Separando o joio do joio
Paulo Metri
Prolifera na mÃdia um grande número de artigos apoiando Lula ou Alckmin, mostrando argumentos verdadeiros e tendenciosos, enfim, um debate que retrata bem a emoção existente. A partir deste fato, senti-me estimulado a escrever mais um texto sobre “Lula versus Alckmin”, com a novidade de tentar responder aos seguintes desafios: Será possÃvel tirar, ao máximo, a emoção do debate? Será possÃvel mostrar como será o mandato Lula II e o mandato Alckmin?
Os dois projetos de Brasil, mostrados de forma mais implÃcita que explÃcita pelos candidatos, dos quais a sociedade deve escolher um, se diferenciam e se igualam em inúmeros pontos. No caso de Alckmin, sou obrigado a assumir como suas posições futuras aquelas obtidas a partir de suas afirmações e de pessoas que o cercam, assim como o que prega seu partido e como se comportou seu partido no poder.
O único critério de julgamento dos projetos dos candidatos será o benefÃcio que cada projeto traz para a sociedade como um todo. No momento deste julgamento, necessariamente, valores subjetivos aparecerão e as pessoas irão divergir. Mas, pelo menos, elas saberão exatamente porque divergem.
O projeto de paÃs do Alckmin é um projeto de Brasil dependente dos paÃses centrais. Existem declarações suas sobre, se eleito, escolher posições para o Brasil, nas relações internacionais, tendo como base os Estados Unidos serem um grande parceiro. Provavelmente, o esforço de aproximação do governo Lula com a Ãfrica, Ãsia e PaÃses Ãrabes, a formação do grupo dos 20, o aumento das relações com a China e a Ãndia, a prioridade dada ao Mercosul, seriam desfeitos. Possivelmente, o Brasil faria acordos de comércio bilaterais e, quiçá, poderia até vir a aderir à ALCA. O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) colocou o Brasil como nação dependente, pois, como exemplos, assinou tratados discriminatórios, como o de Tlateloco, se submeteu à posição americana no confronto com nosso embaixador Bustani, no organismo internacional de controle de armas quÃmicas, e colocou o Fundo Monetário Internacional (FMI) para tutelar a economia brasileira. Este governante não fez o Brasil ser um paÃs respeitado e não é por outra razão que se tem proposto, insistentemente, em fóruns internacionais, a internacionalização da Amazônia. O governo FHC “sucateou” as Forças Armadas Brasileiras, que representam um fator identificador do grau de soberania de qualquer paÃs. Com relação ao “sucateamento” das Forças, ele foi continuado no governo Lula, não sendo, portanto, um item de diferenciação dos candidatos.
Alckmin deverá seguir a mesma trajetória de polÃtica externa de FHC. Neste ponto, um eventual novo governo Lula se coloca de forma mais correta, visando beneficiar a grande massa brasileira. Não há possibilidade de nossa sociedade, como um todo, ter verdadeiros ganhos, sem um projeto de nação forte e independente. Em uma adesão à ALCA, por exemplo, alguns empresários poderão até realizarem mais negócios, mas a sociedade terá menos empregos e de menor valor e o paÃs produzirá, basicamente, produtos primários de baixo valor agregado.
O PSDB, quando esteve no poder, saiu-se muito mal com relação à soberania nacional. Aceitou os ditames do Consenso de Washington, de interesse do capital internacional, tendo seu preposto, o FMI, imposto polÃticas de interesse deste capital a nós e aos demais paÃses periféricos endividados, passando a determinar taxas de superávit primário, taxas básicas de juros, nÃveis de crescimento e de inflação etc. Também, por imposição deste capital, o Brasil reformou sua Constituição, em diversos pontos, sempre para retirar a proteção do mercado nacional, do emprego dos brasileiros, permitindo a exportação de recursos minerais estratégicos etc. Collor e FHC fizeram uma abertura indiscriminada do nosso mercado para fornecedores externos, não se importando com as falências e os desempregos causados. FHC realizou privatizações de empresas estratégicas para nosso desenvolvimento. Criou as agências reguladoras para garantir a lucratividade dos grupos estrangeiros que compraram as empresas privatizadas. Tirou todo e qualquer privilégio para as empresas nacionais de capital nacional, aliás, em algumas situações, elas passaram a ser penalizadas, como é o caso dos fornecedores nacionais para o setor de petróleo, que não usufruem da isenção de pagamento de ICMS, benesse usufruÃda pelos fornecedores estrangeiros.
Em alguns destes pontos, o governo Lula apresentou melhoria, comparativamente. Parou as privatizações e conseguiu controlar algumas agências reguladoras. Afinal de contas, quem tem mandato popular é o presidente e os congressistas ou os diretores de agências? Não é do povo que emana todo e qualquer poder? Então, diretores de agências, que não podem ser demitidos, é uma armadilha tucana implantada durante a reforma do Estado. Como é praxe os diretores de agências serem escolhidos pelos agentes do próprio setor a ser controlado, sendo, posteriormente, nomeados pelo executivo, significa que temos setores da economia sendo controlados unicamente pelos agentes que nele atuam, ou seja, a raposa tomando conta do galinheiro. Arquitetura tucana, hoje, difÃcil, politicamente, de reverter.
O que o Alckmin chama gerenciar com eficiência deve significar passar propriedades públicas, a preços vis, para o setor privado. Este setor demitir muitos funcionários e passar a operar a nova empresa privatizada com tarifas bem maiores que aquelas cobradas antes da privatização, com o beneplácito da agência reguladora. Quem pensa em votar em Alckmin, é bom conhecer as suas privatizações, quando foi governador de São Paulo, alem das de FHC quando Presidente.
Muitas vezes, as empresas privatizadas passaram a operar como cartel, utilizando seu poder de mercado para fixar preços para seus produtos e serviços acima dos que seriam os normais de mercado. Neste caso, a sociedade passa a arcar com os custos adicionais, sem haver proteção do governo para a sociedade. O brasileiro tem muitas opções de celulares, mas as tarifas são exorbitantes. Aliás, desafio que seja encontrado um consumidor que conheça as tarifas de todas empresas que exploram o serviço de celulares e que tenha optado por uma delas pelo menor preço. Onde está a ANATEL que não protege o consumidor? Este é o mundo neoliberal introduzido no nosso paÃs na década perdida de 90. O governo Lula tentou, mas não conseguiu dominar todas essas agências.
O governo brasileiro, através da ANP, entregou, durante o governo FHC, áreas do território nacional para empresas estrangeiras explorarem e, se descobrissem petróleo ou gás natural, poderiam os produzir e exportar. O governo Lula, infelizmente, manteve esta entrega do patrimônio nacional. O governo Lula, em alguns instantes, não pareceu um governo de esquerda, existindo, nestes casos, grande semelhança com o governo FHC.
O crescimento do paÃs nos anos dos mandatos de FHC e de Lula foi pÃfio. Argumentam que o comércio mundial no perÃodo de Lula estava crescendo muito e o Brasil não aproveitou o bom perÃodo. A China e a Ãndia vêm crescendo, há 15 anos ou mais, independente do mercado mundial. A balança comercial brasileira vem batendo recordes todos os meses, no governo Lula, em parte graças a uma nova polÃtica de comércio exterior do paÃs, tendo o Brasil buscado diminuir a dependência em relação aos mercados norte-americano e europeu.
As contas externas brasileiras, há tempos, não têm uma situação tão favorável. E a despeito do crescimento das reservas em moeda estrangeira, Lula se recusou a fazer populismo cambial, de conseqüências funestas, no médio prazo. Hoje, praticamente não existem mais tÃtulos públicos indexados ao câmbio. A vulnerabilidade externa brasileira, que, em outros tempos, causava enorme preocupação, hoje, não causa o menor temor. Chegou-se a dispensar o FMI.
Por outro lado, Lula premiou os banqueiros como o próprio FHC premiou, tornando-se a classe mais premiada do paÃs. Lula poderia ter induzido maior crescimento econômico, privilegiado menos a elite e, mais, a classe média. A classe pobre foi privilegiada, dentro de uma visão assistencial, mas foi. Assim, ainda hoje, existem problemas na macroeconomia, mas não há como comparar o governo Lula com os tristes anos de FHC. O BNDES, ainda hoje, não empresta para empresas estatais do setor elétrico construÃrem unidades geradoras. O “entulho neoliberal” deixado por oito anos de governo tucano ainda dorme tranqüilo em alguns órgãos, assim como muitos gestores neoliberais.
Lula iniciou o resgate do planejamento estratégico no paÃs, destruÃdo por Collor e FHC. Por exemplo, criou a Empresa de Pesquisa Energética que acabou de publicar um plano de expansão do setor elétrico brasileiro, com horizonte de 15 anos. Acabou a enganação que o mercado tudo resolve, encontrando um suposto equilÃbrio, cuja crença nos levou ao desequilÃbrio do apagão de 2001.
Na comparação dos graus de corrupção (que tristeza!), o governo FHC ganha disparado, bastando ver, por exemplo, o preço de venda da Companhia Vale do Rio Doce, menos de três bilhões de dólares, enquanto constata-se, hoje, que valeria, naquela época, cerca de 100 vezes mais. Uma auditoria desta venda está sendo requerida e deve ser mesmo realizada. Na venda das teles, o Serjão e, posteriormente, o Mendonça de Barros reduziram o preço inicial que era na casa de 40 bilhões de dólares para pouco mais de uma dezena de bilhões de dólares. Notar que as “discrepâncias” no governo FHC eram na casa de bilhões de dólares.
Alguns “puros” ou comprometidos, neste ponto, começam a dizer que não há outra forma de avaliar o valor de uma empresa alem do fluxo de caixa futuro descontado. Esquecem de considerar intangÃveis como poder de mercado externo, capacidade de desenvolvimento tecnológico, a marca e outros, que valem muito. Alem disso, não consideram o custo de reposição, nem o fator indutor da economia de determinados patrimônios. Mas, no caso da Vale, foram “esquecidas” reservas de diversos minérios que influenciariam mesmo no método do fluxo de caixa descontado. Desta forma, tenho muito medo daqueles que pregam o gerenciamento técnico, pois via de regra, com a roupagem de serem técnicos, escondem grandes objetivos polÃticos, muitos escusos.
Outro bom dado revelador do futuro se prende à afirmação recente dos incansáveis dilapidadores do patrimônio nacional, Luiz Carlos Mendonça de Barros e Jorge Bornhausen, que, no eventual governo Alckmin, a Petrobrás deveria ser privatizada, usando a mesma ladainha que sempre usaram, nesta hora. Por exemplo, é necessário existir competição no setor, a Petrobras exerce na prática o monopólio, apesar da Lei do Petróleo o ter extinguido, etc. Atrás desta busca da competição, só tem ocorrido a entrega do nosso mercado, junto com as empresas privatizadas, a oligopólios estrangeiros que não beneficiam de forma alguma a sociedade brasileira.
Os escândalos recentes envolvendo alguns petistas demonstram que a organização tinha maçãs tão podres quanto outras de outros partidos, que eles próprios tanto criticaram, no passado. à deplorável o que eles fizeram, gerando revolta proporcional à esperança que eles tinham trazido para o povo. Mal comparando, existem paÃses, que, na aplicação de penas a infratores, elas atingem seus limites máximos, se o infrator for um policial, um fiscal, enfim, um agente da lei e da ordem, pois destes é esperado o exemplo. O que o PT construiu, em anos de atuação na oposição, foi criar, na alma dos brasileiros, a esperança que existiam homens e mulheres dignos e que nós poderÃamos confiar na democracia, pois um dia eles chegariam ao poder e tudo seria diferente. O PT era, para muitos de nós, o exemplo. Muitas pessoas de bem, estão revoltadas com os fatos recentes envolvendo o PT e, no calor do momento, serão capazes de votar em Alckmin só para penalizarem o PT. Lembre-se que o mensalão do FHC, pelo menos no caso da aprovação da emenda da reeleição, era de R$ 200.000, segundo o Deputado Ronifon Santiago para a Folha de São Paulo.
Muitos na nossa sociedade vivem reclamando da insegurança dos dias atuais e implorando por maior repressão. Não compreendem que um fator indutor da violência e da insegurança é a desigualdade social. Criticam o programa Bolsa FamÃlia por ser assistencialista, o que, por sinal, é verdade, mas esquecem que, quando os R$ 50 por mês chegaram para as famÃlias, eles foram utilizados na compra de comida. Depois deste dado, se alguém ainda quiser criticar o Bolsa FamÃlia, eu me retiro da discussão. O Bolsa FamÃlia é, antes de tudo, um programa de segurança pública.
O governo Lula vem recuperando o poder de compra do salário mÃnimo, como há décadas não se faz, significando a utilização de um dos mais importantes mecanismos de distribuição de renda do paÃs. A classe média tem dificuldade de valorizar esse tipo de coisa, pois para ela salário mÃnimo sempre foi custo e, nunca, renda. Os serviços das domésticas, dos porteiros e dos faxineiros são pagos com base no mÃnimo. A cegueira da classe média, mais uma vez, espanta, porque o nÃvel de angústia na sociedade irá diminuir, passando ela a ser usufrutuária.
A contribuição para a área social do governo Lula é inegável. Tomemos mais um exemplo. A cota para afrodescendentes em universidades públicas é criticada enormemente, mas alguém tem alguma melhor idéia de como compensar o fato deles estarem, na sua imensa maioria, na base da pirâmide da renda. A sugestão de cursos compensatórios para os menos afortunados em geral não é má, mas deve-se lembrar que a totalidade dos componentes deste grupo tem que, cedo na vida, sair para trabalhar para garantir a subsistência. O grupo étnico em questão foi perseguido, durante centenas anos, sendo necessário existir a possibilidade de quebra das barreiras impostas, rapidamente. Aliás, à medida que a providência inclui cota para alunos oriundos de escolas públicas, está-se corrigindo uma conseqüente discriminação contra o branco pobre. Imaginem se um governo Alckmin iria trazer temas deste tipo para discussão. O pensamento seria: “A competição tem escolhido os melhores e, assim, esta é a maneira mais justa para decidir quem vai para a universidade. Portanto, este procedimento deve continuar”. Este é o pensamento sÃntese do darwinismo social tucano.
“Lula fala português errado”, afirmam seus opositores, no que estão certos. Dói, à s vezes, ouvir suas concordâncias erradas. Mas, se o problema todo fosse esse, não haveria problema. à melhor termos um presidente compromissado com a sociedade brasileira e que fala o português corretamente, mas o primeiro item é o mais importante. Usar este argumento como o preponderante para definição do voto, parece-me pouco racional.
à verdade que Lula traiu os eleitores de 2002, sim! Houve um estelionato eleitoral. No entanto, vamos nos lembrar que FHC se elegeu na onda do Plano Real, em 1994, o que levou a população a acreditar que aquele governante iria sempre tomar medidas tão boas como aquela. Ledo engano. As medidas posteriores de FHC prejudicaram, muito, a sociedade. Eu relevo o estelionato eleitoral de Lula, em consideração aos avanços por ele introduzidos (já descritos).
Como esperançoso nato, descobri a frase “ter esperança, nos dias atuais, é um imperativo ético”, que passou a ser meu álibi para as recaÃdas. Espero ter deixado claro que nenhum dos candidatos é, para mim, o trigo bom. Enfim, a sociedade brasileira está em uma sinuca de bico, pois somos obrigados a optar por um deles. No entanto, como acredito que, para a sociedade brasileira como um todo, considerando tudo que foi exposto, Lula é melhor que Alckmin, eu irei votar em Lula no segundo turno.
Tenho amigos sérios que pregam o voto nulo, visando melhorar a qualidade dos polÃticos, no médio e longo prazo. Acontece que, hoje, para mim, um horizonte de mais de 30 anos me parece algo inatingÃvel. Alem disso, pregar voto nulo me parece tão inócuo quanta a greve de aposentados sugerida por uma liderança em um dos momentos que FHC tratava mal os velhinhos.
Por mais que os homens e mulheres tenham valores diferentes, que se refletem na maneira de encarar os fatos, a emoção os leva a divergir não pelo essencial. A escolha de um presidente não é nem de longe parecida com a escolha de um parceiro para troca de afetividade, nem com a entrega pessoal a uma torcida de futebol. Assim, com a racionalidade da escolha de cada um pode ser atingido um nÃvel maior de satisfação da sociedade como um todo. Seria bom se cada pessoa procurasse ser justa, apesar desta imparcialidade de julgamento ser uma tarefa difÃcil, graças à própria condição humana.
05/10/06
2006-10-07 17:50:14
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answer #3
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answered by Alexandre 2
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