Se você procurar a palavra “tetracampeão” na mais recente edição do Dicionário Houaiss da LÃngua Portuguesa, irá encontrar a seguinte definição: “Diz-se de ou indivÃduo, time, clube etc. que é campeão quatro vezes consecutivas”. Na seqüência dessa mesma explicação, no entanto, até o dicionário acaba entregando os pontos: “Uso não raro, emprega-se a designação também quando as quatro vezes não são consecutivas”.
Trata-se, portanto, de um hábito disseminado, por conta do qual até os dicionários tiveram que ser alterados. No entanto (e assumo desde já que isso pode parecer implicância de quem torce por outro time), quanto mais o São Paulo se aproxima da conquista de seu quarto tÃtulo de campeão brasileiro mais o uso indiscriminado da expressão “tetra” me incomoda.
Não porque seja o São Paulo, que ao longo da temporada apresentou méritos suficientes para justificar esse ou qualquer outro tÃtulo que fosse: penta, hexa, hepta, octa, enea, deca... A questão nem é nova — aconteceu, a bem da verdade, também no ano passado, com o Corinthians. Mas nasceu muito antes disso. Foi quando, depois de faturar a Copa do Mundo em 1958 e 1962, fracassar em 1966 e reconquistá-la em 1970, a Seleção Brasileira deu-se o direito de se considerar tricampeã, mesmo que de maneira intercalada. Já foi também tetra, após uma estiagem de 24 (!) anos, e penta, com mais um Mundial perdido no currÃculo entre as vitórias nos Estados Unidos, em 1994, e na Coréia/Japão, em 2002. Em 2006, quando fracassou novamente, o Brasil buscava chegar ao hexa... com um bi!
Até por conta de, nesse caso, tratar-se de uma unanimidade nacional, pouca gente contestou. Então, a partir disso, os campeões principalmente do Brasileiro também passaram a se considerar “bi” (Grêmio, dentro de um perÃodo de 15 anos, em 1981 e 1996), “tri” (Inter, em 1975/76 e 1979, e o próprio São Paulo, em 1977, 1986 e 1991), “tetra” (Palmeiras, com dois bis em 20 anos de distância, em 1972/73 e 1993/94; Vasco, em dezesseis anos, em 1974, 1989, 1997 e 2000; e Corinthians, em quinze temporadas: 1990, 1998, 1999 e 2005) e até “pentacampeões” (Flamengo, em 1980, 1982/83, 1987, como vencedor da Copa União, e 1992), ainda que todos de forma intercalada.
O que se discute aqui não é somente o direito de o São Paulo considerar-se tetra ou não, mas essa questão como um todo. Tetracampeão brasileiro, no duro, daqueles que ganharam tudo de cabo a rabo, como pedia a definição dos dicionários em sua versão original, na verdade não existe nenhum. Nem mesmo tri. E ainda os bicampeões são raros: restringem-se ao Inter (em 1975/76), ao Flamengo (1982/83), ao Corinthians (em 1998/99) e ao Palmeiras (este duas vezes, em 1972/73 e 1993/94).
Por que em termos de campeonatos estaduais, por exemplo, nunca ninguém jamais pensou nesse assunto, em ampliar os bis, tris, tetras e pentacampeonatos para além dos anos seguidos? Senão, o que seriam, a essa altura, o ABC, no Rio Grande do Norte, e o Bahia, na Bahia, recordistas de seus respectivos estaduais com mais de 40 tÃtulos caseiros cada um? “Tetradecacampeões”, por acaso?
Talvez tudo isso tenha me ocorrido com mais força somente agora porque o São Paulo, entre todos esses clubes, deverá ser aquele que mais tempo levou para construir seu tetra, com um tÃtulo ganho em cada década. Soa-me estranho, portanto, reivindicar um tetracampeonato iniciado quase trinta anos antes. Lembra-me meu velho avô (que, aliás, era são-paulino e sobreviveu para, aos 80 anos, vibrar muito com a primeira campanha desse “tetra”, a de 1977). “Onde isso vai parar?”, diria ele.
2006-11-20 15:26:49
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answer #8
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answered by Geo-cwb 2
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