Veja este texto do Roberto Shinyashiki
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CUIDADO COM OS BURROS MOTIVADOS!!
A revista Isto é publicou esta entrevista de Camilo Vannuchi.
O entrevistado é Roberto Shinyashiki, médico psiquiatra, com
Pós-Graduação em administração de empresas pela USP, consultor
organizacional e conferencista de renome nacional e
internacional."Cuidado com os burros motivados"
Em "Heróis de Verdade", o escritor combate a supervalorização das
aparências diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima.
ISTOÉ -- Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki -- Nossa sociedade ensina que, para ser uma
pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter
carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas
pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa,
há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes.
E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados.
Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não
valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa.
Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e
admitir que erraram.
ISTOÉ -- O sr. citaria exemplos?
Shinyashiki -- Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e
meu pai, órfão aos sete anos,empregado em uma farmácia. Morávamos em um
bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus
heróis.Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo
quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito "100% Jardim Irene". É
pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um
mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população
americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que
homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão
das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o
marido,mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um
emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.
ISTOÉ -- Qual o resultado disso?
Shinyashiki -- Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai
quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês,
informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única
coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a
desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a
infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão
discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo
corporativo.
ISTOÉ - Por quê?
Shinyashiki -- O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a
começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais
marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a
competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que
respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse
que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito
interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho
dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na
contabilidade, e não de relações públicas. Contratei-a na hora. Num
processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.
ISTOÉ -- Há um script estabelecido?
Shinyashiki -- Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um
Presidente de multinacional no programa O aprendiz? "Qual é seu
defeito?"
Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: "Eu
mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar". É
exatamente o que o Chefe quer escutar. Por que você acha que nunca
alguém respondeu ser
desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em
fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que
fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma as maiores empresas do
planeta me disse: "Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem
mentir". Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?
ISTOÉ -- Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki -- Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade
de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não
se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação,
mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros
motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você
assumir uma função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me
orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a
humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes,
que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava
preparado. Hoje, o garoto sai da
faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou
incompetente e não acordou para isso.
ISTOÉ -- Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki -- Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu
preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está
baixa.
Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma
gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas
não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As
pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E
poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres
solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a
auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.
ISTOÉ -- Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos
perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?
Shinyashiki -- Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando
os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O
técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é
que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia:
"Quando você
quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com
uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham". Pode
parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela
certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas
que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis.
Porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um
fracassado.
ISTOÉ -- O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Shinyashiki - Exatamente. A gente não é super-herói nem
superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de
tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão
questionando o Lula em parte porque acreditavam que ele fosse mudar
suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem
que a responsabilidade pela própria vida é delas.
ISTOÉ -- Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki
dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki -- Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las
faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e
não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos).
Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos.
Com uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é
ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que
fosse.
Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto
foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que não
deu certo. Um amigão me perguntou: "Quem decidiu publicar esse livro?" Eu
respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.
ISTOÉ - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki -- O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as
pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas.
A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada
e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por
gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de
música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve
Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema:
ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas
deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias
potencialidades.
ISTOÉ -- Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki -- A sociedade quer definir o que é certo. São quatro
Loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter
sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. A segunda
loucura é: Você tem de estar feliz todos os dias. A terceira é: Você
tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo
absurdo. Por fim, a quarta loucura: Você tem de fazer as coisas do
jeito certo. Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se
fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não
para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de
espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar,
enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento.
Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a família ou
com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou indo a praia
ou ao cinema. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um
hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez
pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A
maior
parte pega o médico pela camisa e diz: "Doutor, não me deixe morrer. Eu me
sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser
feliz". Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu
aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da
morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis ou
ações, mas sim de ter esperado muito tempo ou perdido várias
oportunidades para aproveitar a vida.
2006-10-24 11:08:34
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answer #3
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answered by Sherazade e as Mil e Uma Noites 7
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