos de defesa.

Socialmente são percebidos como desviantes, atípicos, cidadãos “menores” que precisam ser enclausurados (os loucos, os marginais), protegidos (pessoas com deficiência, crianças e adolescentes que trabalham, os que vivem nas ruas, os doentes crônicos, os pobres e miseráveis, os negros, mulatos) ou reabilitados (os analfabetos, as prostitutas, os ex-presidiários, os pivetes, os delinqüentes, os deficientes).

Para tanto, a mesma sociedade que cria e mantém mecanismos de exclusão, desenvolve políticas assistencialistas que, como afirma Coraggio (1996) (citado por Senna, 1997), não resolvem, por seu caráter instrumental, a natureza reprodutiva dos problemas cujos efeitos pretendem compensar, cristalizando, portanto, os padrões de exclusão e segregação.

Mas a exclusão produz, ainda, efeitos econômicos, políticos, culturais. Do ponto de vista econômico, pessoas excluídas dificilmente saem da condição de dependência ou da pobreza. Constatamos, como apresentado anteriormente, que um percentual significativo da população sofre da cruel impossibilidade de ter acesso aos bens e a todos os aparatos produzidos na pós-modernidade. Entramos numa espécie de círculo vicioso co-mum nos regimes capitalistas, em que a ideologia do mercado interfere na área social para se ajustar às exigências do capitalismo contemporâneo.

Sob o aspecto político, o principal efeito da exclusão está na qualidade da cidadania e da participação dos excluídos na vida política do país. A conjuntura política os co-loca na condição de subalternidade, de massa de manobra, sujeitos fáceis do clientelismo, distantes da emancipação.

Culturalmente, também são “vítimas” da cultura dominante, veiculada pelos meios de comunicação de massa e apenas alguns espaços como a música e as danças populares permanecem como verdadeiros focos de resistência à opressão da “norma culta”. E o modelo neoliberal em curso valoriza o econômico em detrimento do social, apesar dos slogans com que querem nos convencer do contrário.

Como bem nos ensina Ianni (1993), citado por Castelo Branco (1997, p. 18), o capitalismo pós-moderno calcado na economia de mercado, com o culto ao lucro, mais que às pessoas, quer nos fazer crer, como ingênuos, que há mecanismos auto-reguladores do mercado (a mão invisível de Adam Smith e as formulações de Jeremy Benthan e James Mill) capazes de reverter o quadro atual.

E ainda:

O processo de globalização mundial assegura aos grandes blocos econômicos, industriais e financeiros do planeta a reciclagem e a diversificação da produção e do consumo e não assegura as condições básicas para a vida dos excluídos. Esse modelo vem revelando-se incompetente para resolver a chaga social que criou, aumentando os desastres sociais e ecológicos e, consequentemente, a exclusão social, referendando a “apartação social” cada vez maior. O Estado-nação que vem perdendo sentido neste final de século, enquanto a sociedade global se expande, privatiza as instituições e os recursos públicos, não promovendo o bem-estar comum e vai legitimando seu poder e excluindo a maioria de usufruir dos bens produzidos na sociedade, causando um caos social e engendrando a violência urbana, como as gangues juvenis.

Com esse panorama é fácil compreender que o sistema educacional sofra os reflexos dessas condições ainda muito adversas e contrárias ao ideal da eqüidade entre os cidadãos.

Como bem aponta Beisiegel (1981), citado por Patto (1993, p. 119):

Apesar da extensão da escola às massas populares desfavorecidas, essa escola não sofreu mudanças significativas em suas atribuições na reprodução das desigualdades sociais. No passado, a exclusão atingia os que não entravam na escola; hoje, atinge os que nela chegam, operando, portanto, de forma menos transparente. Vejam-se os altos índices de evasão nos primeiros anos de ensino. A extensão de oportunidades escolares e a transformação do sistema formal do ensino não produziram, de fato, conseqüências mais significativas na situação de classe da maioria dos habitantes.

Ou no dizer de Sanfelice (1989, p. 31):

Hoje, podemos afirmar que a expansão quantitativa de educação formal revelou a “crise da escola”, no sentido de que a escola não foi se moldando para o trabalho pedagógico com clientelas distintas.

Ou ainda que:

a qualidade da educação e a própria retenção do conteúdo do ensino são afetadas, evidentemente, pela disponibilidade de inputs essenciais: professores com treinamentos e habilidades apropriados, material didático interessante e de qualidade, e instalações e equipamentos adequados. (Conferência de Nova Delhi, 1993, p. 24)

Sem a menor pretensão de ter esgotado o assunto (até gostaria de tê-lo feito, pois significaria que as coisas seriam mais simples e mais fáceis de expor!), cumpre relembrar que as minorias de excluídos, no seu conjunto, representam um enorme contingente populacional de brasileiros.

Os que se organizaram em grupos de pressão têm conseguido fazer ouvir suas vozes, protestando e contestando as regras sociais, em busca de melhores condições de vi-da e em defesa de seus direitos e deveres de cidadania.

Muito se avançou graças às ações oriundas desses movimentos, o que reforça a necessidade de aproveitarmos todas as oportunidades, como esta, para examinar os direitos dos integrantes de qualquer desses grupos e estimulá-los à luta pelos seus direitos e deveres.

Passarei, agora, a examinar a questão dos desafios à inclusão escolar das pessoas com deficiência, abordando o tema sob os seguintes aspectos: as políticas educacionais, nelas incluindo a base ideológica, a quantidade e a qualidade da oferta educativa, o sen-tido e o significado da proposta inclusiva/ integradora, a valorização do magistério, a terminologia adotada para o alunado da educação especial, a administração de sistemas educativos, a organização do atendimento educacional escolar; as recomendações internacionais; a opinião dos próprios deficientes e de suas famílias.





Os desafios nas políticas educacionais



As políticas educacionais, enquanto políticas públicas, são definidas, implementadas e avaliadas em estreita relação com o desenvolvimento social. Elas retratam os ti-pos de regulação que determinada sociedade colocou em prática, segundo a ideologia vigente.

O modelo neoliberal – segundo o qual “os fundamentos da liberdade e do individua-lismo são tomados para justificar o mercado como regulador e distribuidor da riqueza e da renda [...] Menos Estado e mais Mercado é a máxima que sintetiza suas postulações...” (Azevedo, 1997) – estimula a livre iniciativa e a privatização, conduzindo à redução do pa-pel do Estado (“Estado Mínimo”), com a conseqüente redução dos gastos públicos.

Se na abordagem neoliberal, a educação (principalmente no nível fundamental) mereceu tratamento diferenciado das demais funções sociais do Estado, há que explicitar melhor essa concepção, pois, coerente com as idéias liberais, postula-se a importância do setor privado como meio de aquecer o mercado e garantir, pela competição, padrões elevados na qualidade dos serviços educacionais oferecidos.

Em países como o nosso, com os desníveis de renda já comentados, chega a ser perverso esperar que todas as famílias exercitem seu direito de escolha (implícito na no-ção de liberdade individual) do tipo de educação desejada para seus filhos: se pública governamental ou privada.



* Considerem-se como deficiências “reais” aquelas que, segundo conceito da OMS representam qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou de função psicológica, física ou anatômica, diferentemente da de-ficiência circunstancial, fruto da interação entre as características bio-psicossociais do indivíduo e os obstáculos interpostos pelo meio.





E quando se trata de pais cujos filhos apresentam alguma deficiência “real”,1 as possibilidades de escolha em muito se reduzem pois, além de as ofertas públicas governamentais serem desiguais de município para município (alguns não oferecem, ainda, nenhum tipo de atendimento), as ofertas também são desiguais em relação aos vários grupos de pessoas com deficiência.

Assim, defrontamo-nos de imediato com, pelo menos, dois enormes desafios a serem considerados na definição da política educacional, no que tange aos portadores de deficiência:



nem todos os municípios dispõem de atendimento educacional para alunos com deficiência e, quando dispõem, não há ofertas eqüitativas para todas as manifestações da deficiência, seja a mental, as sensoriais, a física, as motoras, a múltipla ou para os que apresentam condutas típicas de síndromes psiquiátricas, neurológicas ou psicológicas graves.



A sociedade civil organizada tem suprido a carência e a desigualdade na oferta dos serviços governamentais, na medida em que se criam as Organizações Não Governamentais (ONGs), geralmente especializadas para determinado grupo de pessoas com deficiência. Embora no modelo neoliberal a iniciativa privada seja bem-vinda, o desafio permanece, pois tais ONGs não têm fins lucrativos, dependem da ajuda financeira do governo e embora sejam, geralmente, organizadas pelos pais dos portadores de deficiência pertencentes ao estrato social mais privilegiado recebem como maior demanda pais oriundos das camadas populares, com igualdade de direitos de buscar e oferecer atendimento educacional para seus filhos.

Considerando-se que as ofertas de serviços, governamentais ou não, estão longe de suprir nossa demanda, temos, em síntese, um enorme desafio: dispor, em todas as lo-calidades, de ofertas educativas para todas as modalidades de manifestação de deficiência, seja sob a responsabilidade direta do poder público governamental ou da iniciativa particular.

Em termos ideológicos, os desafios mencionados podem ser reunidos na questão: como compatibilizar o discurso neoliberal adotado entre nós com as reais condições de escolha dos pais ou responsáveis por pessoas com deficiência?

Quem pensa em quantidade de ofertas (por localidade e por “tipo” de deficiência)2 deve obrigatoriamente examinar o aspecto qualitativo pois, além de dispor do atendimento educacional, isto é, a escola e, nela, a vaga, há que considerar a qualidade das res-postas educativas oferecidas. Nesse aspecto reside o princípio das propostas inclusivas: não se trata, apenas, de dispor de matrículas em escolas, mas de garantir o direito de to-dos à aprendizagem de boa qualidade.

A garantia da qualidade do atendimento educacional oferecido pode ser considerada como um outro desafio, para os portadores de deficiência e para o alunado, em geral.

** Neste particular, cabe como observação a impropriedade de considerarmos o grupo dos portadores de deficiência como homogêneo, imaginando-se que as necessidades educacionais escolares são as mesmas e iguais para todos.



Como ainda não utilizamos, em todo o país, os mesmos indicadores de qualidade pa-ra as respostas educativas de nossas escolas, governamentais ou não, esse desafio desdobra-se em vários outros, relacionados com a avaliação do processo ensino/aprendizagem. Em geral são muito subjetivas e têm sido, predominantemente, utilizadas como instrumentos de poder sobre os alunos.

Infelizmente, temos nos inspirado no modelo da qualidade total que serve às empresas produtoras de bens de consumo e para as quais a satisfação do consumidor é o mais importante. Na escola a qualidade deve passar pelo sucesso de todos os atores en-volvidos: o aluno, na medida em que for capaz de aprender a aprender e aprender a fazer; o professor que, ao ressignificar a sua prática pedagógica poderá centrá-la na aprendizagem em vez do ensino; a escola, para que desempenhe seu papel político e social, além do pedagógico, em busca da cidadania plena de seu alunado; a família...

Em qualquer das estruturas do sistema educacional (federal, estadual ou municipal e do Distrito Federal), independentemente de pertencer à zona urbana ou à rural, de ser pública governamental ou da iniciativa privada, a escola, em qualquer nível do fluxo escolar, é o espaço privilegiado de formação dos educandos, assim como é, também, o espaço dos escritos. Sob esse aspecto representa, para muitos, a única oportunidade de acesso ao saber historicamente acumulado e de apropriação da norma culta. Enquanto espaço de formação, diz respeito ao desenvolvimento, entre os educandos, de sua capacidade reflexiva, dos sentimentos de solidariedade e de respeito às diferenças, dentre outros valores democráticos. A escola deve proporcionar a todos conhecimentos e capacidade crítica, isto é, as ferramentas estratégicas capazes de contribuir para a criatividade e o pleno desenvolvimento individual, bem como para o enfrentamento da pobreza. Todos esses são valores defendidos na proposta de educação inclusiva.

Esclarecimentos acerca do sentido e do significado da inclusão têm sido um outro desafio, considerando-se os inúmeros equívocos e as omissões a respeito. Sem estabelecer hierarquia de importância, servem como exemplos:

• As reflexões sobre a inclusão, com essa denominação, foram desencadeadas pelos grupos ligados à educação especial. Apesar dos esforços governamentais de incluir todos os professores nessa urgente discussão, os mais freqüentes interlocutores têm sido os professores de classes e escolas especiais, das salas de recursos e os itinerantes. Entre outras, essa razão explica por que, ao se pensar em inclusão, associa-se a proposta, de imediato, com o alunado da educação especial.

• No contraponto da análise do mesmo tema, muitos educadores, porque desavisados, pensam que falar de exclusão é falar do alunado da educação especial porque, historicamente, têm sido discriminados e segregados, devido às suas características biopsicossociais e às expectativas do meio em relação à sua capacidade produtiva. Afirmar que apenas os deficientes estão excluídos das oportunidades de se apropriarem do saber e do saber fazer trata-se, porém, de outro enorme equívoco, como comentado anteriormente.


Segundo dados que constam do Plano Nacional de Educação (1998), elaborado sob a coordenação do MEC e hoje tramitando no Congresso Nacional, temos uma situação de inchaço nas matrículas do ensino fundamental, que decorre basicamente da distorção idade/série, a qual, por sua vez, é conseqüência dos elevados índices de reprovação. De acordo com o Censo Escolar de 1996, mais de 63% dos alunos do ensino fundamental têm idade superior à faixa etária correspondente a cada série. No Nordeste essa situação é mais dramática, chegando a 80% o índice de distorção idade/série. Esse pro-blema dá a exata dimensão do grau de ineficiência do sistema educacional do País: os alunos levam em média 11,2 anos para completar as oito séries do ensino fundamental. (p. 30)

Os grifos são meus e servem para destacar alguns aspectos de nossa realidade educacional, na qual a reprovação e a repetência são fantasmas que têm assustado todos os Ministros de Educação, mas que têm sobrevivido à gestão de cada um deles, apesar dos proclamados esforços que fazem para exorcizá-los.

A esses dados somam-se outros igualmente relevantes como é o caso da afirmativa de que há “cerca de 2,7 milhões de crianças fora da escola, parte das quais nela já es-teve e a abandonou”. (p. 30)

Tais afirmativas oficiais já são, sobeja e infelizmente, suficientes para repetir mais enfaticamente a indagação: quem são mesmo os alunos excluídos do espaço escolar? (e, conseqüentemente, do processo de aprendizagem sistemática e acadêmica).

Embora estatisticamente numerosa, a população de portadores de deficiência é percentualmente bem menor do que a dos ditos normais que estão excluídos e que precisam ser, urgentemente, incluídos na aprendizagem.

Para esse enorme contingente de alunos brasileiros com dificuldades de aprendizagem das mais variadas causas e que acabam se tornando deficientes circunstanciais, as propostas inclusivas se encaixam, sem controvérsias quanto à sua adequação e urgência. Não há por que segregá-los em classes adrede organizadas para eles, sob a legenda da educação especial.

• No próprio âmbito da educação especial, as discussões estão mais ligadas a esta ou aquela etapa do fluxo escolar. Muito pouco se tem discutido a respeito da re-moção das barreiras existentes entre as etapas do fluxo da escolarização, desde a educação infantil até a universidade.

• Os educadores da educação comum ou regular evidenciam suas preocupações com o fracasso escolar e com a democratização do acesso de todos à escola, mas dificilmente usam a expressão educação inclusiva, nem incluem os portadores de deficiência no âmbito das providências a serem tomadas, por considerá-los como alunado de um outro subsistema, cuja competência é dos especialistas em alunos “com defeito”.

• Para a maioria dos administradores, a inclusão está associada à expansão da matrícula, traduzida, estatisticamente, pelo aumento das vagas nas escolas ou pelo número de alunos portadores de deficiência nas turmas do ensino regular, sem a ênfase necessária à qualidade da resposta educativa da escola, como comentado anteriormente;

• As ações inclusivas preponderam no ensino fundamental porque obrigatório e numericamente mais significativo, na falsa suposição de que as “coisas se arranjarão” com o passar do tempo e se estenderão às demais etapas do fluxo es-colar;

• As relações entre integração e inclusão têm gerado algumas controvérsias entre diferentes educadores, que lhes conferem sentido e significado diferentes. É co-mum ouvirmos comentários como: “Agora estamos sob o paradigma da inclusão, que superou o da integração” ou, referindo-se ao trabalho das escolas: “Isto é integração, não é inclusão”, como se fossem processos antagônicos ou contraditórios. Entendo que aí reside outro desafio para o qual faz-se necessário rever significados.

O conceito de integração é polissêmico, seja porque múltiplos podem ser seus su-jeitos ou os espaços político-sociais em que o processo se desencadeia e se mantém, seja porque são múltiplos os níveis de sucesso conseguidos nas interações interpessoais, im-plícitas em qualquer conceito de integração.

Sob o enfoque psicossocial a integração representa, portanto, uma via de mão dupla envolvendo os portadores de deficiência e a comunidade das pessoas consideradas “normais”. Essa afirmativa traz implícita uma outra: todas as providências em prol da integração, na escola, não podem ser da iniciativa apenas dos educadores especializados. Sem que haja o consentimento de todos os educadores, corre-se o risco de apenas inserir o portador de deficiência no convívio com outras crianças, sem que haja sua participação ou se efetivem, entre todos, trocas interativas com plena aceitação aos portadores de deficiência, para valorização de sua auto-imagem e auto-estima.

No caso da integração escolar, a que mais interessa aos educadores em geral, consta da Política Nacional de Educação Especial (1994) do MEC:



A integração é um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua interação nos grupos sociais. A integração implica reciprocidade. E, sob o enfoque escolar, é processo gradual e dinâmico que pode tomar distintas formas, de acordo com as necessidades e habilidades dos alunos. (p. 18)



Esse conceito traduz o que se conhece como a teoria do ambiente o menos restritivo possível (AMR), centrada nas aptidões dos alunos que devem ser “preparados” para a integração total no ensino regular. As críticas em torno do sistema AMR são procedentes na medida em que a passagem de uma modalidade de atendimento mais restritiva para outra, mais integradora, dependia das características e das habilidades dos alunos, os responsáveis, solitários, por seus sucessos e fracassos. No entanto, e por justiça, devemos reconhecer as conquistas alcançadas. Afinal, educadores de renome nacional e internacional lutaram para que, nesses ambientes, pessoas deficientes, até então escondidas e absolutamente excluídas, encontrassem espaços de convivência. Não podemos negar o que se tem avançado, como se estivéssemos partindo do zero e nada tivesse sido feito de bom e necessário. Estamos num processo que é político, social, econômico, histórico e pedagógico.

Com muita propriedade a Unesco expressa sua posição a esse respeito, afirmando em seus documentos que a integração de alunos que apresentam necessidades educativas especiais resulta de um processo de reforma total do sistema educativo tradicional:



Por esse motivo, a integração deve ser considerada em termos da reforma do sistema es-colar, cuja meta é a criação de uma escola comum que ofereça uma educação diferenciada a todos, em função de suas necessidades e num marco único e coerente de planos de estudos. (Unesco, 1988)



Essa mensagem parte do repúdio genérico a qualquer forma de exclusão e que impede, aos excluídos, o direito humano de usufruírem dos bens e serviços socialmente acumulados. As diferentes formas de segregação, ou de rejeição, se considerarmos os mecanismos psicológicos que as embasam, costumam ser desumanas e perversas. Em outras palavras, para que, em nossas escolas, o ideal da integração de todos ou da não exclusão de alguns se torne realidade, deve-se trabalhar todo o contexto em que o processo deve ocorrer, para que dê certo. Do contrário, corre-se o risco de prejudicá-lo e contribuir para mais preconceitos em torno dos deficientes.

É esse mesmo objeto de análise – o da não segregação – que enfatizamos, hoje, nas propostas inclusivas. Um mundo inclusivo é um mundo no qual todos têm acesso às oportunidades de ser e estar na sociedade de forma participativa; em que a relação entre o acesso às oportunidades e as características individuais não é marcada por interesses econômicos ou pela caridade pública. A proposta inclusiva pressupõe uma ressignificação da sociedade e, nela, da escola que temos hoje, para que ofereça respostas educativas de qualidade para todos.

Mas aceitar o ideário da inclusão não autoriza o “bem-intencionado” a mudar o que existe, num passe de mágica. A escola inclusiva, isto é, a escola para todos deve es-tar inserida num mundo inclusivo, em que as desigualdades não atinjam os níveis abomináveis com os quais temos convivido.

As externalidades de um mundo em que a educação é concebida como bem de in-vestimento, com vistas ao consumo, evidenciam a urgência das discussões sobre inclusão, independentemente de quem são os protagonistas, isto é, os excluídos, pois a proposta inclusiva beneficia a todos, deficientes ou não, que precisam desenvolver sadios sentimentos de respeito à diferença, de cooperação e de solidariedade orgânica.

Afirmar, portanto, que a proposta de inclusão superou a da integração parece-me impropriedade, pois espera-se que os alunos incluídos se integrem com seus pares e com o saber. A crítica, pertinente, é para os modelos de organização educacional escolar. Precisamos ficar atentos para não cometermos equívocos em nome da inclusão...

Concluindo os comentários acerca da inclusão e da integração, considero indispensável referir-me às metáforas suscitadas quando se cogita desses processos no âmbito educacional escolar. As propostas de organização do sistema educativo inspiradas no processo de integração têm sido comparadas a uma cascata, enquanto as que se baseiam na escola inclusiva, uma escola para todos, têm como metáfora um caleidoscópio.

As críticas que se tecem, no caso da cascata dos serviços, é que a passagem de uma criança com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem de um tipo de serviço mais segregado a outro, mais integrador, além de depender dos progressos da criança (sendo ela, portanto, a única responsável por seu destino escolar), tem se mostrado praticamente inexistente. São, em última análise, críticas ao já mencionado sistema AMR.

A metáfora do caleidoscópio tem sido apontada como a que melhor traduz a idéia da inclusão escolar, isto é, um sistema educativo no qual todas as crianças devem estar, necessariamente, matriculadas em escolas regulares e, nelas, freqüentar as classes comuns. O caleidoscópio foi escolhido porque, nele, todos os pedacinhos são importantes e significativos para a composição da imagem. Quanto maior a diversidade, mais complexa e mais rica se torna a figura formada pelo conjunto das partes que a compõem.

Transportando essa imagem para as classes do ensino regular, a mensagem é que a presença de alunos com necessidades educacionais especiais, embora torne o conjunto da turma de alunos mais heterogêneo e complexo, também o torna mais rico.

Aí, exatamente aí reside mais um obstáculo, pois os nossos professores do ensino fundamental, em sua maioria, alegam que não se sentem “preparados” e motivados para a docência de grupos tão diversificados, consideram-na difícil, pois ganham muito mal, não tendo recursos para compra de livros ou para fazerem cursos de atualização, além de as condições em que trabalham serem muito adversas... Infelizmente, não estão exagerando. Desde a sua formação para o exercício do magistério, detectam-se lacunas muito sérias.

A valorização do magistério é, portanto, outro sério desafio a que tem se voltado a política educacional brasileira, procurando melhorar a formação inicial e a continuada. No caso da formação sob a égide da educação inclusiva, ainda convivemos com inú-meras dúvidas que bloqueiam o avanço das ações por falta de esclarecimentos, ou geram ações isoladas, conforme o entendimento das Secretarias de Educação.

A nomenclatura que usamos atualmente para o alunado da educação especial pode ser considerada também como desafio, pela multiplicidade de interpretações que desencadeia. Inicialmente chamados de excepcionais, após a década internacional das pessoas portadoras de deficiência (1981-1990) têm sido denominados como: pessoas portadoras de deficiência, pessoas com deficiência, pessoas com necessidades especiais ou com necessidades educacionais especiais.

A mudança de terminologia tem gerado muita polêmica, mesmo entre os próprios deficientes, que interpretam essa busca da melhor expressão como um adiamento da análise da sua verdadeira problemática: a acessibilidade aos bens e serviços socialmente disponíveis para os ditos normais.

Em termos classificatórios, na literatura a respeito, o alunado da educação especial compreende os deficientes mentais, visuais, auditivos, físicos, múltiplos, os que apresentam condutas típicas das síndromes neurológicas, psiquiátricas e psicológicas graves e os de altas habilidades (superdotados). Consideradas suas características pessoais, sociais, e as condições em que vivem, costumam ser chamados de portadores de necessidades especiais que, na escola, traduzem-se como necessidades educacionais especiais.

Essa expressão tem merecido inúmeras críticas, como a que apresentou Mazzotta (1996), pois não se pode dizer que alguém porta uma necessidade. Na verdade, as pessoas sentem e manifestam necessidades que, ao serem satisfeitas, deixam de ser portadas, enquanto forma de manifestação.

À parte da discussão terminológica, há dois aspectos extremamente importantes: de um lado, a abrangência da expressão que comporta os portadores de deficiência ou não (quem nunca apresentou necessidades educacionais especiais?) e, de outro lado, o risco de expandirmos a educação especial enquanto subsistema, para atender a alunos que são e devem permanecer no ensino regular.

Assim, discutir a inclusão/integração do alunado da educação especial como se estivéssemos falando de um único e homogêneo grupo é um enorme equívoco que precisa ser evitado, particularmente em equipes de educadores. Essa observação aplica-se, igualmente, a todos os alunos, pois precisam ser considerados em suas histórias de vida, que em muito os diferenciam entre si.

Embora a expressão “necessidades educacionais especiais” esteja sendo usada para realçar o papel da escola no atendimento às diferenças individuais de seus alunos, constatamos, por sua generalidade, as preocupações em identificar a tipologia das necessidades, numa forma sutil de retorno às classificações e à rotulagem.

Outro conjunto de desafios, não menos importantes do que os já examinados, está na administração dos sistemas educacionais, consideradas as esferas administrativas fe-deral, estadual, municipal e do DF.

O sistema educacional brasileiro tem considerado a educação especial como modalidade de atendimento educacional, tal como aparece na nova LDB.

O entendimento de que a educação pode ser regular (comum) ou especial tem acarretado, nas Secretarias de Educação, a organização de subsistemas político-administrativos diferenciados em sua filosofia de educação e em suas ações. Assim, para pla-nejar, implantar e implementar ações educativas para portadores de deficiência, de condutas típicas de síndromes e para os superdotados, criaram-se órgãos específicos na estrutura das Secretarias de Educação, nem sempre com a mesma figura administrativa dos demais órgãos, relativos à educação infantil ou ao ensino fundamental. (Edler, 1977)3

Em outras palavras, estudos realizados sobre a estrutura e o funcionamento da educação especial (Edler, 1977, 1992) evidenciam não só a multiplicidade de concepções administrativas para a educação especial (serviço, divisão, departamento, fundação...), como a baixa correspondência hierárquica entre esses órgãos e aqueles responsáveis pelos demais graus de ensino.



***.Este estudo foi atualizado em 1992, pela mesma autora, quando Secretária de Educação Especial, no MEC.





A questão não é só terminológica: há implicações de toda ordem, inclusive financeiras, fazendo com que a administração da educação especial fique em desvantagem quando comparada à educação regular, comum. Além de extremamente variável entre as Unidades Federadas (UF), na mesma UF fica bem nítida a condição “menor” atribuída à educação especial, quando comparada à educação comum.

Com os movimentos em prol da universalização da educação e que têm se consolidado no paradigma da “educação inclusiva”, muitos sistemas estaduais e municipais de educação têm revisto sua proposta político-administrativa e, nela, o espaço a ser ocu-pado pela educação especial em seus organogramas.

Embora esse aspecto seja muito importante dentre as reflexões, a qualidade da educação a ser oferecida aos nossos alunos não depende apenas dos organogramas estabelecidos pelas diferentes Secretarias de Educação.

Antes de decidir criar ou não uma “caixinha” para nela inscrever o órgão de educação especial (com chefia remunerada, com equipe, tal como os demais...) devemos, com urgência, examinar lealmente o que representa a educação escolar do alunado da educação especial. É preciso ter bem clara a intencionalidade educativa: oferecemos es-cola a esse alunado porque está na Lei ou porque realmente acreditamos que podem e devem aprender? Ou: oferecemos escola para eles porque nos inspiram pena ou porque podemos identificá-los como cidadãos capazes de contribuir socialmente?

Tais questões ajudam, inclusive, na decisão do desenho do organograma; tirar de-le a educação especial não nos autoriza a dizer que promovemos a inclusão...

Algumas secretarias mantiveram a equipe de educação especial como staff central; outras “dissolveram” essa equipe pelos outros segmentos, para funcionarem como assessoria; outras reduziram em muito o número de pessoas que atuam no diminuto ór-gão destinado à educação especial. Não há, portanto, um consenso nacional a respeito. A tomar como exemplo o MEC, nele está a educação especial como Secretaria, do mesmo modo que o ensino fundamental... Parece que a existência de um grupo central, coordenador, tem sido necessária, principalmente quando os demais segmentos organizacionais ainda percebem a educação especial como um subsistema à parte e não a incluem no âmbito de suas reflexões.

Mas há aquelas Secretarias nas quais se pensa a prática pedagógica de modo a re-mover as barreiras à aprendizagem e a satisfazer as necessidades de qualquer aluno, in-dependentemente de suas características diferenciadas. Nesses casos, os especialistas atuam na equipe dos educadores da educação infantil, do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos, planejando o especial na educação, entendido como qualidade, em vez de trabalharem para o subsistema de educação especial. Conclui-se, portanto, que não é a presença ou a ausência de uma equipe explícita no organograma da Secretaria que garantirá o sucesso na aprendizagem do alunado da educação especial. A questão é atitudinal, implica remoção de barreiras à aprendizagem, isto é, dentre outros aspectos, destaca-se o reexame da prática pedagógica e do papel político que a escola desempenha.

Ainda sob o enfoque das políticas educacionais, cabe examinar os desafios com que temos convivido na organização do atendimento educacional escolar.

Acabar ou não com as classes e as escolas especiais? A inserção de alunos comdeficiência no ensino regular deve ser generalizada para todos ou alguns vão se beneficiar com atendimento educacional escolar diferenciado? Quais? Os professores precisam ou não ser especializados? A opinião das famílias deve ser respeitada quanto ao en-caminhamento para o ensino regular ou não? Qual o papel das escolas especiais na pro-posta inclusiva? Devemos manter as salas de recurso ou criar outras estratégias de apoio? Precisamos ou não de especialistas que atuem junto às escolas e às famílias?

Essas são algumas das indagações que precisamos examinar, sem passionalismos. O que tem sido considerado por alguns como o “desmonte” da educação especial, penso, deve ser fruto de muita reflexão e debates.

Sem dúvida, temos consciência de que as classes e as escolas especiais serviram para abrigar alunos que “incomodavam” nas escolas. O que tem sido considerado como “fracasso” da educação especial (porque as classes e as escolas especiais nem sempre contribuíram para a construção do conhecimento dos seus alunos) decorreu de inúmeros fatores não necessariamente resultantes da modalidade do atendimento.

Lembremo-nos dos critérios de indicação de professores para trabalhar com esse alunado (nem sempre os mais dedicados...); é igualmente significativo lembrar a exigência de diagnóstico multidisciplinar e as dificuldades de se contar com os profissionais para realizá-lo, o que gerou tantos e tantos prejuízos aos alunos; o mesmo em relação aos currículos, diferenciados dos demais e elaborados como diretrizes do próprio MEC.4 Na análise desses fatores, as representações sociais em torno dos deficientes, com os referenciais normativos delas decorrentes, merecem destaque nas discussões em torno das políticas públicas elaboradas.

Todos os indicadores de insucesso educacional, não só da educação especial, geraram os movimentos em prol da educação para todos, isto é, engendraram a emergência do paradigma da educação inclusiva.

De modo geral, os educadores do ensino regular, como comentado anteriormente, reagem à idéia de terem alunos com deficiência em suas turmas, alegando não se sentirem preparados para o trabalho com tais alunos, além dos sentimentos de rejeição e revolta decorrentes das “ordens superiores” para inseri-los nas suas turmas.

Na atual conjuntura educacional, embora a política educacional apresente como finalidade a democratização plena do acesso, ingresso e permanência dos alunos numa escola de boa qualidade, para todos, ainda não está claro que nesse todos incluem-se as minorias, inclusive a dos portadores de deficiência.

Este é o desafio da maior urgência: melhorarmos as respostas educativas da nossa escola, para todos os alunos. Mas se os movimentos e as pressões exercidas pelos que defendem o alunado da educação especial ficarem restritos a esse segmento, numa visão reducionista, estaremos reforçando a necessidade de uma política educacional que “abrigue”, que “acolha” os deficientes, num resquício de assistencialismo ou de filantropia.



**** Na década de 70 quando tais currículos foram elaborados, o órgão responsável pela educação especial, no MEC era o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP).



O desafio está, portanto, em discutir a maneira como se engendram as políticas educacionais, para nelas incluir todos, indiscriminadamente, por direito de cidadania e porque educação deve ser um direito essencial na vida de cada um.

Documentos produzidos em conferências mundiais (como a de Jomtiem, na Tailândia, 1990, e a de Salamanca, 1994) alertam para a prioridade que deve ser conferida aos grupos menos favorecidos e mais vulnerabilizados pela condição de pobreza, aos analfabetos maiores de 15 anos, às populações rurais, às minorias étnicas, religiosas e de migrantes, aos menores de 6 anos, aos alunos com dificuldades de aprendizagem e aos portadores de deficiência.

Em termos gerais, esses são os sujeitos da inclusão que, “independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras”, devem ser recebidos em todas as escolas (item 3, Declaração de Salamanca). Uma escola que inclua a todos, que reconheça a diversidade e não tenha preconceitos contra as diferenças, que atenda às necessidades de cada um e que promova a aprendizagem.

Em torno dessa proposta têm girado as atuais discussões, marcadas por divergências, incertezas e muita confusão conceitual, na medida em que se supõe que inclusão é uma proposta da educação especial voltada apenas para os alunos deficientes e para os que apresentam condutas típicas de síndromes. E como as reflexões em torno da inclusão têm sido mais fortes por parte dos que atuam em educação especial, fica reforçado o equívoco de se associar inclusão com o alunado da educação especial, unicamente.





Desafios em relação às recomendações de organismos internacionais



Neste bloco de análise, os desafios não estão nas recomendações propriamente ditas. Elas traduzem os anseios de todos nós, educadores, que acreditamos no ser humano e na importância do saber como um bem essencial na vida de todos nós.

O desafio está na interpretação das recomendações, em busca de consenso nacio-nal. Não menor é o desafio de implementação das referidas recomendações, na medida das necessidades dos países. Naqueles com dimensões continentais, como o nosso, conhecer e atualizar dados, indispensáveis a qualquer planejamento, tem sido muito difícil, apesar dos esforços nesse sentido.

Parece que, para países emergentes, como o Brasil, a solução adotada de estabelecer um Plano de Ações Integradas, tem apresentado alguns resultados positivos na direção do cumprimento das recomendações em acordos internacionais dos quais somos signatários.

A Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, no desempenho de sua missão institucional, coordenou os trabalhos envolvendo as diversas áreas setoriais, em busca de diretrizes de ação integrais e integradas. Esperamos que se consiga desenvolver um trabalho conjunto entre todos os Ministérios, com a par-ticipação indispensável dos próprios portadores de deficiência, e com os representantes dos governos de todas as esferas administrativas, além da comunidade.

A opinião dos próprios deficientes e de suas famílias



Além das naturais divergências que, neste momento, devem existir entre as opi-niões dos pais, irmãos e dos próprios deficientes, é importante apontar a escuta a essas pessoas como um outro desafio. Seja porque não estão organizadas, seja porque não dis-põem de informações sobre a quem se dirigir, seja porque não dispõem de canais de co-municação, o fato é que pouco temos ouvido os que mais sofrem com os obstáculos existentes.

Estabelecer os mecanismos dessa escuta permanente, penso, é uma das providências que se impõem, intensificando o trabalho que já temos feito nesse sentido.

Muitos e complexos são os desafios existentes. Mas, diante deles, nossa atitude deve ser de enfrentamento, de buscar as parcerias, de trocar idéias e reunir experiências. Com esse propósito escrevi este trabalho, que não tem um ponto final, seja porque deixei de elencar, certamente, inúmeros desafios, seja porque muitos deles, acredito, serão enfrentados com sucesso e deverão ser retirados deste ou de outros textos sobre inclusão!

Que assim seja!





Referências bibliográficas

Azevedo, J. L. A. A educação como política pública. Campinas: Editores Associados, 1997.

Carvalho, R. Edler . Estrutura e funcionamento da educação especial no Brasil. FGV, 1977. (Dissertação, Mestrado).

Castelo Branco, M. T. A exclusão da criança pobre no imaginário social. In: Recriação. Revista do CREIA. Mato Grosso do Sul: Corumbá, 1997.

Ianni, O. A sociedade global. Petrópolis: Vozes, 1993.

Patto, M. H. S. A produção do fracasso escolar. São Paulo: Biblioteca de Psicologia e Psicanálise, 1993.

SANFELICE, J. L. Escola pública e gratuita para todos: inclusive para os deficientes mentais. In: Cadernos CEDES, n. 23. São Paulo: Cortez, 1989.

Senna, E. Criança e adolescente: propostas do governo e o debate necessário. In: Recriação. Revista do CREIA. Mato Grosso do Sul: Corumbá, 1997.





Anexo 1



A Evolução da Desigualdade, do Crescimento e da Pobreza – 1990-1996 (em %)

Seis Principais Regiões Metropolitanas


1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996

Parcela da Renda dos 50% mais pobres
12,8
13,6
13,1
2,5
11,3
12,2
12,3

Parcela da Renda dos 20% mais ricos
62,8
60,9
61,1
62,1
64,7
65,6
62,4

Crescimento do PIB Per Capita
-5,9
-1,3
-2,3
2,7
4,5
2,8
1,5

Proporção de pobres
22.6
25.5
32.2
32.3
33.4
27.8
25.1






Marlene de Oliveira Gotti (voltar)



Coordenadora Técnica do MEC/SEESP.





Para tratar da inclusão escolar, o primeiro desafio que temos a vencer é a questão da acessibilidade. Acessibilidade implica vencer as barreiras arquitetônicas, curriculares e atitudinais. No que se refere às barreiras arquitetônicas, o Plano Nacional de Educação – 1997, traz metas explícitas para sua eliminação no ambiente escolar.

Para eliminação das barreiras curriculares e atitudinais, a política educacional brasileira vem enfrentando o desafio de construir uma escola de qualidade para todos, fruto do movimento mundial que reconhece e reafirma o direito que todas as pessoas têm à educação.

A Conferência Mundial de Educação para Todos, como todos sabem, reuniu em Jomtien, na Tailândia, em 1993, os países em desenvolvimento, para traçarem metas acerca dos excluídos de seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas, de gênero, etnia ou religião.

O Brasil, entre esses países, comprometeu-se a oferecer, em dez anos, educação para todos os alunos do Ensino Fundamental. Como conseqüência, o governo brasileiro, juntamente com toda a comunidade civil e escolar, elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos.

Para tratar especificamente da educação dos alunos com necessidades especiais, entre eles os portadores de deficiências, os países reuniram-se em Salamanca, na Espanha, ocasião em que elaboraram a Declaração de Salamanca (1994), assumindo a seguinte posição. Cada país deveria:

• construir um sistema de qualidade para todos;

• adequar as escolas às características, interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão escolar de todos no sistema educacional.

A legislação brasileira, principalmente a nossa Constituição Federal/88 e a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais/96, já está coerente com essa postura.

Para esclarecer um pouco mais essa tarefa, vamos mostrar a configuração que a Educação Especial adquiriu na LDB.

O sistema educacional brasileiro divide-se em Educação Básica e Educação Superior. A Educação Básica, por sua vez, divide-se em três níveis: a Educação Infantil (de zero a seis anos), o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

A Educação Especial não é um nível de ensino. É uma modalidade de educação escolar, um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais que devem estar à disposição dos alunos que dela necessitarem, perpassando transversalmente todos os níveis e modalidades de ensino. Assim sendo, os serviços de educação especial deverão estar presentes na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior.

O processo de inclusão pressupõe uma reestruturação do sistema de ensino, que deverá adequar-se às diferentes necessidades dos alunos.

Após o reconhecimento dos tipos de necessidades educacionais dos educandos, cada escola, por meio do projeto pedagógico, organiza os tipos de apoio ou suportes que pode oferecer e organizar, como as adequações ou adaptações curriculares para que eles tenham acesso ao currículo.

Geralmente, as secretarias de educação indicam as escolas que já organizaram es-ses serviços, para servirem de referência, ou seja, as escolas inclusivas vão sendo construídas gradualmente.

Cremos, até, que as escolas inclusivas que todos queremos, abertas a toda diversidade, ainda estão em processo de construção.

À universidade cabe a formação adequada dos profissionais. Para tanto, eventos como este, que trata da sociedade inclusiva, podem desencadear cursos de formação de professores já com essa postura.

Os professores deverão conhecer as formas de aprender e as potencialidades de cada educando, nos diferentes níveis de ensino.

O MEC tem elaborado documentos que explicitam essa política de inclusão escolar, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, os Referenciais para a Educação Infantil, os Referenciais para a Formação de Professores e as Adaptações Curriculares, estratégias para a educação de alunos com necessidades especiais.

Essa política de inclusão escolar tem como objetivo definir também responsabilidades e a responsabilidade para com a educação de alunos com necessidades especiais é da escola pública, do governo municipal, estadual, federal e do Distrito Federal. Escola pública nenhuma pode negar matrícula alegando a deficiência de um aluno.

O Brasil possui aproximadamente 5.700 municípios, sendo que em 2.500 não há, nem por APAEs, qualquer tipo de atendimento a alunos com necessidades especiais. A desinformação é generalizada e os pais sofrem com a situação de seus filhos. Não podemos continuar deixando para os pais a responsabilidade de ofertar educação escolar para seus filhos. Escolas como as APAEs e Pestalozzis surgiram porque houve a omissão governamental.

A política de inclusão escolar quer resgatar a responsabilidade governamental. Isso não significa que o MEC pretenda fechar as escolas especiais. Pretende, sim, redimensioná-las, para que se tornem escolas de qualidade e possam cooperar e participar do processo de inclusão de seus alunos.

A inclusão escolar não significa apenas inclusão em classes comuns do ensino regular. A nossa legislação, sabiamente, utilizou a palavra “preferencialmente” na rede regular de ensino e não “exclusivamente”. Isso significa que há casos em que as condições dos alunos não favorecem sua inclusão em classe comum.

Os surdos, por exemplo, têm solicitado escolas especiais bilíngües, em que a língua de sinais seja a língua de instrução. No entanto, o sistema não pode oferecer somente escolas especiais. Deve haver diferentes alternativas de atendimento para diferentes realidades. Conhecedoras das potencialidades dos alunos surdos, sabemos que podem ser bilíngües, trilíngües, quadrilíngües. Tudo depende da oferta do sistema educacional.

O MEC realizou reuniões em Brasília com especialistas em educação e surdez, de diferentes correntes ideológicas, e está organizando as diretrizes curriculares para esse alunado. A inclusão escolar em classe comum é uma opção a mais para a educação desses alunos e, para efetivá-la, deve-se prever também a questão dos intérpretes e formação de professores surdos.

A inclusão escolar em classes comuns não é impositiva, nem elimina os serviços de educação especial.

Inclusão se contrapõe à exclusão escolar e social. É um processo gradativo onde ciência e ideologia caminham juntas para a construção de uma verdadeira sociedade inclusiva.









Elizabeth Dias de Sá (voltar)



Psicóloga educacional, professora e coordenadora da política pedagógica do Conselho de Pessoas Portadoras de Deficiência da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte





Em seu texto, Rosita coloca três grandes blocos de desafios, cada um dos quais com vários outros desafios. Ela aborda as políticas públicas, as recomendações internacionais e a escuta das pessoas com necessidades educacionais especiais. Vou ater-me ao primeiro bloco, pois o foco das minhas questões relaciona-se com a pon-ta do sistema, ou seja, com as escolas públicas, com o professorado dentro da sala de au-la, aplicando tudo isso imediatamente com o seu alunado. Dentro do primeiro bloco, tentei organizar quatro grandes pontos que ela abordou. O primeiro é extremamente preocupante e dramático: no contexto da universalização do sistema educacional, ela tenta trabalhar o fluxo do aluno, a questão do acesso, a expansão quantitativa do sistema e a questão da permanência ou do percurso escolar bem-sucedido desse alunado. Recebemos nas escolas públicas, no sistema regular de ensino, o alunado egresso das escolas especiais, fora da faixa etária. São adultos sem escolarização ou que tiveram sua escolarização interrompida dentro das escolas especiais. Às vezes, tiveram um trânsito por vá-rias escolas especiais de até 10, 12 ou 15 anos. O tempo de escolarização passa a ser um problema, não só dentro das próprias escolas especiais, mas também no sistema regular de ensino. Quais são as propostas do ponto de vista do novo ordenamento do sistema regular de ensino para responder a esse direito e à necessidade dessas pessoas?

No segundo ponto, Rosita faz uma incursão na integração e inclusão como paradigmas ou processos complementares e não antagônicos. Nesse processo histórico, que tem determinantes políticos, filosóficos e sociais, eu me pergunto se a integração não tem sido uma questão não tanto de igualdade de oportunidades, mas do sistema de desigualdade que não oferece as mesmas oportunidades para as pessoas. Sistema que situa esse problema nas pessoas e tenta estabelecer o que eu chamaria de pertença hierarquizada na pirâmide social. A escola representa uma das estruturas sociais porque tem uma função social e tentaria colocar essas pessoas num sistema de pertença hierarquizada e num lugar de inferioridade. Temos uma massa de excluídos quantitativamente assustadora, não apenas no campo das pessoas com deficiência. A exclusão é muito mais grave, porque se trata não mais de estabelecer uma pertença hierarquizada, mas a pertença pro-priamente dita. Eles vão ter que ter um pertencimento na pirâmide social, porque estão eliminados, excluídos. Vão ter que pertencer, e pertencer num sistema de igualdade, uma vez garantido o direito. Temos como luta e como desafio a igualdade de oportunidade para todos. E a pertença tem que se dar na garantia. Quais seriam as estratégias pa-ra garantir essa pertença não hierarquizada, com igualdade de oportunidade para todos?

Num terceiro momento, Rosita levanta a questão da formação continuada em serviço, da capacitação, com uma série de outros desafios, entre os quais o de rever as no-menclaturas, os conceitos, as concepções. Esse terceiro ponto diz respeito também às estratégias de enfrentamento dos desafios. Por último, Rosita coloca, do ponto de vista de políticas públicas, a necessidade de um novo ordenamento do sistema educacional escolar. Aí vamos problematizar a questão da educação especial como modalidade, como subsistema dentro do sistema, tratada como apêndice e, às vezes, com uma visão reducionista. Quais são as estratégias do MEC para responder ao grande desafio de a educação especial deixar de ser modalidade? Ela atravessa o sistema desde a educação infantil até a universidade, da graduação à pós-graduação. Como fica essa fusão para que tenhamos um sistema único de educação em que a educação especial deixe de ser educação especial, para se tratar do especial na educação? O novo ordenamento requer que as es-colas públicas estejam abertas para a diversidade do alunado, para todos. Com isso, vamos ter que rever algumas políticas, desde o investimento, o redirecionamento do financiamento do ponto de vista da capacitação da rede pública, para que ela de fato esteja aberta à diversidade. E quando se fala de capacitação da rede pública, do ponto de vista da educação continuada do professorado, que educação é essa? Qual é a concepção de educação continuada? Temos que ter também um reordenamento dos investimentos e do financiamento porque, até então, as provedoras por excelência da educação especial eram as escolas confessionais, filantrópicas ou da rede privada. Mas agora, não se trata mais disso, trata-se da rede pública, das escolas públicas e da rede regular, que precisam de um investimento, para que se qualifiquem e tenham condições de receber esse aluna do e dar uma resposta de qualidade, esta que a Rosita coloca em termos de remover as barreiras de aprendizagem. Para isso, temos que ter uma equalização de recursos e um reordenamento da rede pública. Quais são os desafios que o MEC enfrenta para poder estabelecer estratégias que promovam de fato e de direito esse reordenamento, para que a escola pública se qualifique e seja de fato inclusiva, de fato uma escola de boa qualidade para todos?





Gladis Perlin (voltar)



Mestra em educação de surdos; pesquisadora no Núcleo de Pesquisa para Pessoas Surdas e Doutora pela UFRS.





Vou falar exclusivamente sobre a questão da comunidade surda. Dirijo-me a eles com muito conforto, porque estão aqui do meu lado. Uma das minhas grandes angústias e preocupações é com relação à questão dos intérpretes estarem inseridos no processo educacional da pessoa surda. Eles nos ajudam a mostrar a nossa identidade surda e são direito da nossa comunidade. Às vezes, a tradução das palavras, principalmente da palavra “inclusão”, para a comunidade surda, implica retirada do surdo da própria comunidade e coloca-o junto com ouvintes. Isso o angustia muito, porque não é uma inclusão verdadeira. Para o surdo, falta muito conhecimento do real sentido do ter-mo “inclusão”.

Excluir a língua e as emoções da comunidade surda é mostrar que a inclusão às vezes está embasada em muitos preconceitos relativos à comunidade surda. O estereótipo da comunidade surda começa dentro da própria família, que não quer a surdez daquela criança e a encaminha para uma escola, para que ela seja incluída junto de crianças ouvintes. Também temos uma falsa idéia da tradução desta palavra “inclusão”, quando a terminologia “surdo” se confunde muitas vezes no senso comum com a terminologia “deficiente auditivo”. O problema do deficiente auditivo não é de falta, é um problema que pode ser corrigido com recursos fonoaudiológicos, não é o problema da comunidade surda. A comunidade surda está interessada na inclusão a partir da língua de sinais. Colocar os surdos junto com ouvintes pode gerar conseqüências, como o não acesso ao conhecimento, o desenvolvimento intelectual imperfeito. Percebemos que a maioria dos surdos não tem acesso à universidade, não consegue ter acesso ao mundo dos ouvintes, nem ao conhecimento que os ouvintes têm; não está apta a uma competição com ouvintes. O surdo precisaria ter o mesmo nível dos ouvintes. A identidade ouvinte acaba por reprimir o sentimento de inferioridade do surdo em relação às pessoas que ouvem.



Eu gostaria de citar um exemplo: há pouco tempo eu estava em Porto Alegre, na Faculdade de Teologia. Todos os meus colegas eram ouvintes e captavam 70% do ensino. Pedi para que eles me ajudassem, que me empurrassem para eu conseguir chegar a ser como eles. Eu precisava sempre de alguém para me assessorar e às vezes não conseguia captar todos os conhecimentos com a mesma rapidez que os outros alunos; não conseguia acompanhar. Meus colegas sempre estavam à minha frente, eu me sentia sempre inferior a eles, aprisionada. Por isso represento a comunidade surda, que se sente do mesmo jeito. Agora finalizei o mestrado e estou fazendo a minha tese de doutorado. De-pois que eu consegui essas coisas, minha vida mudou muito, tenho mais autonomia, pro-duzo os meus próprios textos, elaboro minhas próprias idéias, penso em língua de sinais, abuso dos meus recursos visuais e posso expressar minhas idéias para apoiar a comunidade surda em sua luta. Acredito que seja muito importante pensar na educação de surdos. É preciso que a escola de surdos tenha um currículo igual às de ouvintes, associado à língua de sinais. Acredito que, na instrução fundamental, todo o conteúdo das matérias deva ser passado para o surdo em línguas de sinais, e que o ensino da língua portuguesa seja considerado como ensino de segunda língua, que vai nos ajudar a conviver com uma outra forma de língua. Nossa dificuldade maior é com relação ao conhecimento elaborado, à aprendizagem do português como segunda língua. Queremos utilizá-lo para acessar o mundo dos ouvintes. Por exemplo, a necessidade da leitura é muito importante para a comunidade surda, porque o português é lido e escrito em todo o Brasil, mas nós surdos usamos muito pouco o português oral. A comunidade surda elaborou um conjunto de propostas prevendo a necessidade de novas alterações com relação à educação dos surdos. Pensamos que a presença do professor surdo dentro da sala de aula é de suma importância. Porque o professor surdo é o sujeito da identidade da comunidade surda dentro de sala de aula. No primeiro momento, o professor surdo estaria ensinando a língua de sinais também para pessoas ouvintes, para que elas saibam que a língua de sinais é uma língua tão completa quanto o português. Estou falando com quarenta anos de conhecimento disso. A importância do professor surdo dentro de sala de aula atuando em língua de sinais se dá a partir da identidade e do acesso ao conhecimento. Em termos pedagógicos, o professor surdo em sala de aula é muito importante, porque quando a criança surda mira o professor surdo, ela se sente refletida nesse professor, ela sabe que, se esse professor chegou lá, ela também pode chegar. Com relação ao professor ouvinte, a criança surda tem uma grande dificuldade de se identificar numa perspectiva de futuro. Então essa criança se sente excluída no processo de formação de sua própria identidade. O professor de surdo pode ser o modelo de como nós, surdos, precisamos ser, em termos lingüísticos e culturais. Uma comunidade tão forte quanto a comunidade dos ouvintes. Não estou dizendo que os ouvintes não possam estar num processo integrado com os surdos, mas vamos precisar muito do intérprete. Estou aqui, fazendo uma palestra para vocês que são ouvintes, e seria impossível. A minha voz não é compreensível para quem não me conhece, então tenho a Geralda como minha tradutora, que vai ler os meus sinais e falar o português, para que todas as pessoas tenham acesso às minhas idéias e aos meus pensamentos.



Como representante da comunidade surda, também acredito que a nossa luta tem mostrado um movimento muito parecido com a dos ouvintes. O professor ouvinte não tem formação para atuar com o aluno surdo. A comunidade surda, reunida em Porto Ale-gre, elaborou um documento que foi encaminhado ao MEC, sobre a formação dos professores. O documento solicitava que os professores ouvintes tenham conhecimento e uso fluente da língua de sinais, sejam usuários constantes da língua de sinais, para poder passar esse conhecimento para sua turma de alunos surdos e que o professor tenha uma participação constante no movimento de luta da comunidade surda por uma educação melhor. Percebemos que é muito complicado respeitar uma língua quando não se conhece esta língua. Então exigimos um respeito à nossa língua, à nossa comunidade, que é di-ferenciada. O professor usuário da língua de sinais vai ter um conhecimento profundo da comunidade e da cultura surda, das expressões, das habilidades e das possibilidades de inserção do surdo na sociedade. Também percebemos que a presença do professor ouvinte vai, a partir de agora, ser melhorada, quando ele entender que o português deve ser ensinado como segunda língua. Normalmente, a gente escuta que o surdo não sabe escrever, não sabe ler o português e é analfabeto. Mas o professor ainda não percebeu que o português é uma segunda língua para a comunidade surda, que se sente muito angustiada porque não consegue ter acesso à informação da mesma forma que os ouvintes.

Os ouvintes têm uma prática autoritária em relação à educação dos surdos. Também pensamos que a família do surdo é muito mal informada. Nosso conferencista da Suécia falou da necessidade de o próprio deficiente estar à frente do seu movimento. É um pecado o fato de o médico otorrino orientar a família a tirar o surdo do convívio com a comunidade surda, porque, convivendo com uma sociedade oral, ele não se identifica enquanto comunidade. Isso faz parte de um processo de discriminação do surdo no mundo. Também a comunidade surda vem solicitando muito que as salas especiais para surdos sejam analisadas num contexto em que os objetivos sejam pedagógicos e as abordagens sejam coerentes com as necessidades da comunidade surda. A tecnologia tem que ser visual, as estratégias têm que ser voltadas para essas tecnologias. Por exemplo, vocês, ouvintes, têm telefones que são tecnologias para vocês. Nós, surdos, temos que ter mais acesso ao fax, que é uma forma de comunicação visual. O sistema de campainha acoplada às luminárias é outro recurso que nós, surdos, precisamos ter nas escolas.

Questiono aqui por que nas escolas de surdos não há intérpretes. Gostaria de frisar que o respeito à diferença do surdo não é um respeito só à educação do surdo, mas à pessoa surda.

A educação da pessoa surda está basicamente inserida no contexto da sua identidade como cidadã, porque a marginalização se dá quando a gente percebe que a inclusão não é realizada no seu sentido amplo. As metodologias não têm obedecido às nossas demandas. Segundo o conferencista que nos precedeu, a pessoa é cultura. Por isso, é importante que a pessoa surda conviva com sua comunidade, porque é lá dentro que ela vai se sentir um sujeito culturalmente identificado.



Maria Dolores da Cunha ***** (voltar)



Educadora especialista em Educação especial, Presidente da APAE de Belo Horizonte e Presidente do Conselho Estadual de Assistência Social.





Um ponto básico são os dilemas da inclusão. Todas as pessoas têm direito à

educação escolar, cujo objetivo central é a transmissão da cultura, a construção

do conhecimento e a preparação para o trabalho, para o início da cidadania. No entanto, vimos toda a tradução do que se chama exclusão em uma sociedade que não se faz justa e igualitária. E a obrigação central da escola é contribuir para a construção dessa sociedade. Não importa se é na escola especial do sistema regular de ensino, porque o sistema regular tem de ter uma educação formal e, ao se organizar enquanto sistema regular, pode ser que em alguns momentos a educação se faça especial para garantir o direito à educação. Na América Latina, segundo a última pesquisa da OPAS, só 2% de portadores de deficiência estão tendo acesso ao atendimento especializado necessário para o seu desenvolvimento. Então, quando falo em inclusão, estou propondo a questão do acesso à educação. O acesso, percurso e permanência na educação, muitas vezes com garantia de que esse processo aconteça, como vimos aqui no caso do palestrante anterior, Adolph Ratzka, da Suécia, que estava em uma instituição especializada. Nessa instituição especializada, ele teve acesso ao conhecimento e aprendeu a defender os seus direitos, a ter uma visão de mundo e uma visão crítica. Nem a escola especial nem a comum estão garantindo esse direito aos educandos. E me assusto quando Emília Ferreiro, na revista Presença Pedagógica (n. 14), pergunta se a questão da inclusão no Brasil, da forma como vem sendo discutida, sem as condições básicas para que todos os portadores de deficiência aprendam, está seguindo os modelos do México, da Espanha, da Argentina: a negação do acesso à educação enquanto aprendizado para os portadores de deficiência. Então, nessa realidade, ao discutir inclusão, discutimos que os portadores de deficiência que tiveram acesso ao conhecimento no Brasil, que tiveram percurso na educação, tenham condição de fazer o seu discurso e defender os seus direitos. Na história da educação especial, fomos nós, técnicos e especialistas da educação, que tivemos muitas vezes de nos apropriar do local da fala e tirar o local da fala dos portadores de deficiência. Então, na realidade, discutir inclusão é dizer que queremos universalização do ensino, com as condições necessárias, seja na escola comum, seja na escola especial, mas que aconteça aprendizagem.

Segundo ponto: queremos que a educação especial seja educação especial, porque temos um passado e uma tradição de domínio na área, incluindo questões terapêuticas. Como se todo portador de deficiência, só por ter uma deficiência, necessitasse de terapia. É tão interessante que não conseguimos até hoje responder educacionalmente e adequadamente a portadores de deficiência que têm o comprometimento acentuado. E o que estamos fazendo? Muitos deles, no seu direito subjetivo de matrícula, principalmente no ensino fundamental, estão tendo maioria nas escolas, a partir de um diagnóstico rotulante e eliminador. Mesmo na escola especial, eles têm acesso a 40 minutos de atendimento. Para as suas famílias, é dito que aquele menino, enquanto não passar por processos terapêuticos externos, não poderá freqüentar a escolaridade. Para ser inclusão, a educação especial terá de saber o que é educação especial. A escola especial deve saber que ela tem de trabalhar com processos educativos. E se nós tivermos a predominância das terapias, temos a obrigação de aprender o que é educação para ter acesso, ter curso e permanência, no contexto a que todas as pessoas têm direito. Nesse caminho, pergunto o que temos de fazer para transformar a educação especial num processo que seja sobretudo educacional e não terapêutico.





Paula Botelho (voltar)



Mestre em Educação pela UFMG, especialista em educação de surdos e professora de Terapia Ocupacional.



Do ponto de vista escolar, seja nas escolas regulares ou nas especiais, pouco ou nada se tem discutido a respeito do fato de que os sujeitos surdos, os sujeitos cegos ou portadores de outras deficiências também são mulheres ou homens, analfabetos ou letrados, negros ou brancos, pobres ou ricos. Enfim, todos os recortes da identidade do sujeito ou as múltiplas identidades vêm sendo ignoradas. No final das contas, tem-se uma mesma visão da surdez, da cegueira e das demais deficiências. Trabalhando com jovens e adultos surdos, tive recentemente a oportunidade de acompanhar o ponto de vista de um aluno meu, um caso seríssimo de homofobia, ou seja, um duplo estigma: um jovem surdo que, por ter uma preferência sexual determinada, tinha que ar-car com as conseqüências de ter uma família que o espancaria e uma escola que nem sempre receberia bem essa história ou que não seria talvez capaz de entender a implicação dessas conseqüências. Então, existem muitos recortes sociais que se têm ignorado. Ignora-se que essas pessoas, antes de serem surdas ou seja lá o que forem, pertencem a categorias sociais. Como a escola vem excluindo ou incluindo essas categorias sociais?

Recentemente, no mestrado, tive a oportunidade de pesquisar sujeitos surdos em contextos bastante variados. Mas tive a oportunidade também de ver sujeitos surdos em escolas regulares. Não vou entrar no mérito se são escolas inclusivas ou não, mas têm em comum com a proposta inclusiva o fato de estarem com outros cidadãos que não são surdos. Tive uma escuta desses surdos, de seus familiares e de seus professores. Fiquei muito impressionada com a história de sujeitos surdos em escolas com alunos ouvintes, às custas de muitos atos acobertados, dificuldades, inclusive fraudes, como acesso antecipado a provas. E isso sendo chamado de inclusão, de integração ou seja lá o que for. Então, é preciso ter uma escuta também do que se esconde por trás dos bastidores e nem sempre se está disposto a conversar quando se tem vontade de melhorar a situação educacional. Acho que todo mundo concorda que não é boa nossa situação educacional, seja para surdos, deficientes visuais ou para pessoas que não são surdas ou deficientes visuais.

Gostaria de discutir também um ponto muito frequentemente consensual, embora haja algumas oposições a esse suposto consenso. É um ponto fundamental, mas as próprias pessoas surdas, muitas vezes, não se dão conta dele e de suas implicações. Seria maravilhosa a oferta de língua de sinais nas escolas regulares como disciplina curricular. Hoje, no mundo, as pessoas são bilíngües, trilíngües, quadrilíngües. Elas funcionam melhor. Esse é um ponto que não se discute. O que quero discutir é se a escola inclusiva, no caso do surdo, está levando em consideração que, para adquirir leitura e escrita, não é possível reunir ao mesmo tempo fala e língua de sinais, numa prática que se chama português sinalizado ou prática bimodal. Mesmo que o professor da classe regular da escola inclusiva, ou seja de que escola for, tenha domínio completo da língua de sinais, ele não vai poder usar duas línguas concomitantemente. Várias pesquisas têm demonstrado que isso não é possível. E fica aqui um convite para que vocês possam olhar com mais cautela as práticas que se chamam bimodais e que vêm sendo propostas como alternativas para os sujeitos surdos estarem nas classes com outros alunos, ouvintes, cegos ou deficientes físicos. Diferentemente da situação dos outros alunos, não existe uma língua compartilhada, uma língua que circula na sala de aula. Imaginem irmos aprender geografia, nós, que falamos português, numa classe em que todo mundo fale inglês. Detalhe: somos ouvintes. Isso não vem sendo devidamente considerado do ponto de vista da extensão das conseqüências. Sem uma língua, como é que os surdos vão ter acesso aos bens e serviços socialmente disponíveis para os ditos normais? Essa é uma questão sobre a qual se deve refletir.

Na maioria das vezes, os surdos chegam à escola sem saber língua de sinais, sem língua oral e escrita. Não são poucos os casos de alunos que chegam às escolas regulares ou especiais nessa situação. Esse sujeito pode ser uma criança ou um adulto de 50 anos. Na maioria das vezes, usam fragmentos, rudimentos de uma língua. Não é de fato uma língua que se domine, que eu possa chegar e falar: “Olha, quero contar o que fiz nas férias”. Ele tem uma língua que possibilita fazer isso ou não? Então, precisamos examinar com calma as extensões das conseqüências disso.



Mesa-redonda

Saúde inclusiva









Ana Paula Teixeira do Rosário (voltar)



Psicóloga Clínica





Atanatologia é uma atividade embrionária em nosso meio e tem como escopo o estudo da morte, além de secundariamente prestar assistência aos pacientes com expectativa de vida limitada, aos familiares desses pacientes e aos profissionais da área de saúde. Numa concepção mais abrangente, busca ajudar as pessoas a compreender o processo da morte e do morrer.

Os conceitos e reflexões apresentados por Kübler-Ross (1969), cuja obra alcança três décadas, tornaram-se paradigmas freqüentes em todos os trabalhos que tratam da tanatologia.

Uma estranha sensação sempre invade aquele que tem que falar ou pensar sobre a perda. Nada se ensina sobre o perder, apenas sabe-se que se perde e que a perda que se sabe é a do outro; sua própria, nem pensar. Portanto, a consciência da doença fatal leva tempo.

Negar a morte é impossível. Mas pode-se negar o morrer quando o que se quer é estar vivo, custe o que custar. Assim, negar a negação da morte é superá-la pela compreensão... Negação.

A perda se apresenta, desde o início dos tempos, como fronteira. A raiva por ignorar o seu alcance como realidade pode ser o que traz consigo o castigo de amargar a sua inevitável consumação, sem ter a quem apelar... Raiva.

O verdadeiro problema encontra-se nas mãos dos que se deprimem com a vida e na morte vêem se a vida merece ou não ser vivida, querendo responder a uma questão fundamental... Depressão.

Não há troca, é tudo ou nada. A condição humana de amar abre caminhos que se trafegam com a alma. Na trajetória, acaba-se por aceitar a obra divina como a perfeita totalização da existência. Ou, do contrário, ao pó retornarás sem que mais nada seja considerado. Não há o que barganhar, a morte se impõe... Barganha.

De uma coisa apenas se tem certeza, da morte; é o que se destina a todos, de modo democrático, absoluto, como uma verdade, como a redenção do corpo e da alma. Aceitá-la não significa nada mais que, para alguma coisa, pelo menos, pode-se evoluir... Aceitação.



Juliana Meirelles Motta (voltar)



Psicanalista, Mestre em Psicologia, Professora Titular do Departamento de Enfermagem da PUC Minas, Enfermeira no Hospital-Dia do Instituto Raul Soares, Coordenadora do Centro Cultural da Fhemig



Areforma psiquiátrica construiu-se sobre os pressupostos fundamentais dos di-

reitos do doente mental à sua cidadania, sem impor-lhe a condição de que ele

deve primeiramente adaptar-se à prática coletiva. Ele possui direitos e é cidadão por si só, independentemente de sua condição clínica.

A reforma abordou o louco como cidadão, com toda a polêmica que essa premissa levanta, pois, até então, ele era considerado como um indivíduo “fora de sua razão”, “incapaz de responder pelos seus atos”, juridicamente “insano” e “inimputável”. Segundo Delgado, a reforma deixa de ter um caráter técnico-administrativo. Não se trata apenas de propor melhores condições de tratamento e um acesso aos serviços de saúde mental mais rápido e competente. Trata-se, agora, de se implantar uma nova estratégia para a transformação de todo o aparato do sistema de saúde mental. O que se faz necessário é desinstitucionalizar/desconstruir o manicômio e construir um novo cotidiano que ofereça uma outra forma de lidar com a loucura e o sofrimento psíquico.

A partir de então, os atores desse processo não são somente os técnicos pertencentes às equipes de saúde mental, mas também os familiares e a própria comunidade. O espaço da discussão sobre a loucura amplia-se: ultrapassa os muros dos hospícios e ocupa as cidades, as instituições e a vida dos cidadãos. Assim, seguindo a afirmação de Delgado, do lugar meramente técnico-administrativo da reforma, ela passa a constituir um dispositivo mais complicado, um enigma teórico, um imprevisível político.

A discussão a respeito da memorização dos serviços de saúde mental, sua qualidade e abrangência está contemplada no texto da reforma, mas a pergunta fundamental, na sua obrigatória especialidade, impõe-se soberana: que tipo de cidadão é o louco?

Não se está mais trabalhando com o homem da razão do projeto iluminista. Todas as práticas alternativas à instituição psiquiátrica clássica que tentaram medir a distância entre a loucura e o sujeito da razão não se sustentaram. Se essa mediação não é possível, é também impossível o preenchimento terapêutico do espaço entre a loucura e o homem da razão.

Birman comenta:

Desta maneira, qualquer reforma psiquiátrica radical tem que começar pelo reconhecimento desse paradoxo, que marca a relação da loucura com os pressupostos éticos da cultura ocidental. A reforma psiquiátrica e o reconhecimento da cidadania para os loucos implicam a constatação de que estes não têm qualquer dívida para com a nossa razão científica e tecnológica, de que não existe absolutamente nos loucos nenhuma falta a ser preenchida para se transformar em sujeitos da razão e da vontade.

Assim, surge o movimento da luta antimanicomial, que não se reduz à clínica e à terapêutica dos portadores de sofrimento psíquico, mas, sob muitos de seus aspectos, independe delas.

Trata-se de um movimento em prol da construção da cidadania, cujos militantes – técnicos ou usuários, loucos ou não – buscam fazer circular no tecido social as indagações e os impasses suscitados pelo convívio com a loucura. Esta proposta exige, por princípio, que tais questões possam ser abordadas numa linguagem que não pertença a qualquer teoria ou técnica “psi”– posto que a pertinência exclusiva dos assuntos da loucura ao mundo “psi” constitui justamente um dos modos principais de sua exclusão da cultura. (Lobosque, 1997)

A prática antimanicomial deve operar no sentido contrário ao da exclusão. O louco, enquanto cidadão, tem o direito de utilizar o espaço coletivo na sua plenitude, mesmo que esse usufruto seja exercido de uma maneira especial.

De um louco foucaultiano, privado da condição humana, fora do estatuto cartesiano da razão e do contrato social, passamos a um indivíduo singular, que fala, circula e tenta participar de uma vida social, mesmo delirando. De um tratamento exclusivo, violento, amordaçado da linguagem, passa-se à construção de espaços de criação e escuta, vida compartilhada e respeito. (Motta, 1998)

No seu interior, o movimento de desconstrução da lógica manicomial parte de um fundamento básico: é um projeto, uma causa, guiada pelo resgate da cidadania, historicamente negada aos usuários de saúde mental, que entendia a exclusão da subjetividade como dimensão decisiva de todo processo de exclusão da loucura. Daí a importância da construção de um trabalho clínico e de uma prática política em que a subjetividade seja levada em conta.

Finalizo este pequeno texto citando um belo dizer de Pedro Gabriel Delgado, por ocasião da publicação de seu livro A razão da tutela (1992):

O habitante da pólis tinha que transpor todos os dias um “muro invisível” que separava sua casa de escravos e mulheres do espaço da ética e da palavra, do domínio do público; a cidade é a grande utopia humana. Que território possível de cada homem e mulher, criança, índio, louco desenhará um mapa-múndi da cidadania, da ocupação da terra pelas projeções de cada sujeito, cristalizadas numa lenta construção de códigos compartilhados?

Da pólis sem social à cidade real ou futura, desterritorializada, a trajetória humana vai inscrevendo lei, liberdade, cultura, solidariedade, definindo a cidadania como imperativo ético. Na arquitetura coletivizada e impessoal dos grandes conjuntos habitacionais, como nas ruas e calçadas tornadas domicílios, circulam territórios de cada sujeito. Fora do mundo urbano, os índios brasileiros, expulsos de suas aldeias, falam de uma possibilidade misteriosa de conservarem sua moradia interna e simbólica, mesmo quando obrigados a viver em lugares estranhos e hostis. Conservar esta aldeia subjetiva lhes permitirá erguer novos te corás, protegendo-os da morte trágica e solitária sobre as árvores invadidas.



Referências bibliográficas

BIRMAN, Joel. A cidadania tresloucada. In: BEZERRA JUNIOR, B., AMARANTE, P. (Org.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1991.

DELGADO, Pedro G. As razões da tutela. Rio de Janeiro: Te Corá, 1992.

LOBOSQUE, Ana Marta. Princípios para uma clínica antimanicomial. São Paulo: Hucitec, 1997.



Luiz Cândido ***** da Silva (voltar)



Professor de Odontologia – PUC Minas.



Tenho a impressão e também a certeza de que a saúde oral do cidadão é muito

menos conhecida de vocês do que a saúde geral. O que é saúde oral de um pa-

ciente? A imagem que se tem de um paciente com algum problema oral é relacionada ao dente. Hoje, o paciente que tem algum problema na área maxilo-facial, tanto funcional como estético, é considerado um paciente doente. A cárie é uma doença, uma anomalia crânio-facial e pode ser proveniente de síndrome. No Brasil, quem tem acesso a atendimento odontológico de bom nível tem uma saúde oral de primeiríssimo mundo. Quem não tem acesso a esse serviço, ou seja, a grande maioria, tem a saúde oral de país de 4°, 5° mundo. Por que isso? Vivemos numa sociedade extremamente competitiva, que visa ao lucro. Quantos serviços de atenção odontológica vocês conhecem? Praticamente nenhum.

O paciente especial é um capítulo à parte dentro da odontologia. Temos todo tipo de paciente com necessidade especial, com necessidade de promoção de saúde oral.

A promoção de saúde oral em termos preventivos é extremamente barata. Com pequenas mudanças de dieta, participação da família no processo, fluoretação de água do abastecimento, uso inteligente do açúcar, visitas periódicas, consegue-se um paciente saudável. Mas e o paciente especial que não tem acesso nem a essas informações?

O que é paciente especial? De maneira clássica na odontologia, eles são divididos em pacientes com problemas de motricidade, com doenças sistêmicas crônicas, com problemas sensoriais, de visão, de audição. Todos esses pacientes têm necessidade de um tratamento odontológico de bom nível, preferencialmente preventivo.

Na Universidade Católica, atendemos crianças, formando, na infância, a saúde oral do adulto. Uma paciente, de nove anos de idade, tinha uma patologia gravíssima, fatal, chamada epidermose bolhosa. É um tipo de doença em que qualquer trauma fica praticamente uma chaga viva, o corpo inteiro, inclusive a cavidade oral. Essa paciente procurou uma entidade pública de atendimento odontológico e foi recusada sob a alegação de que não havia vaga. Essa criança nunca fora ao dentista. Iguais a ela, temos várias.

Como colocar esses pacientes dentro de uma sociedade inclusiva? O dentista, hoje, nas faculdades, é preparado para atender o paciente dito normal, que tem condições socioeconômicas para acesso a um dentista, a uma orientação, à promoção da saúde. O dentista não é preparado para atender paciente com nenhum tipo de necessidade especial. Então, como esse paciente pode ser colocado dentro de uma sociedade inclusiva? Nenhum desses pacientes sofre um processo de prevenção. A água fluoretada, quando têm acesso a ela, é o único processo de prevenção com que contam. Como dizer ao paciente excluído do ponto de vista social e econômico para não ingerir açúcar, quando a sua única fonte de energia, às vezes, é o açúcar? A falta de preparo das instituições, dos profissionais da área de saúde oral, para atender esses pacientes é a maior barreira e, contudo, o caminho pelo qual esses excluídos poderão ser colocados dentro de uma sociedade inclusiva.



Pedro Américo Marcos Aguiar (voltar)



Professor da Escola de Educação Física – UFMG.



Omeu tema aborda a questão da atividade física no contexto da educação para a saúde. Todos sabem que a atividade física provoca ou é capaz de provocar no organismo uma série de adaptações, tanto de ordem metabólica, quanto psicológica e social. Isso depende, logicamente, da intensidade, da duração, da freqüência e das características dessa estimulação.

Vejamos essa estimulação no contexto da educação para a saúde, educação para o tempo livre e educação para a vida em sociedade.

No contexto da educação para a saúde física, um primeiro aspecto a ser resgatado seria o do direito à prática da atividade física regular e bem orientada, criando-se o hábito de a pessoa manter-se ativa, provocando uma estimulação funcional nos sistemas cardiorrespiratório, muscular, ósseo e do metabolismo como um todo. Ou seja, promovendo-se a saúde, o bem-estar e prevenindo-se contra os males do sedentarismo.

No que se refere ao bem-estar psíquico promovido pela atividade física, seria uma forma de ocupação terapêutica em que o pensar e o fazer do indivíduo ficam dedicados a aspectos saudáveis de sua vida pessoal e a um convívio prazeroso, dando-lhe melhores condições para uma estabilidade emocional. Segundo algumas teorias, a produção de endorfina e de catecolamina pela atividade física dariam tanto sensações de bem-estar físico e emocional, quanto combateriam a depressão.

Além disso, pela atividade física procura-se detectar e trabalhar os potenciais das pessoas. É uma estratégia motivacional que busca em cada um dos portadores de necessidades especiais, não aquilo que ele tem como deficiente, não aquilo que está comprometido, mas centraliza as ações principalmente nos potenciais remanescentes dessa pessoa. E com isso se mobilizam energias tanto físicas quanto emocionais e uma predisposição para o convívio social, facilitando ao indivíduo sentir-se capacitado para aquela atividade.

A detecção e o desenvolvimento dos potenciais remanescentes é um ponto central para se atingir o bem-estar físico e psíquico, de maneira a contribuir para a saúde física e mental e para o convívio social. Ao mesmo tempo, é com isso que se procura trabalhar uma melhoria da auto-imagem da pessoa, a autoconfiança e a auto-estima. Procura-se também promover uma maior autonomia dos indivíduos, canalização da agressividade, desenvolvimento de um sentido de solidariedade e estimulação psicomotora, trabalhando-se coordenação motora, equilíbrio, maior tolerância à frustração etc. Faz-se ao mesmo tempo um resgate do direito à infância.

Quantos de nós conhecemos pessoas portadoras de necessidades especiais que não tiveram infância! Quando isso aconteceu, houve muitas vezes uma atenção à saúde física, mas não uma atenção à criança. A criança foi deixada de lado, enquanto se cuidava do doente. Então, a atividade física, em muitos casos, visa a resgatar o direito à infância, ainda que tardiamente.

No que se refere ao bem-estar social, a atividade física favorece o convívio social. Mas sabemos que a simples oportunidade de convívio social não é capaz por si só de proporcionar um bem-estar social. É lógico que isso implica também uma aprendizagem de normas de convívio social, reflexos, por exemplo, das regras esportivas, que por sua vez espelham as normas de convivência social. Poderíamos listar, entre outros, o conceito de responsabilidade, o respeito aos direitos dos colegas e das demais pessoas, a defesa dos próprios direitos pelas pessoas, a aprendizagem de formas lúdicas de convivência para o seu tempo livre. É interessante observar que, à medida que crianças que têm uma maior agressividade aprendem formas lúdicas de brincar, esse tempo livre é ocupado com brincadeira e menos com agressividade.

A atividade física teria a finalidade primordial de alterar conceitos arraigados na sociedade, como aquele que vê a deficiência como uma catástrofe. Esse catastrofismo fica muito arraigado em famílias, no ambiente de trabalho e nas religiões. Com base nessa catástrofe, vê-se uma incapacidade do indivíduo, uma impossibilidade de ele exercer os seus potenciais. A atividade física teria como finalidade ver essa deficiência, essa necessidade especial, não como uma catástrofe, mas como um desafio que pode e deve ser superado. O nosso investimento vai ser no sentido de capacitar essas pessoas para conseguirem superar esse desafio.

Vamos ver a atividade motora como uma forma de educação para a superação da crise emocional que normalmente acompanha um trauma provocado por uma deficiência ou uma necessidade especial. Se essa deficiência ou necessidade especial não puder ser superada ou for perene, a maneira como a própria pessoa ou a família a vêem pode ser alterada. Então, as nossas ações vão no sentido de capacitar essa família e essa pessoa para superar essa crise emocional no confronto difícil com a sua deficiência ou com a sua necessidade especial.

Com isso, acreditamos que o processo de inclusão dependa de alguns pressupostos. Um deles se refere à capacitação de recursos humanos. Este seminário promovido pela PUC vem sensibilizar a sociedade para o direito das pessoas portadoras de necessidades especiais e para a necessidade de que nos capacitemos, seja na área de educação, saúde ou laboral, para lidar com essa clientela especial e saibamos integrá-la na sociedade.

Por outro lado, o processo de inclusão implica também a divulgação dos potenciais remanescentes das pessoas portadoras de necessidades especiais, no sentido de reduzir o preconceito da sociedade em relação a elas, oportunizar o convívio, seja escolar, social, laboral, esportivo etc., garantir condições de segurança social, meios de sobrevivência para essas pessoas, atenção à saúde, garantia do emprego e adoção de políticas sociais que assegurem os direitos das pessoas portadoras de necessidades especiais.


No processo de inclusão, há três fatores de suma importância para essas pessoas: a garantia do trabalho, a garantia do convívio social e de uma vida afetiva também satisfatória.

Na oportunidade, ofereço à biblioteca da PUC um exemplar do meu livro O esporte na paraplegia e tetraplegia.



Marcos José Burle de Aguiar (voltar)



Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, coordenador do serviço de Genética do Hospital das Clínicas – UFMG





Relato de caso: paciente de oito meses de idade, com diagnóstico de síndrome de Apert, necessitando operação de crânio com urgência, com diagnóstico de oste omielite de crânio, tem os seus pedidos de internação e cirurgia negados pelo Convênio de Saúde. Justificativa: “Doença de caráter congênito segundo relatório médico, portanto sem cobertura nesta apólice”. Hoje, a maioria dos hospitais privados não realiza cirurgias pelo SUS. O que fazer?

Essa não é uma exceção. Nenhum convênio cobre doenças congênitas. A nova lei, que deve entrar em vigor no próximo ano, o fará. Será implementada? Será cumprida?

O paciente com deficiências físicas ou mentais é um paciente oneroso ao sistema. Nos Estados Unidos, existe o sistema denominado “Managed Care”, destinado a controlar gastos realizados pelos médicos conveniados. Existe uma tensão constante entre os médicos e esse sistema, devido ao controle sobre exames solicitados, tratamentos propostos e procedimentos realizados. O Brasil tenciona implantar esse sistema aqui.

Trabalho com Genética e minha principal clientela são os pacientes com anomalias congênitas e retardo mental. Como está a situação nessa área?

Já abordamos uma primeira dificuldade. Enumeraremos algumas outras:

• Marcar consulta na Genética: só em janeiro de 2000;

• Ultra-sons renais no hospital: estão suspensas as marcações e não se sabe quando serão liberadas;

• Vagas para cirurgias otorrinolaringológicas: fila de 2 anos.

Com os convênios e seus preços, a clientela do hospital está mudando. A classe média começa a ser seu usuário principal.

Os médicos não tiveram treinamento em Genética e freqüentemente não sabem o que fazer diante de um paciente com anomalias congênitas únicas ou múltiplas, retardo mental ou algumas doenças genéticas.

Essas dificuldades dizem respeito ao diagnóstico, tratamento, abordagem da família, aconselhamento genético, diagnóstico pré-natal etc.

Algumas vezes se negam até a atendê-los, após o diagnóstico dado, por desconhecimento da patologia, sua evolução e suas complicações.

Para quem trabalha com Genética, o principal problema é o retardo mental. A deficiência física é mais facilmente abordada e suportada por médicos e familiares.



Como lutar pela inclusão do deficiente mental e físico na sociedade?

Algumas propostas



Na área de saúde:

• Esclarecimento e formação dos médicos e profissionais de saúde sobre as anomalias congênitas, retardo mental e doenças genéticas.

Direito à saúde:

• Consultas;

• Exames;

• Tratamento especializado;

• Apoio emocional ao paciente e sua família;

• Estimulação;

• Direito à educação;

• Direito ao trabalho;

• Direito ao lazer;

• Direito ao ir e vir.





Limites da inclusão



O paciente com deficiências múltiplas e retardo mental é um paciente caro. O sistema de saúde está hierarquizado em função de custos/benefícios e do lucro.

Na globalização, a empresa que não compete fecha.

O indivíduo menos competitivo é desempregado e marginalizado.

Hoje, quase toda a África está marginalizada (50% da população infectada pelo vírus da AIDS).

Na América do Sul:

• Brasil com desemprego e marginalidade crescentes;

• Argentina com dificuldades de balança comercial e taxa recorde de desemprego em sua história;

• Paraguai sem dinheiro para pagar seus funcionários públicos;

• Chile com dificuldades em seu sistema previdenciário;

• Colômbia envolvida na crise do narcotráfico;

• Equador em grave crise econômica e sem condições de pagar sua dívida com o FMI.

Será a América do Sul o próximo continente a ser marginalizado?

Dúvida final: é possível uma sociedade inclusiva em uma economia globalizada?

Certeza final: é necessário lutar pela cidadania dos deficientes físicos e mentais em todos os níveis.



Maria Lúcia Pellegrinelli (voltar)



Fisioterapeuta



Aprincípio achei muito interessante o nome que demos a esta mesa: saúde inclusiva. Depois passei a considerar essa expressão um exagero, uma redundância.

O que tem a ver saúde com inclusão? O que vem a ser inclusão? Se procurarmos no dicionário o sentido da palavra, vamos ver que incluir é inserir, introduzir, conter em si, abranger, compreender. Sendo assim, vamos considerar esta história:

Os pais de uma menininha de três anos resolvem procurar uma escola para a filha freqüentar. O critério para a escolha é de que a escola tenha bons profissionais, ofereça um trabalho coerente com a educação que dão à filha e seja próxima ao local onde moram. No primeiro dia de aula, levam a criança, muitos satisfeitos, para a escola. Ao se aproximarem do portão, encontram pessoas em choque: a menina, portadora de Síndrome de Down, vem chegando toda feliz! Ao mesmo tempo, vêm chegando muitas outras crianças. Destaca-se, dentre todas, a de olhinhos espertos, puxadinhos. Todos olham pa-ra ela com um olhar chocado. Estão abobalhados com o atrevimento desse pai que matricula a menina numa escola regular, pasmos porque ele não disse que ela é sindrômica. Estão saudáveis as pessoas que trabalham nessa escola? Trabalha-se com saúde só nos consultórios, nos hospitais, nas clínicas? A confusão está feita. A simplicidade com que esses pais encaram a síndrome que a filha acidentalmente carrega vai de encontro ao preconceito, à opinião antecipadamente formada de que ela traz limites intransponíveis. Interessante é que esses pais se sentem (e são) cobrados por não terem o olhar viciado, o olhar acostumado a não dar crédito às possibilidades da filha. O fato de cobrarem da escola atitudes coerentes com a inclusão, ou seja – que a filha seja recebida como todos os outros – faz a direção dessa escola achar que são os pais que não enxergam os limites da filha. Ora, qual de nós não tem limites? O limite não é humano? E o fato de ele existir impede o crescimento, impede que possamos desenvolver nossas possibilidades? O que há de humanidade no fato de serem esses pais e essa menina e não qualquer outra família a experimentar essas situações difíceis, constrangedoras, em que se deparam muitas vezes com a indiferença ou a piedade? Se encontro a pessoa e escolho recebê-la e, além de tudo, se não faço seus problemas e dificuldades serem maiores do que ela, estou praticando uma troca: sou aquela pessoa que matricula sua filha na escola, sou o ser humano que vai feliz para seu primeiro dia de aula e se depara com o olhar assustado dos que me rejeitam. Sou essas pessoas pelo fato de escolher recebê-los como são, antes de tudo humanos – somos da mesma natureza. A escolha é que nos eleva à nossa condição humana. O que nos torna iguais é a acolhida, é ver-se no outro.

Parece que, por apresentar dificuldades evidentes (motora, mental, qualquer que seja), a pessoa é menor, menos gente, não vai poder encarar e aproveitar a vida. Vejo como um exercício e o chamo de exercício do respeito aprender a receber a pessoa como ela é, independentemente de qualquer coisa, incondicionalmente. Incluir é isso. Incluir não é colocar gente doente com gente saudável. É gente com gente. Isso é saúde.

Considero a inclusão um princípio, por ser primordial. Não vejo como é possível discutir integração nas escolas, no trabalho, na sociedade, enfim, se não recebemos de fato a pessoa. Integrá-la a qualquer ambiente, fazê-la moralmente aceita só é possível se estamos todos incluídos. Nesse sentido, a inclusão é anterior, é começo. Eu me aceito com minhas limitações e possibilidades e recebo o outro como ele é, com suas limitações e possibilidades. Não dá para incluir com jeitinho ou incluir mais ou menos. Na maioria das vezes, somos cobrados de que ser cidadão é cumprir o dever, a obrigação de suportar os deficientes. Mas entendo que, quando a gente se vê no dever de compreender, de conviver com os chamados deficientes, perde-se o direito de estar com eles, de partilhar, trocar experiências. No exercício do respeito, percebo o que poderia estar escondido pelo fato de a pessoa não ter tido chance de mostrar.

Muito freqüentemente, nós, profissionais, estamos à espera do cliente para uma primeira consulta e nos deparamos com um casal angustiado, que traz o filho como um pacote nas mãos. Entregam-nos esse pacote com um certo ar de alívio, de missão cumprida, pois estão fazendo sua parte: trazem para o tratamento, buscam o que dizem ser o mais adequado e isso os redime. Reabilitados, entregam o pacote. Nós o desembrulhamos, puxamos, entre as gavetas do conhecimento, a que traz o tratamento a ser executado com o fulano portador do problema x. Desenvolvemos técnicas para lidar com ele, para integrá-lo ao ambiente, queremos que se adapte à nossa condição e se conforme com a dele. Também sentimos um certo ar de dever cumprido após um tempo e aí o devolvemos, mal embrulhado, para novamente ser remexido por algum colega. Isto é saúde? Não creio. Saúde é exercer o direito de viver e conviver em toda e qualquer condição; é conservação da vida, é disposição. Ter saúde é ser capaz de suportar as adversidades e ultrapassá-las.

É muito simples incluir. Complicado é desprezar, não acolher, esboçar um sentimento de piedade, integrar falsamente essas pessoas como se fosse um favor estar com elas. A vida, para ser humana, implica inclusão. Aí, então, volto ao início, quando dizia da redundância da expressão “saúde inclusiva”, pois constato que inclusão é saúde.



Mesa-redonda

Inclusão no trabalho







Romeu Kasumi Sassaki

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Coordenador do curso de especialização da Faculdade Paulista de Serviço Social, consultor de reabilitação e inclusão escolar





Quando me referir a pessoas com deficiência, gostaria de salientar que estou me

referindo a deficiências de todos os tipos, porque essa foi minha experiência. Trabalhei com todos os tipos de deficiência, em 39 anos de atuação como profissional nessa área. Ao longo desses anos, fui me modificando e me adaptando às mudanças de paradigmas. Hoje, estou em plena luta pela inclusão das pessoas com deficiência em vários setores da sociedade. Vou falar especificamente da inclusão no mercado de trabalho.

Sabemos que, nos últimos 20 anos, aumentou o número de empregos. As possibilidades no mercado de trabalho, hoje, são bem mais amplas do que há 20 anos e muito mais do que há 40 anos, quando comecei a colocar pessoas com qualquer tipo de deficiência no mercado de trabalho. Acontece que isso não é suficiente. Temos um grande número de pessoas fora do mercado de trabalho neste momento. Quando duas pessoas, uma com deficiência e outra sem deficiência concorrem a uma única vaga no mercado de trabalho, ambas plenamente qualificadas profissionalmente, a pessoa com deficiência vai ter pelo menos três vezes, em alguns casos até 10 vezes menos chance de obter esse emprego, devido a uma série de fatores que vamos abordar.

Para começar, alguns dados sobre essa parte negativa: 80% das pessoas com deficiência vivem em países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, e o grave é que 1/3 desses 80% são crianças, cujo futuro já podemos antever se não mudarmos o modelo de sociedade. Em alguns países, 90% das crianças não sobreviverão além dos 20 anos de idade. Infelizmente, isso também acontece no Brasil. A Organização Mundial de Saúde estima que 98% das pessoas com deficiência, em países como o Brasil, estão negligenciadas, ou seja, apenas 2% estão sendo atendidas pelos sistemas formais de educação, saúde e reabilitação.

Fazendo alguns estudos comparativos, descobri que o Brasil está um pouquinho melhor do que o índice de 2% estimado pela OMS; estamos atendendo 3%, que corresponderiam a várias faixas, dos 14 aos 60 anos de idade, ou seja, 65,9% de todas as pessoas com deficiência no Brasil. Apenas pouco mais de 300 mil pessoas, nessa faixa, estariam sendo atendidas.

Dos que estão sendo atendidos, nem todos vão para o mercado de trabalho, por uma série de falhas dos sistemas tradicionais. Já é ótimo ser atendido nos sistemas tradicionais de educação, saúde, reabilitação. Acontece que os sistemas não estão bons há muito tempo. Sempre houve uma série de barreiras, restrições, obstáculos que dificultam e até impedem que pessoas com deficiência, muitas delas, atinjam o seu objetivo escolar, objetivo acadêmico de modo geral, objetivo profissional, familiar etc. Esse contingente faz parte de um total de 16 milhões e 500 mil pessoas com deficiência no Brasil.

Entre os 97% restantes, há pessoas que não estão no sistema, que de alguma maneira vão levando a vida. Apenas algumas dessas pessoas com deficiências de qualquer tipo conseguem entrar no mercado de trabalho por méritos próprios, por uma série de circunstâncias individuais, até pessoais. Mas não estamos satisfeitos com isso. Não é suficiente que apenas algumas pessoas, por méritos e sacrifícios próprios, da família e de instituições, consigam esse lugar na sociedade. Essa proporção está muito aquém do desejado. O modelo que produziu esse resultado segue um modelo médico da deficiência, ou seja, um modelo que diz que a deficiência é um problema da pessoa que a tem. Basta consertar essa pessoa para ela ser aceita ou participar da sociedade de alguma maneira.

Esse modelo tira da sociedade qualquer responsabilidade no sentido de sua modificação e adequação às necessidades das pessoas que têm o direito de morar, viver e ser feliz nessa sociedade. Esse modelo médico acabou resultando em um paradigma que temos chamado, ao longo dos últimos 40 anos, de integração. Este foi o nosso discurso: vamos integrar a pessoa com deficiência na sociedade, vamos integrar essa pessoa, para começar na própria família, na escola. Fizemos isso durante 40 anos, outros o fazem há 50 anos. É o processo de preparação de pessoas com deficiência, já que o problema é delas, não é da sociedade, são elas que “estão erradas”. Então vamos fazer a preparação de pessoas com deficiências, a fim de que possam inserir-se numa sociedade despreparada para conviver com elas. Quer dizer, deixamos a sociedade mais ou menos como ela é, e fomos lutando, sempre através de reabilitação, escolas especiais, oficinas de trabalho e tantos outros recursos segregativos, segregacionistas e segregadores.

Fizemos um trabalho de preparação para depois dizer à sociedade: “Olha, essa pessoa já está pronta para entrar no mercado de trabalho, ela já fez isso, já fez aquilo, portanto é a sua vez de dar um emprego para ela, porque agora ela está preparada”. Fizemos esse discurso nesse tempo todo. Só que até então nós, especialistas, sem deficiência, técnicos, eu, no caso, comecei como assistente social, depois como colocador profissional, nós é que decidimos tudo.

Durante muito tempo isso foi feito, até que, na década de 80, exatamente no ano de 1980, várias associações mundiais de pessoas com deficiência se reuniram no Canadá durante o Congresso Mundial de Réabilitation Internationale e lá criaram a DPI, Disabled People International. No ano seguinte, lançaram uma declaração de princípios, colocando no papel o seguinte conceito: equiparação de oportunidades. Eles mesmos disseram que não basta a sociedade reconhecer os direitos das pessoas com deficiência. Pessoa com deficiência tem direito ao trabalho, só que não queremos trabalho segregado numa oficina protegida. Queremos trabalhar ao lado de outras pessoas, numa empresa aberta da comunidade. Por que não? Só porque temos deficiência? Ou porque nossa deficiência é muito comprometida e a empresa acha que não tem como acomodar aquela pessoa, não existe função para essa pessoa exercer? Ora, mude a estrutura, mude o recinto, mude a metodologia, mude a filosofia de trabalho dessa empresa. Assim ele vai conseguir trabalhar. A pessoa é a mesma, o sistema e a estrutura é que mudam.

Equiparação de oportunidades é o processo mediante o qual o sistema geral da sociedade, como meio físico, habitação, transporte, serviços sociais de saúde, oportunidades educacionais e de trabalho e a vida cultural e social, incluindo instalações esportivas e de recreação são feitos acessíveis para todos. Isso há 18 anos. Muito tempo. Isso teve uma influência muito grande, porque quem elaborou o novo modelo foram os próprios portadores de deficiência. Eles bolaram esse modelo social da deficiência, que desloca o foco do problema, da pessoa para a sociedade.

A deficiência é uma condição imposta pelo contexto social sobre as pessoas. Então é uma virada muito grande na maneira de ver a questão. No modelo médico, tínhamos também aquele olhar: vamos fazer as coisas pelo deficiente, porque ele é um coitado, precisa de ajuda, é infeliz, é inferior, é incapaz, então vamos dar uma mãozinha, vamos fazer-lhe um favor, para ajudar, para ele fazer parte da sociedade. No modelo social, a sociedade precisa eliminar suas barreiras físicas, programáticas e atitudinais, a fim de que as pessoas com deficiência possam ter acesso a serviços e bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional. A sociedade precisa adequar-se às necessidades de seus membros. Isso dito em consenso por toda a comunidade das pessoas com deficiência.

Desse modelo social, foi um passo para surgir o paradigma da inclusão social, o processo pelo qual a sociedade se adapta para incluir as pessoas até então marginalizadas, que procuram capacitar-se para participar da vida da sociedade. É um movimento simultâneo, duplo, de reciprocidade, de aliados, de parcerias e não mais de favor, de caridade, mas uma questão de direitos, uma questão até de justiça social, para que todos possam fazer parte da sociedade modificada.

Esses princípios se aplicam a todas as áreas de atividade humana. Escola é uma das que mais chama a atenção. Daí esse debate bastante generalizado no Brasil e no mundo inteiro sobre educação inclusiva. O meu tema é o trabalho, mas temos inclusão no esporte, lazer, recreação, transporte, mídia, artes etc.

Na área do trabalho, estamos começando a utilizar novas expressões e novos conceitos, como mão-de-obra inclusiva, locais de trabalho inclusivos, mercado de trabalho inclusivo, políticas trabalhistas inclusivas, abordagem inclusiva no trabalho, ou seja, tudo sobre o paradigma da inclusão, mudando realmente a maneira de entender o que é mão-de-obra, que inclui a pessoa com deficiência. Não mais naqueles termos de o empregador fazer o favor de dar emprego para o deficiente.

O paradigma da inclusão, processo de adequação da sociedade às necessidades de seus membros, refere-se não apenas às pessoas com deficiência. A nossa luta específica da deficiência junta-se agora à luta de todas as minorias, grupos excluídos, vulneráveis, por vários motivos que já conhecemos. Hoje a mídia divulga bastante isso. Quase todos os dias a luta dos grupos minoritários no Brasil está na televisão e no rádio. A inclusão é uma condição, um pré-requisito para que as pessoas possam desenvolver-se, exercer plenamente a sua cidadania. Na integração, exigia-se que o deficiente fosse capacitado, que se tornasse apto. Isso significa pagar ingresso para entrar na sociedade, provar primeiro que está capaz, pronto para fazer parte da sociedade ou conviver numa sociedade que não mudou.

Agora, aqui nós estamos dizendo que a sociedade tem que ir mudando, ao mesmo tempo que as pessoas vão se capacitando nessa sociedade e não antes. As pessoas com deficiência e outras pessoas têm o direito de desenvolver-se, ou seja, buscar a educação, buscar a profissionalização, o casamento, a vida social, a vida comunitária, qualquer atividade humana dentro da sociedade, exercer a cidadania. Não tem que provar nada, que são capazes de participar nem nada, não se exige essa cobrança para ele poder participar na sociedade.

Então no contexto da empresa nós temos a idéia da inclusão profissional, diferentemente da integração profissional. Na inclusão profissional o empregador adota a filosofia da inclusão social, revendo a política de admissão de pessoal. Eliminando barreiras físicas, sensibilizando todos os funcionários da empresa, atualizando descrição de cargos, etc. No tempo da integração a gente só conversava com recursos humanos, muitas vezes com o dono se a empresa era pequena e acertava lá o que um deficiente ia trabalhar na empresa e tudo bem, ele ia começar a trabalhar. Mas daí o que acontecia na empresa? Aqueles colegas, se já fossem mal intencionados, então já começaram a fazer brincadeira de mau gosto com o trabalhador colega deficiente, começaram a arrumar apelidos, a fazer humilhações.

Enfim, acontece isso muito quando não há um preparo indicando que, a partir daquele momento, agora a empresa está adotando a filosofia da inclusão e a pessoa com deficiência fará a sua parte no processo de inclusão social reabilitando-se, escolarizando-se, profissionalizando-se, enfim como qualquer um de nós faz sua preparação.

Então, rapidamente a diferença entre a integração e a inclusão no trabalho; no modelo integrativo, apenas algumas pessoas deficientes conseguem conviver com barreiras físicas, atitudinais e também programáticas da empresa. Porque a empresa não mudou nada, a empresa só falou você é deficiente mas está habilitado para exercer essa função nessa vaga que eu tenho, tudo bem, então pode começar a trabalhar, quer dizer não mudou nada, a pessoa com deficiência é que tem que ser capaz de conviver com essas barreiras.

Agora, no modelo inclusivo a empresa reduz ou elimina essas barreiras todas e possibilita a contratação de muitas pessoas deficientes e não deficientes que possuam necessidades especiais para trabalhar.

Vejamos com mais detalhes como a inclusão acontece no contexto do mercado de trabalho. Temos alguns princípios, como a celebração das diferenças. A empresa, o empregador e todos os participantes do contexto da organização empresarial começam a aprender as diferenças, por que aceitá-las, a vantagem e a razão disso.

Antes, no discurso da integração, falávamos em status de pertencer: a pessoa com deficiência precisaria primeiro adquirir o status de pertencer. Como é isso? É capacitando-se, fazendo reabilitação, fazendo educação, para tornar-se capaz de ser aceita pela sociedade, pelos padrões de normalidade da sociedade que são, aliás, bastante questionáveis. Agora, estamos falando que todas as pessoas têm o direito de pertencer à sociedade sem provar nada. Trata-se da valorização da diversidade humana em uma sociedade que se acostumou a considerar como diferente a pessoa com deficiência que deseja fazer parte de uma empresa onde nunca nenhum deficiente trabalhou. É como se todo mundo na empresa fosse um bloco homogêneo de gente igualzinha e, de repente, só aquela pessoa com deficiência que pretende entrar é diferente, vai atrapalhar a homogeneidade suposta daquela empresa.

A escola tradicional também age dessa forma. Se vai entrar uma pessoa com deficiência, é a única diferente, como se naquela classe as crianças que não têm deficiência fossem todas iguaizinhas, formando uma classe homogênea.

Então estamos valorizando muito a diversidade humana. Fala-se muito que devemos aceitar as diferenças individuais. Quais são elas? As diferenças individuais decorrem de idade, combinação única de inteligências múltiplas com estilos de aprendizagem, coisa que não havia no passado, temperamentos, aptidões e habilidades, interesses, compleição física, aspirações e sonhos, experiências de vida etc. As diferenças individuais, que são em grande número, devem ser aceitas como atributos de uma pessoa e não como fatores negativos, não como motivos que justifiquem a sua exclusão do meio supostamente homogêneo. Porque no meio homogêneo não existiriam essas diferenças.

É um absurdo, mas é assim que a sociedade age. No momento de entrar alguém diferente, defende-se a questão da homogeneidade, argumentando-se que a pessoa com deficiência vai quebrá-la. “Não sei trabalhar com essa criança deficiente, só sei trabalhar com gente que não tem deficiência, que é igualzinho. Com esse igualzinho sei trabalhar; agora, com esse que vai entrar eu não sei trabalhar”. Que isso não seja motivo de exclusão, de destinar essa pessoa para algum sistema paralelo, exclusivo, segregado só para pessoas consideradas diferentes dessa grande maioria que a sociedade insiste em achar que são todos iguaizinhos. Diversidade humana é um fato numa sociedade plural. Compõem essa diversidade todos os segmentos populacionais representados por etnias, raças, nacionalidades, naturalidades, culturas, regiões socioeconômicas, distúrbios orgânicos, deficiências físicas, sensoriais, mentais, múltiplas, psiquiátricas e assim por diante; você pode acrescentar várias outras pessoas nessa diversidade humana. Trata-se de um fato que as empresas modernas hoje estão aceitando, reconhecendo e achando que é um fator positivo. É falsa essa idéia moderna de que na minha empresa não trabalham pessoas diferentes, trabalham só pessoas iguais. Essa seria uma idéia, uma visão errada nos dias de hoje. A Associação Paulista de Administração de Recursos Humanos escreveu no jornal uma matéria sobre diversidade no mundo do trabalho, mostrando preocupação com a igualdade de oportunidades para raças, gêneros e portadores de deficiência. Empresas que levam isso em conta são mais competitivas e lucrativas. Grande descoberta. Esse é o nosso caminho. Muitos têm medo da globalização econômica. Mas também existe a globalização informacional, a globalização tecnológica, uma série de outros tipos de globalização que estão propiciando à nossa clientela mais espaço, mais perspectivas de fazer parte do mercado de trabalho. Com toda essa fila de desempregados no Brasil, as pessoas com deficiência que têm acesso a atendimento atualizado, principalmente na linha de vida independente e inclusão social, possuem chances muito maiores do que os próprios desempregados sem deficiência que estão nessa fila enorme.

Cada vez mais as empresas estão voltadas para a diversidade humana. Essa tendência é o nosso caminho para a sociedade inclusiva. Sociedade inclusiva não é uma utopia para o ano 3000. Não. Uma sociedade inclusiva garante seu espaço nos sistemas sociais gerais para todas as pessoas. Isso já está acontecendo, não só em várias partes do mundo, mas também no Brasil. Não no Brasil inteiro, mas em partes do Brasil algumas pessoas, entidades e empresas já estão trabalhando na construção de uma sociedade inclusiva.

Uma sociedade inclusiva fortalece as atitudes de aceitação das diferenças individuais, de valorização da diversidade humana. Enfatiza a importância do pertencer, da convivência, da cooperação. Temos vários sinais de que a sociedade está se tornando inclusiva. A sociedade inclusiva é um projeto que a Organização das Nações Unidas aprovou, pela Resolução 45/91, de 90, definindo que de 91 até 2010 o conceito de inclusão seria implementado em toda a sociedade no mundo inteiro. A Resolução 45/91 diz o seguinte: “A Assembléia geral solicita ao secretário geral da ONU uma mudança no foco do programa das Nações Unidas sobre deficiência, passando da conscientização para a ação, com o propósito de se concluir com êxito uma sociedade para todos por volta do ano 2010”.


Existem barreiras entre a empresa e o trabalhador com deficiência nos locais de trabalho, no trajeto de e para o trabalho. Existem barreiras no próprio trabalhador com deficiência, barreiras pessoais, familiares, educacionais, profissionais. Temos atitudes em relação a pessoas com deficiência que são prejudiciais a essa nova ordem social. No passado, quando a pessoa com deficiência tinha essa característica de se submeter à vontade dos outros, principalmente pessoas sem deficiência, a família e a instituição decidiam por ela. No futuro, decidem com a pessoa e/ou a própria pessoa decide.

Outra coisa importante: a instituição prepara a pessoa para o despreparo do mercado de trabalho. Fizemos isso durante muito tempo achando que estaríamos solucionando. A solução veio só para algumas pessoas. Agora estamos preparando a pessoa e o mercado de trabalho mutuamente. Tem que haver uma preparação de um para o outro, sem unilateralidade. Tudo isso exige mudanças institucionais nas empresas, nas entidades sociais que atendem pessoas com deficiência e outros setores da sociedade. Que mudanças? Primeiro, aderir aos movimentos de inclusão social e de vida independente, ajudar a comunidade a tornar-se acolhedora para todos. Que não haja motivos para excluir ninguém. E, principalmente, considerar seus usuários como cidadãos com direito a ter mais autonomia física e social, mais independência para tomarem decisões e mais espaço para praticarem o empoderamento.

Autonomia é condição de domínio no ambiente físico e/ou social. É preciso que a sociedade faça a sua parte, diminuindo barreiras físicas e atitudinais, para que a autonomia que a pessoa com deficiência já tem ou pretenda ter seja maior. Estamos utilizando a palavra independência ou faculdade de decidir sem depender de outras pessoas. Por que a sociedade inclusiva é possível? Porque agora não estamos fazendo as coisas pelo deficiente, por uma outra pessoa que esteja excluída. Hoje estamos fazendo com que as próprias pessoas tomem parte ativa na construção dessa nova sociedade. É por isso que a coisa está dando certo. Nós, professores, especialistas e técnicos, estamos mudando o mundo, junto com as próprias pessoas que estão podendo ter autonomia social e física, independência e empoderamento, processo pelo qual a pessoa utiliza poder pessoal e inerente à sua condição para fazer escolhas, decidir por si mesma e assumir o controle de sua vida.

Existem outros conceitos importantes como autodeterminação e autodefesa. Estão surgindo muitos livros sobre inclusão, tanto na área escolar, como na do mercado de trabalho, na saúde, na mídia e tudo mais.

Está sendo feita uma pesquisa mundial pela Inclusion International, que abriu vários grupos de trabalho, um dos quais sobre emprego inclusivo, emprego que se dá em empresas inclusivas. É eticamente correto incluir pessoas com deficiência na mão-de-obra geral. Mão-de-obra da pessoa deficiente é tão produtiva quanto a de empregados não deficientes. Mas há queixas em relação às pessoas com deficiência na área de profissionalização e colocação, como a de que algumas pessoas com deficiência são muito comprometidas, têm dificuldade de aprendizagem de uma profissão ou ocupação, não vão conseguir aprender nada, portanto, não vão ter empregos. Com a inclusão, isso está mudando, porque mudamos o nosso conceito de aprendizagem e daquilo que leva as pessoas a aprender. As próprias pessoas constroem o saber. A nova abordagem é a da cooperação e colaboração, que promovem a ajuda mútua, o respeito mútuo, a aceitação das limitações e das capacidades de cada pessoa, construindo assim cidadãos tolerantes e não preconceituosos, abertos, acolhedores. Isso não só por parte de quem não é deficiente em relação à pessoa que tem deficiência. Sabemos que, na profissionalização, todos podem aprender. Até aquelas pessoas que, segundo o modelo de integração, tinham dificuldade de aprender ou não aprendiam nada. Temos a seguinte posição: todos poderão aprender se acolhermos os diferentes estilos de aprendizagem e as inteligências múltiplas de cada um. É incrível como nós, professores de escola e professores de formação profissional, temos utilizado apenas dois canais de aprendizagem, o estilo visual e o auditivo. Existem tantos outros estilos, como o cinestésico, o artístico e a combinação de todos eles. As pessoas que anteriormente não podiam aprender pelo estilo visual ou auditivo, estão aprendendo por outros estilos.

Segundo a teoria das inteligências múltiplas, todos nós temos sete, oito, até dez inteligências e cada um de nós é uma combinação única de dois ou três tipos de inteligência mais desenvolvidos, através dos quais podemos entender, aprender, produzir, expressar, enfim, fazer parte da sociedade, junto com os outros. Não há aquela diferença: “Ah! ele não sabe falar, não sabe rir, não sabe escrever, não sabe correr, tem dificuldade”. Essas diferenças não são problema, porque temos vários tipos de inteligência.

Esta frase de Confúcio, milenar, parece que foi escrita hoje: “Diga-me, eu esquecerei, mostre-me, eu me lembrarei, envolva-me e eu entenderei”. Quem diz espera que o outro aprenda só pelo estilo auditivo. E quem mostra espera que o outro aprenda pelo estilo visual. Temos praticado muito essas coisas de dizer, mostrar, querer que o outro aprenda. Na inclusão, pretende-se envolver a pessoa. Isso significa envolver o potencial, as habilidades, as inteligências múltiplas, os estilos de aprendizagem e as experiências de vida da pessoa, cada uma à sua maneira, diferente das outras.

Percorri rapidamente todo um percurso histórico que começou com a exclusão social, passou pela segregação institucional, foi para a integração social, chegou na inclusão social. No futuro, estamos partindo para a sociedade inclusiva. Todo esse desafio da inclusão, no caso específico do mercado de trabalho, da mudança da empresa para acomodar e fazer com que pessoas em vários tipos de situações possam trabalhar, é muito mais uma questão de atitude. A questão fundamental é a atitude. Se é algo que você deseja fazer, você começa a procurar meios de consegui-lo. Se é algo que você não deseja fazer, você começa a procurar desculpas para não fazê-lo. Assim está a nossa sociedade
A Europa compreende trinta nações diferentes, com grandes variações entre si no que se refere à economia, cultura, religião e sistemas políticos. Meu enfoque limita-se aos avanços na Europa Ocidental e do Norte. Ao invés de fazer uma descrição e uma análise completa de cada um dos países aí incluídos, usarei exemplos de vários países para ilustrar as mudanças.

Sociedade inclusiva é uma sociedade para todos, independentemente de sexo, idade, religião, origem étnica, raça, orientação sexual ou deficiência; uma sociedade não apenas aberta e acessível a todos os grupos, mas que estimula a participação; uma sociedade que acolhe e aprecia a diversidade da experiência humana; uma sociedade cuja meta principal é oferecer oportunidades iguais para todos realizarem seu potencial humano.

Limitar-me-ei a discutir pessoas com deficiências, mas é importante lembrar que algumas das estratégias para a construção de uma sociedade inclusiva serão as mesmas para todos os grupos atualmente prejudicados, os quais podem provocar as mudanças políticas necessárias com mais rapidez trabalhando juntos e apoiando-se mutuamente.

Muitos termos têm surgido relativos à deficiência: reabilitação, integração, normalização, plena participação, igualdade, inclusão, todos focalizando o indivíduo. O indivíduo deve ser reabilitado, integrado, incluído, tornando-se normal. Em muitos desses conceitos, ele é visto como objeto passivo de uma intervenção profissional. Não temos voz para dizer como desejamos ser reabilitados e nos tornar normais, e para que fim. O indivíduo carrega o problema. O fato de eu não poder subir escada é culpa minha e não do legislador, que não prescreveu rampas e elevadores. É problema do surdo não entender o noticiário na TV, não do canal de televisão, que não fornece texto escrito nem linguagem de sinais. O termo "sociedade inclusiva", por outro lado, coloca a sociedade como aquela que deve mudar.

Pelo mesmo motivo, não gosto da expressão portuguesa "portador de deficiência". Ser "deficiente" é desviar-se de uma norma. O que é "humano" para a condição humana? Quem decide isso? Homens de vinte a quarenta anos ou bebês de um ano? Pessoas com setenta anos ou mulheres grávidas no ônibus, com muitas sacolas de compras numa mão e uma criança de 3 anos, cansada, na outra? "Deficiente" é um termo absoluto e global. Precisamos de palavras que descrevam nossas limitações em atividades particulares e que apontem a possibilidade de compensar essas limitações. Eu trabalho na Organização Mundial de Saúde com essa finalidade. Mas, não importa o termo que usemos em referência a nós mesmos, devemos revesti-lo de conteúdo positivo. Precisamos ter orgulho de pertencer a uma minoria sem privilégios, que trabalha muito e com eficiência, num esforço global crescente, no sentido de melhorar seu status legal e material no mundo. Outros grupos já fizeram isso antes de nós. Por exemplo, negros e homossexuais nos Estados Unidos e na Europa já conseguiram mudar, lentamente, as conotações negativas desses termos.

Não importa sobre a inclusão de qual grupo estejamos falando, existem fatores que facilitam a inclusão na sociedade, alguns deles indispensáveis: são as provisões para o bem-estar em geral. Isso significa um sistema de instituições públicas protegidas pela lei e supervisionadas pelo processo político, que garantam a todos:

serviços de saúde pública, incluindo serviços de prevenção, tratamento e reabilitação, e provisão de recursos de assistência; educação obrigatória desde o jardim de infância até, pelo menos, os 18 anos, dirigida para o potencial do indivíduo; apoio financeiro na forma de pensões, compensações e bem-estar social para os que não podem trabalhar devido à idade, doença, deficiência ou condições do mercado de trabalho; uma política de mercado de trabalho com instrumentos e programas de treinamento e retreinamento vocacional, colocação e treinamento no emprego; uma política de mercado de habitação que garanta habitação segura e com instalações sanitárias para todos. Além dessas provisões gerais para o bem-estar, há necessidade de políticas públicas e instrumentos políticos para investimentos em infra-estrutura, como transporte, telecomunicações, mídia e cultura, com acesso igual para todos.

Sem tais políticas públicas, em minha opinião, será impossível atingir uma sociedade inclusiva. Sem aumentar o nível de bem-estar para todos, é difícil melhorar as condições de vida de grupos minoritários, que ainda não tiveram acesso à sociedade. Isso é verdade em todos os países. Trabalhar para uma sociedade inclusiva, portanto, é um projeto a longo prazo, para muitas gerações, mas devemos começar esse trabalho hoje!

Surge freqüentemente o argumento de que nossas sociedades não podem investir em mudanças de longo alcance, necessárias para que todas as minorias sejam totalmente incluídas. Temos o desafio de apresentar estudos provando que tais investimentos são lucrativos para a sociedade. Existem estudos demonstrando que muitos investimentos na área de inclusão de pessoas deficientes levam a economias futuras para a sociedade, que ultrapassam em muito seus custos. Entretanto, devemos ser cuidadosos. Exigimos serviços de saúde adequados, moradia na comunidade ao invés de em instituições, oportunidades educacionais e emprego. Esses são direitos humanos básicos. Direitos humanos não devem ser discutidos em termos de custos ou de lucros.

Além disso, há outros ganhos que não os meramente econômicos. Quando uma distribuição de renda muito desigual cria inveja e ódio, quando a avenida do progresso individual na sociedade está fechada para a maioria devido ao sexo, cor da pele ou deficiência, quando muitos vêem o crime como a única saída para ter condições de vida decentes, quando nem arame farpado, nem segurança, nem recursos eletrônicos são suficientes para fazer com que os ricos se sintam protegidos, quando até os pobres temem que alguém mais pobre e mais desesperado possa tomar o pouco que possuem - numa sociedade assim, qualquer investimento em mais igualdade será benéfico para todos. Da mesma forma, viver numa sociedade em que nenhum deficiente tenha de pedir esmolas na rua, em que deficientes não sejam confinados em instituições e possam viver com a família ou sozinhos, ou constituir sua própria família, em que deficientes possam educar-se e trabalhar da mesma forma que seus irmãos e irmãs, amigos e vizinhos não deficientes, viver sabendo que uma deficiência não é uma catástrofe para o indivíduo e sua família, isso eleva a qualidade de vida para todos.

Além das provisões gerais para o bem-estar que acabo de enumerar, as exigências para uma sociedade que inclui pessoas com deficiências referem-se a um planejamento global de tudo aquilo que se relaciona com transporte, construções, ferramentas e instrumentos, informações, comunicações, mídia e cultura. Devem ser abolidas leis e regulamentações que distinguem portadores de deficiências e os excluem de direitos civis como casamento, filhos, voto, trabalhar como jurados, gerir negócios etc.

Mas, mesmo após todas essas mudanças, ainda haverá pessoas que, para exercer todas as funções, precisam de serviços de assistência pessoal, como eu, ou de leitores, no caso de serem cegas, ou, ainda, de intérpretes de sinais, se tiverem dificuldades de audição.

Minhas próprias experiências durante a vida ilustram muitas das mudanças em direção a uma sociedade inclusiva na Europa. Tive poliomielite aos 17 anos. Isso foi na Alemanha, em 1961. Fui hospitalizado imediatamente. Desde então, tenho lutado, no meu desenvolvimento pessoal, para voltar à sociedade de forma plena. Tentarei estruturar minha exposição sobre o caminho rumo a uma sociedade inclusiva na Europa, usando, como ilustração, parte de minha própria biografia.

Quando tive poliomielite, todo o tratamento médico foi gratuito. O sistema de seguro de saúde na Alemanha faz parte do sistema de seguro social, iniciado em 1870. A Alemanha teve o primeiro sistema de seguro social nacional e tem influenciado vários países, entre os quais o Chile, primeiro país latino-americano a adotá-lo, na década de 20. A razão pela qual a Alemanha implantou um sistema tão progressista no governo conservador do Chanceler Bismarck foi a influência crescente do movimento socialista e social-democrata na Europa, como mostram os movimentos de 1848 e o levante de Paris, em 1870. Temendo que o Partido Social-Democrata chegasse ao poder na Alemanha, Bismarck adotou a idéia social-democrata de um seguro social nacional como se fosse sua. Dessa forma, os conservadores conseguiram manter-se no poder por mais algumas décadas.

O sistema de seguro social tem sofrido muitas mudanças desde então, mas consiste, basicamente, nas seguintes soluções:

participação compulsória; companhias de seguro semi-públicas, rigidamente controladas pelo Estado; pagamento igual para todos em prêmios de seguro; benefícios e serviços pagos sem que se considere a renda do segurado; 50% dos custos cobertos pelo segurado e 50% pelo empregador, a família do segurado sendo incluída no seguro; seguro-desemprego. Esse mesmo princípio rege seguro de saúde, aposentadoria e aposentadoria precoce, indenização de trabalhadores, salário-desemprego, férias, licença médica e licença-maternidade.

Os sistemas escandinavos diferem num aspecto muito importante: são financiados por impostos. Assim, quanto mais alta a renda, maior a contribuição ao seguro social. Mas os serviços e os pagamentos são baseados na necessidade, e não na renda. Para grupos de baixa renda, os modelos de bem-estar escandinavos são vantajosos, pois suas contribuições não representam um fardo tão pesado para a renda familiar, como acontece nos outros países. Além disso, o conceito é mais intuitivo e mais simples de administrar: todos os que vivem no país estão automaticamente segurados desde o nascimento e contribuem através do imposto de renda. Infelizmente, hoje existem pressões para que os governos examinem o sistema de seguro, pois o número de cidadãos em faixa etária produtiva nos países europeus tem diminuído, enquanto o número de pessoas acima de 65 anos tem aumentado constantemente, ameaçando o futuro econômico do sistema.

O seguro de saúde também é responsável pelos recursos de assistência. Lembro-me de quando recebi minha primeira cadeira de rodas elétrica. Ainda estava morando na enfermaria do hospital, mas a cadeira me permitia sair da área do hospital para passeios curtos no mundo normal lá fora.

Tive de ficar cinco anos no hospital, não porque precisasse de assistência médica, mas devido à falta de moradia acessível. Naquela época, tanto na Alemanha quanto no resto da Europa, não havia programas de moradia para portadores de deficiência. Deficientes ricos construíam ou adaptavam residências com seus próprios recursos. O resto tinha de viver em instituições.

Foi somente na década de 70 que moradia acessível passou a ser discutida na Alemanha, como parte do programa social de moradia subvencionada pelo Estado. Mas isso acontecia apenas se o construtor quisesse incluir alguns apartamentos acessíveis. O programa não era, e ainda não é, obrigatório. Na Suécia, em 1978, foi promulgada uma lei estipulando que, nos prédios residenciais de três andares ou mais, todas as unidades deveriam ser acessíveis, segundo definições operacionais muito específicas. Na década de 80, vivi num apartamento assim. De acordo com a lei, não havia degraus entre o passeio e a entrada do prédio e o elevador. Este era suficientemente grande para acomodar até cadeiras de rodas maiores. Banheiros e cozinhas eram espaçosos. Mas minhas visitas estrangeiras ficavam desapontadas porque não viam nada de especial. Por exemplo, não havia rampas na entrada do prédio, porque a construção não tinha degraus. Também perguntavam: "Quantos outros deficientes físicos moram neste prédio?". Eu explicava que era a única pessoa e que todos os apartamentos tinham as mesmas características de acesso, independentemente de quem ali morasse. A única coisa que importava era a data da licença do prédio. A partir de 1978, todos os apartamentos tinham de ser assim. Infelizmente, a lei tinha provisões muito fracas. Na década de 90, foi substituída por outra lei, que dá certa liberdade ao governo local para definir acessibilidade, e existem muitas moradias inacessíveis para usuários de cadeira de rodas.

A Suécia é um dos poucos países europeus que têm códigos de construção prescrevendo acesso a edifícios públicos, como prédios do governo, escolas e universidades, escritórios comerciais e teatros. No entanto, aplicam-se apenas a construções novas e não a prédios já existentes. Além disso, a lei que surgiu nos meados dos anos 60 também tem provisões muito fracas, e é, muitas vezes, negligenciada.

Argumenta-se freqüentemente que nem mesmo os países ricos podem custear uma legislação que determina construções acessíveis. Conheço alguns estudos sobre os custos. São mais caras as adaptações retroativas de moradias existentes de uma só família, se for necessário um elevador. Mas adaptar apartamentos é consideravelmente menos dispendioso, pois o custo dos elevadores pode ser dividido entre os muitos moradores. Não custa muito adaptar prédios públicos, a menos que sejam herança histórica, principalmente se o trabalho for feito juntamente com reformas gerais. Nesse caso, haverá um custo adicional de, talvez, 10% a 15% para incluir o acesso. Obviamente, fica mais barato incluí-lo desde o início do planejamento. Assim, todos os custos de adicionais, como rampas e mudanças estruturais, serão evitados. Em prédios públicos, custos de acesso são mínimos, se este for incorporado no início. Em edifícios de apartamentos novos, o acesso representa um acréscimo de 1%, ou menos. Em casas, o elevador, o banheiro e a cozinha serão um pouco maiores, o que deve ser visto como aumento de padrão.

Vamos voltar à minha história. Mesmo se houvesse uma moradia acessível, eu não poderia deixar o hospital. Precisava de ajuda de outra pessoa para tomar banho e me vestir, preparar as refeições e auxiliar-me em várias outras coisas durante o dia. Minha família não podia fazer esses serviços. A assistência pessoal e o dinheiro para custeá-la não eram fornecidos pelo governo. Eu corria o risco de ser colocado numa instituição da qual,

Conferências









Educação de necessidades

especiais: uma perspectiva

internacional



Peter Mittler* (voltar)




Nenhum país no mundo tem razões para estar satisfeito com a qualidade dos recursos educacionais colocados à disposição de alunos que têm necessidades especiais. Apesar disso, os inúmeros exemplos de uma boa prática em diferentes países tornam possível reavaliar as maneiras como uma educação inclusiva e uma aprendizagem de alta qualidade poderiam ser oferecidas a todos. Nesse processo, todos os países têm muito a aprender uns com os outros.





Rumo à educação inclusiva



A educação pode ser definida, em termos gerais, como algo que, sistematicamente, promove a aprendizagem e o desenvolvimento. Desse modo, a educação é um processo que se estende pela vida toda, não começa nem termina com a vida escolar. Por essa razão, é realizada por muitas pessoas que não são professores. Os anos passados na escola são evidentemente, de vital importância, mas são apenas um elemento no processo educacional em cujo centro os pais estão desde o princípio. Existe a crença de que todo trabalho com pessoas que têm necessidades especiais é educacional, na medida em que as ajuda a desenvolver seu conhecimento, habilidades e compreensão das coisas.

Nos últimos anos, o termo “educação inclusiva” tem sido cada vez mais usado no campo da educação de necessidades especiais (Mittler, Brouillette & Harris, 1993; Unesco, 1995). O princípio é de que a educação inclusiva começa com uma radical reforma da escola, mudando-se o sistema existente e repensando-se inteiramente o currículo, a fim de que se alcancem as necessidades de todas as crianças. Significa também a idéia de educação numa sala de aula comum, numa escola da vizinhança que uma criança normalmente freqüentaria, com o apoio requerido pelo tratamento individual, e uma atenção extra para fazer frente a necessidades específicas como o ensino de cuidados pessoais ou habilidades de comunicação que não são fáceis de serem ensinadas nas salas de ula comuns. Por esse motivo, a educação inclusiva pressupõe a presença de mais de uma pessoa de apoio na sala de aula.

Ao contrário da inclusão, a integração não tem como ponto fundamental um processo semelhante de radical reforma da escola. As crianças podem receber um currículo modificado ou adaptado, mas têm de ajustar-se às estruturas existentes. Por definição, a integração nem sempre tem lugar na escola da vizinhança; ela pode ser feita em uma escola comum, com adaptações, ou em uma classe especial, podendo haver um currículo modificado ou adaptado.





Aproveitando iniciativas das Nações Unidas



Campanhas para incluir na educação todas as crianças incapacitadas são agora parte integral de amplos programas das Nações Unidas, como o “Educação para Todos”. Mesmo que isso seja ideológica e estrategicamente vantajoso, há o risco real de crianças deficientes de um modo geral e aquelas com severos distúrbios de aprendizagem em particular verem-se, mais uma vez, no fim da linha ou mesmo serem inteiramente preteridas.

Sabe-se, através de amargas experiências, que as necessidades de pessoas com deficiências de aprendizagem são, normalmente, as últimas a serem incluídas em um programa de reforma educacional e que ainda há países industrializados em que tais pessoas são excluídas da escolaridade, permanecendo sob a responsabilidade dos departamentos de saúde e de bem-estar social. Apesar do substancial progresso em alcançar tais crianças para oferecer-lhes a chance da aprendizagem, menos de um por cento das que têm significativas deficiências de aprendizagem freqüentam, em muitos países desenvolvidos, algum tipo de escola (Unesco, 1995). O restante permanece em casa, freqüentemente levando uma vida solitária e isolada.

Defensores das pessoas com deficiências de aprendizagem precisam tirar proveito das amplas e genéricas iniciativas internacionais, como “Educação para Todos”, “Saúde para Todos” e “Ano Internacional da Família”. Deveriam fazer gestões significativas tanto no nível político quanto administrativo das Nações Unidas e no dos seus governos nacionais, a fim de assegurar que os interesses dos que têm deficiência de aprendizagem não sejam negligenciados e, ainda, que benefícios positivos resultem de tais iniciativas.





A iniciativa “Educação para Todos”



O movimento “Educação para Todos” visa à inclusão de todas as crianças que, de alguma maneira, estão excluídas dos benefícios da escolarização: aquelas que não estão freqüentando a escola por alguma razão (meninos de rua, crianças trabalhadoras, desistentes totais ou parciais), bem como crianças com deficiência que nunca freqüentaram a escola ou que têm sido excluídas como inaptas. Somam-se aí também as numerosas crianças que freqüentam a escola mas que, por outro lado, estão sob o risco do fracasso, como os repetentes e os que nunca completam quatro anos da educação primária, os rotulados como imotivados, de baixo aproveitamento e insubordinados e os que são vítimas de abuso. Muitas dessas crianças vivem abaixo da linha de pobreza, em condições de grande sofrimento, privações e má nutrição. Tais condições não propiciam a aprendizagem.

Esse não é um problema apenas das regiões mais pobres do mundo, pois, mesmo em países altamente desenvolvidos, como a Grã-Bretanha, há uma clara ligação entre pobreza e baixo aproveitamento (Kumar, 1993). Crianças egressas de ambientes socialmente inferiores entram na escola aos cinco ou seis anos, com níveis de cognição e funções lingüísticas substancialmente abaixo das de seus companheiros. Essas diferenças aumentam à medida que as crianças progridem na escola e continuam a ter reflexos nos baixos resultados educacionais aos dezesseis anos e no ingresso na educação superior. Apenas a aprendizagem não aliviará a pobreza dessas famílias ou da comunidade em que vivem, mas pode propiciar uma base segura para a emancipação de tais condições.

Por essas razões, é preciso encarar o desafio do acesso à educação das crianças com necessidades especiais nesse contexto mais amplo. A iniciativa “Educação para Todos” surgiu de programas das Nações Unidas como Convenção dos Direitos da Criança (1989), a Declaração de Jomtien e a Cúpula Mundial das Crianças, de 1990. Sob a influência desses e de outros instrumentos, os líderes mundiais têm-se sensibilizado para a implementação de objetivos nacionais que aumentem a proporção de crianças freqüentando e permanecendo na escola. Dedica-se particular atenção à educação de meninas.

É vital que os objetivos nacionais colocados em termos da iniciativa “Educação para Todos” contemplem o acesso à aprendizagem para todas as crianças, incluindo as portadoras de deficiência. É preciso dizer que as perspectivas não são boas. Por exemplo, houve pouca ou nenhuma referência à educação para crianças deficientes em duas das principais conferências que se seguiram a Jomtien, realizadas na Índia em 1993.

O desafio de implementar a Declaração de Jomtien parece não ter saída. Considerem-se, a propósito, algumas das estatísticas globais disponíveis (Unicef, 1994):



a) Pelo menos 100 milhões de crianças em todo o mundo têm o acesso à educação primária negado e mais 100 milhões não conseguem os benefícios da freqüência à escola.

b) Nos quarenta países menos desenvolvidos do mundo, somente metade das crianças que entram na escola primária completa quatro anos de aprendizagem. Apenas 21 por cento dos meninos e 12 por cento das meninas matriculam-se na educação secundária.

c) A população mundial de crianças na idade da educação primária crescerá de 508 milhões em 1980 para pelo menos 724 milhões no ano 2000.

d) Menos de um por cento das crianças deficientes no mundo freqüentam a escola em países desenvolvidos.

Embora esses dados pareçam assustadores, assim como inalcançáveis as metas, não se deve esquecer que se está falando do grau de prioridade que os governos dão ao atendimento às crianças, comparativamente com a alocação de recursos para todos os outros gastos. O Banco Mundial (Lynch, 1995) e o Unicef (1994) têm publicado dados que mostram os gastos com o acesso das crianças às escolas num contexto mais amplo.

• Nos 72 países de renda baixa e média no mundo, aproximadamente 5 bilhões de dólares por ano serão necessários para custear o acesso à educação primária para todas as crianças, o que, presumivelmente, inclui aquelas que são deficientes.

• 5 bilhões de dólares representam o custo de dois dias de gastos com armamentos pelas nações industrializadas e uma semana de despesas em países em desenvolvimento. A mesma soma é apenas dois por cento do que os países em desenvolvimento têm de pagar pelo serviço da dívida a cada ano.

• O Presidente do Equador, na Conferência de Jomtien, disse que o custo de um único submarino nuclear financiaria o orçamento anual de 23 países em desenvolvimento e atenderia a 160 milhões de crianças em idade escolar.

Esses impressionantes exemplos deixam claro que o gasto com a educação de crianças no mundo requer vontade política e uma mudança nas prioridades nacionais. Na época da realização da Conferência de Jomtien, em 1990, ainda havia muitas falas otimistas sobre dividendos da paz que surgiriam ao fim da Guerra Fria. Desde então, apareceram outros conflitos armados no Kuwait, na Bósnia, na Somália, em Ruanda e, em cerca de 80 países, guerra civil ou rebeliões têm preenchido o que seria aquele vazio deixado.

O Diretor Geral da Unesco afirmou em Jomtien que, “em aproximadamente metade dos países em desenvolvimento, o objetivo da educação primária universal parece mais recuar que avançar”. Ele atribui isso, em parte, ao rápido crescimento da média de nascimentos nesses países e, por outro lado, ao enorme peso que representa o pagamento das suas dívidas externas.





Iniciativas internacionais



Apesar das estatísticas pouco promissoras, há algum progresso a ser comemorado no campo da educação de necessidades especiais pelo mundo. No nível internacional, particularmente no das Nações Unidas, há iniciativas cada vez mais numerosas, visando à inclusão de crianças com deficiência intelectual no sistema de escolas regulares. A própria ONU promulgou, recentemente, 22 regras sobre a equalização de oportunidades para pessoas deficientes (1993).

A regra 6 estabelece que: Os Estados devem reconhecer o princípio da igualdade de oportunidade de educação no primeiro, segundo e terceiro graus para as crianças, jovens e adultos com deficiências. Devem, pois, garantir que a educação de pessoas com deficiência seja parte integral do sistema educacional.



Um relator especial foi indicado pela Secretaria Geral da ONU para monitorar a implementação dessas regras e relatar os progressos para a Assembléia Geral.

A Unesco também tem feito um grande esforço para promover a educação inclusiva. Pode-se dizer que os resultados mais impressionantes são o desenvolvimento de testes de campo em oito países, assim como a atual aplicação de um Programa de Apoio ao Professor, denominado “Necessidades especiais na sala de aula”. (Unesco, 1990; Ainscow, 1994)

Esse programa foi concebido para ajudar os professores a repensar a sua prática na sala de aula e a organização da escola em seu conjunto, a fim de atender mais efetivamente à diversidade dos alunos. Ele acaba de ser introduzido em 40 países e também está sendo difundido em projetos de desenvolvimento regional.

A mais recente iniciativa da ONU foi divulgada na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, que teve lugar em Copenhagen, em março de 1995, e que contou com a participação de cerca de cem Chefes de Estado (sem contar os do Reino Unido). Os temas principais dessa Cúpula referiam-se a políticas para reduzir ou eliminar a pobreza, o desemprego e a exclusão social, mas o lobby promovido pelas maiores organizações internacionais de deficientes lançou uma bem-sucedida campanha para incluir os direitos e necessidades de pessoas deficientes nos compromissos e recomendações finais.

Como exemplo, tem-se o Compromisso 6, que se refere ao acesso à educação e à saúde, cuja recomendação estabelece: “... deve garantir oportunidades educacionais iguais em todos os níveis para crianças, jovens e adultos com deficiência em situações de integração, cuidando inteiramente das diferenças e situações individuais”.

Uma resolução posterior é expressa em termos semelhantes: “... o acesso à reabilitação e a outras situações de vida independente e à tecnologia de apoio...”.





Iniciativas nacionais



Resoluções internacionais são úteis no sentido de propiciarem uma estrutura que facilita o monitoramento das ações, mas, em última análise, o seu progresso depende de atitudes nos níveis nacional e local.

De acordo com levantamentos da Unesco (Unesco, 1995), inúmeros países estão assumindo a responsabilidade ou promulgando novas leis para a educação de crianças com deficiências em geral e deficiência de aprendizagem em particular. Crianças que anteriormente estavam sob a responsabilidade dos departamentos de saúde ou do bem-estar social, estão agora sob a responsabilidade do Ministério da Educação ou das autoidades e dos conselhos escolares locais.

Há uma crescente aceitação do princípio da educação inclusiva, bem como do número de animadores exemplos de sua prática por todo o mundo, em países desenvolvidos ou em desenvolvimento. (Mittler, Brouillette & Harris, 1993)

Inúmeras reformas inovadoras têm sido feitas. A Espanha, por exemplo, desenvolveu um cuidadoso programa, executado passo a passo, a fim de propiciar a educação inclusiva para todas as crianças. Apontada como exemplo do desenvolvimento da educação inclusiva, mediante a implementação de uma reforma fundamental do sistema educacional e dos currículos, a Espanha garantiu uma redução de 25 por cento do número de alunos em cada classe e a disponibilidade de uma equipe de apoio. Um setor especial da escola ainda trabalha as necessidades de uma minoria de crianças, mas a educação inclusiva é sempre a primeira opção a ser considerada para todas as crianças. (O’Hanlon, 1993)

Na Itália, o processo de inclusão começou mais cedo do que na Espanha e foi mais rápido e mais radical; muitas escolas especiais foram fechadas e as crianças foram simplesmente realocadas em escolas comuns. Os necessários sistemas de apoio estão agora sendo disponibilizados e há mais suporte político e comunitário para a educação inclusiva, embora entre os pais não haja unanimidade quanto à qualidade do apoio oferecido nas escolas comuns. (Daunt, 1991)





Um currículo revitalizado



A eficiência de nossas escolas e nosso sistema educacional serão julgados, em parte, pela dimensão com que serão capazes de preparar seus estudantes para contribuírem com a comunidade em que vivem e pela competência e confiança que esses estudantes terão ao defrontar-se com obstáculos. Uma prioridade no futuro em todos os países deve ser a reconsideração do papel desempenhado por professores e pais na preparação de jovens, para que se tornem os próprios defensores de seus direitos. Essa é uma necessidade bastante urgente para os jovens que apresentam deficiência de aprendizagem.

As habilidades dessa defensoria própria são um componente essencial para a vida em comunidade. Nesse cenário, os jovens com necessidades de aprendizagem precisam adquirir confiança para expressar opiniões e serem ouvidos com respeito. Entretanto, para isso, os pais, os profissionais, os colegas e as pessoas comuns terão de modificar suas atitudes e expectativas, aprendendo a ouvir, o que não é algo fácil, porque foram condicionados a acreditar que as pessoas com deficiências de aprendizagem carecem de capacidade para pensarem por si mesmas e dependem dos outros para expressar suas opiniões e tomarem atitudes. Como o movimento da defensoria própria ainda está na sua infância, são os pais e os profissionais que, geralmente, respondem pelo interesse de tais pessoas. As vozes dos que têm problemas de aprendizagem não são tão poderosas quanto às de outras pessoas deficientes que falam por si mesmas. Por essa razão, é animador ver os movimentos denominados People First unindo suas forças às de outras organizações de defensoria própria para exigirem os direitos de cidadania de tais pessoas.

Um currículo de escola convencional inclui uma ativa preparação para o desenvolvimento de habilidades da vida social e comunitária: saber usar o dinheiro, reconhecendo valores, fazer compras, estimar preços, conduzir-se com segurança no trânsito, desenvolver aspectos vocacionais, preparação para o trabalho, educação social e sexual. Entretanto, há também urgente necessidade de as escolas prepararem estudantes para a defensoria própria e desenvolverem o que se poderia chamar de revitalização curricular. No plano ideal, os fundamentos para um currículo dessa natureza devem ser implementados nos primeiros anos de vida, devendo propiciar oportunidades para fazer escolhas e tomar decisões. Inicialmente, as escolhas precisarão ser feitas nas situações básicas do dia-a-dia: entre duas bebidas, duas peças de roupas, duas histórias, dois brinquedos. É essencial, entretanto, evoluir dessa iniciação simples para a da escolha de amigos e, mais tarde, de parceiros, para as atividades de trabalho e de lazer e para a decisão de onde e com quem viver. Há sinais de que as escolas estão começando a desenvolver tais currículos revitalizados. (Coupe O’Kane and Smith, 1994)





Conclusões



A educação de necessidades especiais não é uma alta prioridade para muitos países do mundo. Crianças e jovens com necessidades educacionais especiais e suas famílias ainda estão marginalizados ou são ignorados. As atitudes para com eles revelam, freqüentemente, preconceitos e ignorância, indo do nível dos políticos e dos que tomam decisões aos professores e outros profissionais nas comunidades locais. Contudo, seria um erro admitir que, devido ao fato de a educação de necessidades especiais não representar uma alta prioridade para os governantes, nada está sendo feito. Em primeiro lugar, pais e familiares estão em toda parte procurando ensejar uma educação básica comunitária de modo informal para suas crianças e seus filhos e filhas adultos. Em segundo lugar, muitas escolas da comunidade estão recebendo de braços abertos e ensinando com grande sucesso crianças com necessidades educacionais especiais, pelo simples fato de serem crianças da localidade e de seus pais solicitarem sua admissão. Uma integração casual como essa não pode ser desconsiderada.

No nível nacional, o progresso depende de vontade política, da alocação de tais prioridades no planejamento, de legislação e, sobretudo, de alocação de recursos. Igualmente importantes são uma eficiente e relevante educação de professores e uma nova forma de parceria com os pais e com as agências da comunidade. No nível local e escolar, a chave da educação inclusiva repousa no acesso planejado a um currículo amplo e balanceado, concebido desde o início como um currículo para todos.



Referências bibliográficas

Ainscow, M. Special needs in the classroom: a teacher education guide. London: Jessica Kin-gsley and Paris: Unesco, 1994

Coupe O’Kane, J. & Smith, B. (Ed.). Taking control: enabling people with learning. London: David Fulton, 1994.

Daunt, P. Meeting disability: a european response. London: Cassell, 1991.

Daunt, P. Disability and the European Community: sources of initiative. In: MITTLER, P. (Ed.). Changing policy and practice for people with learning disabilities. London: Cassell, 1995.

Kumar, V. Poverty and inequality in the UK: the effects on children. London: National Chil-dren’s Bureau, 1993.

Lynch, W. Special needs education in the Asia region. Washington, DC: World Bank, 1995.

Mittler, P., Brouillette, R. & Harris, D. (Ed.). World yearbook of education: special needs education. London: Kogan Page, 1993.

O’Hanlon, C. Special education in Europe. London: David Fulton, 1993.

UNESCO. Special needs in the classroom. Paris: Unesco, 1990.

UNESCO. World conference on special needs education: access and quality: Paris: Unesco, 1995.

UNICEF. State of the World’s children. New York: Unicef, 1994



Mesa-redonda

Inclusão escolar: desafios









Rosita Edler Carvalho (voltar)



Mestre em Psicologia, Doutora em Educação e Pesquisadora em assuntos educacionais.





Este Seminário Internacional elegeu como objetivo “discutir questões contemporâneas concernentes à problemática das pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais (leia-se pessoas portadoras de deficiência)”. Trata-se de assunto atual e que tem merecido destaque em fóruns nacionais e internacionais, em busca da cidadania plena de pessoas com deficiência.

O título do trabalho que me foi proposto induz à análise dos atuais desafios (obstáculos, situações provocativas, inquietantes e estimulantes que exigem providências) que essas pessoas têm enfrentado, no âmbito da educação escolar. No entanto, o primeiro desafio que me ocorre mencionar é o de ficar restrita ao próprio tema, sem considerar todas as manifestações perversas de exclusão experimentadas por tantas e tantas pessoas, além das portadoras de deficiência. Dizendo de outra maneira, considero um desafio examinar a inclusão escolar sem discutir seu contraponto – a exclusão (na escola e em outras instituições sociais) – não só dos portadores de deficiência como de outros grupos minoritários e em situação de desvantagem.

Refiro-me, também, aos meninos e meninas na rua, às crianças e adolescentes que trabalham, a todos os que abandonam a escola precocemente, aos que têm doenças crônicas, aos encarcerados, às prostitutas, aos analfabetos, aos que vivem no campo, às po-pulações nômades, às minorias lingüísticas, aos negros, mulatos, aos desempregados, às crianças, jovens e adultos oriundos das camadas populares, pobres ou miseráveis, com ou sem dificuldades de aprendizagem. Enfim, aproveito o ensejo para me referir a todos aqueles que, no imaginário social, representam “risco” e merecem, portanto, atenções diferenciadas, principalmente de cunho protecionista (em vez de emancipatório), seja para o sujeito ou para a sociedade (que acaba adotando medidas que segregam e estigmatizam).

Na verdade, a inclusão escolar não é um processo em si mesmo, dissociado de ou-tros, igualmente sociais. Para analisá-la, precisamos considerar os mecanismos excludentes adotados pela sociedade, segundo o modelo de desenvolvimento econômico vigente no país.

Após a grande crise mundial de 1929, o Brasil procurou afirmar-se através de um modelo nacional desenvolvimentista, expandindo a indústria nacional por meio da substituição das importações de bens não duráveis por bens duráveis. Ganharam força os ca-pitais industriais e os ideais nacionalistas, centralizados pelo governo federal.

Com o modelo de internacionalização do capital ocorreu um inchaço nas cidades, para onde migravam populações rurais em busca de trabalho nas indústrias, pois minguavam suas economias no campo. Mas as indústrias emergentes não foram capazes de absorver toda a mão-de-obra que chegava às cidades. Além disso, as exigências do trabalho industrial não puderam ser atendidas, pois os campesinos estavam despreparados.

A intervenção do Estado na vida urbana não se deu através de ações corretivas ao desenvolvimento desordenado do capital, mas através de ações de instalação, expansão e melhoramento de infra-estruturas necessárias ao capital.

Os acontecimentos concomitantes nas grandes cidades são carregados de tensões sociais e assinalam diferenças marcantes entre as classes. (Castelo Branco, 1997)

A exclusão social chegou a níveis absurdos, principalmente entre crianças que mudavam de denominação, segundo sua condição de pobreza: eram “menores” quando abandonadas, carentes se perambulavam pelas ruas, se infratoras, passando à responsabilidade do Ministério da Justiça. Ao serem designadas como “menores”, perdiam sua característica infantil e passavam para o imaginário como perigosas, precisando de meca-nismos de “proteção” judicial.

Apesar dos inegáveis avanços alcançados com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda permanecem como “menores”, como “meninos de rua”, em vez de “crianças”, como são chamadas as oriundas de segmentos mais favorecidos economicamente na sociedade.

Convivemos, infelizmente, com altos e inaceitáveis índices de desigualdades sociais. O longo período de recessão e de instabilidade política, econômica e social, deixou como conseqüência níveis muito elevados de desigualdade social e regional, tornando o Brasil um dos países mais perversos em distribuição de renda do continente.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos em 1997, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, os 10% brasileiros mais ricos concentram cerca de 45% da renda nacional e os 10% brasileiros mais pobres não chegam a 1% da renda do país! Numa outra leitura dos dados obtidos nessa pesquisa, os 10% mais ricos detêm sete vezes a renda obtida pelos 40% mais pobres!

Diante de uma realidade tão perversa, parece óbvio que nosso contingente de ex-cluídos do acesso e posse dos bens e serviços historicamente acumulados é extremamente numeroso. Não é constituído, apenas, por pessoas com deficiência.

Ainda em relação à desigualdade de renda, estudos recentes do IPEA (1997) concluem que: as camadas mais pobres da população experimentaram as maiores reduções de renda nos 12 meses de inflação ascendente que antecederam o lançamento do Plano Real. À medida que caminhamos da cauda inferior para a cauda superior da distribuição de renda, observamos incrementos do nível de renda familiar crescentes. A introdução do Plano Real reverteu a direção do processo cumulativo de concentração de renda até então observado: os décimos mais baixos da distribuição de renda que experimentavam as maiores quedas de renda no período de inflação ascendente passam a apresentar os maiores ganhos de renda e à medida que caminhamos em direção à cauda superior da distribuição, os incrementos de renda vão paulatinamente se reduzindo.

Examinando-se os dados do Anexo 1 nos quais se baseia a análise acima, constatamos que a parcela de renda dos 50% mais pobres, quando se comparam os anos de 1995 e 1996, apresenta um acréscimo bem pequeno (0,1%), acompanhado de também pe-queno decréscimo (0,2%) na renda da parcela dos 20% mais ricos, naqueles mesmos anos.

Há, de fato, um decréscimo na desigualdade da distribuição de rendas, segundo essas informações, construídas a partir da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), tomando-se como unidade básica de análise a renda domiciliar per capita (soma das rendas de todas as pessoas da família dividida pelo número de membros que a compõem). Mas o referido decréscimo na desigualdade é tão pequeno que pouco ou nada alterou na discrepância entre os desníveis existentes, até porque a proporção de pobres aumentou de 1990 para 1996.

Vários são os efeitos da exclusão; alguns irrecuperáveis. Em termos psicológicos, a auto-estima dos excluídos vai se estruturando, calcada em auto-imagens negativas. Os sentimentos de menos valia que se desenvolvem em decorrência, intensificam comportamentos de apatia, de acomodação, ou de reações violentas, talvez, como mecanismos de defesa.

Socialmente são percebidos como desviantes, atípicos, cidadãos “menores” que precisam ser enclausurados (os loucos, os marginais), protegidos (pessoas com deficiência, crianças e adolescentes que trabalham, os que vivem nas ruas, os doentes crônicos, os pobres e miseráveis, os negros, mulatos) ou reabilitados (os analfabetos, as prostitutas, os ex-presidiários, os pivetes, os delinqüentes, os deficientes).

Para tanto, a mesma sociedade que cria e mantém mecanismos de exclusão, desenvolve políticas assistencialistas que, como afirma Coraggio (1996) (citado por Senna, 1997), não resolvem, por seu caráter instrumental, a natureza reprodutiva dos problemas cujos efeitos pretendem compensar, cristalizando, portanto, os padrões de exclusão e segregação.

Mas a exclusão produz, ainda, efeitos econômicos, políticos, culturais. Do ponto de vista econômico, pessoas excluídas dificilmente saem da condição de dependência ou da pobreza. Constatamos, como apresentado anteriormente, que um percentual significativo da população sofre da cruel impossibilidade de ter acesso aos bens e a todos os aparatos produzidos na pós-modernidade. Entramos numa espécie de círculo vicioso co-mum nos regimes capitalistas, em que a ideologia do mercado interfere na área social para se ajustar às exigências do capitalismo contemporâneo.

Sob o aspecto político, o principal efeito da exclusão está na qualidade da cidadania e da participação dos excluídos na vida política do país. A conjuntura política os co-loca na condição de subalternidade, de massa de manobra, sujeitos fáceis do clientelismo, distantes da emancipação.

Culturalmente, também são “vítimas” da cultura dominante, veiculada pelos meios de comunicação de massa e apenas alguns espaços como a música e as danças populares permanecem como verdadeiros focos de resistência à opressão da “norma culta”. E o modelo neoliberal em curso valoriza o econômico em detrimento do social, apesar dos slogans com que querem nos convencer do contrário.

Como bem nos ensina Ianni (1993), citado por Castelo Branco (1997, p. 18), o capitalismo pós-moderno calcado na economia de mercado, com o culto ao lucro, mais que às pessoas, quer nos fazer crer, como ingênuos, que há mecanismos auto-reguladores do mercado (a mão invisível de Adam Smith e as formulações de Jeremy Benthan e James Mill) capazes de reverter o quadro atual.

E ainda:

O processo de globalização mundial assegura aos grandes blocos econômicos, industriais e financeiros do planeta a reciclagem e a diversificação da produção e do consumo e não assegura as condições básicas para a vida dos excluídos. Esse modelo vem revelando-se incompetente para resolver a chaga social que criou, aumentando os desastres sociais e ecológicos e, consequentemente, a exclusão social, referendando a “apartação social” cada vez maior. O Estado-nação que vem perdendo sentido neste final de século, enquanto a sociedade global se expande, privatiza as instituições e os recursos públicos, não promovendo o bem-estar comum e vai legitimando seu poder e excluindo a maioria de usufruir dos bens produzidos na sociedade, causando um caos social e engendrando a violência urbana, como as gangues juvenis.

Com esse panorama é fácil compreender que o sistema educacional sofra os reflexos dessas condições ainda muito adversas e contrárias ao ideal da eqüidade entre os cidadãos.

Como bem aponta Beisiegel (1981), citado por Patto (1993, p. 119):

Apesar da extensão da escola às massas populares desfavorecidas, essa escola não sofreu mudanças significativas em suas atribuições na reprodução das desigualdades sociais. No passado, a exclusão atingia os que não entravam na escola; hoje, atinge os que nela chegam, operando, portanto, de forma menos transparente. Vejam-se os altos índices de evasão nos primeiros anos de ensino. A extensão de oportunidades escolares e a transformação do sistema formal do ensino não produziram, de fato, conseqüências mais significativas na situação de classe da maioria dos habitantes.

Ou no dizer de Sanfelice (1989, p. 31):

Hoje, podemos afirmar que a expansão quantitativa de educação formal revelou a “crise da escola”, no sentido de que a escola não foi se moldando para o trabalho pedagógico com clientelas distintas.

Ou ainda que:

a qualidade da educação e a própria retenção do conteúdo do ensino são afetadas, evidentemente, pela disponibilidade de inputs essenciais: professores com treinamentos e habilidades apropriados, material didático interessante e de qualidade, e instalações e equipamentos adequados. (Conferência de Nova Delhi, 1993, p. 24)

Sem a menor pretensão de ter esgotado o assunto (até gostaria de tê-lo feito, pois significaria que as coisas seriam mais simples e mais fáceis de expor!), cumpre relembrar que as minorias de excluídos, no seu conjunto, representam um enorme contingente populacional de brasileiros.

Os que se organizaram em grupos de pressão têm conseguido fazer ouvir suas vozes, protestando e contestando as regras sociais, em busca de melhores condições de vi-da e em defesa de seus direitos e deveres de cidadania.

Muito se avançou graças às ações oriundas desses movimentos, o que reforça a necessidade de aproveitarmos todas as oportunidades, como esta, para examinar os direitos dos integrantes de qualquer desses grupos e estimulá-los à luta pelos seus direitos e deveres.

Passarei, agora, a examinar a questão dos desafios à inclusão escolar das pessoas com deficiência, abordando o tema sob os seguintes aspectos: as políticas educacionais, nelas incluindo a base ideológica, a quantidade e a qualidade da oferta educativa, o sen-tido e o significado da proposta inclusiva/ integradora, a valorização do magistério, a terminologia adotada para o alunado da educação especial, a administração de sistemas educativos, a organização do atendimento educacional escolar; as recomendações internacionais; a opinião dos próprios deficientes e de suas famílias.





Os desafios nas políticas educacionais



As políticas educacionais, enquanto políticas públicas, são definidas, implementadas e avaliadas em estreita relação com o desenvolvimento social. Elas retratam os ti-pos de regulação que determinada sociedade colocou em prática, segundo a ideologia vigente.

O modelo neoliberal – segundo o qual “os fundamentos da liberdade e do individua-lismo são tomados para justificar o mercado como regulador e distribuidor da riqueza e da renda [...] Menos Estado e mais Mercado é a máxima que sintetiza suas postulações...” (Azevedo, 1997) – estimula a livre iniciativa e a privatização, conduzindo à redução do pa-pel do Estado (“Estado Mínimo”), com a conseqüente redução dos gastos públicos.

Se na abordagem neoliberal, a educação (principalmente no nível fundamental) mereceu tratamento diferenciado das demais funções sociais do Estado, há que explicitar melhor essa concepção, pois, coerente com as idéias liberais, postula-se a importância do setor privado como meio de aquecer o mercado e garantir, pela competição, padrões elevados na qualidade dos serviços educacionais oferecidos.

Em países como o nosso, com os desníveis de renda já comentados, chega a ser perverso esperar que todas as famílias exercitem seu direito de escolha (implícito na no-ção de liberdade individual) do tipo de educação desejada para seus filhos: se pública governamental ou privada.



* Considerem-se como deficiências “reais” aquelas que, segundo conceito da OMS representam qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou de função psicológica, física ou anatômica, diferentemente da de-ficiência circunstancial, fruto da interação entre as características bio-psicossociais do indivíduo e os obstáculos interpostos pelo meio.





E quando se trata de pais cujos filhos apresentam alguma deficiência “real”,1 as possibilidades de escolha em muito se reduzem pois, além de as ofertas públicas governamentais serem desiguais de município para município (alguns não oferecem, ainda, nenhum tipo de atendimento), as ofertas também são desiguais em relação aos vários grupos de pessoas com deficiência.

Assim, defrontamo-nos de imediato com, pelo menos, dois enormes desafios a serem considerados na definição da política educacional, no que tange aos portadores de deficiência:



nem todos os municípios dispõem de atendimento educacional para alunos com deficiência e, quando dispõem, não há ofertas eqüitativas para todas as manifestações da deficiência, seja a mental, as sensoriais, a física, as motoras, a múltipla ou para os que apresentam condutas típicas de síndromes psiquiátricas, neurológicas ou psicológicas graves.



A sociedade civil organizada tem suprido a carência e a desigualdade na oferta dos serviços governamentais, na medida em que se criam as Organizações Não Governamentais (ONGs), geralmente especializadas para determinado grupo de pessoas com deficiência. Embora no modelo neoliberal a iniciativa privada seja bem-vinda, o desafio permanece, pois tais ONGs não têm fins lucrativos, dependem da ajuda financeira do governo e embora sejam, geralmente, organizadas pelos pais dos portadores de deficiência pertencentes ao estrato social mais privilegiado recebem como maior demanda pais oriundos das camadas populares, com igualdade de direitos de buscar e oferecer atendimento educacional para seus filhos.

Considerando-se que as ofertas de serviços, governamentais ou não, estão longe de suprir nossa demanda, temos, em síntese, um enorme desafio: dispor, em todas as lo-calidades, de ofertas educativas para todas as modalidades de manifestação de deficiência, seja sob a responsabilidade direta do poder público governamental ou da iniciativa particular.

Em termos ideológicos, os desafios mencionados podem ser reunidos na questão: como compatibilizar o discurso neoliberal adotado entre nós com as reais condições de escolha dos pais ou responsáveis por pessoas com deficiência?

Quem pensa em quantidade de ofertas (por localidade e por “tipo” de deficiência)2 deve obrigatoriamente examinar o aspecto qualitativo pois, além de dispor do atendimento educacional, isto é, a escola e, nela, a vaga, há que considerar a qualidade das res-postas educativas oferecidas. Nesse aspecto reside o princípio das propostas inclusivas: não se trata, apenas, de dispor de matrículas em escolas, mas de garantir o direito de to-dos à aprendizagem de boa qualidade.

A garantia da qualidade do atendimento educacional oferecido pode ser considerada como um outro desafio, para os portadores de deficiência e para o alunado, em geral.

** Neste particular, cabe como observação a impropriedade de considerarmos o grupo dos portadores de deficiência como homogêneo, imaginando-se que as necessidades educacionais escolares são as mesmas e iguais para todos.



Como ainda não utilizamos, em todo o país, os mesmos indicadores de qualidade pa-ra as respostas educativas de nossas escolas, governamentais ou não, esse desafio desdobra-se em vários outros, relacionados com a avaliação do processo ensino/aprendizagem. Em geral são muito subjetivas e têm sido, predominantemente, utilizadas como instrumentos de poder sobre os alunos.

Infelizmente, temos nos inspirado no modelo da qualidade total que serve às empresas produtoras de bens de consumo e para as quais a satisfação do consumidor é o mais importante. Na escola a qualidade deve passar pelo sucesso de todos os atores en-volvidos: o aluno, na medida em que for capaz de aprender a aprender e aprender a fazer; o professor que, ao ressignificar a sua prática pedagógica poderá centrá-la na aprendizagem em vez do ensino; a escola, para que desempenhe seu papel político e social, além do pedagógico, em busca da cidadania plena de seu alunado; a família...

Em qualquer das estruturas do sistema educacional (federal, estadual ou municipal e do Distrito Federal), independentemente de pertencer à zona urbana ou à rural, de ser pública governamental ou da iniciativa privada, a escola, em qualquer nível do fluxo escolar, é o espaço privilegiado de formação dos educandos, assim como é, também, o espaço dos escritos. Sob esse aspecto representa, para muitos, a única oportunidade de acesso ao saber historicamente acumulado e de apropriação da norma culta. Enquanto espaço de formação, diz respeito ao desenvolvimento, entre os educandos, de sua capacidade reflexiva, dos sentimentos de solidariedade e de respeito às diferenças, dentre outros valores democráticos. A escola deve proporcionar a todos conhecimentos e capacidade crítica, isto é, as ferramentas estratégicas capazes de contribuir para a criatividade e o pleno desenvolvimento individual, bem como para o enfrentamento da pobreza. Todos esses são valores defendidos na proposta de educação inclusiva.

Esclarecimentos acerca do sentido e do significado da inclusão têm sido um outro desafio, considerando-se os inúmeros equívocos e as omissões a respeito. Sem estabelecer hierarquia de importância, servem como exemplos:

• As reflexões sobre a inclusão, com essa denominação, foram desencadeadas pelos grupos ligados à educação especial. Apesar dos esforços governamentais de incluir todos os professores nessa urgente discussão, os mais freqüentes interlocutores têm sido os professores de classes e escolas especiais, das salas de recursos e os itinerantes. Entre outras, essa razão explica por que, ao se pensar em inclusão, associa-se a proposta, de imediato, com o alunado da educação especial.

• No contraponto da análise do mesmo tema, muitos educadores, porque desavisados, pensam que falar de exclusão é falar do alunado da educação especial porque, historicamente, têm sido discriminados e segregados, devido às suas características biopsicossociais e às expectativas do meio em relação à sua capacidade produtiva. Afirmar que apenas os deficientes estão excluídos das oportunidades de se apropriarem do saber e do saber fazer trata-se, porém, de outro enorme equívoco, como comentado anteriormente.


Segundo dados que constam do Plano Nacional de Educação (1998), elaborado sob a coordenação do MEC e hoje tramitando no Congresso Nacional, temos uma situação de inchaço nas matrículas do ensino fundamental, que decorre basicamente da distorção idade/série, a qual, por sua vez, é conseqüência dos elevados índices de reprovação. De acordo com o Censo Escolar de 1996, mais de 63% dos alunos do ensino fundamental têm idade superior à faixa etária correspondente a cada série. No Nordeste essa situação é mais dramática, chegando a 80% o índice de distorção idade/série. Esse pro-blema dá a exata dimensão do grau de ineficiência do sistema educacional do País: os alunos levam em média 11,2 anos para completar as oito séries do ensino fundamental. (p. 30)

Os grifos são meus e servem para destacar alguns aspectos de nossa realidade educacional, na qual a reprovação e a repetência são fantasmas que têm assustado todos os Ministros de Educação, mas que têm sobrevivido à gestão de cada um deles, apesar dos proclamados esforços que fazem para exorcizá-los.

A esses dados somam-se outros igualmente relevantes como é o caso da afirmativa de que há “cerca de 2,7 milhões de crianças fora da escola, parte das quais nela já es-teve e a abandonou”. (p. 30)

Tais afirmativas oficiais já são, sobeja e infelizmente, suficientes para repetir mais enfaticamente a indagação: quem são mesmo os alunos excluídos do espaço escolar? (e, conseqüentemente, do processo de aprendizagem sistemática e acadêmica).

Embora estatisticamente numerosa, a população de portadores de deficiência é percentualmente bem menor do que a dos ditos normais que estão excluídos e que precisam ser, urgentemente, incluídos na aprendizagem.

Para esse enorme contingente de alunos brasileiros com dificuldades de aprendizagem das mais variadas causas e que acabam se tornando deficientes circunstanciais, as propostas inclusivas se encaixam, sem controvérsias quanto à sua adequação e urgência. Não há por que segregá-los em classes adrede organizadas para eles, sob a legenda da educação especial.

• No próprio âmbito da educação especial, as discussões estão mais ligadas a esta ou aquela etapa do fluxo escolar. Muito pouco se tem discutido a respeito da re-moção das barreiras existentes entre as etapas do fluxo da escolarização, desde a educação infantil até a universidade.

• Os educadores da educação comum ou regular evidenciam suas preocupações com o fracasso escolar e com a democratização do acesso de todos à escola, mas dificilmente usam a expressão educação inclusiva, nem incluem os portadores de deficiência no âmbito das providências a serem tomadas, por considerá-los como alunado de um outro subsistema, cuja competência é dos especialistas em alunos “com defeito”.

• Para a maioria dos administradores, a inclusão está associada à expansão da matrícula, traduzida, estatisticamente, pelo aumento das vagas nas escolas ou pelo número de alunos portadores de deficiência nas turmas do ensino regular, sem a ênfase necessária à qualidade da resposta educativa da escola, como comentado anteriormente;

• As ações inclusivas preponderam no ensino fundamental porque obrigatório e numericamente mais significativo, na falsa suposição de que as “coisas se arranjarão” com o passar do tempo e se estenderão às demais etapas do fluxo es-colar;

• As relações entre integração e inclusão têm gerado algumas controvérsias entre diferentes educadores, que lhes conferem sentido e significado diferentes. É co-mum ouvirmos comentários como: “Agora estamos sob o paradigma da inclusão, que superou o da integração” ou, referindo-se ao trabalho das escolas: “Isto é integração, não é inclusão”, como se fossem processos antagônicos ou contraditórios. Entendo que aí reside outro desafio para o qual faz-se necessário rever significados.

O conceito de integração é polissêmico, seja porque múltiplos podem ser seus su-jeitos ou os espaços político-sociais em que o processo se desencadeia e se mantém, seja porque são múltiplos os níveis de sucesso conseguidos nas interações interpessoais, im-plícitas em qualquer conceito de integração.

Sob o enfoque psicossocial a integração representa, portanto, uma via de mão dupla envolvendo os portadores de deficiência e a comunidade das pessoas consideradas “normais”. Essa afirmativa traz implícita uma outra: todas as providências em prol da integração, na escola, não podem ser da iniciativa apenas dos educadores especializados. Sem que haja o consentimento de todos os educadores, corre-se o risco de apenas inserir o portador de deficiência no convívio com outras crianças, sem que haja sua participação ou se efetivem, entre todos, trocas interativas com plena aceitação aos portadores de deficiência, para valorização de sua auto-imagem e auto-estima.

No caso da integração escolar, a que mais interessa aos educadores em geral, consta da Política Nacional de Educação Especial (1994) do MEC:



A integração é um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua interação nos grupos sociais. A integração implica reciprocidade. E, sob o enfoque escolar, é processo gradual e dinâmico que pode tomar distintas formas, de acordo com as necessidades e habilidades dos alunos. (p. 18)



Esse conceito traduz o que se conhece como a teoria do ambiente o menos restritivo possível (AMR), centrada nas aptidões dos alunos que devem ser “preparados” para a integração total no ensino regular. As críticas em torno do sistema AMR são procedentes na medida em que a passagem de uma modalidade de atendimento mais restritiva para outra, mais integradora, dependia das características e das habilidades dos alunos, os responsáveis, solitários, por seus sucessos e fracassos. No entanto, e por justiça, devemos reconhecer as conquistas alcançadas. Afinal, educadores de renome nacional e internacional lutaram para que, nesses ambientes, pessoas deficientes, até então escondidas e absolutamente excluídas, encontrassem espaços de convivência. Não podemos negar o que se tem avançado, como se estivéssemos partindo do zero e nada tivesse sido feito de bom e necessário. Estamos num processo que é político, social, econômico, histórico e pedagógico.

Com muita propriedade a Unesco expressa sua posição a esse respeito, afirmando em seus documentos que a integração de alunos que apresentam necessidades educativas especiais resulta de um processo de reforma total do sistema educativo tradicional:



Por esse motivo, a integração deve ser considerada em termos da reforma do sistema es-colar, cuja meta é a criação de uma escola comum que ofereça uma educação diferenciada a todos, em função de suas necessidades e num marco único e coerente de planos de estudos. (Unesco, 1988)



Essa mensagem parte do repúdio genérico a qualquer forma de exclusão e que impede, aos excluídos, o direito humano de usufruírem dos bens e serviços socialmente acumulados. As diferentes formas de segregação, ou de rejeição, se considerarmos os mecanismos psicológicos que as embasam, costumam ser desumanas e perversas. Em outras palavras, para que, em nossas escolas, o ideal da integração de todos ou da não exclusão de alguns se torne realidade, deve-se trabalhar todo o contexto em que o processo deve ocorrer, para que dê certo. Do contrário, corre-se o risco de prejudicá-lo e contribuir para mais preconceitos em torno dos deficientes.

É esse mesmo objeto de análise – o da não segregação – que enfatizamos, hoje, nas propostas inclusivas. Um mundo inclusivo é um mundo no qual todos têm acesso às oportunidades de ser e estar na sociedade de forma participativa; em que a relação entre o acesso às oportunidades e as características individuais não é marcada por interesses econômicos ou pela caridade pública. A proposta inclusiva pressupõe uma ressignificação da sociedade e, nela, da escola que temos hoje, para que ofereça respostas educativas de qualidade para todos.

Mas aceitar o ideário da inclusão não autoriza o “bem-intencionado” a mudar o que existe, num passe de mágica. A escola inclusiva, isto é, a escola para todos deve es-tar inserida num mundo inclusivo, em que as desigualdades não atinjam os níveis abomináveis com os quais temos convivido.

As externalidades de um mundo em que a educação é concebida como bem de in-vestimento, com vistas ao consumo, evidenciam a urgência das discussões sobre inclusão, independentemente de quem são os protagonistas, isto é, os excluídos, pois a proposta inclusiva beneficia a todos, deficientes ou não, que precisam desenvolver sadios sentimentos de respeito à diferença, de cooperação e de solidariedade orgânica.

Afirmar, portanto, que a proposta de inclusão superou a da integração parece-me impropriedade, pois espera-se que os alunos incluídos se integrem com seus pares e com o saber. A crítica, pertinente, é para os modelos de organização educacional escolar. Precisamos ficar atentos para não cometermos equívocos em nome da inclusão...

Concluindo os comentários acerca da inclusão e da integração, considero indispensável referir-me às metáforas suscitadas quando se cogita desses processos no âmbito educacional escolar. As propostas de organização do sistema educativo inspiradas no processo de integração têm sido comparadas a uma cascata, enquanto as que se baseiam na escola inclusiva, uma escola para todos, têm como metáfora um caleidoscópio.

As críticas que se tecem, no caso da cascata dos serviços, é que a passagem de uma criança com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem de um tipo de serviço mais segregado a outro, mais integrador, além de depender dos progressos da criança (sendo ela, portanto, a única responsável por seu destino escolar), tem se mostrado praticamente inexistente. São, em última análise, críticas ao já mencionado sistema AMR.

A metáfora do caleidoscópio tem sido apontada como a que melhor traduz a idéia da inclusão escolar, isto é, um sistema educativo no qual todas as crianças devem estar, necessariamente, matriculadas em escolas regulares e, nelas, freqüentar as classes comuns. O caleidoscópio foi escolhido porque, nele, todos os pedacinhos são importantes e significativos para a composição da imagem. Quanto maior a diversidade, mais complexa e mais rica se torna a figura formada pelo conjunto das partes que a compõem.

Transportando essa imagem para as classes do ensino regular, a mensagem é que a presença de alunos com necessidades educacionais especiais, embora torne o conjunto da turma de alunos mais heterogêneo e complexo, também o torna mais rico.

Aí, exatamente aí reside mais um obstáculo, pois os nossos professores do ensino fundamental, em sua maioria, alegam que não se sentem “preparados” e motivados para a docência de grupos tão diversificados, consideram-na difícil, pois ganham muito mal, não tendo recursos para compra de livros ou para fazerem cursos de atualização, além de as condições em que trabalham serem muito adversas... Infelizmente, não estão exagerando. Desde a sua formação para o exercício do magistério, detectam-se lacunas muito sérias.

A valorização do magistério é, portanto, outro sério desafio a que tem se voltado a política educacional brasileira, procurando melhorar a formação inicial e a continuada. No caso da formação sob a égide da educação inclusiva, ainda convivemos com inú-meras dúvidas que bloqueiam o avanço das ações por falta de esclarecimentos, ou geram ações isoladas, conforme o entendimento das Secretarias de Educação.

A nomenclatura que usamos atualmente para o alunado da educação especial pode ser considerada também como desafio, pela multiplicidade de interpretações que desencadeia. Inicialmente chamados de excepcionais, após a década internacional das pessoas portadoras de deficiência (1981-1990) têm sido denominados como: pessoas portadoras de deficiência, pessoas com deficiência, pessoas com necessidades especiais ou com necessidades educacionais especiais.

A mudança de terminologia tem gerado muita polêmica, mesmo entre os próprios deficientes, que interpretam essa busca da melhor expressão como um adiamento da análise da sua verdadeira problemática: a acessibilidade aos bens e serviços socialmente disponíveis para os ditos normais.

Em termos classificatórios, na literatura a respeito, o alunado da educação especial compreende os deficientes mentais, visuais, auditivos, físicos, múltiplos, os que apresentam condutas típicas das síndromes neurológicas, psiquiátricas e psicológicas graves e os de altas habilidades (superdotados). Consideradas suas características pessoais, sociais, e as condições em que vivem, costumam ser chamados de portadores de necessidades especiais que, na escola, traduzem-se como necessidades educacionais especiais.

Essa expressão tem merecido inúmeras críticas, como a que apresentou Mazzotta (1996), pois não se pode dizer que alguém porta uma necessidade. Na verdade, as pessoas sentem e manifestam necessidades que, ao serem satisfeitas, deixam de ser portadas, enquanto forma de manifestação.

À parte da discussão terminológica, há dois aspectos extremamente importantes: de um lado, a abrangência da expressão que comporta os portadores de deficiência ou não (quem nunca apresentou necessidades educacionais especiais?) e, de outro lado, o risco de expandirmos a educação especial enquanto subsistema, para atender a alunos que são e devem permanecer no ensino regular.

Assim, discutir a inclusão/integração do alunado da educação especial como se estivéssemos falando de um único e homogêneo grupo é um enorme equívoco que precisa ser evitado, particularmente em equipes de educadores. Essa observação aplica-se, igualmente, a todos os alunos, pois precisam ser considerados em suas histórias de vida, que em muito os diferenciam entre si.

Embora a expressão “necessidades educacionais especiais” esteja sendo usada para realçar o papel da escola no atendimento às diferenças individuais de seus alunos, constatamos, por sua generalidade, as preocupações em identificar a tipologia das necessidades, numa forma sutil de retorno às classificações e à rotulagem.

Outro conjunto de desafios, não menos importantes do que os já examinados, está na administração dos sistemas educacionais, consideradas as esferas administrativas fe-deral, estadual, municipal e do DF.

O sistema educacional brasileiro tem considerado a educação especial como modalidade de atendimento educacional, tal como aparece na nova LDB.

O entendimento de que a educação pode ser regular (comum) ou especial tem acarretado, nas Secretarias de Educação, a organização de subsistemas político-administrativos diferenciados em sua filosofia de educação e em suas ações. Assim, para pla-nejar, implantar e implementar ações educativas para portadores de deficiência, de condutas típicas de síndromes e para os superdotados, criaram-se órgãos específicos na estrutura das Secretarias de Educação, nem sempre com a mesma figura administrativa dos demais órgãos, relativos à educação infantil ou ao ensino fundamental. (Edler, 1977)3

Em outras palavras, estudos realizados sobre a estrutura e o funcionamento da educação especial (Edler, 1977, 1992) evidenciam não só a multiplicidade de concepções administrativas para a educação especial (serviço, divisão, departamento, fundação...), como a baixa correspondência hierárquica entre esses órgãos e aqueles responsáveis pelos demais graus de ensino.



***.Este estudo foi atualizado em 1992, pela mesma autora, quando Secretária de Educação Especial, no MEC.





A questão não é só terminológica: há implicações de toda ordem, inclusive financeiras, fazendo com que a administração da educação especial fique em desvantagem quando comparada à educação regular, comum. Além de extremamente variável entre as Unidades Federadas (UF), na mesma UF fica bem nítida a condição “menor” atribuída à educação especial, quando comparada à educação comum.

Com os movimentos em prol da universalização da educação e que têm se consolidado no paradigma da “educação inclusiva”, muitos sistemas estaduais e municipais de educação têm revisto sua proposta político-administrativa e, nela, o espaço a ser ocu-pado pela educação especial em seus organogramas.

Embora esse aspecto seja muito importante dentre as reflexões, a qualidade da educação a ser oferecida aos nossos alunos não depende apenas dos organogramas estabelecidos pelas diferentes Secretarias de Educação.

Antes de decidir criar ou não uma “caixinha” para nela inscrever o órgão de educação especial (com chefia remunerada, com equipe, tal como os demais...) devemos, com urgência, examinar lealmente o que representa a educação escolar do alunado da educação especial. É preciso ter bem clara a intencionalidade educativa: oferecemos es-cola a esse alunado porque está na Lei ou porque realmente acreditamos que podem e devem aprender? Ou: oferecemos escola para eles porque nos inspiram pena ou porque podemos identificá-los como cidadãos capazes de contribuir socialmente?

Tais questões ajudam, inclusive, na decisão do desenho do organograma; tirar de-le a educação especial não nos autoriza a dizer que promovemos a inclusão...

Algumas secretarias mantiveram a equipe de educação especial como staff central; outras “dissolveram” essa equipe pelos outros segmentos, para funcionarem como assessoria; outras reduziram em muito o número de pessoas que atuam no diminuto ór-gão destinado à educação especial. Não há, portanto, um consenso nacional a respeito. A tomar como exemplo o MEC, nele está a educação especial como Secretaria, do mesmo modo que o ensino fundamental... Parece que a existência de um grupo central, coordenador, tem sido necessária, principalmente quando os demais segmentos organizacionais ainda percebem a educação especial como um subsistema à parte e não a incluem no âmbito de suas reflexões.

Mas há aquelas Secretarias nas quais se pensa a prática pedagógica de modo a re-mover as barreiras à aprendizagem e a satisfazer as necessidades de qualquer aluno, in-dependentemente de suas características diferenciadas. Nesses casos, os especialistas atuam na equipe dos educadores da educação infantil, do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos, planejando o especial na educação, entendido como qualidade, em vez de trabalharem para o subsistema de educação especial. Conclui-se, portanto, que não é a presença ou a ausência de uma equipe explícita no organograma da Secretaria que garantirá o sucesso na aprendizagem do alunado da educação especial. A questão é atitudinal, implica remoção de barreiras à aprendizagem, isto é, dentre outros aspectos, destaca-se o reexame da prática pedagógica e do papel político que a escola desempenha.

Ainda sob o enfoque das políticas educacionais, cabe examinar os desafios com que temos convivido na organização do atendimento educacional escolar.

Acabar ou não com as classes e as escolas especiais? A inserção de alunos comdeficiência no ensino regular deve ser generalizada para todos ou alguns vão se beneficiar com atendimento educacional escolar diferenciado? Quais? Os professores precisam ou não ser especializados? A opinião das famílias deve ser respeitada quanto ao en-caminhamento para o ensino regular ou não? Qual o papel das escolas especiais na pro-posta inclusiva? Devemos manter as salas de recurso ou criar outras estratégias de apoio? Precisamos ou não de especialistas que atuem junto às escolas e às famílias?

Essas são algumas das indagações que precisamos examinar, sem passionalismos. O que tem sido considerado por alguns como o “desmonte” da educação especial, penso, deve ser fruto de muita reflexão e debates.

Sem dúvida, temos consciência de que as classes e as escolas especiais serviram para abrigar alunos que “incomodavam” nas escolas. O que tem sido considerado como “fracasso” da educação especial (porque as classes e as escolas especiais nem sempre contribuíram para a construção do conhecimento dos seus alunos) decorreu de inúmeros fatores não necessariamente resultantes da modalidade do atendimento.

Lembremo-nos dos critérios de indicação de professores para trabalhar com esse alunado (nem sempre os mais dedicados...); é igualmente significativo lembrar a exigência de diagnóstico multidisciplinar e as dificuldades de se contar com os profissionais para realizá-lo, o que gerou tantos e tantos prejuízos aos alunos; o mesmo em relação aos currículos, diferenciados dos demais e elaborados como diretrizes do próprio MEC.4 Na análise desses fatores, as representações sociais em torno dos deficientes, com os referenciais normativos delas decorrentes, merecem destaque nas discussões em torno das políticas públicas elaboradas.

Todos os indicadores de insucesso educacional, não só da educação especial, geraram os movimentos em prol da educação para todos, isto é, engendraram a emergência do paradigma da educação inclusiva.

De modo geral, os educadores do ensino regular, como comentado anteriormente, reagem à idéia de terem alunos com deficiência em suas turmas, alegando não se sentirem preparados para o trabalho com tais alunos, além dos sentimentos de rejeição e revolta decorrentes das “ordens superiores” para inseri-los nas suas turmas.

Na atual conjuntura educacional, embora a política educacional apresente como finalidade a democratização plena do acesso, ingresso e permanência dos alunos numa escola de boa qualidade, para todos, ainda não está claro que nesse todos incluem-se as minorias, inclusive a dos portadores de deficiência.

Este é o desafio da maior urgência: melhorarmos as respostas educativas da nossa escola, para todos os alunos. Mas se os movimentos e as pressões exercidas pelos que defendem o alunado da educação especial ficarem restritos a esse segmento, numa visão reducionista, estaremos reforçando a necessidade de uma política educacional que “abrigue”, que “acolha” os deficientes, num resquício de assistencialismo ou de filantropia.



**** Na década de 70 quando tais currículos foram elaborados, o órgão responsável pela educação especial, no MEC era o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP).



O desafio está, portanto, em discutir a maneira como se engendram as políticas educacionais, para nelas incluir todos, indiscriminadamente, por direito de cidadania e porque educação deve ser um direito essencial na vida de cada um.

Documentos produzidos em conferências mundiais (como a de Jomtiem, na Tailândia, 1990, e a de Salamanca, 1994) alertam para a prioridade que deve ser conferida aos grupos menos favorecidos e mais vulnerabilizados pela condição de pobreza, aos analfabetos maiores de 15 anos, às populações rurais, às minorias étnicas, religiosas e de migrantes, aos menores de 6 anos, aos alunos com dificuldades de aprendizagem e aos portadores de deficiência.

Em termos gerais, esses são os sujeitos da inclusão que, “independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras”, devem ser recebidos em todas as escolas (item 3, Declaração de Salamanca). Uma escola que inclua a todos, que reconheça a diversidade e não tenha preconceitos contra as diferenças, que atenda às necessidades de cada um e que promova a aprendizagem.

Em torno dessa proposta têm girado as atuais discussões, marcadas por divergências, incertezas e muita confusão conceitual, na medida em que se supõe que inclusão é uma proposta da educação especial voltada apenas para os alunos deficientes e para os que apresentam condutas típicas de síndromes. E como as reflexões em torno da inclusão têm sido mais fortes por parte dos que atuam em educação especial, fica reforçado o equívoco de se associar inclusão com o alunado da educação especial, unicamente.





Desafios em relação às recomendações de organismos internacionais



Neste bloco de análise, os desafios não estão nas recomendações propriamente ditas. Elas traduzem os anseios de todos nós, educadores, que acreditamos no ser humano e na importância do saber como um bem essencial na vida de todos nós.

O desafio está na interpretação das recomendações, em busca de consenso nacio-nal. Não menor é o desafio de implementação das referidas recomendações, na medida das necessidades dos países. Naqueles com dimensões continentais, como o nosso, conhecer e atualizar dados, indispensáveis a qualquer planejamento, tem sido muito difícil, apesar dos esforços nesse sentido.

Parece que, para países emergentes, como o Brasil, a solução adotada de estabelecer um Plano de Ações Integradas, tem apresentado alguns resultados positivos na direção do cumprimento das recomendações em acordos internacionais dos quais somos signatários.

A Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, no desempenho de sua missão institucional, coordenou os trabalhos envolvendo as diversas áreas setoriais, em busca de diretrizes de ação integrais e integradas. Esperamos que se consiga desenvolver um trabalho conjunto entre todos os Ministérios, com a par-ticipação indispensável dos próprios portadores de deficiência, e com os representantes dos governos de todas as esferas administrativas, além da comunidade.

A opinião dos próprios deficientes e de suas famílias



Além das naturais divergências que, neste momento, devem existir entre as opi-niões dos pais, irmãos e dos próprios deficientes, é importante apontar a escuta a essas pessoas como um outro desafio. Seja porque não estão organizadas, seja porque não dis-põem de informações sobre a quem se dirigir, seja porque não dispõem de canais de co-municação, o fato é que pouco temos ouvido os que mais sofrem com os obstáculos existentes.

Estabelecer os mecanismos dessa escuta permanente, penso, é uma das providências que se impõem, intensificando o trabalho que já temos feito nesse sentido.

Muitos e complexos são os desafios existentes. Mas, diante deles, nossa atitude deve ser de enfrentamento, de buscar as parcerias, de trocar idéias e reunir experiências. Com esse propósito escrevi este trabalho, que não tem um ponto final, seja porque deixei de elencar, certamente, inúmeros desafios, seja porque muitos deles, acredito, serão enfrentados com sucesso e deverão ser retirados deste ou de outros textos sobre inclusão!

Que assim seja!





Referências bibliográficas

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Carvalho, R. Edler . Estrutura e funcionamento da educação especial no Brasil. FGV, 1977. (Dissertação, Mestrado).

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Anexo 1



A Evolução da Desigualdade, do Crescimento e da Pobreza – 1990-1996 (em %)

Seis Principais Regiões Metropolitanas


1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996

Parcela da Renda dos 50% mais pobres
12,8
13,6
13,1
2,5
11,3
12,2
12,3

Parcela da Renda dos 20% mais ricos
62,8
60,9
61,1
62,1
64,7
65,6
62,4

Crescimento do PIB Per Capita
-5,9
-1,3
-2,3
2,7
4,5
2,8
1,5

Proporção de pobres
22.6
25.5
32.2
32.3
33.4
27.8
25.1






Marlene de Oliveira Gotti (voltar)



Coordenadora Técnica do MEC/SEESP.





Para tratar da inclusão escolar, o primeiro desafio que temos a vencer é a questão da acessibilidade. Acessibilidade implica vencer as barreiras arquitetônicas, curriculares e atitudinais. No que se refere às barreiras arquitetônicas, o Plano Nacional de Educação – 1997, traz metas explícitas para sua eliminação no ambiente escolar.

Para eliminação das barreiras curriculares e atitudinais, a política educacional brasileira vem enfrentando o desafio de construir uma escola de qualidade para todos, fruto do movimento mundial que reconhece e reafirma o direito que todas as pessoas têm à educação.

A Conferência Mundial de Educação para Todos, como todos sabem, reuniu em Jomtien, na Tailândia, em 1993, os países em desenvolvimento, para traçarem metas acerca dos excluídos de seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas, de gênero, etnia ou religião.

O Brasil, entre esses países, comprometeu-se a oferecer, em dez anos, educação para todos os alunos do Ensino Fundamental. Como conseqüência, o governo brasileiro, juntamente com toda a comunidade civil e escolar, elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos.

Para tratar especificamente da educação dos alunos com necessidades especiais, entre eles os portadores de deficiências, os países reuniram-se em Salamanca, na Espanha, ocasião em que elaboraram a Declaração de Salamanca (1994), assumindo a seguinte posição. Cada país deveria:

• construir um sistema de qualidade para todos;

• adequar as escolas às características, interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão escolar de todos no sistema educacional.

A legislação brasileira, principalmente a nossa Constituição Federal/88 e a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais/96, já está coerente com essa postura.

Para esclarecer um pouco mais essa tarefa, vamos mostrar a configuração que a Educação Especial adquiriu na LDB.

O sistema educacional brasileiro divide-se em Educação Básica e Educação Superior. A Educação Básica, por sua vez, divide-se em três níveis: a Educação Infantil (de zero a seis anos), o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

A Educação Especial não é um nível de ensino. É uma modalidade de educação escolar, um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais que devem estar à disposição dos alunos que dela necessitarem, perpassando transversalmente todos os níveis e modalidades de ensino. Assim sendo, os serviços de educação especial deverão estar presentes na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior.

O processo de inclusão pressupõe uma reestruturação do sistema de ensino, que deverá adequar-se às diferentes necessidades dos alunos.

Após o reconhecimento dos tipos de necessidades educacionais dos educandos, cada escola, por meio do projeto pedagógico, organiza os tipos de apoio ou suportes que pode oferecer e organizar, como as adequações ou adaptações curriculares para que eles tenham acesso ao currículo.

Geralmente, as secretarias de educação indicam as escolas que já organizaram es-ses serviços, para servirem de referência, ou seja, as escolas inclusivas vão sendo construídas gradualmente.

Cremos, até, que as escolas inclusivas que todos queremos, abertas a toda diversidade, ainda estão em processo de construção.

À universidade cabe a formação adequada dos profissionais. Para tanto, eventos como este, que trata da sociedade inclusiva, podem desencadear cursos de formação de professores já com essa postura.

Os professores deverão conhecer as formas de aprender e as potencialidades de cada educando, nos diferentes níveis de ensino.

O MEC tem elaborado documentos que explicitam essa política de inclusão escolar, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, os Referenciais para a Educação Infantil, os Referenciais para a Formação de Professores e as Adaptações Curriculares, estratégias para a educação de alunos com necessidades especiais.

Essa política de inclusão escolar tem como objetivo definir também responsabilidades e a responsabilidade para com a educação de alunos com necessidades especiais é da escola pública, do governo municipal, estadual, federal e do Distrito Federal. Escola pública nenhuma pode negar matrícula alegando a deficiência de um aluno.

O Brasil possui aproximadamente 5.700 municípios, sendo que em 2.500 não há, nem por APAEs, qualquer tipo de atendimento a alunos com necessidades especiais. A desinformação é generalizada e os pais sofrem com a situação de seus filhos. Não podemos continuar deixando para os pais a responsabilidade de ofertar educação escolar para seus filhos. Escolas como as APAEs e Pestalozzis surgiram porque houve a omissão governamental.

A política de inclusão escolar quer resgatar a responsabilidade governamental. Isso não significa que o MEC pretenda fechar as escolas especiais. Pretende, sim, redimensioná-las, para que se tornem escolas de qualidade e possam cooperar e participar do processo de inclusão de seus alunos.

A inclusão escolar não significa apenas inclusão em classes comuns do ensino regular. A nossa legislação, sabiamente, utilizou a palavra “preferencialmente” na rede regular de ensino e não “exclusivamente”. Isso significa que há casos em que as condições dos alunos não favorecem sua inclusão em classe comum.

Os surdos, por exemplo, têm solicitado escolas especiais bilíngües, em que a língua de sinais seja a língua de instrução. No entanto, o sistema não pode oferecer somente escolas especiais. Deve haver diferentes alternativas de atendimento para diferentes realidades. Conhecedoras das potencialidades dos alunos surdos, sabemos que podem ser bilíngües, trilíngües, quadrilíngües. Tudo depende da oferta do sistema educacional.

O MEC realizou reuniões em Brasília com especialistas em educação e surdez, de diferentes correntes ideológicas, e está organizando as diretrizes curriculares para esse alunado. A inclusão escolar em classe comum é uma opção a mais para a educação desses alunos e, para efetivá-la, deve-se prever também a questão dos intérpretes e formação de professores surdos.

A inclusão escolar em classes comuns não é impositiva, nem elimina os serviços de educação especial.

Inclusão se contrapõe à exclusão escolar e social. É um processo gradativo onde ciência e ideologia caminham juntas para a construção de uma verdadeira sociedade inclusiva.









Elizabeth Dias de Sá (voltar)



Psicóloga educacional, professora e coordenadora da política pedagógica do Conselho de Pessoas Portadoras de Deficiência da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte





Em seu texto, Rosita coloca três grandes blocos de desafios, cada um dos quais com vários outros desafios. Ela aborda as políticas públicas, as recomendações internacionais e a escuta das pessoas com necessidades educacionais especiais. Vou ater-me ao primeiro bloco, pois o foco das minhas questões relaciona-se com a pon-ta do sistema, ou seja, com as escolas públicas, com o professorado dentro da sala de au-la, aplicando tudo isso imediatamente com o seu alunado. Dentro do primeiro bloco, tentei organizar quatro grandes pontos que ela abordou. O primeiro é extremamente preocupante e dramático: no contexto da universalização do sistema educacional, ela tenta trabalhar o fluxo do aluno, a questão do acesso, a expansão quantitativa do sistema e a questão da permanência ou do percurso escolar bem-sucedido desse alunado. Recebemos nas escolas públicas, no sistema regular de ensino, o alunado egresso das escolas especiais, fora da faixa etária. São adultos sem escolarização ou que tiveram sua escolarização interrompida dentro das escolas especiais. Às vezes, tiveram um trânsito por vá-rias escolas especiais de até 10, 12 ou 15 anos. O tempo de escolarização passa a ser um problema, não só dentro das próprias escolas especiais, mas também no sistema regular de ensino. Quais são as propostas do ponto de vista do novo ordenamento do sistema regular de ensino para responder a esse direito e à necessidade dessas pessoas?

No segundo ponto, Rosita faz uma incursão na integração e inclusão como paradigmas ou processos complementares e não antagônicos. Nesse processo histórico, que tem determinantes políticos, filosóficos e sociais, eu me pergunto se a integração não tem sido uma questão não tanto de igualdade de oportunidades, mas do sistema de desigualdade que não oferece as mesmas oportunidades para as pessoas. Sistema que situa esse problema nas pessoas e tenta estabelecer o que eu chamaria de pertença hierarquizada na pirâmide social. A escola representa uma das estruturas sociais porque tem uma função social e tentaria colocar essas pessoas num sistema de pertença hierarquizada e num lugar de inferioridade. Temos uma massa de excluídos quantitativamente assustadora, não apenas no campo das pessoas com deficiência. A exclusão é muito mais grave, porque se trata não mais de estabelecer uma pertença hierarquizada, mas a pertença pro-priamente dita. Eles vão ter que ter um pertencimento na pirâmide social, porque estão eliminados, excluídos. Vão ter que pertencer, e pertencer num sistema de igualdade, uma vez garantido o direito. Temos como luta e como desafio a igualdade de oportunidade para todos. E a pertença tem que se dar na garantia. Quais seriam as estratégias pa-ra garantir essa pertença não hierarquizada, com igualdade de oportunidade para todos?

Num terceiro momento, Rosita levanta a questão da formação continuada em serviço, da capacitação, com uma série de outros desafios, entre os quais o de rever as no-menclaturas, os conceitos, as concepções. Esse terceiro ponto diz respeito também às estratégias de enfrentamento dos desafios. Por último, Rosita coloca, do ponto de vista de políticas públicas, a necessidade de um novo ordenamento do sistema educacional escolar. Aí vamos problematizar a questão da educação especial como modalidade, como subsistema dentro do sistema, tratada como apêndice e, às vezes, com uma visão reducionista. Quais são as estratégias do MEC para responder ao grande desafio de a educação especial deixar de ser modalidade? Ela atravessa o sistema desde a educação infantil até a universidade, da graduação à pós-graduação. Como fica essa fusão para que tenhamos um sistema único de educação em que a educação especial deixe de ser educação especial, para se tratar do especial na educação? O novo ordenamento requer que as es-colas públicas estejam abertas para a diversidade do alunado, para todos. Com isso, vamos ter que rever algumas políticas, desde o investimento, o redirecionamento do financiamento do ponto de vista da capacitação da rede pública, para que ela de fato esteja aberta à diversidade. E quando se fala de capacitação da rede pública, do ponto de vista da educação continuada do professorado, que educação é essa? Qual é a concepção de educação continuada? Temos que ter também um reordenamento dos investimentos e do financiamento porque, até então, as provedoras por excelência da educação especial eram as escolas confessionais, filantrópicas ou da rede privada. Mas agora, não se trata mais disso, trata-se da rede pública, das escolas públicas e da rede regular, que precisam de um investimento, para que se qualifiquem e tenham condições de receber esse aluna do e dar uma resposta de qualidade, esta que a Rosita coloca em termos de remover as barreiras de aprendizagem. Para isso, temos que ter uma equalização de recursos e um reordenamento da rede pública. Quais são os desafios que o MEC enfrenta para poder estabelecer estratégias que promovam de fato e de direito esse reordenamento, para que a escola pública se qualifique e seja de fato inclusiva, de fato uma escola de boa qualidade para todos?





Gladis Perlin (voltar)



Mestra em educação de surdos; pesquisadora no Núcleo de Pesquisa para Pessoas Surdas e Doutora pela UFRS.





Vou falar exclusivamente sobre a questão da comunidade surda. Dirijo-me a eles com muito conforto, porque estão aqui do meu lado. Uma das minhas grandes angústias e preocupações é com relação à questão dos intérpretes estarem inseridos no processo educacional da pessoa surda. Eles nos ajudam a mostrar a nossa identidade surda e são direito da nossa comunidade. Às vezes, a tradução das palavras, principalmente da palavra “inclusão”, para a comunidade surda, implica retirada do surdo da própria comunidade e coloca-o junto com ouvintes. Isso o angustia muito, porque não é uma inclusão verdadeira. Para o surdo, falta muito conhecimento do real sentido do ter-mo “inclusão”.

Excluir a língua e as emoções da comunidade surda é mostrar que a inclusão às vezes está embasada em muitos preconceitos relativos à comunidade surda. O estereótipo da comunidade surda começa dentro da própria família, que não quer a surdez daquela criança e a encaminha para uma escola, para que ela seja incluída junto de crianças ouvintes. Também temos uma falsa idéia da tradução desta palavra “inclusão”, quando a terminologia “surdo” se confunde muitas vezes no senso comum com a terminologia “deficiente auditivo”. O problema do deficiente auditivo não é de falta, é um problema que pode ser corrigido com recursos fonoaudiológicos, não é o problema da comunidade surda. A comunidade surda está interessada na inclusão a partir da língua de sinais. Colocar os surdos junto com ouvintes pode gerar conseqüências, como o não acesso ao conhecimento, o desenvolvimento intelectual imperfeito. Percebemos que a maioria dos surdos não tem acesso à universidade, não consegue ter acesso ao mundo dos ouvintes, nem ao conhecimento que os ouvintes têm; não está apta a uma competição com ouvintes. O surdo precisaria ter o mesmo nível dos ouvintes. A identidade ouvinte acaba por reprimir o sentimento de inferioridade do surdo em relação às pessoas que ouvem.



Eu gostaria de citar um exemplo: há pouco tempo eu estava em Porto Alegre, na Faculdade de Teologia. Todos os meus colegas eram ouvintes e captavam 70% do ensino. Pedi para que eles me ajudassem, que me empurrassem para eu conseguir chegar a ser como eles. Eu precisava sempre de alguém para me assessorar e às vezes não conseguia captar todos os conhecimentos com a mesma rapidez que os outros alunos; não conseguia acompanhar. Meus colegas sempre estavam à minha frente, eu me sentia sempre inferior a eles, aprisionada. Por isso represento a comunidade surda, que se sente do mesmo jeito. Agora finalizei o mestrado e estou fazendo a minha tese de doutorado. De-pois que eu consegui essas coisas, minha vida mudou muito, tenho mais autonomia, pro-duzo os meus próprios textos, elaboro minhas próprias idéias, penso em língua de sinais, abuso dos meus recursos visuais e posso expressar minhas idéias para apoiar a comunidade surda em sua luta. Acredito que seja muito importante pensar na educação de surdos. É preciso que a escola de surdos tenha um currículo igual às de ouvintes, associado à língua de sinais. Acredito que, na instrução fundamental, todo o conteúdo das matérias deva ser passado para o surdo em línguas de sinais, e que o ensino da língua portuguesa seja considerado como ensino de segunda língua, que vai nos ajudar a conviver com uma outra forma de língua. Nossa dificuldade maior é com relação ao conhecimento elaborado, à aprendizagem do português como segunda língua. Queremos utilizá-lo para acessar o mundo dos ouvintes. Por exemplo, a necessidade da leitura é muito importante para a comunidade surda, porque o português é lido e escrito em todo o Brasil, mas nós surdos usamos muito pouco o português oral. A comunidade surda elaborou um conjunto de propostas prevendo a necessidade de novas alterações com relação à educação dos surdos. Pensamos que a presença do professor surdo dentro da sala de aula é de suma importância. Porque o professor surdo é o sujeito da identidade da comunidade surda dentro de sala de aula. No primeiro momento, o professor surdo estaria ensinando a língua de sinais também para pessoas ouvintes, para que elas saibam que a língua de sinais é uma língua tão completa quanto o português. Estou falando com quarenta anos de conhecimento disso. A importância do professor surdo dentro de sala de aula atuando em língua de sinais se dá a partir da identidade e do acesso ao conhecimento. Em termos pedagógicos, o professor surdo em sala de aula é muito importante, porque quando a criança surda mira o professor surdo, ela se sente refletida nesse professor, ela sabe que, se esse professor chegou lá, ela também pode chegar. Com relação ao professor ouvinte, a criança surda tem uma grande dificuldade de se identificar numa perspectiva de futuro. Então essa criança se sente excluída no processo de formação de sua própria identidade. O professor de surdo pode ser o modelo de como nós, surdos, precisamos ser, em termos lingüísticos e culturais. Uma comunidade tão forte quanto a comunidade dos ouvintes. Não estou dizendo que os ouvintes não possam estar num processo integrado com os surdos, mas vamos precisar muito do intérprete. Estou aqui, fazendo uma palestra para vocês que são ouvintes, e seria impossível. A minha voz não é compreensível para quem não me conhece, então tenho a Geralda como minha tradutora, que vai ler os meus sinais e falar o português, para que todas as pessoas tenham acesso às minhas idéias e aos meus pensamentos.



Como representante da comunidade surda, também acredito que a nossa luta tem mostrado um movimento muito parecido com a dos ouvintes. O professor ouvinte não tem formação para atuar com o aluno surdo. A comunidade surda, reunida em Porto Ale-gre, elaborou um documento que foi encaminhado ao MEC, sobre a formação dos professores. O documento solicitava que os professores ouvintes tenham conhecimento e uso fluente da língua de sinais, sejam usuários constantes da língua de sinais, para poder passar esse conhecimento para sua turma de alunos surdos e que o professor tenha uma participação constante no movimento de luta da comunidade surda por uma educação melhor. Percebemos que é muito complicado respeitar uma língua quando não se conhece esta língua. Então exigimos um respeito à nossa língua, à nossa comunidade, que é di-ferenciada. O professor usuário da língua de sinais vai ter um conhecimento profundo da comunidade e da cultura surda, das expressões, das habilidades e das possibilidades de inserção do surdo na sociedade. Também percebemos que a presença do professor ouvinte vai, a partir de agora, ser melhorada, quando ele entender que o português deve ser ensinado como segunda língua. Normalmente, a gente escuta que o surdo não sabe escrever, não sabe ler o português e é analfabeto. Mas o professor ainda não percebeu que o português é uma segunda língua para a comunidade surda, que se sente muito angustiada porque não consegue ter acesso à informação da mesma forma que os ouvintes.

Os ouvintes têm uma prática autoritária em relação à educação dos surdos. Também pensamos que a família do surdo é muito mal informada. Nosso conferencista da Suécia falou da necessidade de o próprio deficiente estar à frente do seu movimento. É um pecado o fato de o médico otorrino orientar a família a tirar o surdo do convívio com a comunidade surda, porque, convivendo com uma sociedade oral, ele não se identifica enquanto comunidade. Isso faz parte de um processo de discriminação do surdo no mundo. Também a comunidade surda vem solicitando muito que as salas especiais para surdos sejam analisadas num contexto em que os objetivos sejam pedagógicos e as abordagens sejam coerentes com as necessidades da comunidade surda. A tecnologia tem que ser visual, as estratégias têm que ser voltadas para essas tecnologias. Por exemplo, vocês, ouvintes, têm telefones que são tecnologias para vocês. Nós, surdos, temos que ter mais acesso ao fax, que é uma forma de comunicação visual. O sistema de campainha acoplada às luminárias é outro recurso que nós, surdos, precisamos ter nas escolas.

Questiono aqui por que nas escolas de surdos não há intérpretes. Gostaria de frisar que o respeito à diferença do surdo não é um respeito só à educação do surdo, mas à pessoa surda.

A educação da pessoa surda está basicamente inserida no contexto da sua identidade como cidadã, porque a marginalização se dá quando a gente percebe que a inclusão não é realizada no seu sentido amplo. As metodologias não têm obedecido às nossas demandas. Segundo o conferencista que nos precedeu, a pessoa é cultura. Por isso, é importante que a pessoa surda conviva com sua comunidade, porque é lá dentro que ela vai se sentir um sujeito culturalmente identificado.



Maria Dolores da Cunha ***** (voltar)



Educadora especialista em Educação especial, Presidente da APAE de Belo Horizonte e Presidente do Conselho Estadual de Assistência Social.





Um ponto básico são os dilemas da inclusão. Todas as pessoas têm direito à

educação escolar, cujo objetivo central é a transmissão da cultura, a construção

do conhecimento e a preparação para o trabalho, para o início da cidadania. No entanto, vimos toda a tradução do que se chama exclusão em uma sociedade que não se faz justa e igualitária. E a obrigação central da escola é contribuir para a construção dessa sociedade. Não importa se é na escola especial do sistema regular de ensino, porque o sistema regular tem de ter uma educação formal e, ao se organizar enquanto sistema regular, pode ser que em alguns momentos a educação se faça especial para garantir o direito à educação. Na América Latina, segundo a última pesquisa da OPAS, só 2% de portadores de deficiência estão tendo acesso ao atendimento especializado necessário para o seu desenvolvimento. Então, quando falo em inclusão, estou propondo a questão do acesso à educação. O acesso, percurso e permanência na educação, muitas vezes com garantia de que esse processo aconteça, como vimos aqui no caso do palestrante anterior, Adolph Ratzka, da Suécia, que estava em uma instituição especializada. Nessa instituição especializada, ele teve acesso ao conhecimento e aprendeu a defender os seus direitos, a ter uma visão de mundo e uma visão crítica. Nem a escola especial nem a comum estão garantindo esse direito aos educandos. E me assusto quando Emília Ferreiro, na revista Presença Pedagógica (n. 14), pergunta se a questão da inclusão no Brasil, da forma como vem sendo discutida, sem as condições básicas para que todos os portadores de deficiência aprendam, está seguindo os modelos do México, da Espanha, da Argentina: a negação do acesso à educação enquanto aprendizado para os portadores de deficiência. Então, nessa realidade, ao discutir inclusão, discutimos que os portadores de deficiência que tiveram acesso ao conhecimento no Brasil, que tiveram percurso na educação, tenham condição de fazer o seu discurso e defender os seus direitos. Na história da educação especial, fomos nós, técnicos e especialistas da educação, que tivemos muitas vezes de nos apropriar do local da fala e tirar o local da fala dos portadores de deficiência. Então, na realidade, discutir inclusão é dizer que queremos universalização do ensino, com as condições necessárias, seja na escola comum, seja na escola especial, mas que aconteça aprendizagem.

Segundo ponto: queremos que a educação especial seja educação especial, porque temos um passado e uma tradição de domínio na área, incluindo questões terapêuticas. Como se todo portador de deficiência, só por ter uma deficiência, necessitasse de terapia. É tão interessante que não conseguimos até hoje responder educacionalmente e adequadamente a portadores de deficiência que têm o comprometimento acentuado. E o que estamos fazendo? Muitos deles, no seu direito subjetivo de matrícula, principalmente no ensino fundamental, estão tendo maioria nas escolas, a partir de um diagnóstico rotulante e eliminador. Mesmo na escola especial, eles têm acesso a 40 minutos de atendimento. Para as suas famílias, é dito que aquele menino, enquanto não passar por processos terapêuticos externos, não poderá freqüentar a escolaridade. Para ser inclusão, a educação especial terá de saber o que é educação especial. A escola especial deve saber que ela tem de trabalhar com processos educativos. E se nós tivermos a predominância das terapias, temos a obrigação de aprender o que é educação para ter acesso, ter curso e permanência, no contexto a que todas as pessoas têm direito. Nesse caminho, pergunto o que temos de fazer para transformar a educação especial num processo que seja sobretudo educacional e não terapêutico.





Paula Botelho (voltar)



Mestre em Educação pela UFMG, especialista em educação de surdos e professora de Terapia Ocupacional.



Do ponto de vista escolar, seja nas escolas regulares ou nas especiais, pouco ou nada se tem discutido a respeito do fato de que os sujeitos surdos, os sujeitos cegos ou portadores de outras deficiências também são mulheres ou homens, analfabetos ou letrados, negros ou brancos, pobres ou ricos. Enfim, todos os recortes da identidade do sujeito ou as múltiplas identidades vêm sendo ignoradas. No final das contas, tem-se uma mesma visão da surdez, da cegueira e das demais deficiências. Trabalhando com jovens e adultos surdos, tive recentemente a oportunidade de acompanhar o ponto de vista de um aluno meu, um caso seríssimo de homofobia, ou seja, um duplo estigma: um jovem surdo que, por ter uma preferência sexual determinada, tinha que ar-car com as conseqüências de ter uma família que o espancaria e uma escola que nem sempre receberia bem essa história ou que não seria talvez capaz de entender a implicação dessas conseqüências. Então, existem muitos recortes sociais que se têm ignorado. Ignora-se que essas pessoas, antes de serem surdas ou seja lá o que forem, pertencem a categorias sociais. Como a escola vem excluindo ou incluindo essas categorias sociais?

Recentemente, no mestrado, tive a oportunidade de pesquisar sujeitos surdos em contextos bastante variados. Mas tive a oportunidade também de ver sujeitos surdos em escolas regulares. Não vou entrar no mérito se são escolas inclusivas ou não, mas têm em comum com a proposta inclusiva o fato de estarem com outros cidadãos que não são surdos. Tive uma escuta desses surdos, de seus familiares e de seus professores. Fiquei muito impressionada com a história de sujeitos surdos em escolas com alunos ouvintes, às custas de muitos atos acobertados, dificuldades, inclusive fraudes, como acesso antecipado a provas. E isso sendo chamado de inclusão, de integração ou seja lá o que for. Então, é preciso ter uma escuta também do que se esconde por trás dos bastidores e nem sempre se está disposto a conversar quando se tem vontade de melhorar a situação educacional. Acho que todo mundo concorda que não é boa nossa situação educacional, seja para surdos, deficientes visuais ou para pessoas que não são surdas ou deficientes visuais.

Gostaria de discutir também um ponto muito frequentemente consensual, embora haja algumas oposições a esse suposto consenso. É um ponto fundamental, mas as próprias pessoas surdas, muitas vezes, não se dão conta dele e de suas implicações. Seria maravilhosa a oferta de língua de sinais nas escolas regulares como disciplina curricular. Hoje, no mundo, as pessoas são bilíngües, trilíngües, quadrilíngües. Elas funcionam melhor. Esse é um ponto que não se discute. O que quero discutir é se a escola inclusiva, no caso do surdo, está levando em consideração que, para adquirir leitura e escrita, não é possível reunir ao mesmo tempo fala e língua de sinais, numa prática que se chama português sinalizado ou prática bimodal. Mesmo que o professor da classe regular da escola inclusiva, ou seja de que escola for, tenha domínio completo da língua de sinais, ele não vai poder usar duas línguas concomitantemente. Várias pesquisas têm demonstrado que isso não é possível. E fica aqui um convite para que vocês possam olhar com mais cautela as práticas que se chamam bimodais e que vêm sendo propostas como alternativas para os sujeitos surdos estarem nas classes com outros alunos, ouvintes, cegos ou deficientes físicos. Diferentemente da situação dos outros alunos, não existe uma língua compartilhada, uma língua que circula na sala de aula. Imaginem irmos aprender geografia, nós, que falamos português, numa classe em que todo mundo fale inglês. Detalhe: somos ouvintes. Isso não vem sendo devidamente considerado do ponto de vista da extensão das conseqüências. Sem uma língua, como é que os surdos vão ter acesso aos bens e serviços socialmente disponíveis para os ditos normais? Essa é uma questão sobre a qual se deve refletir.

Na maioria das vezes, os surdos chegam à escola sem saber língua de sinais, sem língua oral e escrita. Não são poucos os casos de alunos que chegam às escolas regulares ou especiais nessa situação. Esse sujeito pode ser uma criança ou um adulto de 50 anos. Na maioria das vezes, usam fragmentos, rudimentos de uma língua. Não é de fato uma língua que se domine, que eu possa chegar e falar: “Olha, quero contar o que fiz nas férias”. Ele tem uma língua que possibilita fazer isso ou não? Então, precisamos examinar com calma as extensões das conseqüências disso.



Mesa-redonda

Saúde inclusiva









Ana Paula Teixeira do Rosário (voltar)



Psicóloga Clínica





Atanatologia é uma atividade embrionária em nosso meio e tem como escopo o estudo da morte, além de secundariamente prestar assistência aos pacientes com expectativa de vida limitada, aos familiares desses pacientes e aos profissionais da área de saúde. Numa concepção mais abrangente, busca ajudar as pessoas a compreender o processo da morte e do morrer.

Os conceitos e reflexões apresentados por Kübler-Ross (1969), cuja obra alcança três décadas, tornaram-se paradigmas freqüentes em todos os trabalhos que tratam da tanatologia.

Uma estranha sensação sempre invade aquele que tem que falar ou pensar sobre a perda. Nada se ensina sobre o perder, apenas sabe-se que se perde e que a perda que se sabe é a do outro; sua própria, nem pensar. Portanto, a consciência da doença fatal leva tempo.

Negar a morte é impossível. Mas pode-se negar o morrer quando o que se quer é estar vivo, custe o que custar. Assim, negar a negação da morte é superá-la pela compreensão... Negação.

A perda se apresenta, desde o início dos tempos, como fronteira. A raiva por ignorar o seu alcance como realidade pode ser o que traz consigo o castigo de amargar a sua inevitável consumação, sem ter a quem apelar... Raiva.

O verdadeiro problema encontra-se nas mãos dos que se deprimem com a vida e na morte vêem se a vida merece ou não ser vivida, querendo responder a uma questão fundamental... Depressão.

Não há troca, é tudo ou nada. A condição humana de amar abre caminhos que se trafegam com a alma. Na trajetória, acaba-se por aceitar a obra divina como a perfeita totalização da existência. Ou, do contrário, ao pó retornarás sem que mais nada seja considerado. Não há o que barganhar, a morte se impõe... Barganha.

De uma coisa apenas se tem certeza, da morte; é o que se destina a todos, de modo democrático, absoluto, como uma verdade, como a redenção do corpo e da alma. Aceitá-la não significa nada mais que, para alguma coisa, pelo menos, pode-se evoluir... Aceitação.



Juliana Meirelles Motta (voltar)



Psicanalista, Mestre em Psicologia, Professora Titular do Departamento de Enfermagem da PUC Minas, Enfermeira no Hospital-Dia do Instituto Raul Soares, Coordenadora do Centro Cultural da Fhemig



Areforma psiquiátrica construiu-se sobre os pressupostos fundamentais dos di-

reitos do doente mental à sua cidadania, sem impor-lhe a condição de que ele

deve primeiramente adaptar-se à prática coletiva. Ele possui direitos e é cidadão por si só, independentemente de sua condição clínica.

A reforma abordou o louco como cidadão, com toda a polêmica que essa premissa levanta, pois, até então, ele era considerado como um indivíduo “fora de sua razão”, “incapaz de responder pelos seus atos”, juridicamente “insano” e “inimputável”. Segundo Delgado, a reforma deixa de ter um caráter técnico-administrativo. Não se trata apenas de propor melhores condições de tratamento e um acesso aos serviços de saúde mental mais rápido e competente. Trata-se, agora, de se implantar uma nova estratégia para a transformação de todo o aparato do sistema de saúde mental. O que se faz necessário é desinstitucionalizar/desconstruir o manicômio e construir um novo cotidiano que ofereça uma outra forma de lidar com a loucura e o sofrimento psíquico.

A partir de então, os atores desse processo não são somente os técnicos pertencentes às equipes de saúde mental, mas também os familiares e a própria comunidade. O espaço da discussão sobre a loucura amplia-se: ultrapassa os muros dos hospícios e ocupa as cidades, as instituições e a vida dos cidadãos. Assim, seguindo a afirmação de Delgado, do lugar meramente técnico-administrativo da reforma, ela passa a constituir um dispositivo mais complicado, um enigma teórico, um imprevisível político.

A discussão a respeito da memorização dos serviços de saúde mental, sua qualidade e abrangência está contemplada no texto da reforma, mas a pergunta fundamental, na sua obrigatória especialidade, impõe-se soberana: que tipo de cidadão é o louco?

Não se está mais trabalhando com o homem da razão do projeto iluminista. Todas as práticas alternativas à instituição psiquiátrica clássica que tentaram medir a distância entre a loucura e o sujeito da razão não se sustentaram. Se essa mediação não é possível, é também impossível o preenchimento terapêutico do espaço entre a loucura e o homem da razão.

Birman comenta:

Desta maneira, qualquer reforma psiquiátrica radical tem que começar pelo reconhecimento desse paradoxo, que marca a relação da loucura com os pressupostos éticos da cultura ocidental. A reforma psiquiátrica e o reconhecimento da cidadania para os loucos implicam a constatação de que estes não têm qualquer dívida para com a nossa razão científica e tecnológica, de que não existe absolutamente nos loucos nenhuma falta a ser preenchida para se transformar em sujeitos da razão e da vontade.

Assim, surge o movimento da luta antimanicomial, que não se reduz à clínica e à terapêutica dos portadores de sofrimento psíquico, mas, sob muitos de seus aspectos, independe delas.

Trata-se de um movimento em prol da construção da cidadania, cujos militantes – técnicos ou usuários, loucos ou não – buscam fazer circular no tecido social as indagações e os impasses suscitados pelo convívio com a loucura. Esta proposta exige, por princípio, que tais questões possam ser abordadas numa linguagem que não pertença a qualquer teoria ou técnica “psi”– posto que a pertinência exclusiva dos assuntos da loucura ao mundo “psi” constitui justamente um dos modos principais de sua exclusão da cultura. (Lobosque, 1997)

A prática antimanicomial deve operar no sentido contrário ao da exclusão. O louco, enquanto cidadão, tem o direito de utilizar o espaço coletivo na sua plenitude, mesmo que esse usufruto seja exercido de uma maneira especial.

De um louco foucaultiano, privado da condição humana, fora do estatuto cartesiano da razão e do contrato social, passamos a um indivíduo singular, que fala, circula e tenta participar de uma vida social, mesmo delirando. De um tratamento exclusivo, violento, amordaçado da linguagem, passa-se à construção de espaços de criação e escuta, vida compartilhada e respeito. (Motta, 1998)

No seu interior, o movimento de desconstrução da lógica manicomial parte de um fundamento básico: é um projeto, uma causa, guiada pelo resgate da cidadania, historicamente negada aos usuários de saúde mental, que entendia a exclusão da subjetividade como dimensão decisiva de todo processo de exclusão da loucura. Daí a importância da construção de um trabalho clínico e de uma prática política em que a subjetividade seja levada em conta.

Finalizo este pequeno texto citando um belo dizer de Pedro Gabriel Delgado, por ocasião da publicação de seu livro A razão da tutela (1992):

O habitante da pólis tinha que transpor todos os dias um “muro invisível” que separava sua casa de escravos e mulheres do espaço da ética e da palavra, do domínio do público; a cidade é a grande utopia humana. Que território possível de cada homem e mulher, criança, índio, louco desenhará um mapa-múndi da cidadania, da ocupação da terra pelas projeções de cada sujeito, cristalizadas numa lenta construção de códigos compartilhados?

Da pólis sem social à cidade real ou futura, desterritorializada, a trajetória humana vai inscrevendo lei, liberdade, cultura, solidariedade, definindo a cidadania como imperativo ético. Na arquitetura coletivizada e impessoal dos grandes conjuntos habitacionais, como nas ruas e calçadas tornadas domicílios, circulam territórios de cada sujeito. Fora do mundo urbano, os índios brasileiros, expulsos de suas aldeias, falam de uma possibilidade misteriosa de conservarem sua moradia interna e simbólica, mesmo quando obrigados a viver em lugares estranhos e hostis. Conservar esta aldeia subjetiva lhes permitirá erguer novos te corás, protegendo-os da morte trágica e solitária sobre as árvores invadidas.



Referências bibliográficas

BIRMAN, Joel. A cidadania tresloucada. In: BEZERRA JUNIOR, B., AMARANTE, P. (Org.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1991.

DELGADO, Pedro G. As razões da tutela. Rio de Janeiro: Te Corá, 1992.

LOBOSQUE, Ana Marta. Princípios para uma clínica antimanicomial. São Paulo: Hucitec, 1997.



Luiz Cândido ***** da Silva (voltar)



Professor de Odontologia – PUC Minas.



Tenho a impressão e também a certeza de que a saúde oral do cidadão é muito

menos conhecida de vocês do que a saúde geral. O que é saúde oral de um pa-

ciente? A imagem que se tem de um paciente com algum problema oral é relacionada ao dente. Hoje, o paciente que tem algum problema na área maxilo-facial, tanto funcional como estético, é considerado um paciente doente. A cárie é uma doença, uma anomalia crânio-facial e pode ser proveniente de síndrome. No Brasil, quem tem acesso a atendimento odontológico de bom nível tem uma saúde oral de primeiríssimo mundo. Quem não tem acesso a esse serviço, ou seja, a grande maioria, tem a saúde oral de país de 4°, 5° mundo. Por que isso? Vivemos numa sociedade extremamente competitiva, que visa ao lucro. Quantos serviços de atenção odontológica vocês conhecem? Praticamente nenhum.

O paciente especial é um capítulo à parte dentro da odontologia. Temos todo tipo de paciente com necessidade especial, com necessidade de promoção de saúde oral.

A promoção de saúde oral em termos preventivos é extremamente barata. Com pequenas mudanças de dieta, participação da família no processo, fluoretação de água do abastecimento, uso inteligente do açúcar, visitas periódicas, consegue-se um paciente saudável. Mas e o paciente especial que não tem acesso nem a essas informações?

O que é paciente especial? De maneira clássica na odontologia, eles são divididos em pacientes com problemas de motricidade, com doenças sistêmicas crônicas, com problemas sensoriais, de visão, de audição. Todos esses pacientes têm necessidade de um tratamento odontológico de bom nível, preferencialmente preventivo.

Na Universidade Católica, atendemos crianças, formando, na infância, a saúde oral do adulto. Uma paciente, de nove anos de idade, tinha uma patologia gravíssima, fatal, chamada epidermose bolhosa. É um tipo de doença em que qualquer trauma fica praticamente uma chaga viva, o corpo inteiro, inclusive a cavidade oral. Essa paciente procurou uma entidade pública de atendimento odontológico e foi recusada sob a alegação de que não havia vaga. Essa criança nunca fora ao dentista. Iguais a ela, temos várias.

Como colocar esses pacientes dentro de uma sociedade inclusiva? O dentista, hoje, nas faculdades, é preparado para atender o paciente dito normal, que tem condições socioeconômicas para acesso a um dentista, a uma orientação, à promoção da saúde. O dentista não é preparado para atender paciente com nenhum tipo de necessidade especial. Então, como esse paciente pode ser colocado dentro de uma sociedade inclusiva? Nenhum desses pacientes sofre um processo de prevenção. A água fluoretada, quando têm acesso a ela, é o único processo de prevenção com que contam. Como dizer ao paciente excluído do ponto de vista social e econômico para não ingerir açúcar, quando a sua única fonte de energia, às vezes, é o açúcar? A falta de preparo das instituições, dos profissionais da área de saúde oral, para atender esses pacientes é a maior barreira e, contudo, o caminho pelo qual esses excluídos poderão ser colocados dentro de uma sociedade inclusiva.



Pedro Américo Marcos Aguiar (voltar)



Professor da Escola de Educação Física – UFMG.



Omeu tema aborda a questão da atividade física no contexto da educação para a saúde. Todos sabem que a atividade física provoca ou é capaz de provocar no organismo uma série de adaptações, tanto de ordem metabólica, quanto psicológica e social. Isso depende, logicamente, da intensidade, da duração, da freqüência e das características dessa estimulação.

Vejamos essa estimulação no contexto da educação para a saúde, educação para o tempo livre e educação para a vida em sociedade.

No contexto da educação para a saúde física, um primeiro aspecto a ser resgatado seria o do direito à prática da atividade física regular e bem orientada, criando-se o hábito de a pessoa manter-se ativa, provocando uma estimulação funcional nos sistemas cardiorrespiratório, muscular, ósseo e do metabolismo como um todo. Ou seja, promovendo-se a saúde, o bem-estar e prevenindo-se contra os males do sedentarismo.

No que se refere ao bem-estar psíquico promovido pela atividade física, seria uma forma de ocupação terapêutica em que o pensar e o fazer do indivíduo ficam dedicados a aspectos saudáveis de sua vida pessoal e a um convívio prazeroso, dando-lhe melhores condições para uma estabilidade emocional. Segundo algumas teorias, a produção de endorfina e de catecolamina pela atividade física dariam tanto sensações de bem-estar físico e emocional, quanto combateriam a depressão.

Além disso, pela atividade física procura-se detectar e trabalhar os potenciais das pessoas. É uma estratégia motivacional que busca em cada um dos portadores de necessidades especiais, não aquilo que ele tem como deficiente, não aquilo que está comprometido, mas centraliza as ações principalmente nos potenciais remanescentes dessa pessoa. E com isso se mobilizam energias tanto físicas quanto emocionais e uma predisposição para o convívio social, facilitando ao indivíduo sentir-se capacitado para aquela atividade.

A detecção e o desenvolvimento dos potenciais remanescentes é um ponto central para se atingir o bem-estar físico e psíquico, de maneira a contribuir para a saúde física e mental e para o convívio social. Ao mesmo tempo, é com isso que se procura trabalhar uma melhoria da auto-imagem da pessoa, a autoconfiança e a auto-estima. Procura-se também promover uma maior autonomia dos indivíduos, canalização da agressividade, desenvolvimento de um sentido de solidariedade e estimulação psicomotora, trabalhando-se coordenação motora, equilíbrio, maior tolerância à frustração etc. Faz-se ao mesmo tempo um resgate do direito à infância.

Quantos de nós conhecemos pessoas portadoras de necessidades especiais que não tiveram infância! Quando isso aconteceu, houve muitas vezes uma atenção à saúde física, mas não uma atenção à criança. A criança foi deixada de lado, enquanto se cuidava do doente. Então, a atividade física, em muitos casos, visa a resgatar o direito à infância, ainda que tardiamente.

No que se refere ao bem-estar social, a atividade física favorece o convívio social. Mas sabemos que a simples oportunidade de convívio social não é capaz por si só de proporcionar um bem-estar social. É lógico que isso implica também uma aprendizagem de normas de convívio social, reflexos, por exemplo, das regras esportivas, que por sua vez espelham as normas de convivência social. Poderíamos listar, entre outros, o conceito de responsabilidade, o respeito aos direitos dos colegas e das demais pessoas, a defesa dos próprios direitos pelas pessoas, a aprendizagem de formas lúdicas de convivência para o seu tempo livre. É interessante observar que, à medida que crianças que têm uma maior agressividade aprendem formas lúdicas de brincar, esse tempo livre é ocupado com brincadeira e menos com agressividade.

A atividade física teria a finalidade primordial de alterar conceitos arraigados na sociedade, como aquele que vê a deficiência como uma catástrofe. Esse catastrofismo fica muito arraigado em famílias, no ambiente de trabalho e nas religiões. Com base nessa catástrofe, vê-se uma incapacidade do indivíduo, uma impossibilidade de ele exercer os seus potenciais. A atividade física teria como finalidade ver essa deficiência, essa necessidade especial, não como uma catástrofe, mas como um desafio que pode e deve ser superado. O nosso investimento vai ser no sentido de capacitar essas pessoas para conseguirem superar esse desafio.

Vamos ver a atividade motora como uma forma de educação para a superação da crise emocional que normalmente acompanha um trauma provocado por uma deficiência ou uma necessidade especial. Se essa deficiência ou necessidade especial não puder ser superada ou for perene, a maneira como a própria pessoa ou a família a vêem pode ser alterada. Então, as nossas ações vão no sentido de capacitar essa família e essa pessoa para superar essa crise emocional no confronto difícil com a sua deficiência ou com a sua necessidade especial.

Com isso, acreditamos que o processo de inclusão dependa de alguns pressupostos. Um deles se refere à capacitação de recursos humanos. Este seminário promovido pela PUC vem sensibilizar a sociedade para o direito das pessoas portadoras de necessidades especiais e para a necessidade de que nos capacitemos, seja na área de educação, saúde ou laboral, para lidar com essa clientela especial e saibamos integrá-la na sociedade.

Por outro lado, o processo de inclusão implica também a divulgação dos potenciais remanescentes das pessoas portadoras de necessidades especiais, no sentido de reduzir o preconceito da sociedade em relação a elas, oportunizar o convívio, seja escolar, social, laboral, esportivo etc., garantir condições de segurança social, meios de sobrevivência para essas pessoas, atenção à saúde, garantia do emprego e adoção de políticas sociais que assegurem os direitos das pessoas portadoras de necessidades especiais.


No processo de inclusão, há três fatores de suma importância para essas pessoas: a garantia do trabalho, a garantia do convívio social e de uma vida afetiva também satisfatória.

Na oportunidade, ofereço à biblioteca da PUC um exemplar do meu livro O esporte na paraplegia e tetraplegia.



Marcos José Burle de Aguiar (voltar)



Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, coordenador do serviço de Genética do Hospital das Clínicas – UFMG





Relato de caso: paciente de oito meses de idade, com diagnóstico de síndrome de Apert, necessitando operação de crânio com urgência, com diagnóstico de oste omielite de crânio, tem os seus pedidos de internação e cirurgia negados pelo Convênio de Saúde. Justificativa: “Doença de caráter congênito segundo relatório médico, portanto sem cobertura nesta apólice”. Hoje, a maioria dos hospitais privados não realiza cirurgias pelo SUS. O que fazer?

Essa não é uma exceção. Nenhum convênio cobre doenças congênitas. A nova lei, que deve entrar em vigor no próximo ano, o fará. Será implementada? Será cumprida?

O paciente com deficiências físicas ou mentais é um paciente oneroso ao sistema. Nos Estados Unidos, existe o sistema denominado “Managed Care”, destinado a controlar gastos realizados pelos médicos conveniados. Existe uma tensão constante entre os médicos e esse sistema, devido ao controle sobre exames solicitados, tratamentos propostos e procedimentos realizados. O Brasil tenciona implantar esse sistema aqui.

Trabalho com Genética e minha principal clientela são os pacientes com anomalias congênitas e retardo mental. Como está a situação nessa área?

Já abordamos uma primeira dificuldade. Enumeraremos algumas outras:

• Marcar consulta na Genética: só em janeiro de 2000;

• Ultra-sons renais no hospital: estão suspensas as marcações e não se sabe quando serão liberadas;

• Vagas para cirurgias otorrinolaringológicas: fila de 2 anos.

Com os convênios e seus preços, a clientela do hospital está mudando. A classe média começa a ser seu usuário principal.

Os médicos não tiveram treinamento em Genética e freqüentemente não sabem o que fazer diante de um paciente com anomalias congênitas únicas ou múltiplas, retardo mental ou algumas doenças genéticas.

Essas dificuldades dizem respeito ao diagnóstico, tratamento, abordagem da família, aconselhamento genético, diagnóstico pré-natal etc.

Algumas vezes se negam até a atendê-los, após o diagnóstico dado, por desconhecimento da patologia, sua evolução e suas complicações.

Para quem trabalha com Genética, o principal problema é o retardo mental. A deficiência física é mais facilmente abordada e suportada por médicos e familiares.



Como lutar pela inclusão do deficiente mental e físico na sociedade?

Algumas propostas



Na área de saúde:

• Esclarecimento e formação dos médicos e profissionais de saúde sobre as anomalias congênitas, retardo mental e doenças genéticas.

Direito à saúde:

• Consultas;

• Exames;

• Tratamento especializado;

• Apoio emocional ao paciente e sua família;

• Estimulação;

• Direito à educação;

• Direito ao trabalho;

• Direito ao lazer;

• Direito ao ir e vir.





Limites da inclusão



O paciente com deficiências múltiplas e retardo mental é um paciente caro. O sistema de saúde está hierarquizado em função de custos/benefícios e do lucro.

Na globalização, a empresa que não compete fecha.

O indivíduo menos competitivo é desempregado e marginalizado.

Hoje, quase toda a África está marginalizada (50% da população infectada pelo vírus da AIDS).

Na América do Sul:

• Brasil com desemprego e marginalidade crescentes;

• Argentina com dificuldades de balança comercial e taxa recorde de desemprego em sua história;

• Paraguai sem dinheiro para pagar seus funcionários públicos;

• Chile com dificuldades em seu sistema previdenciário;

• Colômbia envolvida na crise do narcotráfico;

• Equador em grave crise econômica e sem condições de pagar sua dívida com o FMI.

Será a América do Sul o próximo continente a ser marginalizado?

Dúvida final: é possível uma sociedade inclusiva em uma economia globalizada?

Certeza final: é necessário lutar pela cidadania dos deficientes físicos e mentais em todos os níveis.



Maria Lúcia Pellegrinelli (voltar)



Fisioterapeuta



Aprincípio achei muito interessante o nome que demos a esta mesa: saúde inclusiva. Depois passei a considerar essa expressão um exagero, uma redundância.

O que tem a ver saúde com inclusão? O que vem a ser inclusão? Se procurarmos no dicionário o sentido da palavra, vamos ver que incluir é inserir, introduzir, conter em si, abranger, compreender. Sendo assim, vamos considerar esta história:

Os pais de uma menininha de três anos resolvem procurar uma escola para a filha freqüentar. O critério para a escolha é de que a escola tenha bons profissionais, ofereça um trabalho coerente com a educação que dão à filha e seja próxima ao local onde moram. No primeiro dia de aula, levam a criança, muitos satisfeitos, para a escola. Ao se aproximarem do portão, encontram pessoas em choque: a menina, portadora de Síndrome de Down, vem chegando toda feliz! Ao mesmo tempo, vêm chegando muitas outras crianças. Destaca-se, dentre todas, a de olhinhos espertos, puxadinhos. Todos olham pa-ra ela com um olhar chocado. Estão abobalhados com o atrevimento desse pai que matricula a menina numa escola regular, pasmos porque ele não disse que ela é sindrômica. Estão saudáveis as pessoas que trabalham nessa escola? Trabalha-se com saúde só nos consultórios, nos hospitais, nas clínicas? A confusão está feita. A simplicidade com que esses pais encaram a síndrome que a filha acidentalmente carrega vai de encontro ao preconceito, à opinião antecipadamente formada de que ela traz limites intransponíveis. Interessante é que esses pais se sentem (e são) cobrados por não terem o olhar viciado, o olhar acostumado a não dar crédito às possibilidades da filha. O fato de cobrarem da escola atitudes coerentes com a inclusão, ou seja – que a filha seja recebida como todos os outros – faz a direção dessa escola achar que são os pais que não enxergam os limites da filha. Ora, qual de nós não tem limites? O limite não é humano? E o fato de ele existir impede o crescimento, impede que possamos desenvolver nossas possibilidades? O que há de humanidade no fato de serem esses pais e essa menina e não qualquer outra família a experimentar essas situações difíceis, constrangedoras, em que se deparam muitas vezes com a indiferença ou a piedade? Se encontro a pessoa e escolho recebê-la e, além de tudo, se não faço seus problemas e dificuldades serem maiores do que ela, estou praticando uma troca: sou aquela pessoa que matricula sua filha na escola, sou o ser humano que vai feliz para seu primeiro dia de aula e se depara com o olhar assustado dos que me rejeitam. Sou essas pessoas pelo fato de escolher recebê-los como são, antes de tudo humanos – somos da mesma natureza. A escolha é que nos eleva à nossa condição humana. O que nos torna iguais é a acolhida, é ver-se no outro.

Parece que, por apresentar dificuldades evidentes (motora, mental, qualquer que seja), a pessoa é menor, menos gente, não vai poder encarar e aproveitar a vida. Vejo como um exercício e o chamo de exercício do respeito aprender a receber a pessoa como ela é, independentemente de qualquer coisa, incondicionalmente. Incluir é isso. Incluir não é colocar gente doente com gente saudável. É gente com gente. Isso é saúde.

Considero a inclusão um princípio, por ser primordial. Não vejo como é possível discutir integração nas escolas, no trabalho, na sociedade, enfim, se não recebemos de fato a pessoa. Integrá-la a qualquer ambiente, fazê-la moralmente aceita só é possível se estamos todos incluídos. Nesse sentido, a inclusão é anterior, é começo. Eu me aceito com minhas limitações e possibilidades e recebo o outro como ele é, com suas limitações e possibilidades. Não dá para incluir com jeitinho ou incluir mais ou menos. Na maioria das vezes, somos cobrados de que ser cidadão é cumprir o dever, a obrigação de suportar os deficientes. Mas entendo que, quando a gente se vê no dever de compreender, de conviver com os chamados deficientes, perde-se o direito de estar com eles, de partilhar, trocar experiências. No exercício do respeito, percebo o que poderia estar escondido pelo fato de a pessoa não ter tido chance de mostrar.

Muito freqüentemente, nós, profissionais, estamos à espera do cliente para uma primeira consulta e nos deparamos com um casal angustiado, que traz o filho como um pacote nas mãos. Entregam-nos esse pacote com um certo ar de alívio, de missão cumprida, pois estão fazendo sua parte: trazem para o tratamento, buscam o que dizem ser o mais adequado e isso os redime. Reabilitados, entregam o pacote. Nós o desembrulhamos, puxamos, entre as gavetas do conhecimento, a que traz o tratamento a ser executado com o fulano portador do problema x. Desenvolvemos técnicas para lidar com ele, para integrá-lo ao ambiente, queremos que se adapte à nossa condição e se conforme com a dele. Também sentimos um certo ar de dever cumprido após um tempo e aí o devolvemos, mal embrulhado, para novamente ser remexido por algum colega. Isto é saúde? Não creio. Saúde é exercer o direito de viver e conviver em toda e qualquer condição; é conservação da vida, é disposição. Ter saúde é ser capaz de suportar as adversidades e ultrapassá-las.

É muito simples incluir. Complicado é desprezar, não acolher, esboçar um sentimento de piedade, integrar falsamente essas pessoas como se fosse um favor estar com elas. A vida, para ser humana, implica inclusão. Aí, então, volto ao início, quando dizia da redundância da expressão “saúde inclusiva”, pois constato que inclusão é saúde.



Mesa-redonda

Inclusão no trabalho







Romeu Kasumi Sassaki

(voltar)



Coordenador do curso de especialização da Faculdade Paulista de Serviço Social, consultor de reabilitação e inclusão escolar





Quando me referir a pessoas com deficiência, gostaria de salientar que estou me

referindo a deficiências de todos os tipos, porque essa foi minha experiência. Trabalhei com todos os tipos de deficiência, em 39 anos de atuação como profissional nessa área. Ao longo desses anos, fui me modificando e me adaptando às mudanças de paradigmas. Hoje, estou em plena luta pela inclusão das pessoas com deficiência em vários setores da sociedade. Vou falar especificamente da inclusão no mercado de trabalho.

Sabemos que, nos últimos 20 anos, aumentou o número de empregos. As possibilidades no mercado de trabalho, hoje, são bem mais amplas do que há 20 anos e muito mais do que há 40 anos, quando comecei a colocar pessoas com qualquer tipo de deficiência no mercado de trabalho. Acontece que isso não é suficiente. Temos um grande número de pessoas fora do mercado de trabalho neste momento. Quando duas pessoas, uma com deficiência e outra sem deficiência concorrem a uma única vaga no mercado de trabalho, ambas plenamente qualificadas profissionalmente, a pessoa com deficiência vai ter pelo menos três vezes, em alguns casos até 10 vezes menos chance de obter esse emprego, devido a uma série de fatores que vamos abordar.

Para começar, alguns dados sobre essa parte negativa: 80% das pessoas com deficiência vivem em países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, e o grave é que 1/3 desses 80% são crianças, cujo futuro já podemos antever se não mudarmos o modelo de sociedade. Em alguns países, 90% das crianças não sobreviverão além dos 20 anos de idade. Infelizmente, isso também acontece no Brasil. A Organização Mundial de Saúde estima que 98% das pessoas com deficiência, em países como o Brasil, estão negligenciadas, ou seja, apenas 2% estão sendo atendidas pelos sistemas formais de educação, saúde e reabilitação.

Fazendo alguns estudos comparativos, descobri que o Brasil está um pouquinho melhor do que o índice de 2% estimado pela OMS; estamos atendendo 3%, que corresponderiam a várias faixas, dos 14 aos 60 anos de idade, ou seja, 65,9% de todas as pessoas com deficiência no Brasil. Apenas pouco mais de 300 mil pessoas, nessa faixa, estariam sendo atendidas.

Dos que estão sendo atendidos, nem todos vão para o mercado de trabalho, por uma série de falhas dos sistemas tradicionais. Já é ótimo ser atendido nos sistemas tradicionais de educação, saúde, reabilitação. Acontece que os sistemas não estão bons há muito tempo. Sempre houve uma série de barreiras, restrições, obstáculos que dificultam e até impedem que pessoas com deficiência, muitas delas, atinjam o seu objetivo escolar, objetivo acadêmico de modo geral, objetivo profissional, familiar etc. Esse contingente faz parte de um total de 16 milhões e 500 mil pessoas com deficiência no Brasil.

Entre os 97% restantes, há pessoas que não estão no sistema, que de alguma maneira vão levando a vida. Apenas algumas dessas pessoas com deficiências de qualquer tipo conseguem entrar no mercado de trabalho por méritos próprios, por uma série de circunstâncias individuais, até pessoais. Mas não estamos satisfeitos com isso. Não é suficiente que apenas algumas pessoas, por méritos e sacrifícios próprios, da família e de instituições, consigam esse lugar na sociedade. Essa proporção está muito aquém do desejado. O modelo que produziu esse resultado segue um modelo médico da deficiência, ou seja, um modelo que diz que a deficiência é um problema da pessoa que a tem. Basta consertar essa pessoa para ela ser aceita ou participar da sociedade de alguma maneira.

Esse modelo tira da sociedade qualquer responsabilidade no sentido de sua modificação e adequação às necessidades das pessoas que têm o direito de morar, viver e ser feliz nessa sociedade. Esse modelo médico acabou resultando em um paradigma que temos chamado, ao longo dos últimos 40 anos, de integração. Este foi o nosso discurso: vamos integrar a pessoa com deficiência na sociedade, vamos integrar essa pessoa, para começar na própria família, na escola. Fizemos isso durante 40 anos, outros o fazem há 50 anos. É o processo de preparação de pessoas com deficiência, já que o problema é delas, não é da sociedade, são elas que “estão erradas”. Então vamos fazer a preparação de pessoas com deficiências, a fim de que possam inserir-se numa sociedade despreparada para conviver com elas. Quer dizer, deixamos a sociedade mais ou menos como ela é, e fomos lutando, sempre através de reabilitação, escolas especiais, oficinas de trabalho e tantos outros recursos segregativos, segregacionistas e segregadores.

Fizemos um trabalho de preparação para depois dizer à sociedade: “Olha, essa pessoa já está pronta para entrar no mercado de trabalho, ela já fez isso, já fez aquilo, portanto é a sua vez de dar um emprego para ela, porque agora ela está preparada”. Fizemos esse discurso nesse tempo todo. Só que até então nós, especialistas, sem deficiência, técnicos, eu, no caso, comecei como assistente social, depois como colocador profissional, nós é que decidimos tudo.

Durante muito tempo isso foi feito, até que, na década de 80, exatamente no ano de 1980, várias associações mundiais de pessoas com deficiência se reuniram no Canadá durante o Congresso Mundial de Réabilitation Internationale e lá criaram a DPI, Disabled People International. No ano seguinte, lançaram uma declaração de princípios, colocando no papel o seguinte conceito: equiparação de oportunidades. Eles mesmos disseram que não basta a sociedade reconhecer os direitos das pessoas com deficiência. Pessoa com deficiência tem direito ao trabalho, só que não queremos trabalho segregado numa oficina protegida. Queremos trabalhar ao lado de outras pessoas, numa empresa aberta da comunidade. Por que não? Só porque temos deficiência? Ou porque nossa deficiência é muito comprometida e a empresa acha que não tem como acomodar aquela pessoa, não existe função para essa pessoa exercer? Ora, mude a estrutura, mude o recinto, mude a metodologia, mude a filosofia de trabalho dessa empresa. Assim ele vai conseguir trabalhar. A pessoa é a mesma, o sistema e a estrutura é que mudam.

Equiparação de oportunidades é o processo mediante o qual o sistema geral da sociedade, como meio físico, habitação, transporte, serviços sociais de saúde, oportunidades educacionais e de trabalho e a vida cultural e social, incluindo instalações esportivas e de recreação são feitos acessíveis para todos. Isso há 18 anos. Muito tempo. Isso teve uma influência muito grande, porque quem elaborou o novo modelo foram os próprios portadores de deficiência. Eles bolaram esse modelo social da deficiência, que desloca o foco do problema, da pessoa para a sociedade.

A deficiência é uma condição imposta pelo contexto social sobre as pessoas. Então é uma virada muito grande na maneira de ver a questão. No modelo médico, tínhamos também aquele olhar: vamos fazer as coisas pelo deficiente, porque ele é um coitado, precisa de ajuda, é infeliz, é inferior, é incapaz, então vamos dar uma mãozinha, vamos fazer-lhe um favor, para ajudar, para ele fazer parte da sociedade. No modelo social, a sociedade precisa eliminar suas barreiras físicas, programáticas e atitudinais, a fim de que as pessoas com deficiência possam ter acesso a serviços e bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional. A sociedade precisa adequar-se às necessidades de seus membros. Isso dito em consenso por toda a comunidade das pessoas com deficiência.

Desse modelo social, foi um passo para surgir o paradigma da inclusão social, o processo pelo qual a sociedade se adapta para incluir as pessoas até então marginalizadas, que procuram capacitar-se para participar da vida da sociedade. É um movimento simultâneo, duplo, de reciprocidade, de aliados, de parcerias e não mais de favor, de caridade, mas uma questão de direitos, uma questão até de justiça social, para que todos possam fazer parte da sociedade modificada.

Esses princípios se aplicam a todas as áreas de atividade humana. Escola é uma das que mais chama a atenção. Daí esse debate bastante generalizado no Brasil e no mundo inteiro sobre educação inclusiva. O meu tema é o trabalho, mas temos inclusão no esporte, lazer, recreação, transporte, mídia, artes etc.

Na área do trabalho, estamos começando a utilizar novas expressões e novos conceitos, como mão-de-obra inclusiva, locais de trabalho inclusivos, mercado de trabalho inclusivo, políticas trabalhistas inclusivas, abordagem inclusiva no trabalho, ou seja, tudo sobre o paradigma da inclusão, mudando realmente a maneira de entender o que é mão-de-obra, que inclui a pessoa com deficiência. Não mais naqueles termos de o empregador fazer o favor de dar emprego para o deficiente.

O paradigma da inclusão, processo de adequação da sociedade às necessidades de seus membros, refere-se não apenas às pessoas com deficiência. A nossa luta específica da deficiência junta-se agora à luta de todas as minorias, grupos excluídos, vulneráveis, por vários motivos que já conhecemos. Hoje a mídia divulga bastante isso. Quase todos os dias a luta dos grupos minoritários no Brasil está na televisão e no rádio. A inclusão é uma condição, um pré-requisito para que as pessoas possam desenvolver-se, exercer plenamente a sua cidadania. Na integração, exigia-se que o deficiente fosse capacitado, que se tornasse apto. Isso significa pagar ingresso para entrar na sociedade, provar primeiro que está capaz, pronto para fazer parte da sociedade ou conviver numa sociedade que não mudou.

Agora, aqui nós estamos dizendo que a sociedade tem que ir mudando, ao mesmo tempo que as pessoas vão se capacitando nessa sociedade e não antes. As pessoas com deficiência e outras pessoas têm o direito de desenvolver-se, ou seja, buscar a educação, buscar a profissionalização, o casamento, a vida social, a vida comunitária, qualquer atividade humana dentro da sociedade, exercer a cidadania. Não tem que provar nada, que são capazes de participar nem nada, não se exige essa cobrança para ele poder participar na sociedade.

Então no contexto da empresa nós temos a idéia da inclusão profissional, diferentemente da integração profissional. Na inclusão profissional o empregador adota a filosofia da inclusão social, revendo a política de admissão de pessoal. Eliminando barreiras físicas, sensibilizando todos os funcionários da empresa, atualizando descrição de cargos, etc. No tempo da integração a gente só conversava com recursos humanos, muitas vezes com o dono se a empresa era pequena e acertava lá o que um deficiente ia trabalhar na empresa e tudo bem, ele ia começar a trabalhar. Mas daí o que acontecia na empresa? Aqueles colegas, se já fossem mal intencionados, então já começaram a fazer brincadeira de mau gosto com o trabalhador colega deficiente, começaram a arrumar apelidos, a fazer humilhações.

Enfim, acontece isso muito quando não há um preparo indicando que, a partir daquele momento, agora a empresa está adotando a filosofia da inclusão e a pessoa com deficiência fará a sua parte no processo de inclusão social reabilitando-se, escolarizando-se, profissionalizando-se, enfim como qualquer um de nós faz sua preparação.

Então, rapidamente a diferença entre a integração e a inclusão no trabalho; no modelo integrativo, apenas algumas pessoas deficientes conseguem conviver com barreiras físicas, atitudinais e também programáticas da empresa. Porque a empresa não mudou nada, a empresa só falou você é deficiente mas está habilitado para exercer essa função nessa vaga que eu tenho, tudo bem, então pode começar a trabalhar, quer dizer não mudou nada, a pessoa com deficiência é que tem que ser capaz de conviver com essas barreiras.

Agora, no modelo inclusivo a empresa reduz ou elimina essas barreiras todas e possibilita a contratação de muitas pessoas deficientes e não deficientes que possuam necessidades especiais para trabalhar.

Vejamos com mais detalhes como a inclusão acontece no contexto do mercado de trabalho. Temos alguns princípios, como a celebração das diferenças. A empresa, o empregador e todos os participantes do contexto da organização empresarial começam a aprender as diferenças, por que aceitá-las, a vantagem e a razão disso.

Antes, no discurso da integração, falávamos em status de pertencer: a pessoa com deficiência precisaria primeiro adquirir o status de pertencer. Como é isso? É capacitando-se, fazendo reabilitação, fazendo educação, para tornar-se capaz de ser aceita pela sociedade, pelos padrões de normalidade da sociedade que são, aliás, bastante questionáveis. Agora, estamos falando que todas as pessoas têm o direito de pertencer à sociedade sem provar nada. Trata-se da valorização da diversidade humana em uma sociedade que se acostumou a considerar como diferente a pessoa com deficiência que deseja fazer parte de uma empresa onde nunca nenhum deficiente trabalhou. É como se todo mundo na empresa fosse um bloco homogêneo de gente igualzinha e, de repente, só aquela pessoa com deficiência que pretende entrar é diferente, vai atrapalhar a homogeneidade suposta daquela empresa.

A escola tradicional também age dessa forma. Se vai entrar uma pessoa com deficiência, é a única diferente, como se naquela classe as crianças que não têm deficiência fossem todas iguaizinhas, formando uma classe homogênea.

Então estamos valorizando muito a diversidade humana. Fala-se muito que devemos aceitar as diferenças individuais. Quais são elas? As diferenças individuais decorrem de idade, combinação única de inteligências múltiplas com estilos de aprendizagem, coisa que não havia no passado, temperamentos, aptidões e habilidades, interesses, compleição física, aspirações e sonhos, experiências de vida etc. As diferenças individuais, que são em grande número, devem ser aceitas como atributos de uma pessoa e não como fatores negativos, não como motivos que justifiquem a sua exclusão do meio supostamente homogêneo. Porque no meio homogêneo não existiriam essas diferenças.

É um absurdo, mas é assim que a sociedade age. No momento de entrar alguém diferente, defende-se a questão da homogeneidade, argumentando-se que a pessoa com deficiência vai quebrá-la. “Não sei trabalhar com essa criança deficiente, só sei trabalhar com gente que não tem deficiência, que é igualzinho. Com esse igualzinho sei trabalhar; agora, com esse que vai entrar eu não sei trabalhar”. Que isso não seja motivo de exclusão, de destinar essa pessoa para algum sistema paralelo, exclusivo, segregado só para pessoas consideradas diferentes dessa grande maioria que a sociedade insiste em achar que são todos iguaizinhos. Diversidade humana é um fato numa sociedade plural. Compõem essa diversidade todos os segmentos populacionais representados por etnias, raças, nacionalidades, naturalidades, culturas, regiões socioeconômicas, distúrbios orgânicos, deficiências físicas, sensoriais, mentais, múltiplas, psiquiátricas e assim por diante; você pode acrescentar várias outras pessoas nessa diversidade humana. Trata-se de um fato que as empresas modernas hoje estão aceitando, reconhecendo e achando que é um fator positivo. É falsa essa idéia moderna de que na minha empresa não trabalham pessoas diferentes, trabalham só pessoas iguais. Essa seria uma idéia, uma visão errada nos dias de hoje. A Associação Paulista de Administração de Recursos Humanos escreveu no jornal uma matéria sobre diversidade no mundo do trabalho, mostrando preocupação com a igualdade de oportunidades para raças, gêneros e portadores de deficiência. Empresas que levam isso em conta são mais competitivas e lucrativas. Grande descoberta. Esse é o nosso caminho. Muitos têm medo da globalização econômica. Mas também existe a globalização informacional, a globalização tecnológica, uma série de outros tipos de globalização que estão propiciando à nossa clientela mais espaço, mais perspectivas de fazer parte do mercado de trabalho. Com toda essa fila de desempregados no Brasil, as pessoas com deficiência que têm acesso a atendimento atualizado, principalmente na linha de vida independente e inclusão social, possuem chances muito maiores do que os próprios desempregados sem deficiência que estão nessa fila enorme.

Cada vez mais as empresas estão voltadas para a diversidade humana. Essa tendência é o nosso caminho para a sociedade inclusiva. Sociedade inclusiva não é uma utopia para o ano 3000. Não. Uma sociedade inclusiva garante seu espaço nos sistemas sociais gerais para todas as pessoas. Isso já está acontecendo, não só em várias partes do mundo, mas também no Brasil. Não no Brasil inteiro, mas em partes do Brasil algumas pessoas, entidades e empresas já estão trabalhando na construção de uma sociedade inclusiva.

Uma sociedade inclusiva fortalece as atitudes de aceitação das diferenças individuais, de valorização da diversidade humana. Enfatiza a importância do pertencer, da convivência, da cooperação. Temos vários sinais de que a sociedade está se tornando inclusiva. A sociedade inclusiva é um projeto que a Organização das Nações Unidas aprovou, pela Resolução 45/91, de 90, definindo que de 91 até 2010 o conceito de inclusão seria implementado em toda a sociedade no mundo inteiro. A Resolução 45/91 diz o seguinte: “A Assembléia geral solicita ao secretário geral da ONU uma mudança no foco do programa das Nações Unidas sobre deficiência, passando da conscientização para a ação, com o propósito de se concluir com êxito uma sociedade para todos por volta do ano 2010”.


Existem barreiras entre a empresa e o trabalhador com deficiência nos locais de trabalho, no trajeto de e para o trabalho. Existem barreiras no próprio trabalhador com deficiência, barreiras pessoais, familiares, educacionais, profissionais. Temos atitudes em relação a pessoas com deficiência que são prejudiciais a essa nova ordem social. No passado, quando a pessoa com deficiência tinha essa característica de se submeter à vontade dos outros, principalmente pessoas sem deficiência, a família e a instituição decidiam por ela. No futuro, decidem com a pessoa e/ou a própria pessoa decide.

Outra coisa importante: a instituição prepara a pessoa para o despreparo do mercado de trabalho. Fizemos isso durante muito tempo achando que estaríamos solucionando. A solução veio só para algumas pessoas. Agora estamos preparando a pessoa e o mercado de trabalho mutuamente. Tem que haver uma preparação de um para o outro, sem unilateralidade. Tudo isso exige mudanças institucionais nas empresas, nas entidades sociais que atendem pessoas com deficiência e outros setores da sociedade. Que mudanças? Primeiro, aderir aos movimentos de inclusão social e de vida independente, ajudar a comunidade a tornar-se acolhedora para todos. Que não haja motivos para excluir ninguém. E, principalmente, considerar seus usuários como cidadãos com direito a ter mais autonomia física e social, mais independência para tomarem decisões e mais espaço para praticarem o empoderamento.

Autonomia é condição de domínio no ambiente físico e/ou social. É preciso que a sociedade faça a sua parte, diminuindo barreiras físicas e atitudinais, para que a autonomia que a pessoa com deficiência já tem ou pretenda ter seja maior. Estamos utilizando a palavra independência ou faculdade de decidir sem depender de outras pessoas. Por que a sociedade inclusiva é possível? Porque agora não estamos fazendo as coisas pelo deficiente, por uma outra pessoa que esteja excluída. Hoje estamos fazendo com que as próprias pessoas tomem parte ativa na construção dessa nova sociedade. É por isso que a coisa está dando certo. Nós, professores, especialistas e técnicos, estamos mudando o mundo, junto com as próprias pessoas que estão podendo ter autonomia social e física, independência e empoderamento, processo pelo qual a pessoa utiliza poder pessoal e inerente à sua condição para fazer escolhas, decidir por si mesma e assumir o controle de sua vida.

Existem outros conceitos importantes como autodeterminação e autodefesa. Estão surgindo muitos livros sobre inclusão, tanto na área escolar, como na do mercado de trabalho, na saúde, na mídia e tudo mais.

Está sendo feita uma pesquisa mundial pela Inclusion International, que abriu vários grupos de trabalho, um dos quais sobre emprego inclusivo, emprego que se dá em empresas inclusivas. É eticamente correto incluir pessoas com deficiência na mão-de-obra geral. Mão-de-obra da pessoa deficiente é tão produtiva quanto a de empregados não deficientes. Mas há queixas em relação às pessoas com deficiência na área de profissionalização e colocação, como a de que algumas pessoas com deficiência são muito comprometidas, têm dificuldade de aprendizagem de uma profissão ou ocupação, não vão conseguir aprender nada, portanto, não vão ter empregos. Com a inclusão, isso está mudando, porque mudamos o nosso conceito de aprendizagem e daquilo que leva as pessoas a aprender. As próprias pessoas constroem o saber. A nova abordagem é a da cooperação e colaboração, que promovem a ajuda mútua, o respeito mútuo, a aceitação das limitações e das capacidades de cada pessoa, construindo assim cidadãos tolerantes e não preconceituosos, abertos, acolhedores. Isso não só por parte de quem não é deficiente em relação à pessoa que tem deficiência. Sabemos que, na profissionalização, todos podem aprender. Até aquelas pessoas que, segundo o modelo de integração, tinham dificuldade de aprender ou não aprendiam nada. Temos a seguinte posição: todos poderão aprender se acolhermos os diferentes estilos de aprendizagem e as inteligências múltiplas de cada um. É incrível como nós, professores de escola e professores de formação profissional, temos utilizado apenas dois canais de aprendizagem, o estilo visual e o auditivo. Existem tantos outros estilos, como o cinestésico, o artístico e a combinação de todos eles. As pessoas que anteriormente não podiam aprender pelo estilo visual ou auditivo, estão aprendendo por outros estilos.

Segundo a teoria das inteligências múltiplas, todos nós temos sete, oito, até dez inteligências e cada um de nós é uma combinação única de dois ou três tipos de inteligência mais desenvolvidos, através dos quais podemos entender, aprender, produzir, expressar, enfim, fazer parte da sociedade, junto com os outros. Não há aquela diferença: “Ah! ele não sabe falar, não sabe rir, não sabe escrever, não sabe correr, tem dificuldade”. Essas diferenças não são problema, porque temos vários tipos de inteligência.

Esta frase de Confúcio, milenar, parece que foi escrita hoje: “Diga-me, eu esquecerei, mostre-me, eu me lembrarei, envolva-me e eu entenderei”. Quem diz espera que o outro aprenda só pelo estilo auditivo. E quem mostra espera que o outro aprenda pelo estilo visual. Temos praticado muito essas coisas de dizer, mostrar, querer que o outro aprenda. Na inclusão, pretende-se envolver a pessoa. Isso significa envolver o potencial, as habilidades, as inteligências múltiplas, os estilos de aprendizagem e as experiências de vida da pessoa, cada uma à sua maneira, diferente das outras.

Percorri rapidamente todo um percurso histórico que começou com a exclusão social, passou pela segregação institucional, foi para a integração social, chegou na inclusão social. No futuro, estamos partindo para a sociedade inclusiva. Todo esse desafio da inclusão, no caso específico do mercado de trabalho, da mudança da empresa para acomodar e fazer com que pessoas em vários tipos de situações possam trabalhar, é muito mais uma questão de atitude. A questão fundamental é a atitude. Se é algo que você deseja fazer, você começa a procurar meios de consegui-lo. Se é algo que você não deseja fazer, você começa a procurar desculpas para não fazê-lo. Assim está a nossa sociedade

2006-12-10 07:21:45 · answer #5 · answered by Anonymous · 0 1

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