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2006-11-06 04:17:57 · 2 respostas · perguntado por Luiz H 1 em Educação e Referência Nível Fundamental e Médio

qual foi o processo de revolução?? como era o país antes e depois da revolução??

2006-11-06 04:40:44 · update #1

2 respostas

Acho que aqui tem tudo o que você precisa:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_Chile#Regime_Militar

2006-11-06 23:55:54 · answer #1 · answered by Anonymous · 0 0

Na década de 1930, ao lado da França e da Espanha, o Chile foi o único país latino-americano a conhecer a vitória eleitoral e o estabelecimento de um governo baseado na política da Frente Popular, adotada pelo Movimento Comunista Internacional (MCI), a partir de agosto de 1935. Esta estratégia foi aprovada pela Internacional Comunista em função do entendimento de que haveria a necessidade de se impulsionar a unidade de ação entre os comunistas e outras forças políticas, com o intuito de se fazer frente, política e ideologicamente, ao fascismo e ao nazismo, então em ascensão na Europa ocidental. Ainda que a América Latina figurasse como absolutamente secundária diante dos propósitos da III Internacional, Brasil e Chile, em virtude de sua posição estratégica em relação ao Atlântico e ao Pacífico, passaram a ser vistos como países importantes para que ali se estimulasse a nova linha política adotada pelo MCI3.

Apesar de cronologicamente posteriores às experiências da França e da Espanha, as vicissitudes que deram origem à Frente Popular no Chile foram, de certa forma, similares. Da mesma maneira que na Europa, a Frente Popular articulou-se, no Chile, como uma aliança político-eleitoral que abrigava correntes ideológicas mais amplas do que o espectro formado pela esquerda de matriz marxista. Em oposição ao segundo governo de Arturo Alessandri, marcadamente autoritário e repressivo, a Frente Popular chilena foi composta essencialmente pelos partidos Radical, Socialista e Comunista, que assumiram, gradativamente, a defesa da democracia política como fundamento político de uma coalizão de centro-esquerda, ainda que, à época, ela fosse caracterizada como um agrupamento genuinamente esquerdista por seus adversários.

Um outro aspecto que chama a atenção é o fato de que, embora igualmente efêmeras como coalizões governantes, essas experiências das frentes populares foram historicamente decisivas em suas histórias nacionais, a despeito dos desfechos tão díspares que tiveram. A Frente Popular na Espanha redundou, como se sabe, no banho de sangue da Guerra Civil iniciada em 1936, e na França terminou sumariamente em função da falta de apoio parlamentar ao gabinete socialista de Blum, em abril de 1938. No Chile, ao contrário da Espanha, não ocorreu guerra civil; mas a Frente Popular não conseguiu sustentar-se como aliança política passados os dois anos de sua chegada ao poder. Mesmo assim, diferentemente da França, a ruptura da coalizão de centro-esquerda não significou, no Chile, o colapso do governo iniciado em 1938. Sustentado pelo presidencialismo da Carta Constitucional de 1925, o governo do presidente Aguirre Cerda prosseguiu mesmo após a ruptura da Frente Popular, e seu mandato somente foi interrompido em virtude de sua morte, em 1941.

Ainda que as alianças eleitorais e de governo posteriores a 1941 tenham sido mais amplas e variáveis do que a coalizão vitoriosa em 1938, a característica distintiva assumida pelo Chile está no fato de que a experiência da Frente Popular proporcionou ao país mais de uma década de governos sob sua influência, tendo sempre à testa um presidente vinculado ao Partido Radical. Depois da vitória de 1938 e da ruptura da Frente Popular em 1941, os Radicais venceram as duas eleições consecutivas para a Presidência da República. Na primeira, em 1942, com Juan Antonio Ríos encabeçando uma aliança amplíssima. Na segunda, em 1946, Jorge González Videla alcançou o poder apoiado pelos comunistas, e depois os colocou na ilegalidade. Em ambas, a Frente Popular cedeu lugar as palavras de ordem Aliança Democrática e União Nacional. Depois de 1938, Videla foi o único presidente Radical que terminou seu mandato quando, em 1952, foi eleito o ex-ditador Carlos Ibáñez del Campo.

Seguindo os passos do processo de modernização iniciado em 1920, a Frente Popular e o Radicalismo assentaram e implementaram, profunda e sistematicamente, mas sem assumir uma feição revolucionária, políticas que possibilitaram a alteração da fisionomia econômica do país, através da ação estatal. Se os catorze anos que se seguiram à vitória eleitoral de 1938 não devem ser compreendidos, na sua integralidade, como um período articulado pela linha política da Frente Popular, tampouco podem ser vistos em descontinuidade com as forças políticas que assumiram o poder em 1938 ou como uma fase externa às mudanças que a partir daquele momento se processaram. Numa visão comparativa, não seria despropositado um paralelo entre os catorze anos de predomínio Radical no Chile e o período em que Getúlio Vargas governou o Brasil, entre 1930 e 1945, ainda que as diferenças no que se refere à dimensão política sejam expressivas. Entretanto, o que mais chama a atenção, além do contexto cronológico, são os projetos econômicos que mesclavam nacionalismo e integração internacional tendo como base a sedução pelo americanismo.

De toda forma, o que se deve conservar na memória, a nosso ver, é que a partir de 1938, a política conciliatória e flexível do partido Radical passou a ser o ponto de referência central na vida política do país. Isto acabou por gerar, a despeito das enormes divergências internas da Frente Popular e dos conflitos latentes com as forças de direita, um clima de relativo consenso em torno de temas como a industrialização e o papel do Estado na economia. À testa do governo, o Partido Radical garantiu uma certa estabilidade do sistema político e não se postou como um obstáculo, em quase todo o período a partir de 1938, à livre manifestação das representações políticas das camadas subalternas, em especial das urbanas. Acomodando-se também às oscilações dos outros segmentos políticos, o Partido Radical pôde realizar, ao longo desse período, alianças eleitorais e de governo de amplo espectro, ora encaminhando-se mais para a esquerda, ora para a direita, conforme os ditames da conjuntura. No geral, as alianças eleitorais lideradas pelos Radicais eram de centro-esquerda. Uma vez vitoriosos e no poder, os Radicais buscavam, e por vezes conseguiam, o apoio da Falange Nacional, dos Liberais e dos Conservadores. Assim, entre 1932 e 1952, os Radicais e os Conservadores nunca compuseram alianças eleitorais, ainda que tenham participado de algumas alianças de governo, no início e no final desse período.

De qualquer maneira, o consenso a que nos referimos desempenhou um papel muito mais decisivo do que a natureza das coalizões levadas a efeito pela política do Radicalismo. Por esta razão, a ascensão ao poder da Frente Popular - uma coalizão marcadamente de centro-esquerda - abriu, em 1938, um período na história do Chile que não correspondeu integral e precisamente aos anseios que expressavam, retoricamente ou não, suas bases de apoio e as representações políticas e sociais que lhe deram origem na conjuntura repressiva de 1936.

Numa visão de conjunto do processo aberto em 1938, podemos dizer que o destino reservado aos atores políticos fundamentais que operaram as mudanças empreendidas naquele período não corresponde à envergadura da tarefa realizada. Quanto à esquerda, ainda que as conseqüências da sua participação nos governos de coalizão tenham sido prontamente avaliadas como negativas - e esta visão será predominante no seio da esquerda chilena até a década de 1970 -, pode-se dizer que, em favor desta participação está o fato de que os partidos Comunista e Socialista não somente conseguiram assegurar o seu papel de representantes dos trabalhadores organizados, como também puderam aumentar suas bases e seu prestígio para, enfim, atuarem como forças proeminentes do processo político nacional, em condições de igualdade com os demais partidos. Isto é extremamente importante porque, além da experiência de governo, permitiu assegurar a autonomia política e organizativa das classes subalternas no processo de modernização que o país viveu nesse período.

Ainda considerando a esquerda, não há como deixar de ressaltar que um dos aspectos mais desastrosos do período foi a ruptura da coalizão vitoriosa em 1938. Se analisarmos outros aspectos, poderemos observar ainda diversos problemas. Levando-se em conta que uma das bases do seu programa era o nacionalismo, podemos dizer que, no plano da economia, a esquerda foi incapaz de influenciar no sentido de uma maior integralidade do desenvolvimento econômico, sendo possível a diminuição da vulnerabilidade e da dependência do país em relação ao exterior. No plano da cidadania, verificou-se a impossibilidade de se conseguir estender o processo de avanço da sindicalização ao campo e de se ampliar o eleitorado nacional. A ascensão ao poder das forças que se articularam na Frente Popular não levou a um processo de democratização via ampliação do eleitorado. No final da década de 1940, o porcentual de votantes em relação à população era menor do que ao término da década anterior, e se compararmos as eleições presidenciais de 1932 e de 1946 verificaremos que o crescimento da participação eleitoral foi insignificante: de 7,6% para 8,5% .

É verdadeiro que a correlação de forças não era inteiramente favorável à esquerda e que a direita, em maioria no Parlamento por quase todo o tempo, conseguiu bloquear a implementação de medidas voltadas para os objetivos democratizantes que constavam do programa da Frente Popular em 1938. Além disso, em diversas oportunidades, a direita demonstrou claramente aos Radicais que seus interesses teriam preferência até mesmo sobre a manutenção da democracia representativa. A direita combinou a sua força eleitoral com o seu poderio econômico: vetou tudo o que afetava seus interesses imediatos e permitiu as mudanças que expressavam os interesses das organizações empresariais, acomodando seus potenciais conflitos internos.

A disposição do Partido Radical em ceder às pressões da direita seguiu a lógica de afirmação histórica deste partido. Nela, o tema da ordem assumia importância equivalente ao da mudança. A afirmação política das representações da esquerda empurrou o Radicalismo para o centro. Nesta posição, os Radicais tinham tudo a oferecer aos dois lados do espectro político, desde que estes os brindassem, conforme as circunstâncias, com o posto maior da República. A leitura que os Radicais fizeram desta situação definiu com maior precisão o seu papel político. A partir daí, a combinação mais eficaz para dar andamento à modernização e garantir a estabilidade estava na sua própria razão de ser como ator político.



I

O sentido e a projeção da Frente Popular foram indelevelmente marcados pela política dos Radicais. Em função disso, passa a ser importante a pergunta: qual o papel ou a função histórica desempenhada pelo tipo de coalizão estruturada pela Frente Popular em relação à trajetória de modernização do país? De acordo com a historiografia que se debruçou sobre estes processos, 1938 representou, antes que uma ruptura, uma continuidade da dinâmica de mudança e conservação que havia sido aberta desde 1920. Mesmo assim, os governos Radicais que se sucederam até 1952 realizaram, com tensões e acomodações, uma obra significativa de configuração de um padrão histórico de desenvolvimento do capitalismo no país, baseado num regime de democracia liberal representativa, no estímulo à industrialização dirigida pelo Estado e na integração social via dispositivos de um Estado de bem-estar. Este padrão histórico de modernização capitalista, que combinou e alternou, antes e depois de 1938, momentos de crise e de desenvolvimento, deu mostras de solidez pelo menos até meados da década de 1960, seguindo vigente até a ruptura de 1973.

Compreendemos, assim, o período aberto com a Frente Popular como um momento determinado do processo de afirmação do capitalismo na sociedade chilena. Momento determinado de um processo mais amplo de modernização, que encontra no período um impulso sem precedentes, cujos resultados afirmaram um padrão específico de integração sócio-política e de identidade nacional. Cronologicamente encravado num contexto mais amplo de afirmação da modernização do Estado, iniciado a partir da década de 1920 e, na outra ponta, pela contestação dos traços específicos que caracterizaram esta dinâmica a partir da década de 1960, podemos compreender este período como um momento distintivo e definidor do que entendemos ser um processo de revolução passiva que caracterizou a trajetória específica de modernização vivida pelo Chile.

Ao contrário da visão conservadora que visou consagrar uma imagem límpida de republicanismo ou uma trajetória linear da democracia política, a construção do Estado chileno foi marcada, como enfatizou Gabriel Salazar, por um alto grau de ilegitimidade e de ausência de hegemonia no que diz respeito aos momentos de fundação e refundação da ordem. Esta ilegitimidade fez com que a presença militar pairasse como um espectro em todos os momentos decisivos de reconstrução dos pactos de poder, ainda que os militares não tivessem se conformado com o papel de atores políticos de significação na condução direta do Estado, excetuando-se a experiência pós-1973.

A nosso ver, a partir da recorrente incidência de mecanismos de exclusão política é possível admitir-se a idéia de que a história política do Chile apresenta elementos suficientes para que possamos considerá-la a partir do conceito da revolução passiva, incluindo nesta história o período aberto em 1938.

Pode-se registrar, assim, seguindo de perto as reflexões de Gabriel Salazar, que todos os projetos de Estado oficializados, ou seja, todas as Constituições do país (1833, 1925 e 1980) foram impostas (promulgadas ou plebiscitadas), em circunstâncias compulsivas e tensionadas, sem a deliberação da cidadania; nas conjunturas definidoras destes processos, todos aqueles que propugnaram por um projeto alternativo de ordem foram invariavelmente reprimidos, excluídos e/ou desqualificados, individual ou coletivamente. Todos estes processos políticos foram definidos por um Comitê de Notáveis que, além de desconsiderarem a questão social e de atraso econômico como fundamentos legítimos para a construção da ordem, elaboraram "um modelo de Estado restritivamente político (não social, nem econômico) e restritivamente liberal (não corporativo ou socialista)". Agrega-se a isto que a consolidação e o funcionamento do Estado dependeu sempre da manutenção de um grau de exclusão (formal, quanto à representação, e, por vezes, físico ou ideológico), bem como do ocultamento da ilegitimidade da sua fase de origem. Por fim, opera-se, nesta trajetória histórica, uma dinâmica de alternância entre presidencialismo (fase fundacional) e parlamentarismo (fase madura), obedecendo-se aos ditames da integração econômica ao mercado mundial e afirmando-se pelo controle mais estrito das classes populares e de sua rebeldia. Desta maneira, conclui Salazar, todos os problemas da sociedade puderam "ser resolvidos de um modo puramente técnico e sincrônico; isto é: ajustando os mecanismos internos do próprio Estado". História política sem rupturas, com fortes traços de conservação no plano da ordem político-social, de renovação controlada, onde "os grandes ausentes do processo formal de construção e reconstrução do Estado" foram "a massa cidadã e os movimentos sociais-populares".

Importa-nos refletir aqui, levando-se em consideração este cenário histórico amplíssimo, o momento específico de desenlace da modernização do Estado, ocorrido a partir da ultrapassagem da forma política de domínio oligárquico, aberta, no Chile, com a crise que se instaurou desde a década de 1920. Este processo seguiu seu curso e encontrou sua resolução na ascensão da Frente Popular ao poder em 1938. Entendemos que existe aí uma particularidade marcante de conformação e de reestruturação de um Estado moderno. Trata-se de um processo cujas características podemos qualificar como uma modalidade específica de revolução passiva, na qual, mais uma vez, o Estado figura como um absoluto racional. Para além da histórica ilegitimidade que marcou os momentos de fundação ou de refundação da ordem, dando uma determinada tonalidade a esta história política, trata-se de captar, fundamentalmente, a modalidade moderna que caracterizou a Revolução Passiva chilena.



II

Neste sentido, podemos partir de um certo patamar comum presente na historiografia sobre o período. A partir da conjuntura de 1938, opera-se um desenvolvimento significativo do capitalismo e a presença do Estado na economia passa a ser redirecionada pelas forças políticas que ascendem ao poder. O período de crise oligárquica havia sido precedido por intensas lutas sociais do proletariado chileno mas, com a ascensão da Frente Popular em 1938, as forças representativas do proletariado integraram-se definitivamente ao sistema da ordem.

Norbert Lechner conclui, analiticamente, que esta fase representou a passagem do conflito de classes aberto para o conflito de classes institucionalizado. A aproximação em relação ao poder por parte do movimento operário significou, portanto, o seu ingresso no sistema da ordem. No plano estatal superava-se, desta maneira, a fase autocrática expressa por Ibáñez, bem como o regressivismo político do segundo governo de Arturo Alessandri. Entretanto, se a ascensão dos partidos de esquerda ao poder, em coalizão com os Radicais implicou, de um lado, o progressivo atendimento de demandas populares mais imediatas, de outro, imprimiu um relativo arrefecimento na luta por seus projetos estratégicos. De fato, a partir da Frente Popular, o movimento operário não postulará a construção do socialismo como tarefa imediata, e o seu ativismo sindical, embora não tenha se consubstanciado em sindicalismo oficial, passou a ser abertamente pró-estatal. Neste sentido, portanto, a partir de 1938, a ordem pôde ser legitimada a partir de fundamentos modernos. O Estado passou a se concretizar como uma relação social legitimada mais pelos mecanismos de incorporação e integração do que pela simples coerção, sustentada pela normatividade jurídica. Através de uma operação desta envergadura, o país definiu seu percurso de ocidentalização.

Houve no Chile, portanto, uma solução peculiar tanto para o conflito de classes aberto entre o proletariado e as classes dominantes, como para a crise interna do poder oligárquico. Em relação ao primeiro aspecto, é importante lembrar que a institucionalização do conflito se tornou possível a partir da imposição da Carta de 1925 e do Código do Trabalho adotado pelo segundo período Alessandri, logo após a derrota da Assembléia de Trabalhadores e Intelectuais. Este fato implicou o cancelamento do cenário de confrontação direta, neutralizando a agitação social precedente. No que se refere à crise oligárquica, o que se processou foi uma diferenciação no interior da oligarquia. O distintivo, porém, residiu numa verdadeira simbiose das elites dominantes, fazendo com que as formas sociais anteriores de dominação permanecessem, no fundamental, inalteradas. De acordo com Maria Rosaria Stabili, a classe dominante "constituída por um núcleo central composto pela velha oligarquia da segunda metade do século passado, diversificada economicamente e acrescida, por cooptação, de elementos mais dinâmicos da sociedade", conservou" inalteradas as formas sociais anteriores". O estilo de vida, os comportamentos, as normas pelas quais o grupo se pautava eram substancialmente os mesmos, herdados de geração em geração, com o objetivo de garantir sua continuidade, com base na adesão a um modelo cultural determinado pela tradição. Este estilo aristocratizante somente sofrerá alterações em virtude da crise dos anos 1930 e das mudanças processadas na Europa, além da influência crescente do "modo de ser norte-americano".

Esta solução peculiar, por suas características de inovação, sem rupturas no plano da ordem, e de conservação social, determinou a construção de um consenso igualmente singular: democrático, no plano formal e participativo para os setores organizados da sociedade, mas radicado fundamentalmente na sociedade política. Um consenso inteiramente dependente da mediação dos aparelhos e instituições representativas. Sem autonomizar-se nos seus específicos interesses e expressar-se abertamente em seus conflitos, a sociedade civil passou a reproduzir-se através dos mecanismos de representação do Estado (dimensão corporativa) e das estruturas compensatórias equacionadas no interior do sistema político. Como observou Leopoldo Benavides, o processo definido no Chile como institucionalização do conflito expressou tão somente que a democratização passou a ser, na realidade, o meio pelo qual se exprimia a crise de hegemonia da classe dirigente e, simultaneamente, a expressão formal da fragilidade do consentimento das classes dirigidas. O paradoxal, continuando com Benavides, é que este "consenso se estabelece, precisamente, sobre a base da sua não-existência" , que foi a maneira pela qual a classe dominante pretendeu recompor sua hegemonia, condicionando-a em grande medida à correlação de forças sociais e políticas.

O Estado que emerge desta construção já não é mais um Estado oligárquico, estrito sensu, nem mesmo um "Estado oligárquico-burguês", em virtude da fragilidade dos segmentos empresariais vinculados especificamente à industrialização. A composição de alianças sociais para a sustentação deste tipo de Estado, ou seja, esta solução de equilíbrio orgânico, foi bastante mais complexa e dependeu tanto de uma sistematização coerente de estratégias de crescimento econômico como fator de legitimação, quanto de uma imensa capacidade de articulação política entre as forças sociais.

Por esta razão, entendemos como problemática a qualificação conclusiva de Tomás Moulian de reformismo incompleto ou inorgânico para o período aberto com a ascensão ao poder da Frente Popular. Não sem razão, pois faz parte da sua lógica interna, esta interpretação recusa terminantemente a caracterização do período como de revolução passiva, ainda que reconheça a existência, neste processo, de uma esquerda inclinada a realizar uma revolução democrático-burguesa de matriz singular: uma "forma sui generis que não ia pelo caminho violento, mas por uma modalidade passiva de revolução a partir de cima, nos marcos de um regime de compromisso interclassista". O argumento de Moulian, neste sentido, é de que os governos de centro-esquerda do período promoveram o crescimento industrial, mas não produziram uma revolução capitalista; geraram uma maior democratização de oportunidades, mas não uma" revolução democrática".

Mesmo compreendendo que a história fatual pode sustentar este argumento, parece-nos que se supuséssemos que a Frente Popular e os sucessivos governos comandados pelos Radicais tivessem realizado ambas as revoluções estaríamos, então, no interior do esquema mais clássico de uma revolução burguesa. Não há possibilidade de se supor, em virtude do que se processou historicamente no Chile a partir da crise oligárquica, um ativismo revolucionário nestas duas dimensões. Por outro lado, a recusa à tematização da revolução passiva nesta fase configura-se, a nosso ver, como um procedimento analítico que impede qualquer avaliação a propósito da natureza estrutural e do sentido histórico do reformismo daqueles governos. Equivocadamente, esta recusa assegura, no entanto, uma outra resolução do enigma chileno. Consonante com os qualificativos do reformismo inorgânico ou incompleto, a singularidade do Chile estaria em ter vivido uma forma peculiar de construção do capitalismo marcado pela" ausência de uma revolução burguesa, de caráter ativo ou passivo". Este teria sido o resultado, segundo Moulian, da combinação de industrialização e democratização, típica do caso chileno, sem resolução dos problemas básicos da dependência, do atraso agrário e de um equacionamento estrutural da sociedade em sentido burguês, o que envolveria fundamentalmente os temas de liberação de mercado nos planos interno e externo. A oportunidade de uma revolução passiva, ainda de acordo com Moulian, teria sido perdida pelas classes dominantes após 1947, quando se restringiu fortemente o sistema de representação com a exclusão dos comunistas. Este fato, e anteriormente a derrota de Ross em 1938, impediram "que o processo de industrialização tivesse uma ênfase de modernização burguesa ao invés de tinturas de modernização democratizadora".

O problema desta interpretação reside, a nosso ver, no fato de que o período aberto em 1938 passa a ser compreendido como uma espécie de parênteses na história do" reformismo social chileno", que encontraria, apenas mais adiante, no governo da Democracia Cristã, em 1964 e, em parte, no governo da Unidade Popular, em 1970, a sua suposta completude e organicidade, ainda que frustrada por outras razões. Se houve, de fato, tarefas postergadas pelos governos que se seguiram à Frente Popular, tanto em relação à modernização econômica quanto em relação às questões democráticas, entendemos que não se pode negar a existência, neste período, de um processo de afirmação de um padrão histórico de desenvolvimento do capitalismo, compartilhado simultaneamente pelos principais atores políticos e sociais.



III

O mais importante para a análise do período consiste, para nós, na construção de uma explicação mais convincente e consonante com os fatos da modernização empreendida pelo Estado, e suas vinculações com o tema da democratização social. Esta explicação deve elucidar, afirmativamente, as razões pelas quais o período assumiu a feição de um processo de modernização no qual um determinado segmento político, externo socialmente às classes fundamentais, ao chegar ao poder conseguiu dirigir a modernização, operando a partir de uma racionalidade própria, ou seja, em substituição às classes dominantes. Trata-se de explicar porque a esquerda que se aliou ao centro político naquele processo, independentemente das suas intenções estratégicas e de sua retórica, acabou por assumir aquela modalidade passiva, mesmo sem assimila-la integralmente ao seu programa. Não há nenhuma razão para que, a partir da tese da substituição, cancele-se a hipótese de que as coalizões articuladas pelos Radicais tenham representado um novo modo de relação com as classes proprietárias em geral e com a burguesia industrial, em particular. Na verdade, foi a partir destas classes que se impôs uma forma de realização da modernização capitalista - superando o liberalismo absenteísta - que passou a ter no Estado um elemento vital de operação, mas que, pelas injunções das circunstâncias políticas que levaram à vitória de 1938, também afirmou, no Estado, uma tendência de democratização social limitada, pautada pelo gradualismo. Pensamos que a categoria da substituição expressa uma dimensão específica desta modalidade de revolução passiva, uma vez que o Partido Radical, ao substituir um bloco histórico de classes tradicionais e modernas, teve de responder, simultânea e estrategicamente, ao impulso modernizador e aos sancionamentos que advieram desse bloco.

Contraditando a conclusão que situa o período como um parêntese, parece-nos, neste sentido, mais plausível como interpretação do caráter histórico assumido pelo período a leitura de Eugenio Tironi, segundo a qual, foi a partir dos governos de aliança entre esquerda e Radicais que se estruturou um consenso industrialista e democratizante na sociedade chilena, afirmativo de um "ethos desenvolvimentista no econômico, integrador no social e democrático no político". Nas palavras de Tironi, este arreglo democrático constituiu-se em fator de dinamização do trânsito da sociedade chilena a pautas mais modernas de organização.

Do nosso ponto de vista, contudo, a fórmula do arreglo democrático carrega consigo uma visão demasiadamente estrutural, acentuando mais os elementos funcionalistas e voltados para a manutenção de um consenso que sustente uma ordem orgânica do que os aspectos dinâmicos e contraditórios que expressam os protagonistas em ação. Por esta precisa razão, o peso que passaram a jogar os segmentos organizados das classes subalternas através da representação dos partidos de esquerda, e a presença forte do veto das classes dominantes a avanços mais significativos acabaram, de fato, por conferir a esta espécie de "revolução de cima e de caráter democratizador" um caráter inconcluso. Não sem razão, o resultado terminou organizando a formação social chilena "como um híbrido de estancamento e modernidade", como acertadamente observou Moulian. Mesmo assim, os resultados não podem ser considerados insatisfatórios em relação à situação anterior de defasagem entre desempenho econômico e atendimento às demandas sociais. De fato, segundo Anibal *****, contrastando com as etapas anteriores, "se poderia dizer que (...) há aqui uma consonância entre transformações ocorridas no nível sócio-político com as que se efetivam na base econômica".

A arquitetura política montada neste período não foi, portanto, nada desprezível. A mencionada substituição não operou, como enfatizamos, no sentido de eliminar as classes dominantes. Ela se processou sem alterar o predomínio dos setores burgueses no plano econômico e o dos proprietários rurais nos planos político e ideológico, mesmo depois de impulsionada a industrialização. No entanto, ela possibilitou, pela primeira vez, que a classe política civil passasse a representar os interesses sociais de cada corporação em particular e, simultaneamente, colocar em prática uma política estrutural de desenvolvimento global, vale dizer, como uma economia programada, segundo um plano, com base na idéia de erigir no país um Estado-empresa. Como assinalou Gabriel Salazar, "os movimentos sociais foram chamados a se incorporar responsavelmente à tarefa nacional do desenvolvimento estrutural, definindo-se para eles uma participação em tudo passiva, como segmento clientelístico".

Um processo com estas características necessitou, assim, da legitimação operativa e funcional de um ator político que, ao mesmo tempo, pôde se consubstanciar no coração da classe política civil, uma vez que era imprescindível a esse ator assumir a face matizada de atendimento aos movimentos sociais que se dispusessem tacitamente a participar, tendo como referente "uma lógica de equilíbrio, de conjunto e de estrutura; ou seja, nacional".

Este ator não foi, em virtude da natureza da composição social de forças, a coalizão de centro-esquerda da Frente Popular, vitoriosa em 1938; nem tampouco as coalizões de natureza similar, porém mitigada, que governaram o país até 1947. Era e foi impossível a manutenção da Frente Popular como o ator da revolução passiva no Chile. Não sem razão, como vimos, a denominação das alianças político-eleitorais para concorrer à presidência da República constituídas depois da Frente Popular assimilaram mais a perspectiva nacional que a popular. No entanto, o Partido Radical, núcleo de todas estas coalizões e força política governante até 1952, foi aquele que se constituiu no ator fundamental deste processo. A esquerda aliada aos Radicais, ou uma parte dela, não assumiu a revolução passiva como programa precisamente pelo fato de que um outro ator o fazia, por seu integral predomínio político nas coalizões e nos governos que comandou.

Foi o Partido Radical que fixou, a partir de 1938, um novo nexo entre economia e política para que se processasse aquele tipo de desenvolvimento do capitalismo. Ele se constituiu, nesse período, através da substituição das classes dominantes e de sua entronização como núcleo da classe política civil no coração da nova classe dirigente. Sua força residia na ausência de vocação hegemônica das elites econômicas e, num outro sentido, na percepção que revelou acerca da função fundamental que tinham para estas elites os temas da conservação e da reprodução da ordem social. Por outro lado, o Partido Radical foi capaz também de incorporar seletivamente os setores subalternos com relativa tranqüilidade, uma vez que o movimento social destas classes se pautava muito mais por uma "ação pragmática de aceitação da continuidade", agindo politicamente com base numa visão de longo prazo que buscava romper o sistema por dentro. Isto bloqueou, junto aos movimentos sociais e suas representações, o desenvolvimento de um grau apreciável, coerente e sistemático de elaboração teórica para fazer frente à política de inserção subalterna conduzida pelos Radicais.

Foi desta forma que o Partido Radical, como o centro da política chilena a partir de 1938, conseguiu operar e conduzir o processo de continuidade da superação da forma política de dominação oligárquica. Ele possibilitou e, ao mesmo tempo, condicionou a inclusão das classes subalternas no sistema da ordem. Com sua visão pragmática e moderada, ele foi o elemento central do consenso sustentado na sociedade política. O Partido Radical foi, enfim, o partido da revolução passiva chilena. Fez dela o seu programa. Por sua representatividade política e força social, e por sua presença estratégica no sistema político, a restauração não pôde prevalecer. A incorporação dos movimentos sociais e da esquerda ao sistema da ordem excluiu, por sua vez, qualquer possibilidade, potencial ou iminente, de uma revolução dos de baixo.

O predomínio dos Radicais, neste processo, acabou por evidenciar tanto o deslocamento das classes dominantes do poder político quanto a exacerbação do papel dirigente assumido pelo Estado. A composição social do pessoal dirigente do Partido Radical que ascendeu às funções governativas, basicamente vinculado às camadas médias de corte burocrático, fez com que este partido concentrasse inteiramente o momento orgânico de sua ação político-estatal não na condução de homens e coisas, como no mundo empresarial, mas na sua capacidade de mandar politicamente; faculdade auto-legitimada, uma vez que sua intenção deliberada era impedir ou eliminar (politicamente) "a agudização da luta de classes fundamentalmente através de uma ação destinada a obter a igualdade econômica e política de todos os setores". Não sem razão, portanto, a lógica do movimento dos Radicais neste processo foi a de confundir Estado-classe com" sociedade regulada", o que explica todo o comportamento ziguezagueante deste partido, a despeito da coerência de suas ações, se observarmos o sentido histórico preciso que assumiu como ator governante.



IV

A revolução de imposição moderna do capitalismo no Chile foi, assim, passiva, mas a sua modalidade não foi a da via prussiana, em que o atraso conduz o moderno. A ascensão da Frente Popular ao poder cancelou esta alternativa, assim como, via institucionalização do conflito, cancelou a possibilidade do ativismo de massas se transformar em revolução operária e popular. A ocidentalização chilena foi, desta forma, uma obra de imposição do moderno através da dinâmica da política, encontrando sua legitimidade no interior da formalidade democrática. Porém, quem conduziu essa imposição não foi uma expressão política típica das classes proprietárias através da transformação do Estado em seu partido político. Foram, como vimos, as coalizões políticas comandadas pelos Radicais, cujos temas principais eram o desenvolvimento industrial e a integração social, o nexo estrutural e nacional entre economia e política. Neste novo contexto, o espaço para as demandas das classes subalternas, especialmente as operárias e urbanas, lhes foi franqueado pelos institutos do Estado, mas lhe impondo também a passividade da lógica clientelista e corporativa aos movimentos sociais e a do cálculo político às suas representações político-partidárias. Deste nexo derivaria a posterior e permanente luta por democratização da sociedade, bem como a inelutável característica de plano e de princípio estatal na ação governativa que envolveu o ulterior reformismo social chileno, da Democracia Cristã e da Unidade Popular.

Por tudo isso, não resta dúvida que a modalidade específica de revolução passiva do Chile facultou um determinado ativismo ao ator subalterno. Suas representações políticas fizeram parte das coalizões eleitorais e governantes do período, impondo a necessidade de ampliação do Estado não apenas na sua dimensão econômica, mas também na social. Num certo sentido, como na Inglaterra, trata-se de uma revolução passiva avançada, qualificando muito significativamente, a nosso ver, a particularidade chilena, caracterizada pela incorporação seletiva dos interesses subalternos e pelo avanço dos direitos sociais, em comparação com os demais países latino-americanos. Em virtude desta circunstância, é compreensível o fato de o tema das reformas ter se tornado tão recorrente na trajetória da esquerda chilena.

Atualizado num processo histórico e político desta natureza, o mundo do capitalismo não pôde se impor em toda a sua plenitude e autonomia. Ele se afirmou como norma através da mediação da política, num contexto de democracia formal. A intervenção do Estado, no entanto, não conseguiu anular o momento tardio em que se efetivava esse processo de ocidentalização. Assim, Industrialização, questão agrária, modernização, autonomia nacional, democratização integral, tudo fica a meio caminho, efetiva-se sem completar-se; um quadro típico de revolução passiva.

Mesmo assim, é preciso que se enfatize que todo esse processo não se configurou como um complexo inorgânico ou desequilibrado. O compromisso tácito que envolveu todos os atores políticos organizados, resultado da mencionada substituição que se operou na sociedade política, foi o elemento catalisador e agregador do impulso para a modernização. Em função disso, as elites puderam sustentar seu processo de diferenciação e os novos grupos sociais puderam se defender contra o avanço do corporativismo societário. Da mesma maneira, foi possível também a afirmação do desenvolvimentismo como modelo e política nacional, e conviver, por fim, com as tensões da democratização social, uma vez que estas também se situaram em estrita relação de dependência aos ditames da sociedade política.

A particularidade chilena repousa, assim, nessa modalidade específica e determinada de revolução passiva. Ela não se confunde, como afirmamos, com a modalidade prussiana, e não é também - muito ao contrário - uma construção a partir da hegemonia privada do mundo do capital. Modalidade que carrega o peso da tradição, mas tensiona sua relação com este mundo a partir de uma situação determinada de poder que faz com que estes elementos busquem, de alguma forma, seu aggiornamento. No caso chileno, o equacionamento da revolução-restauração obedeceu a traços históricos singulares para realizar o que lhe é característico: mudar para que nada mude. As forças sociais tradicionais ou renovadas das classes proprietárias, pela ação parlamentar ou corporativa, controlaram permanentemente o andamento do processo de ocidentalização, impuseram limites e influíram em seu ritmo, especialmente no que se refere às pautas de democratização geral da sociedade. O programa da revolução passiva, certamente, contemplou as suas demandas imediatas, mas a política seguida pelos governos Radicais não se constituiu numa expressão da forma pela qual as elites dominantes pensavam conformar o país. Por outro lado, nem mesmo a vitória da Frente Popular de 1938 e os seus primeiros anos de governo podem ser considerados como um ascenso tempestivo das classes subalternas ao poder de Estado, com subseqüentes radicalizações das suas demandas de democracia social e econômica. O que ocorreu esteve muito longe de ser uma revolução em ativação, um poder democrático-popular. Mas é certo também que, a partir desse momento, as classes subalternas permaneceram presentes e ativas no sentido da satisfação de suas demandas, facultadas pelo sistema da institucionalização dos conflitos. Em síntese, a despeito de toda a ativação expressa na singularidade da vitória eleitoral da Frente Popular, o que na realidade se verifica é a cristalização da ordem. Sobrevém, ao contrário da expectativa dos ativistas de esquerda, o "aparente imobilismo de uma envoltura política", que permite a ilusão do revolvimento e da agitação.

Assim, diversamente dos processos descritos por Lenin como via prussiana, ou das modalidades de revolução passiva que Gramsci sintetiza na expressão ditadura sem hegemonia, que, no geral, se pautaram por estruturas autocráticas de legitimação da ordem, afirmando-se esta mais pela coerção do que pelo consenso, no Chile, pelo predomínio do Partido Radical, a democracia representativa, com todas as suas imperfeições, se configurou como um dos elementos centrais daquela modalidade de revolução passiva. Não podendo prevalecer a restauração, em seu sentido forte e estrito de uma tendência ao enrijecimento do sistema de representação, o atraso estaria impedido de dirigir a modernização; de outro lado, o moderno, no Chile, também não viria à luz através de uma ruptura revolucionária: uma virtual revolução democrática submergiu no programa da revolução passiva conduzido pelos Radicais. Neste cenário, pôde se cristalizar, então, a fórmula da democracia sem hegemonia. Esta invenção chilena foi, mais tarde, a razão maior da emergência, na sua esquerda, de um projeto anunciador da via democrática ao socialismo, quando, em 1970, Salvador Allende foi eleito presidente da República.

Como possibilidade aberta pelo regime político de franquias democráticas, apresentou-se assim, no Chile, um cenário que poderíamos definir como uma dupla guerra de posições de longa duração entre as suas classes fundamentais. No período que se estende de 1938 a 1973, há momentos em que prevalece um certo equilíbrio: são os governos de coalizão comandados pelos Radicais, do final da década de 30 e da década de 40. Há momentos em que sobrevém o assédio das forças reacionárias, sem, no entanto, a democracia política ser eliminada por completo. Inicia-se aí a crise do Radicalismo como força política governante, com o quadro internacional influindo de maneira decisiva: o momento da guerra fria, que levou à decretação da ilegalidade do Partido Comunista. A partir daí emerge a crise, expressão do progressivo esgotamento da modalidade de revolução passiva configurada pelos governos Radicais. Após uma década de intensa crise e rearticulação do sistema de partidos - no final do governo de Videla e no segundo governo Ibáñez -, a direita retorna ao governo com Jorge Alessandri. Neste momento, a crise expressada pelo esgotamento do esquema político que havia sido construído no período de predomínio do Radicalismo não produziu uma alternativa sólida, abrindo-se assim a fase das chamadas alternativas globais, a sinalizar que os atores político-sociais passavam a buscar um esquema de resolução para aquela modalidade de revolução passiva. Primeiro a Democracia Cristã, com Eduardo Frei em 1964, com a revolução em liberdade, estratégia derivada do comunitarismo ou do socialismo cristão, conforme as leituras das principais tendências daquela agremiação política. Depois a via chilena ao socialismo" de Salvador Allende, a partir de 1970. Particularmente a partir de 1964, com o aprofundamento da democratização político-social, o espaço configurador da política no Chile, isto é, a trajetória da revolução passiva, a sua dupla guerra de posições requeria, então, uma nova conformação.

Com o golpe de 1973, impõs-se o projeto que foi sendo arquitetado pela direita desde a sua reorganização partidária de 1965, com o Partido Nacional. Ao contrário do discurso publicitário dos golpistas de 1973, não se procurou restaurar, após o golpe, nenhuma das práticas democráticas que caracterizaram a história contemporânea do Chile. O golpe de Estado de 1973 pretendeu, também ele, ajustar as suas contas com a modalidade de revolução passiva do Chile. Da mesma maneira que a esquerda, que havia postulado uma anti-revolução passiva, da qual fazia parte a via chilena ao socialismo defendida por Allende, a direita também buscou reinventar a história do país e abrir um novo curso. As suas pautas principais foram a supressão da democracia representativa e a reorientação integral das relações entre Estado e economia. Sua política consubstanciou-se em duas pontas: politicamente regressiva, de um lado, e prospectiva, de outro, transformando-se na maior antecipação histórica já configurada na América Latina, com a adoção do neoliberalismo como elemento central de reordenamento do capitalismo chileno. A revolução passiva chilena encontrou aí sua solução clássica, à maneira de uma revolução-reacionária, conformando, então, uma outra modalidade, de perspectiva atualíssima quanto às tendências contemporâneas do capitalismo mundial.

O novo cenário pós-1973 não resultou, portanto, da fermentação de uma utopia capitalista que contivesse os traços de conversão da sociedade como um todo para a realização dos seus fins. Foi um ato cirúrgico de cancelamento da política. Dito de outra maneira, foi um ato de supressão da forma pela qual a sociedade chilena compreendia-se a si mesma, vale dizer, derivada da modalidade de revolução passiva que havia feito avançar a modernização a partir de 1938. Aquela invenção chilena que havia permitido a aproximação do país ao ocidente teve de ser integralmente destruída, em tudo o que ela significava, especialmente em termos políticos e sociais, para que o neoliberalismo pudesse se impor.

Espero ter tirado todas as suas dúvidas
Bjus =]

2006-11-07 10:47:25 · answer #2 · answered by cris 7 · 0 1

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