Linguagem e Persuasão
(Adilson Citelli)
Um texto publicitário (e vamos aqui, na medida do possível, abstrair o aspecto fotográfico que comumente acompanha as peças verbais) pode tender à busca de uma originalidade instigante, como se verifica em certos anúncios da Calvin Klein, ou seguir uma direção oposta, repetindo esquemas estereotipados, feitos em menor grau de originalidade a exemplo das campanhas de sabão em pó.
Pode-se produzir um anúncio aparentemente rompedor de certas normas preestabelecidas, causando um forte impacto no receptor através de mecanismos de "estranhamento", situações 'incômodas", que levam, muitas vezes, à indagação ou à pura indignação. Particularmente em um momento em ue se opera uma certa redemocratização da sociedade brasileira é possível à publicidade mexer com tabus como o do homossexualismo, do complexo de Édipo, temas esses que provocam incômodo em boa parte dos receptores. Talvez por isso mesmo consigam se firmar persuasivamente.
É evidente que ao lado dois anúncios mais ousados, até mesmo inovadores, em alguns casos, convive uma imensa maré de lugares-comuns, banalidades como a de colocar um atleta para vender vitamina, um aparente dentista para divulgar certa pasta dental, um bem-sucedido empresário para recomendar determinada corretora de valores. Não deixam de ter esses casos, igualmente, força persuasiva.
O texto publicitário nasce na conjunção de vário0s fatores, quer psico-sociais-econômicos, quer do uso daquele enorme conjunto de efeitos retóricos aos quais não faltam as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os raciocínios.
Por exemplo:
"Nove entre dez estrelas de cinema usam Lux".
1. O slogan está formado de sete palavras gramaticais (deixa-se de lado preposições ou conectivos). Um bom slogan tem entre quatro e sete palavras gramaticais; logo, o nosso exemplo seria, tecnicamente, de "bom tamanho".
2. O raciocínio é o mais formal possível. Trata-se de um silogismo (forma de raciocínio que passa por três fases: premissa maior, premissa menor e conclusão):
Premissa maior: As mais belas mulheres (do cinema) usam Lux.
Premissa menor: Você é (ou quer ser) uma bela mulher.
Conclusão: Você deve usar Lux (assim será tão bela como as famosas atrizes).
3. Uso de figuras de retórica. Existem duas figuras prioritárias: a comparação e a hipérbole. Através da primeira se relaciona a inatingível estrela à mulher comum; com a segunda se comete um exagero respeitável (nove entre dez, usam Lux!).
4. O slogan se abre para duas realidades de forte pressão psicossocial:
Exclusão. Ninguém deseja ser socialmente excluído. Estar em companhia da única feia (a que não usa Lux) é uma situação um tanto desagradável.
Símbolo. Vivemos em um mundo que não gosta d o feio. Ainda que não saibamos muito bem o que vem a ser tal categoria estética, a simples palavra já nos atemoriza. Ser belo é o mesmo que estar estigmatizado pelo sucesso e pelo triunfo. O convite à beleza soa como obrigação.
Passemos a um outro exemplo. A Merril Moura Brasil fez o relançamento nacional do Cepacol. O produto que, originalmente tinha licença para ser vendido como produto farmacêutico, passou, posteriormente, a ser comercializado também nos supermercados. O sucesso da campanha foi enorme e as vendas do Cepacol aumentaram enormemente. Vale lembrar que a agência responsável pela elaboração da nova imagem do produto, a Caio Domingues & Associados, criou uma personagem, o Bond Boca, que passou então a viver intensas aventuras na televisão e ocupar espaços em outdoors e páginas de jornais e revistas de todo o País.
1. Configuração do tipo.
Queixo largo, boca grande, cara de mocinho recém-saído do banho, ágil e sempre bem-sucedido com as mulheres.
2. Situações.
A detetivesca figura é inspirada no célebre agente inglês criado por Ian Fleming, James Bond. Como são ambos filhos de uma mesma idéia, a de combater inimigos, põem-se a campo: James ataca o Dr. No, os agentes soviéticos, vilões de toda, ordem, desejosos de destruir o império de sua majestade e a democracia ocidental; Boca age contra o Gargantão, o Zé Cariado, o Bafo-Bafo, todos capazes de contaminara estabilidade do sistema bucal.
3. Repertório.
O universo vocabular é muito simples, expressões fortes como combate e inimigo ajudam no sentido de uma rápida fixação por parte dos receptores.
4. Figuras.
As figuras de sons: aliteração (repetição de consoantes) e assonância (repetição de vogais) são aquelas mais significativas na campanha do Cepacol. O jogo sonoro Bond/Boca cria um sentido eufônico que produz uma nova significação: "o bom de boca". O movimentro repetitivo BONdBOca acentua a "explosividade" do nome.
5. Contextualizações.
Os elementos arrolados acima convergem para certas conotações que se encontram no eixo combate/triunfo. Ou seja, Bond Boca descobre uma nova arma para vencer seus inimigos: Cepacol. O resultado da vitória é o aumento do prestígio social do "agente bucal", particularmente junto às mulheres. Como todo vencedor leva as batatas, cabe a Bond Boca a ritualização dos que têm prestígio. No entanto, há que se notar onde o foco da campanha está situado. O que interessa não é propriamente o super-agente Bond Boca, senão a sua arma, aquilo que o diferencia dos demais. Cepacol retira o nosso herói do lugar-comum. O herói da estória passa do sujeito para o produto.
Desnecessário relembrar que a persuasão foi sendo construída na encruzilhada entre os recursos lingüísticos e a exploração das representações socialmente incorporadas pelos indivíduos.
6. Tipificações.
O texto publicitário do Cepacol é persuasivo e autoritário, podendo ser tipificado dentro daquelas categorias formuladas por Courdesses:
Distância. O sujeito falante é exclusivo, ainda que, nesse caso, seja possível falar em dois sujeitos: aquele que fez o slogan e a própria personagem que diz o texto. Não cabe aqui delongar o assunto, consideremos para os nossos efeitos que o sujeito seja Bond Boca. Note, a partir disso, como criarmos a impressão de que o sujeito parece sobrelevar-se ao produto. Afinal, quem nos é simpático é o Bond Boca. É claro também que isso é apenas uma outra estratégia para assegurar a fixação da marca do Cepacol.
Modificação. Presença de imperativos (combate), da paráfrase (a campanha é decalcada no agente 007).
Tensão. É um eu impositivo; o receptor não pode responder, está condenado a ser ouvinte.
Transparência. O enunciado é de fácil absorção, trata do tema de um modo agradável a ponto de não provocar dúvidas quanto ao que está sendo enunciado.
Esquemas básicos
Em um livro clássico, Técnicas de Persuasão, J. A. C. Brown insiste em que a propaganda, ou a publicidade, usa alguns esquemas básicos a fim de obter o convencimento dos receptores.
O uso dos estereótipos. São esquemas, fórmulas já consagradas. por exemplo, um sujeito bem vestido, limpo, de boa aparência, remete a uma certa idéia de honestidade, modelo a ser seguido. Ela tende a "convencer pela aparência". Daí o estereótipo do pobre, do rico. Fórmulas lingüísticas aparecem comumente no discurso persuasivo: o "preclaro senhor", "o dever do filho [é obedecer aos pais", "a família que reza unida permanece unida", "sem ordem não haverá progresso" etc. A grande característica do estereótipo é que ele impede qualquer questionamento acerca do que está sendo enunciado, visto ser algo de domínio público, uma "verdade 'consagrada.
A substituição de nomes. Mudam-se termos com o intuito de influenciar positiva ou negativamente certas situações. Assim,, em vez de falar que o capitalismo vai mal, o sujeito diz que é preciso reaquecer a livre iniciativa. Os comunistas viram os vermelhos; o goleiro no campo de futebol, o frangueiro. Os eufenismos se prestammuito bem como exemplificação deste caso.
Criação de inimigos. O discurso persuasivo costuma criar inimigos mais ou menos imagináveis. A publicidade do Cepacol revela muito bem esta questão. O sabão em pó se justifica contra algo: a sujeira. o político que deseja substituir o outro alega ineficácia (combater tal inimigo implicará mudança de administrador).
Apelo à autoridade. É o chamamento a alguém que valide o que está sendo afirmado. As citações de especialistas em determinadas dissertações, o uso que a publicidade faz do dentista, do médico, do atleta, para tornar "mais real" a mensagem, são exemplos inequívocos.
Afirmação e repetição. São dois importantes esquemas pelo discurso persuasivo. no primeiro caso, a certeza, o imperativo: a dúvida e a vacilação são inimigas da persuasão. No segundo caso, repetir significa a possibilidade de aceitação pela constância reiterativa. Goebbels, o teórico da propaganda nazista, apregoava que uma mentira repetida muitas vezes era mais eficaz do que a verdade dita uma única vez.
Espero que tenha te ajudado...bj...
2006-11-29 03:05:55
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answer #1
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answered by eu Amabile 7
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Linguagem e Persuasão
CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão.
3ª ed. São Paulo. Editora Ãtica, 1988.
Podemos partir do princÃpio de que a persuasão e o discurso são elementos que diferem apenas teoricamente, pois na prática funcionam como um todo indivisÃvel. Para ilustrar esta proposição, podemos tomar de emprestado o exemplo de Saussure, que Ullmann utiliza para defender a indivisibilidade do som e do sentido da palavra, e aplicá-lo ao contexto persuasivo do discurso, comparando-o com uma folha de papel, cujo um lado representaria o discurso e o outro a persuasão, impossibilitando o corte de apenas um dos lados sem a mutilação do outro.
A persuasão (per + suadere = aconselhar) possui raÃzes clássicas, o estudo e o aprimoramento do discurso têm origem na Grécia Antiga que cultivava a democracia. As decisões não eram portanto impostas, necessitando de convencer as pessoas da validade delas utilizou-se o discurso persuasivo, surgindo assim a retórica – "modo de constituir as palavras visando a convencer o receptor acerca de dada verdade." Na Arte Retórica, Aristóteles propõe algumas etapas básicas para a confecção dos discursos persuasivos, são elas: exórdio (introdução), narração (argumentação), provas (elementos em que baseia-se argumentação), peroração (conclusão). A retórica sofre um esvaziamento quando é utilizada apenas para efeito embelezador do discurso, como nos bailes de Quinze Anos e Bodas, esta corrente ganhou popularidade também com o Parnasianismo no século XIX. Já com a retórica moderna, o estudo das figuras de linguagem e das técnicas de argumentação são as caracterÃsticas mais enfatizadas.
Investigando o mundo clássico, verifica-se a existência de raciocÃnios discursivos, como o raciocÃnio apodÃtico (verdade inquestionável), o raciocÃnio dialético (permite mais de uma conclusão proporcionando uma aparente abertura do discurso, sendo esta opção de escolha ilusória), o raciocÃnio retórico (difere do dialético somente porque, na escolha, apela para o lado emotivo, enquanto o outro apela para o lado racional). As figuras de retórica mais utilizadas são a metáfora, que abarca os processos de transferência ou transposição e associação, e a metonÃmia, que caracteriza-se por usar um termo em lugar de outro: o todo pela parte, o contingente pelo conteúdo, o autor pela obra.
O estudo do signo lingüÃstico contribui para a análise do discurso persuasivo, verificando o seu desdobramento em significante e significado, deduz-se que o signo é arbitrário e simbólico. O estudo das ideologias converge com o estudo dos signos, já que o signo tem a capacidade de representar as idéias constituintes da ideologia. Como exemplo, temos a bandeira da antiga URSS, trazendo a foice e o martelo que revelam a união dos trabalhadores do campo e da cidade para construção de uma nação igualitária condizente com a ideologia socialista.
Encontramos o discurso persuasivo embutido de forma mascarada no discurso dominante e no discurso autorizado, que são proferidos pelas instituições como o judiciário, a igreja, a escola, as forças militares etc, revelando o mundo de forma maniqueÃsta, dividindo-o em bem e mal, certo e errado, verdade e mentira. Dessa forma são sufocados os questionamentos e a livre escolha, já que isto implicaria num posicionamento. Exemplo: o uso da maconha é proibido por lei e implica numa punição. Se o indivÃduo faz uso da droga e a lei não toma conhecimento, ele não é punido pelo Estado, mas sofre uma exclusão social por parte das pessoas que convivem na mesma sociedade e estão de acordo com a lei. Ou seja, a cultura que dita as verdades, aprisiona os indivÃduos através da persuasão e da ilusão da existência de uma verdade única. As instituições fazem uso do discurso para afirmar o poder.
O discurso pode ser seccionado em três modos organizacionais, sendo eles: o discurso lúdico (jogo), que contém uma persuasão moderada não utilizando a forma verbal imperativa e não propondo uma verdade única; o discurso polêmico, que produz uma atmosfera de instigação; o discurso autoritário, propriamente persuasivo enclausurando a verdade de um único ponto de vista não admitindo questionamentos. Para melhor entendimento do discurso persuasivo, propõe-se a análise de alguns elementos: distância, exclusividade do sujeito que fala; modalização, uso do imperativo e da paráfrase; tensão, o falante domina e não permite a abertura de questionamentos; transparência, clareza da mensagem veiculada.
A persuasão pode ser verificada em vários discursos como o publicitário, cuja as análises de propagandas nos permitem visualizar; o religioso, onde as orações e as passagens bÃblicas nos são bem ilustrativas; o do livro didático, que traz o perfeito esquema da sociedade, como a famÃlia constituÃda por todos os seus membros que convivem harmoniosamente; na literatura, onde o narrador nos revela a sua visão do mundo e dos acontecimentos; o dos justiceiros, como os programas de Gil Gomes e os jornais como NotÃcias Populares, que trazem o inusitado da vida e por transgredirem fascinam boa parcela da população.
Ao final, verificamos a validade da leitura do texto não só como acréscimo nos nossos estudos semânticos, verificando as múltiplas facetas que adquire o vocábulo enquanto operário da empresa do discurso, mas também como um alerta de que a persuasão existe, de forma gritante nos out-doors espalhados pela cidade, nos já conhecidos e familiares discursos polÃticos que acentuam-se em véspera de eleição, mas principalmente nas entrelinhas onde, mascarada, exerce de forma perigosa o seu objetivo de convencer e corromper.
2006-11-29 06:37:59
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answer #2
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answered by Anonymous
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