Atualmente, o título de doutor é conferido pelas universidades públicas ou privadas aos que, após a graduação, ingressam no curso de pós-graduação e, mediante defesa de tese, adquirem o título em questão, passando ou não pelo mestrado. Antigamente, na inexistência de cursos regulares de pós-graduação, o pretendido título era obtido por inscrição em doutoramento segundo normas da escola e as teses defendidas, via de regra, pouco ou nada tinham de original, sendo freqüentemente compilações emolduradas por comentários analíticos e/ou críticos em torno do tema escolhido. Se bem me lembro, havia na Faculdade de Direito do Largo São Francisco um curso de doutorado, com dois anos de duração, em nível equivalente ao dos atuais cursos de pós-graduação. Nas faculdades de medicina, mais freqüentemente era nas disciplinas de clínica que ocorriam doutoramentos, nesses casos envolvendo observações e resultados originais. Não me recordo se nas escolas de engenharia havia algum tipo de doutoramento análogo. Em 1934, surgida a Universidade de São Paulo e criada nesta a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, houve, acredito, a oportunidade de instituição de um regime regular de doutorado, após a graduação, provavelmente porque as disciplinas estudadas e ministradas nessa faculdade propiciavam aos formados o ingresso na investigação e na pesquisa original e criativa nos vários setores do saber dito desinteressado, dando azo a que surgissem doutores em filosofia, ciência e literatura. Recordo que o primeiro doutor dessa faculdade foi o saudoso professor Simão Matias. No setor naturalístico, pelo menos, o doutorado implicava a escolha de um tema de tese numa dada disciplina e o exame em duas disciplinas subsidiárias, sistema tido como alemão.
Todavia, já nesse tempo havia se arraigado no País o costume de se aceitar como "doutor" principalmente os que eram simplesmente formados em direito, medicina e engenharia, categorias que, por razões que não caberia aqui esmiuçar, passaram a gozar de status especial. Não tardou que os formados em odontologia se julgassem no mesmo direito, seguidos mais recentemente pelos economistas. Nas outras categorias de profissionais liberais, continua bem mais difícil encontrar quem se outorgue indevidamente o título de doutor.
De tal maneira acha-se arraigado o hábito de se chamar de doutor aos que legalmente não o são que, até mesmo na USP, isso pode ocorrer. Estando uma vez no Conselho Universitário, representando minha escola, deparei com petição de um cidadão (médico) inscrito no doutoramento, que já se firmava previamente "doutor" em todos os documentos juntados para apreciação. Essa impostura transitou pelas várias instâncias da Reitoria, sem que a irregularidade fosse levada em conta e, muito menos, detectada. No plenário do Conselho, insurgi-me contra esse descaso e propus que o erro fosse corrigido. Como a própria Universidade poderia aceitar tal despropósito? Para minha surpresa, a maioria dos meus colegas, do Conselho, todos doutores de verdade, não tinha se dado conta da irregularidade.
Estaria eu com os presentes comentários refletindo um recôndito orgulho de ser legalmente doutor (em ciência, 1944) e cioso da prerrogativa de ostentar tal título, negando-a aos que são apenas graduados em instituto de ensino superior? De modo algum. Há muito tempo desisti de explicar que tipo de doutor eu sou. Nas vezes em que alardeei essa condição, perguntaram-me se eu era advogado, médico ou engenheiro. Assim, apenas no estreito âmbito de minhas atividades universitárias sou considerado doutor, fora dele continuo apenas o "seu" Erasmo. De tal maneira acha-se deturpado no País o conceito de doutor que, exemplificando, qualquer pessoa, dirigindo um carro de luxo, é chamada de doutor num posto de abastecimento de combustível ou, se bem trajada, ao passar pela banca do engraxate, ouve deste "vai graxa doutor?".
Desse modo, o título que mais me comove e lisonjeia é o de mestre, quando assim sou chamado pelos alunos e colegas mais jovens. Na verdade o título de doutor nada agrega ao currículo do possuidor, se este não prosseguir na busca e criação do conhecimento. Aliás, nesse sentido nem há necessidade de se tornar doutor. Exemplifico com casos de minha área, em que pessoas sem formação regular universitária tornaram-se excelentes biólogos, trabalhando em institutos de pesquisa ou, mesmo, nas universidades, sem jamais se outorgarem o título de doutor. Cito, ao acaso, Mario Autuori (primeiro diretor do Zoológico), John Lane (Faculdade de Higiene), João Paiva Carvalho (Instituto Oceanográfico), todos verdadeiramente doutos. Como igualmente doutos são aqueles profissionais liberais que se distinguem na carreira por suas contínuas atividades e produção no campo intelectual, administrativo, ou mesmo político. Todos estariam a merecer um especial título de doutor honoris causa.
Enquanto isso não acontece, visto que a aquisição do título de doutor atualmente requer, por lei, o preenchimento de certas exigências, que se cumpra a lei. Ou, então, legisle-se no sentido de estender o título também aos apenas graduados nos cursos superiores. Contribuir-se-á, assim, para sacramentar o crescente aviltamento de um título já demasiadamente desvirtuado e desgastado. Evitar-se-á, também, desse modo, que os pseudo-doutores continuem a incorrer numa espécie de falsidade ideológica consentida.
2006-10-15 15:20:51
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answer #1
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answered by Ton 3
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Em qualquer parte do mundo , este título é conferido apessoas que apresentaram curso de aprimoramento e defenderam uma tese para este fim . No nosso país , devido a regionalismo e ignorancia , este titulo é atribuido de acordo com a cultura popular.
Daí , temos uma coia interessante ;Pessoas que são doutors de verdade, só usam o titulo e saõ reconhecidas lá fora ...
Temos muitos delegados , médicos e dentistas que não são doutores,...mas existem da mesma forma , os que são , como tb , professores , engenheiros etc...Tenho um parente que é doutor de verdade na área de biologia ...Mas o faxinerio do prédio onde ele mora , chama todo mundo de doutor ...Risos
2006-10-15 21:34:59
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answer #3
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answered by Pedro F 4
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