Bate Papo com Gregório de Matos (encontrei essa simulação e achei bem interessante, espero que goste):
Poeta maldito, notabilíssimo canalha, o boca do inferno, cronista social são algumas denominações atribuídas ao grande poeta barroco Gregório de Matos e Guerra (1636-1695) que nos brindou com suas poesias satíricas cujos temas retratam o verdadeiro painel da Bahia do século XVII.
A poesia satírica do Boca do Inferno é atemporal, constituindo-se num verdadeiro documento sociológico; nela o poeta posiciona-se como autêntico censor, atacando os portugueses que buscavam no Brasil apenas o enriquecimento, denunciando os desmandos administrativos como a incompetência e a corrupção, satirizando os falsos fidálgos, condenando juízes venais, comerciantes gananciosos, criticando a ascensão dos mestiços, contestando valores da Igreja com instituição, enfim, ninguém escapou à língua ferina do poeta.
Pelos temas abordados, a sátira de Gregório de Matos é um convite a uma reflexão sobre o Brasil atual, por isso ela conseguiu vencer ao seu próprio tempo.
A partir dos aspectos abordados nos seus poemas satíricos, criamos esta suposta entrevista com Gregório de Matos para facilitar a compreensão do conteúdo ajudando, assim, os vestibulandos na análise dos textos .
NELSON SOUZA - O senhor fez seus primeiros estudos com os jesuítas em Salvador até os 14 anos, depois embarcou para Lisboa em 1650 onde formou-se em Direito; regressou à Bahia em 1681. Conclui-se que sua formação cultural, ética e moral espelha-se no padrão europeu. Como o senhor analisa a sociedade brasileira após o seu retomo ao país?
GREGÓRIO - "Neste mundo é mais rico quem mais rapa / Quem mais limpo se faz, tem mais carepa / / Quem tiver mão de agarrar ligeiro trepa / Mais isento se mostra o que mais chupa / / Estupendas usuras nos mercados / Todos os que não furtam, muito pobres; / E eis aqui a cidade da Bahia / / De dois ff se compõe esta cidade a meu ver: um furtar; outro *****".
NELSON SOUZA - E a Bahia, especialmente a cidade do Salvador, como o senhor a encontrou?
GREGÓRIO - "A cada porta um bem freqüente olheiro / Que a vida do vizinho e da vizinha / Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha / Para levar à praça e ao terreiro / / Triste Bahia! ó quão dessemelhante / Estás e estou do nosso antigo estado! / Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado, / Rica te vi eu já, tu a mim abundante / A ti trocou-te a máquina mercante / Que em tua larga barra tem entrado / / Qual homem pode haver tão paciente / / Que vendo o triste estado da Bahia / Não chore, não suspire, não lamente?"
NELSON SOUZA - Seus amigos têm dado depoimentos mencionando que o senhor vem manifestando grande insatisfação e ressentimento pela forma que é tratado aqui na Bahia em relação a Portugal. É verdade? GREGÓRIO - "Eu era em Portugal / Sábio, discreto, entendido / Poeta melhor que alguns / Douto como os meus vizinhos / / Chegando a esta cidade / Logo não fui nada disto:/ Porque o direito entre o torto / Perece que anda torcido."
NELSON SOUZA - Salvador é uma cidade mestiça, nela observa-se a presença de negros e mulatos. Os críticos literários acusam-no de racista pela aversão aos negros e mulatos, denunciando inclusive que o senhor não admite a ascensão social desta raça. Qual o seu posicionamento diante das acusações?
GREGÓRIO - "Ser mulato, / Ter sangue de carrapato, / Cheirar-lhe a roupa a mondongo / É cifra de perfeição / Milagres do Brasil são / / Muitos mulatos desavergonhados, / Trazidos sob os pés os homens nobres // Dou ao demo os insensatos, / Dou ao demo a gente asnal, / Que estima por cabedal? Pretos, mestiços, mulatos."
NELSON SOUZA - Nem mesmo o poder judiciário escapou à crise da corrupção que assolou a cidade. Há muitas denúncias de juizes inescrupulosos, venais. Como o senhor analisa o comportamento da nossa justiça? Ela é realmente justa?
GREGÓRIO - "E que justiça a resguarda? Bastarda / Égrátis distribuída? Vendida/ Que tem, que todos assustam? Injusta./ / Valha- me, Deus, o que custa/ O que El-Rei nos dá de graça/ Que anda a justiça na praça/ Bastarda, vendida, injusta."
NELSON SOUZA - Que paralelo o senhor faz entre o tratamento que a cidade dispensa a seus habitantes e aos estrangeiros?
GREGÓRIO - "Senhora Dona Bahia,/ Nobre e opulenta cidade/ Madrasta dos naturais,/ E dos estrangeiros madre:/ Dizei-me por vida vossa/ Em que fundais o ditame/ De exaltar os que aqui vêm/ E abater os que aqui nascem? Se o fazeis por interesse / De que os estranhos vos gabem / Isso os paisanos fazem / com duplicadas verdades."
NELSON SOUZA - Vamos falar sobre as ações políticas na cidade. O senhor foi um crítico feroz à administração do governador Antônio de Souza Meneses - O Braço de Prata (1682- 1684) acusando-o de incompetente. Qual a mensagem que o senhor deixou quando ele se despediu do governo ?
GREGÓRIO - "Senhor Antão de Sousa Menezes/ Quem sobe a alto lugar, que não merece,/ Homem sobe, asno vai, burro parece,/ que subir é desgraça muitas vezes/ Pois vá descendo do alto onde, onde jazia/, Verá quanto melhor se lhe acomodada/ Ser homem em baixo, do que burro em cima".
NELSON SOUZA - Os proprietários dos engenhos estão endividados, a queda do preço do açúcar está aguçando esta crise. Como o senhor, na qualidade de poeta, registra tal situação econômica? GREGÓRIO - "O açúcar já se acabou? Baixou/ E o dinheiro se extinguiu? Subiu/ Logo já convaleceu? Morreu/ ...Destes em dar tanto açúcar excelente/ Pelas drogas inúteis, que abelhuda/ simples aceitas do sagaz Brichote."
NELSON SOUZA - O Senhor também não poupou Luís da Câmara Coutinho -governador da Bahia no período de 1690 a 1694 - ele foi ridicularizado no aspecto físico e atacado moralmente já que, em alguns poemas, foi feita referência à sua homossexualidade. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
GREGÓRIO - "Pelo cabelo começo a obra, / que o tempo sobra para pintar a giba do camelo/ Não ***** as faltas dos olhos baios/ que versos raios nunca foram senão a coisas altas/ Mas a fachada da sobrancelha/ se assemelha a uma negra vassoura esparramada/ Nariz de embono com tal sacada / Que entra na escada duas horas primeiro que seu dono/ Você perdoe, nariz nefando/ que eu vou contando/ e ainda fica nariz/ Na gargantona/ membro do gosto, / está composto o órgão mais sutil da voz fanchona // Manda por acaso El-Rei com as fêmeas não dormir/ Senão com vossos criados/ que é a bomba de vossos rins // Desta vez acabo a obra/ porque é este o quarto tomo/ das ações de um sodomita, / dos progressos de um franchono// Ora, ide-vos com o diabo/ que eu já não quero acudir/ por um tucano, um Franchono,/ um Sodona, um vilão ruim."
NELSON SOUZA - A população de uma cidade tem na sua Câmara de Vereadores a sua representação legítima: assim funciona um sistema político democrático. A Cidade do Salvador possui, na sua opinião, um poder legislativo atuante, atrelado aos anseios do povo?
GREGÓRIO - "A Câmara não acode...Não pode / Pois não tem todo o poder... Não quer/ E que o governo não convence... Não vence // Toda a cidade derrota/ esta fome universal/ uns dão a culpa total / à câmara, outros à frota. ..// e se a câmara olha e ri/ porque anda farta até aqui, / é coisa que não me toca: / Ponto em boca."
NELSON SOUZA - Quem é Gregório de Matos?
GREGÓRIO - "Eu sou aquele que os passados anos / cantei na minha lira maldizente / torpeza do Brasil, vícios e enganos / / Se o que fui sempre hei de ser, / eu falo, seja o que for / / Cronista sou / desta grã festividade tenho de falar a verdade / e dizer o que passou."
NELSON SOUZA - Que mensagem o senhor deixaria para a cidade do Salvador?
GREGÓRIO - "Quer-me mal esta cidade pela verdade, / Não há quem me fale ou veja de inveja / E se alguém me mostra amor é temor / / De maneira, meu Senhor, / que me hão de levar a palma / meus três inimigos d'alma/ Verdade, Inveja e Temor / / Para a tropa do trapo eu vazo a tripa / E mais não digo porque a Musa topa. "
Procure aqui:
http://www.unilavras.edu.br/prohomine/tcc/artigos/2.pdf.
http://www.cultura.salvador.ba.gov.br/apresentacao.php
http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=rd&pr=fbn_dig_pr&db=fbn_dig&fdn=200.207.24.34&tdn=objdigital.bn.br&url=http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/o_burgo.pdf
http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=rd&pr=fbn_dig_pr&db=fbn_dig&fdn=200.207.24.34&tdn=objdigital.bn.br&url=http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/oshomensbons.pdf
http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=rd&pr=fbn_dig_pr&db=fbn_dig&fdn=200.207.24.34&tdn=objdigital.bn.br&url=http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/acicadeeseuspicaros.pdf
http://www.revista.agulha.nom.br/grego.html
Dica:
HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Painel da vida literária e cultural da Bahia no século XVII e análise que aborda os poemas satíricos de Gregório de Matos, os tratados retóricos da época e documentos históricos, como as denúncias de pecados e heresias do Santo Ofício e as atas da Câmara de Salvador. O autor analisa a sátira de Gregório de Matos a partir da tradição retórica do século XVII e mostra que nelas a obscenidade e a maledicência estão previstas por regras precisas.
Boa sorte!
2006-11-04 04:43:29
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answer #1
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answered by Anonymous
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