Daniele boa tarde, bem pela sua pergunta acredito ser uma pessoa bonita, preocupada com o que sutil!
Bem, vamos lá;
Entendo que não existe certo é errado, tudo trata-se de uma opção, opção esta que te custará um preço, então vc estará cada vez mais seguindo um caminho do qual cada vez mais se encontrará com os seus, então quando achar que seus amigos não são tão "bonitos" nem tão "perfeitos" aí vc começara a compreender o que significa o certo ou errado, porém se não se incomodar com suas companhias aí sim deverá se preocupar, pois todo caminho leva a destino especifico. Dessa forma não saia por aí pegando qualquer caminho faça um plano de "vôo". Tchau! um beijo/abraço, vá pela sobra.
segue texto interessante:
CERTO E ERRADO - Thomas Nagel
Que quer dizer tudo isto (a obra de que é extraído este texto) aborda as
principais questões da Filosofia partindo de exemplos do quotidiano e
analisando várias perspectivas / teorias.
No presente capítulo, a hipótese de roubo de um livro raro de uma biblioteca
serve de pretexto para perguntar qual o critério que permite distinguir o
(que julgamos) certo do errado (moralmente).
É ainda abordada a questão do carácter relativo / absoluto dos valores
(morais, neste caso).
«Supõe que trabalhas numa biblioteca, verificando os livros que as
pessoas requisitam, e um amigo te pede para o deixares roubar uma obra de
referência difícil de encontrar que quer possuir.
Podes hesitar em concordar por diversas razões. Podes recear que ele
seja apanhado e que, assim, tanto ele como tu arranjem problemas. Ou podes
querer que o livro fique na biblioteca para que tu próprio possas
consultá-lo.
Mas também podes pensar que aquilo que ele propõe está errado - que
ele não deve fazê-lo e que tu não deves ajudá-lo. Se pensas assim, o que
quer isso dizer, o que torna isso verdadeiro, se é que há algo que o torne
verdadeiro?
Dizer que isso está errado não é dizer apenas que vai contra as
regras. Pode haver más regras que proíbam aquilo que não está errado - tal
como uma lei contra criticar o governo. Uma regra também pode ser má por
exigir algo que é errado - tal como uma lei que exige a segregação racial em
hotéis e restaurantes. As ideias de certo e errado são diferentes das ideias
daquilo que vai ou não contra as regras. Caso contrário, não podiam ser
usadas na avaliação das regras, bem como na avaliação das acções.
Se pensas que seria errado ajudares o teu amigo a roubar o livro,
então sentes-te desconfortável com a ideia de o fazeres: de algum modo, não
queres fazê-lo, mesmo que também estejas relutante em recusares ajudar um
amigo. Donde vem o desejo de não o fazer? Qual é o seu motivo, a razão por
detrás dele?
Há várias maneiras pelas quais algo pode estar errado, mas neste
caso, se tivesses de explicá-lo, provavelmente, dirias que seria injusto
[unfair no original] para os restantes utentes da biblioteca, que podem
estar tão interessados no livro como o teu amigo, mas que o consultam na
sala das obras de referência, onde qualquer pessoa que precise dele pode
encontrá-lo. Podes também sentir que deixar o teu amigo levar o livro
trairia aqueles que te empregam, que te pagam precisamente para prevenir que
coisas como estas aconteçam.
Estas ideias relacionam-se com os efeitos sobre outras pessoas - não
necessariamente com efeitos sobre os seus sentimentos, uma vez que podem
nunca vir a descobri-lo, mas, ainda assim, com algum tipo de dano. Em geral,
a ideia de que algo é errado depende do seu impacto não só na pessoa que o
pratica, mas também noutras pessoas. Se o descobrissem, não gostariam e
opor-se-iam.
Mas supõe que tentas explicar tudo isto ao teu amigo e ele diz: «Eu
sei que o bibliotecário não havia de gostar se viesse a dar pela falta do
livro e que, provavelmente, alguns dos restantes utentes da biblioteca
ficariam aborrecidos se descobrissem que o livro tinha desaparecido, mas que
mal faz? Eu quero o livro; por que razão hei-de preocupar-me com os outros?»
Espera-se que o argumento de que tal seria errado lhe dê uma razão
qualquer para não o fazer. Mas que razão poderá ter alguém que, pura e
simplesmente, não se preocupa com as outras pessoas e que pode escapar
impunemente para se coibir de fazer qualquer coisa que, normalmente, é
considerada errada? Que razão pode ter para não matar, roubar, mentir ou
magoar outras pessoas? Se conseguir aquilo que quer ao fazer essas coisas,
por que razão não há-de fazê-las? E, se não há nenhuma razão para não as
fazer, em que sentido será isso errado'?
É claro que a maioria das pessoas se preocupam em certa medida umas
com as outras. Mas, se alguém não se preocupa, a maior parte de nós não
conclui que a moral não se aplica a essa pessoa. A moral não deixa de se
aplicar automaticamente a uma pessoa que mata alguém apenas para lhe roubar
a carteira, sem se preocupar com a vítima. O facto de ela não se preocupar
não torna a sua atitude correcta: devia preocupar-se. Mas por que razão
deveria ela preocupar-se?
Tem havido muitas tentativas para responder a esta questão. Um tipo
de resposta consiste em tentar encontrar algo com que a pessoa já se
preocupe para depois identificar a moral com isso.
Por exemplo, algumas pessoas acreditam que, mesmo que consigas,
neste mundo, escapar impune de crimes terríveis e não sejas castigado pela
lei dos homens, esses actos são proibidos por Deus, que te castigará após a
morte (e que te recompensará se não tiveres agido mal quando foste tentado).
Portanto, mesmo que pareça que é do teu interesse agir de um certo modo, na
realidade não o é. Algumas pessoas chegam mesmo a acreditar que, se não
existisse Deus para sustentar os requisitos morais com a ameaça do castigo e
a promessa da recompensa, a moral se tornaria uma ilusão: «Se Deus não
existe, tudo é permitido.»
Esta é uma versão muito rudimentar dos fundamentos religiosos para a
moral. Uma versão mais atraente poderá ser a de que o motivo para obedecer
aos mandamentos divinos não é o medo, mas sim o amor. Deus ama-te, e tu
devias amá-Lo, e devias desejar obedecer aos Seus mandamentos para não O
ofenderes.
Mas, independentemente do modo como interpretamos os motivos
religiosos, existem três objecções a este tipo de resposta. Em primeiro
lugar, muitas pessoas que não acreditam em Deus continuam a fazer juízos
sobre o que está certo e o que está errado e acham que ninguém deve matar
outra pessoa por causa de uma carteira, mesmo que tenha a certeza de que
consegue escapar. Em segundo lugar, se Deus existe e proíbe o que está
errado, ainda assim, não é a sua proibição que o torna errado. O assassínio
é errado em si mesmo, e é por isso que Deus o proíbe (se é que o faz). Deus
não podia transformar qualquer coisa em algo errado - tal como calçar a meia
esquerda antes da direita - simplesmente por proibi-la. Se Deus te
castigasse por fazeres isso, seria desaconselhável fazê-lo, mas não seria
errado. Em terceiro lugar, o medo do castigo e a esperança da recompensa, e
até mesmo o amor a Deus, não parece parecem ser os motivos certos para a
moral. Se pensas que é errado matar, enganar ou roubar, deves querer evitar
fazer essas coisas porque são más para as vítimas, e não apenas por receares
as consequências para ti, ou por não quereres ofender o teu Criador.
Esta terceira objecção também se aplica a outras explicações da
força da moral que apelam ao interesse da pessoa que tem de agir. Por
exemplo, pode afirmar-se que deves tratar os outros com consideração, de
modo que te façam o mesmo a ti. Este pode ser um bom conselho, mas só é
válido enquanto pensares que aquilo que fazes afecta a maneira como as
outras pessoas te tratam. Não é uma razão para fazeres o que está certo se
os outros não vierem a sabê-lo, nem contra fazer o que está errado se
puderes escapar ao fazê-lo (tal como atropelar alguém e fugir).
Não há nenhum substituto para a preocupação directa com as outras
pessoas como base da moral. Mas a moral deve aplicar-se a todos: e poderemos
pressupor que todos têm tal preocupação com os outros? É óbvio que não:
algumas pessoas são muito egoístas, e mesmo aquelas que o não são só podem
preocupar-se com as pessoas que conhecem, e não com toda a gente. Portanto,
onde iremos encontrar uma razão que leve todas as pessoas a não prejudicarem
os outros, mesmo aqueles que não conhecem?
Bem, existe um argumento geral contra o acto de prejudicar outras
pessoas que pode ser entendido seja por quem for que entenda português (ou
outra língua qualquer) e que parece mostrar que qualquer pessoa tem uma
razão qualquer para se preocupar com os outros, mesmo que os seus motivos
egoístas acabem por ser tão fortes que continue, de qualquer maneira, a
maltratar os outros. Tenho a certeza de que é um argumento que já ouviste e
que é este: «Gostavas que alguém te fizesse o mesmo?»
Não é muito fácil explicar como se espera que este argumento
funcione. Supõe que estás prestes a roubar um guarda-chuva quando sais de um
restaurante e uma pessoa te pergunta: «Gostava que lhe fizessem o mesmo?»
Por que razão se espera que esta pergunta te faça hesitar ou sentir culpado?
É óbvio que a resposta directa a esta pergunta é, supostamente, «não
gostava nada!» Mas qual é o próximo passo? Supõe que dizias: «Não gostava
que alguém me fizesse o mesmo. Mas tenho sorte, porque ninguém está a
fazer-me o mesmo. Sou eu que estou a fazê-lo a outra pessoa e não me importo
nada com isso!»
Esta resposta falha o alvo da pergunta. Quando te perguntam se
gostarias que alguém te fizesse o mesmo, espera-se que irás pensar em todos
os sentimentos que terias se alguém te roubasse o guarda-chuva. Isso inclui
mais do que apenas «não gostar disso» - tal como não «gostarias» de bater
com o pé numa pedra. Se alguém te roubasse o guarda-chuva, ficarias ofendido
[Resent no original]. Sentirias coisas pelo ladrão do guarda-chuva, e não
apenas pela perda do guarda-chuva. Pensarias: «Para onde terá ele ido com o
meu guarda-chuva, que comprei com o dinheiro que me custou tanto a ganhar e
que tive a lucidez de trazer após ter lido a previsão do estado do tempo?
Por que razão não trouxe ele o seu guarda-chuva?», e assim sucessivamente.
Quando os próprios interesses são ameaçados por comportamentos
alheios que se revelam falhos de qualquer consideração, a maior parte das
pessoas consideram facilmente que os autores desses comportamentos deviam
ter uma razão qualquer para mostrarem mais consideração. Quando és
prejudicado, pensas, provavelmente, que quem te prejudica devia preocupar-se
com isso: não pensas que não lhe diz respeito e que não tem qualquer razão
para evitar prejudicar-te. É esse o sentimento que se pretende que o
argumento «gostavas que te fizessem o mesmo?» suscite.
Com efeito, se admites que ficavas ofendido se alguém te fizesse
aquilo que estás a fazer a outra pessoa, admites que pensas que ela terá uma
razão qualquer para não te fazer o mesmo. E, se admites isso, tens de
considerar que razão será essa. Não pode ser apenas por seres tu o
prejudicado entre todas as pessoas no mundo. Não há qualquer razão especial
para não roubar o teu chapéu-de-chuva e roubar o de qualquer outra pessoa.
Não há nada de particularmente especial no facto de ser o teu. Seja qual for
a razão, não poderá ser diferente da que teria para evitar prejudicar da
mesma forma qualquer outra pessoa. E esta é uma razão que qualquer outra
pessoa também teria numa situação similar para não te prejudicar a ti ou a
qualquer outra pessoa.
Mas, se é uma razão que qualquer pessoa teria para não prejudicar
ninguém dessa forma, então é uma razão que tu tens para não prejudicares
ninguém dessa forma (uma vez que qualquer pessoa significa todas as
pessoas). Logo, agora já é uma razão para não roubares o guarda-chuva da
outra pessoa.
É uma questão de simples consistência. Se admites que qualquer outra
pessoa deve ter uma razão qualquer para não te prejudicar em circunstâncias
similares, e uma vez que admites que essa razão é muito geral e não se
aplica só a ti, ou a ela, então para seres consistente tens de admitir que a
mesma razão se aplica agora a ti. Não devias roubar o guarda-chuva e devias
sentir-te culpado se o roubasses.
Uma pessoa só poderia escapar a este argumento se quando lhe fosse
perguntado «gostava que alguém lhe fizesse o mesmo?» respondesse: «Não me
ofendia nada; não gostaria que alguém me roubasse o guarda-chuva durante uma
chuvada, mas não pensaria que essa pessoa devesse ter qualquer razão para
tomar em consideração os meus sentimentos acerca disso.» Mas quantas pessoas
poderiam dar esta resposta sinceramente? Acho que a maioria das pessoas, a
não ser que sejam loucas, pensam que os seus interesses e danos interessam
não apenas a si próprias, mas de um modo que dê às outras pessoas uma razão
qualquer para se preocuparem também com eles. Todos pensam que, quando
sofrem, isso não é só mau para eles, mas que é mau, simplesmente.
A base da moral é a crença de que o que é bom ou mau para pessoas
particulares (ou animais) é bom ou mau não apenas dos seus pontos de vista,
mas de um ponto de vista mais geral, que pode ser compreendido por qualquer
pessoa que pense, o que quer dizer que cada pessoa tem uma razão qualquer
para tomar em consideração não apenas os próprios interesses, mas também os
interesses dos outros, quando decide o que fazer. E não basta que tome em
consideração apenas algumas pessoas - a família e amigos e aqueles de quem
mais gosta. É claro que se preocupará mais com certas pessoas e também
consigo mesma. Mas tem também uma razão qualquer para considerar os efeitos
daquilo que faz, bons ou maus, para todas as pessoas. Se for como a maior
parte de nós, será isto o que ela pensará que os outros devem fazer em
relação a si, mesmo que não sejam seus amigos.
Mesmo que isto seja assim, é apenas um esboço rudimentar da fonte da
moral. Não nos diz em pormenor, de que modo devemos considerar os interesses
dos outros, ou qual o peso que têm os interesses especiais que todos temos
em nós e em certas pessoas que nos são próximas. Não nos diz sequer quanto
devemos preocupar-nos com pessoas de outros países em comparação com os
nossos concidadãos. Há muitos desacordos sobre o que, em particular, está
certo ou errado entre aqueles que aceitam a moral em geral.
Por exemplo, deves preocupar-te tanto com qualquer outra pessoa como
te preocupas contigo? Por outras palavras, deves amar o teu próximo como a
ti mesmo (mesmo que não te seja próximo)? Deves perguntar a ti mesmo, sempre
que vais ao cinema, se o dinheiro do bilhete poderia dar mais felicidade se
o desses a alguém ou o doasses às instituições que ajudam as vítimas da
fome?
Muito poucas pessoas são assim tão altruístas. E, se alguém fosse
assim tão imparcial entre si próprio e os outros, sentiria, provavelmente,
também que devia ser igualmente imparcial entre as outras pessoas. Isso
impediria que se preocupasse mais com os seus amigos e familiares do que com
os estranhos. Poderia ter sentimentos especiais por certas pessoas mais
próximas, mas a imparcialidade total quereria dizer que não os favoreceria -
se, por exemplo, tivesse de escolher entre ajudar um amigo ou um estranho
para lhe evitar sofrimento ou entre levar os filhos ao cinema e doar o
dinheiro às instituições que ajudam as vítimas da fome.
Este grau de imparcialidade parece exigir de mais à maior parte das
pessoas: alguém que fosse assim seria uma espécie de santo terrível. Mas
saber quão imparciais devemos tentar ser é uma questão importante no
pensamento moral. És uma pessoa em particular, mas também és capaz de
reconhecer que és apenas uma pessoa entre muitas outras e que não és mais
importante do que elas quando visto de fora. Até que ponto deve este ponto
de vista influenciar-te? Tens realmente alguma importância visto de fora -
caso contrário, não pensarias que as outras pessoas têm uma razão qualquer
para se preocuparem com aquilo que te fazem. Mas não tens tanta importância
visto de fora como tens para ti mesmo, visto de dentro - uma vez que visto
de fora não és mais importante do que qualquer outra pessoa.
Não é apenas claro quão imparciais devemos ser; também não é claro o
que tornaria uma resposta a esta questão a resposta certa. Existirá uma
única maneira correcta de qualquer pessoa fazer o balanço entre aquilo com
que se preocupa pessoalmente e aquilo que é importante imparcialmente? Ou
será que a resposta varia de pessoa para pessoa, consoante a força das suas
diferentes motivações?
Isto leva-nos a outro grande tema: o certo e o errado serão o mesmo para
todas as pessoas?
A moral é pensada muitas vezes como universal. Se uma acção é
errada, deve sê-lo para toda a gente; por exemplo, se é errado matar alguém
para lhe roubar a carteira, então isso é errado, quer te preocupes com essa
pessoa, quer não. Mas, se o facto de uma acção estar errada é uma razão para
não ser realizada e as tuas razões para fazeres coisas dependem das tuas
motivações, uma vez que as motivações das pessoas podem variar muito, então
parece que não pode haver um conceito único de certo e errado para toda a
gente. Não haverá um conceito único de certo e errado, porque, se as
motivações básicas das pessoas diferem, não haverá um único padrão básico de
comportamento que todas as pessoas tenham motivos para seguir.
Há três maneiras de lidar com este problema, nenhuma delas muito
satisfatória.
Em primeiro lugar, podíamos dizer que as mesmas acções estão certas
ou erradas para toda a gente, mas que nem toda a gente tem razões para fazer
aquilo que está certo e evitar o que está errado: só as pessoas com o género
certo de motivações «morais» - particularmente a preocupação com os outros -
fazem o que está certo em função de mais nada a não ser a própria moral.
Isto torna a moral universal, mas à custa de lhe extrair a sua força. Não é
claro o que quer dizer a afirmação de que seria errado uma pessoa cometer um
homicídio, mas que essa pessoa não tem qualquer razão para não o fazer.
Em segundo lugar, podíamos dizer que toda a gente tem uma razão
qualquer para fazer o que está certo e evitar o que está errado, mas que
essa razão não depende das motivações que as pessoas têm de facto. É antes
uma razão para alterarmos as nossas motivações, se não forem as certas. Esta
resposta oferece uma conexão entre a moral e as razões para agir, mas não
diz de forma clara que razões universais serão essas que não dependem das
motivações que as pessoas têm de facto. Que quer dizer a afirmação de que um
assassino tinha uma razão qualquer para não cometer um assassínio, apesar de
nenhum dos desejos ou motivações que de facto tem lhe ter dado tal razão?
Em terceiro lugar, podíamos dizer que a moral não é universal e que
só é moralmente exigida a uma pessoa aquela acção relativamente à qual ela
tem um certo tipo de razões para a executar, dependendo estas razões do
quanto ela de facto se preocupa com os outros em geral. Se tem fortes
motivações morais, estas produzirão fortes razões e fortes requisitos
morais. Se as motivações morais forem fracas ou inexistentes, os requisitos
morais serão igualmente fracos ou inexistentes. Isto pode parecer
psicologicamente realista, mas vai contra a ideia de que as mesmas regras
morais se aplicam igualmente a todos, e não apenas às pessoas boas.
A questão de saber se os requisitos morais são universais surge não
apenas quando comparamos as motivações dos diferentes indivíduos, mas também
quando comparamos os padrões morais que são aceites em diferentes sociedades
e em diferentes épocas. Muitas das coisas que hoje, provavelmente,
consideras erradas foram aceites como moralmente certas por grandes grupos
de pessoas no passado: a escravatura, a servidão, o sacrifício humano, a
segregação racial, a negação da liberdade religiosa e política, sistemas de
castas hereditárias. E, possivelmente, algumas das coisas que hoje pensas
serem certas serão consideradas erradas por sociedades futuras. Será
razoável acreditar que existe uma única verdade acerca de tudo isto, ainda
que não possamos saber com certeza qual é? Ou será mais razoável acreditar
que o que é certo e errado é relativo a épocas e lugares particulares e ao
tipo de sociedade em causa?
Há um modo em que o que está certo ou errado é, obviamente, relativo
às circunstâncias. Estará normalmente certo devolveres ao dono uma faca que
tenhas pedido emprestada se ele a pedir de volta. Mas, se, entretanto, ele
enlouquecer e quiser a faca para matar alguém com ela, então não deves
devolvê-la. Este não é o tipo de relatividade de que estou a falar, porque
não quer dizer que a moral é relativa a um nível básico. Quer apenas dizer
que os mesmos princípios morais básicos requerem acções diferentes em
circunstâncias diferente
O tipo mais profundo de relatividade em que algumas pessoas
acreditam afirma que os padrões mais básicos do que está certo ou errado -
tais como quando pode ou não matar-se ou que sacrifícios deves fazer pelos
outros - dependem inteiramente dos padrões que são geralmente aceites na
sociedade em que vives.
Tenho muita dificuldade em acreditar nisto, principalmente porque
parece sempre possível criticar os padrões aceites na tua própria sociedade
e dizer que eles são moralmente errados. Mas, se fizeres isso, tens de
apelar para um padrão mais objectivo, para uma concepção do que está
realmente certo ou errado, o que é diferente de apelar para o que a maioria
das pessoas pensam. É difícil dizer o que é esta concepção, mas é uma ideia
que a maioria das pessoas compreendem, a não ser que sejam partidárias
escravizadas do que a comunidade diz.
Há muitos problemas filosóficos relativos ao conteúdo da moral -
como deve exprimir-se a preocupação ou respeito moral pelos outros; se
devemos ajudar as outras pessoas a conseguirem o que querem ou se é
suficiente evitar prejudicá-las ou dificultar-lhes a vida; quão imparciais
devemos ser e de que maneiras devemos sê-lo. Deixei de lado a maior parte
destas questões porque a minha preocupação aqui são os fundamentos da moral
em geral - quão universal e objectiva ela é.
Devo responder a uma possível objecção quanto à ideia de moral no
seu todo. Provavelmente, já ouviste dizer que a única razão que leva alguém
a fazer alguma coisa é o facto de isso a fazer sentir-se bem, ou porque, se
não o fizesse, iria sentir-se mal. Se só somos realmente motivados pelo
nosso próprio conforto, é inútil que a moral tente apelar à preocupação com
os outros. Segundo este ponto de vista, até a conduta aparentemente moral em
que uma pessoa parece sacrificar os próprios interesses em nome das outras
pessoas é na realidade motivada pelo interesse em si própria: ela quer
evitar a culpa que sentiria se não fizesse a acção «correcta», ou
experimentar o caloroso brilho da auto-congratulação, que alcançará se a
fizer. Mas aqueles que não têm estes sentimentos não têm motivos para serem
«morais».
É realmente verdade que, quando as pessoas fazem aquilo que acham
que devem fazer, se sentem normalmente bem com isso e, se fazem aquilo que
está errado, se sentem normalmente mal. Mas isso não quer dizer que estes
sentimentos sejam o que as motiva a agir. Em muitos casos, os sentimentos
resultam de motivos que também produzem a acção. Não te sentirias bem ao
fazeres o que está certo a não ser que pensasses que havia uma outra razão
para o fazeres, para além do facto de te sentires bem ao fazê-lo. E não te
sentirias culpado ao fazeres o que é errado a não ser que pensasses que
havia uma outra razão para não o fazeres, para além do facto de te sentires
culpado ao fazê-lo: algo que justifica o sentimento de culpa. Pelo menos, é
assim que as coisas deviam ser. É verdade que algumas pessoas sentem uma
culpa irracional por coisas que não têm qualquer razão independente para
pensarem que estão erradas - mas não é assim que a moral deve funcionar.
Num certo sentido, as pessoas fazem aquilo que querem fazer. Mas as
suas razões e motivações para quererem fazer seja o que for variam imenso.
Posso «querer» dar a minha carteira a alguém apenas porque tem uma arma
apontada à minha cabeça e ameaça matar-me se não o fizer. E posso querer
mergulhar num rio gelado para salvar um estranho que esteja a afogar-se, não
porque vá sentir-me bem com isso, mas porque reconheço que a sua vida é
importante, tal como a minha, e que tenho razões para lhe salvar a vida, tal
como ele teria razões para salvar a minha, se as nossas posições se
invertessem.
Os argumentos morais tentam apelar para uma capacidade de motivação
imparcial que supostamente está presente em todos nós. Infelizmente, pode
estar muito escondida, e em alguns casos pode nem sequer estar presente. Em
todo o caso, ela tem de competir com poderosas motivações egoístas, e outras
motivações pessoais que podem não ser tão egoístas, na sua luta pelo
controle do nosso comportamento, A dificuldade de justificar a moral não
consiste na existência de uma só motivação humana, mas no facto de existirem
tantas.»
(Thomas NAGEL - Que quer dizer tudo isto?, Gradiva, Lisboa, 2ª tiragem,
1997, cap.7)
2006-11-18 15:09:54
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answer #3
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answered by Jó.... 2
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