Culto à erotização estimula sexualidade precoce e pedofilia
22/05/2005
A mesma sociedade que condena, com toda razão, os terrÃveis crimes envolvendo a pedofilia – abusos sexuais contra crianças – também promove de forma mecânica e maciça uma cultura que valoriza a erotização precoce dos pequenos e faz disso uma fórmula imbatÃvel para vender produtos, criar moda, influenciar pessoas e, principalmente, acumular muito dinheiro. Seja nos anúncios publicitários, nas novelas, programas de auditório, publicações ou em músicas, a sexualidade exacerbada está presente no dia-a-dia de todos no Brasil e é considerada como algo para se ter orgulho. Bombardeadas por estas informações, muitas crianças têm o seu desenvolvimento afetado, atropelam fases importantes da vida e acabam transformadas em miniadultos.
Para a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jane Felipe, especialista em educação infantil, a sociedade vive hoje um momento de “pedofilização”, ou seja, a pedofilia como prática social contemporânea e, de uma forma camuflada, aceitável.
“A mesma sociedade que promove leis justas de proteção à s crianças e adolescentes também ajuda a projetar pela mÃdia um desejo cada vez maior pelo corpo, na maioria dos casos, feminino. A mulher, para conquistar espaço, precisa ser desejável”, afirma Jane. “Na cultura brasileira, existe um imenso culto à erotização. O que acontece é uma busca pela combinação entre a ingenuidade quase infantil e o desejo extremo. Isso captura homens, mulheres e também tem afetado a subjetividade das crianças, que tem se mostrado muito preocupadas com a estética. Conheço meninas de 4 e 5 anos que só querem comer alface ou rejeitam certos modelos de roupas. Tudo para não parecerem gordas ou distantes das imagens propagadas pela TV e copiadas pelas amiguinhas”, completa a especialista.
A médica sexóloga Nilva Ferreira Pereira concorda que existe uma incoerência no comportamento da sociedade, mas faz algumas ressalvas em relação à questão sexual. “Não existe sexualidade precoce, ela nasce junto com o indivÃduo. No caso das crianças, o sexo não é focalizado no genital, não há objeto do desejo definido. O que existe é a descoberta corporal, a exploração saudável e normal”, explica. “O problema é que a erotização adulta está chegando cada vez mais cedo. As crianças não estão se desenvolvendo em suas etapas normais. Está havendo um atropelo. DeverÃamos tratar crianças como crianças, para que elas consigam amadurecer no tempo delas”, acrescenta Nilva.
Tanto para a professora quanto para a médica sexóloga, o passo mais importante para mudar o processo de erotização da infância seria transformar a escola em um local de debate sobre este tema. Os educadores poderiam cumprir o seu papel de questionar o atual funcionamento da sociedade e, com a ajuda e a opinião dos próprios jovens, encontrar caminhos mais adequados para que todos tenham consciência da realidade que estão vivendo.
“As crianças também precisam ter a noção de domÃnio do próprio corpo e saber que ninguém pode mexer com elas sem que queiram. Sem fazer terrorismo, os pais e a escola poderiam dar estas orientações, além de alertar sobre a importância de que, caso algo de errado aconteça, a criança tem um adulto de confiança para contar o que houve e não fique apenas presa ao medo ou à confusão”, indica Nilva. “Com uma sociedade onde o apelo visual reina e as crianças se transformam em consumidores vorazes, podemos esperar que as próximas gerações carreguem um vazio existencial e uma frustração muito grandes. Além do vazio do bolso, é claro”, comenta a sexóloga, sem deixar a ironia de lado.
Além de pais e professores, os próprios veÃculos comunicadores precisam iniciar um processo de conscientização. De acordo com Dulce Adorno, doutora em Ciências Sociais Aplicadas com a tese Interferência da TV no Comportamento dos Adolescentes, a mÃdia desenvolve precocemente a sexualidade infantil e, ao mesmo tempo, não forma os adultos para lidar com isso. “Existe uma falha na educação. A TV é uma referência na vida das pessoas e é preciso um maior controle sobre o que é veiculado. Nada de censura, mas que as pessoas responsáveis por este setor tenham a preocupação de oferecer um produto mais sério e comprometido com o desenvolvimento dos jovens”, analisa.
O professor de Comunicação Publicitária e Marketing da PontifÃcia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Claudine Luiz Pessoto, admite que as propagandas e programas de televisão forçam uma antecipação no amadurecimento das crianças. Meninas de 5 anos vestidas como se tivessem 20 ou meninos recém-saÃdos das fraldas querendo mostrar virilidade são fáceis de serem encontrados hoje em dia. Até mesmo alguns pais enaltecem este comportamento, orgulhosos da “esperteza” dos filhotes.
“Se uma menina não tem um adereço ou uma roupa da moda, ela não se sente integrada ao grupo. O bombardeio de informações desperta o interesse precoce. As escolas deveriam encarar esses problemas e discuti-los até mesmo em sala de aula”, reforça Pessoto.
O importante desafio de esclarecer e orientar quem ainda está começando a viver também é lembrado pela professora Cláudia Ribeiro, da Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, que tem mestrado e doutorado em Sexualidade Infantil pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A criança é um ser erótico, mas diferente do adulto. O que a mÃdia tem feito é estimular o prazer passando por cima das fases de desenvolvimento dos jovens. Cabe aos professores a consciência de trabalhar com estes temas, respeitando o jeito que cada criança tem de enxergar o mundo”, diz.
Cartilha orienta pais e professores
O assunto não costuma ser abordado nos cursos de Pedagogia ou de Magistério para os futuros professores em formação, mas tem se tornado cada vez mais necessário dentro das salas de aula. Atentos à s descobertas freqüentes de casos de pedofilia pelo PaÃs e pelo mundo, técnicos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos firmaram uma parceria com o Ministério da Educação para lançar a cartilha Guia Escolar: Métodos para Identificação de Sinais de Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A cidade de Hortolândia saiu na frente em relação à s vizinhas da região e adotou a cartilha para divulgar o tema e esclarecer professores, pais e filhos.
Com 164 páginas, e distribuÃda gratuitamente para escolas, prefeituras e entidades, a obra é voltada para os profissionais que lidam com jovens e também aos pais interessados em saber um pouco mais sobre um assunto que costumava ficar escondido pela ação violenta dos agressores e pelo silêncio amedrontado das vÃtimas.
Em seu primeiro capÃtulo, a cartilha reúne todas as polÃticas públicas e mobilizações sociais já realizadas em torno do combate à pedofilia nos últimos anos no PaÃs. Logo em seguida, desenvolve noções de como proceder ou denunciar em caso de descoberta e ainda prevenir que este tipo de crime aconteça. A escola também é apontada como um forte braço para romper o ciclo de exploração.
Em Hortolândia, onde foram distribuÃdas 80 cartilhas – algumas delas para o prefeito Ãngelo Perugini (PT), vereadores, escolas, entidades e o Conselho Tutelar – um trabalho de discussão já está sendo organizado pela Coordenadoria Técnica de Projetos da Secretaria Municipal de Educação. O grupo realiza iniciativas diferenciadas para serem discutidas em sala de aula, utilizando materiais que nem sempre estão na grade formal de ensino. A idéia é criar agentes multiplicadores que possam repassar o que aprenderam para toda a população.
A cartilha pode ser uma excelente ferramenta de trabalho. Ela pode ser solicitada pelo e-mail direitoshumanos@sedh.gov.br. “Os professores não são preparados para trabalhar com esse assunto. Não existe uma receita. Por isso, com a ajuda da cartilha, vamos atuar na preparação destes profissionais”, aponta Sandra Fagundes, assistente-executiva da Secretaria Municipal de Educação de Hortolândia. “Existe muito material bom no Brasil sobre o combate à pedofilia. à preciso pesquisar para encontrá-lo”, completa.
Fragilidade das vÃtimas garante a sensação de poder
Para o psiquiatra MaurÃcio Knobel, professor emérito do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o pedófilo deseja, acima de tudo, mostrar potência e capacidade diante de sua vÃtima indefesa. Mas, na verdade, ele não passa de uma pessoa fraca, que se infantiliza e nega seus atos quando é flagrada.
Segundo o professor, os envolvidos nestes casos não têm sentimento de culpa, não conseguem separar o bem do mal. Normalmente, o pedófilo não reconhece o dano que está causando à criança atacada. Em algumas ocasiões, até tenta justificar suas ações dizendo que eram as vÃtimas que estavam se insinuando.
Grécia
Apesar disso, a prática da pedofilia é mais antiga do que se possa imaginar e, em determinados momentos da história, foi até aceita como costume. Um exemplo foram os gregos. Filósofos como Sócrates, por exemplo, mantinham relações sexuais com garotos que eram seus alunos, que, por sua vez, se sentiam honrados por isso.
Muitas vezes, agressor está acima de qualquer suspeita
Diante do noticiário, o mundo inteiro ficou chocado com os inúmeros casos de pedofilia envolvendo altos escalões da Igreja Católica em vários cantos do planeta. Há dois anos, as denúncias vêm surgindo e quase ninguém consegue acreditar que isso seria possÃvel de acontecer algum dia. Pessoas bem colocadas na sociedade, muitas com diploma universitário, educação refinada e imagem até então inabalável, podem esconder um desvio psicológico grave. Um desejo, uma perversão sexual tão condenável quanto sem controle. São Paulo, cidades do Interior e até mesmo a região de Campinas também registram alguns casos que provocaram horror na opinião pública.
No mês passado, quatro ex-alunas do professor de informática José Clóvis Sanders, de 45 anos, acusado de atentado violento ao pudor, tentativa de estupro e pedofilia, foram ouvidas na Delegacia de Proteção à Mulher de Indaiatuba. Três meninas – duas de 9 anos e uma de 11 – acusaram Sanders de ter supostamente praticado abusos sexuais contra elas durante as aulas na pequena escola localizada na Vila Homero. No local, as autoridades encontraram diversos vÃdeos, revistas, lingeries e objetos roliços para a prática do sexo.
Na mesma cidade, o cabeleireiro W., 28, foi acusado de abusar sexualmente de um menino de 6 anos. Ele teria obrigado a criança a fazer sexo oral, além de aplicar uma injeção com uma substância desconhecida no pênis do menino.
Há poucos dias, o jardineiro identificado apenas como S., de 60 anos, que trabalhava em frente a uma escola infantil em Hortolândia, foi preso acusado de atentado violento ao pudor contra três meninas – uma de 4 anos e duas de 8. A polÃcia investiga o caso e, na última quarta-feira, o juiz Fábio LuÃs Bosller, da 3ª Vara Criminal de Sumaré, decretou a prisão preventiva do jardineiro, que já cumpria prisão temporária na Cadeia do 2º Distrito Policial, no bairro São Bernardo, em Campinas. A decisão da Justiça mantém o acusado preso até ser proferida a sentença.
Outro fato de muita repercussão aconteceu em Porto Ferreira há dois anos, quando denúncias de abuso sexual contra meninas menores de idade envolveram seis vereadores, um suplente, quatro empresários e um servidor público. A notÃcia indignou a população da cidade localizada a 140 quilômetros de Campinas.
Os envolvidos foram acusados de formação de quadrilha e corrupção de menores. Alguns também responderam por indução e favorecimento à prostituição, além de estupro.
São Paulo
A Capital também está atenta aos casos de abusos contra crianças e adolescentes. De acordo com dados da organização não-governamental (ONG) Instituto São Paulo Contra a Violência, nos primeiros quatro meses deste ano seu serviço telefônico recebeu 166 denúncias. No ano passado, foram registrados 396 chamados sobre este tipo de crime.
Um caso chocante ocorrido em São Paulo envolveu o médico pediatra Eugênio Chipkevitch, acusado formalmente por 12 pais de crianças e adolescentes vÃtimas de abuso em seu consultório. Depois de aplicar sedativos, ele se aproveitava sexualmente de seus pacientes e fazia questão de filmar toda a ação. Este hábito do pedófilo ajudou a polÃcia a comprovar suas ações e colocá-lo atrás das grades.
Sinais de alerta
IndÃcios que podem ser observados nas crianças e adolescentes vÃtimas de abuso ou exploração sexual:
Comportamento arredio em casa e na escola;
Irritabilidade e choro com freqüência;
Momentos de silêncio total;
Dificuldade de se relacionar com outras pessoas;
Medo de sair de casa;
Receio de ficar sozinha com determinada pessoa dentro de casa, seja ele pai, tio ou qualquer outro conhecido.
Fonte: Guia Escolar: Sinais de Abuso e Exploração Sexual em Crianças e Adolescentes
Autor: Fábio Gallacci
Fonte: Correio Popular
2006-10-20 14:11:09
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answer #6
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