A literatura é um conjunto de textos escritos (muitas vezes também fixados na tradição oral), esteticamente elaborados a partir da linguagem comum, que dão conta da especificidade cultural de uma comunidade.
A literatura portuguesa constituiu-se na base de um espaço geográfico uno, o do território português, mas alargou-se a várias partes do mundo, através da aventura marítima dos Descobrimentos Portugueses nos séculos XV e XVI, que se concretizou numa riquíssima literatura de viagens e teve como consequência a expansão da sua língua.
«o Reino Lusitano,/ Onde a terra acaba e o mar começa» Camões, Os Lusíadas - 1572
A história da literatura portuguesa acompanha a evolução estética da cultura ocidental, emergindo de uma matriz medieval de base latina a partir da qual se constitui e aperfeiçoa a língua literária, até aos séculos XVI e XVII, sendo também permeável à penetração popular, nomeadamente nos inícios da historiografia (com a figura determinante de Fernão Lopes e a sua capacidade de descrição das movimentações das massas sociais) e no teatro (cujo vulto mais notável é Gil Vicente, na comunicação da sabedoria tradicional da espontaneidade do povo):
«Toda a glória de viver
das gentes é ter dinheiro,
e quem muito quiser ter
cumpre-lhe de ser primeiro
o mais ruim que puder»
Gil Vicente, Auto da Feira - 1527
A literatura portuguesa desenvolve, nas suas origens, um lirismo de intenso fulgor, com a poesia trovadoresca , e muito particularmente com as cantigas de amigo, que se prolonga na lírica camoniana e clássica de uma maneira geral, renovando-se a partir do Romantismo, com personalidades destacadas: Garrett e o nacionalismo romântico de expressão amorosa; Cesário Verde e o quotidiano urbano simultaneamente idealizado e banal; Antero de Quental e a dilaceração do pensamento implicado na existência concreta; Camilo Pessanha e o sonho da perfeição verbal na corrosão do tempo humano - e um grande número de poetas contemporâneos.
«Povo! No pano cru rasgado das camisas
Uma bandeira penso que transluz!
Com ela sofres, bebes, agonizas:
Listrões de vinho lançam-lhe as divisas,
E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!»
Cesário Verde, Contrariedades - 1887
Luís de Camões (séc. XVI) e Fernando Pessoa (séc. XX) são, no entanto, considerados os maiores escritores da literatura portuguesa; de facto, o Modernismo encontra em Pessoa (fundador da revista Orpheu) uma expressão complexa e personalizada, já que a galáxia dos seus heterónimos (nomes de personalidades diferenciadas com as quais compôs a sua obra) constitui um fenómeno marcante na sua composição literária e na experiência humana correspondente, com resultados literários surpreendentes, que configuram uma autêntica ficção da arte de escrever:
«O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente»
Fernando Pessoa, Autopsicografia - 1932
Mas a ficção (especialmente o romance) conhece também particular brilho na literatura portuguesa. Desde Bernardim Ribeiro (séc. XVI), mas sobretudo a partir do Romantismo e do Realismo, aumenta a produção literária deste género, com crescente interesse do público e da crítica, e acentuando os aspectos diversos que a prosa narrativa tem incessantemente criado a partir da relação indivíduo-sociedade que caracteriza centralmente o apogeu do romance no século XIX: construção da intriga, acentuação da personagem, dominância social, problemática da existência, conflitos subjectivos, fluxo temporal, exercício de escrita, hibridismo de géneros, reescritas paródicas e descontrução do relato discursivo.
Escritores como Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro e, mais recentemente, Vergílio Ferreira, Agustina Bessa-Luís, José Cardoso Pires, José Saramago e António Lobo Antunes são algumas das figuras mais emergentes neste capítulo, onde os contemporâneos se destacam pelo seu número e qualidade.
«Ao escurecer, voltou de terra o comandante, e contemplou, com os olhos embaciados de lágrimas, o desterrado, que contemplava as primeiras estrelas, eminentes ao mirante.
- Procura-a no céu? - disse o nauta.
- Se a procuro no céu! - repetiu maquinalmente Simão.
- Sim!... No céu deve ela estar.
- Quem, senhor?
- Teresa.
- Teresa!... Morreu?!
- Morreu, além, no mirante, donde ela estava acenando.
Simão curvou-se sobre a amurada, e fitou os olhos na torrente. O comandante lançou-lhe os braços, e disse:
- Coragem, grande desgraçado, coragem! Os homens do mar crêem em Deus! Espere que o céu se abra para si pelas súplicas daquele anjo!
Mariana estava um passo atrás de Simão e tinha as mãos erguidas.
- Acabou-se tudo!... - murmurou Simão. - Eis-me livre... para a morte...»
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição - 1862
«Há um mundo em cada pedra, as horas vão, com a sua torrente humana, penetrar-se dum vazio funesto, dum vazio de tudo cuja intenção se malogrou. Na inimizade, na desconfiança e desolação, correm os passos, vivem-se os escritos de Deus; tudo escorrega para a eternidade, num nevoeiro de impotência e frieza (...). Aqui decorrem os meus dias, aqui morres e ressuscitas por mim. A história faz-se homem através das tuas ruas, dessas persianas caídas, desses portais fechados e que só um sorriso mental pode desselar»
Agustina Bessa-Luís, A Muralha - 1957
De entre os contemporâneos, salientam-se figuras de obra numerosa e repartida por diferentes géneros, especialmente a poesia, o romance e o conto, mas, em certos casos, também o teatro, crítica, ensaio e escrita autobiográfica e diarística. Estão neste caso escritores já desaparecidos, mas que até há pouco tempo marcaram a cena intelectual portuguesa, com as suas personalidades multímodas e com a força diversificada do seu talento, de uma maneira geral empenhado em praticar uma aliança, porventura conflituosa, entre o trabalho poético e a existência concreta, e em afirmar a capacidade lúcida (isto é: inteligente e radiosa) da literatura para entender o real: Miguel Torga, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Carlos de Oliveira e David Mourão-Ferreira.
Também nesse sentido se afirmam os corifeus da poesia contemporânea (cultores embora de outras formas de expressão literária), de entre os quais se destacam António Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e Herberto Helder.
Leitor: Volto
para ti. Um livro que vai morrer depressa.
Depressa antes. Que a onda venha, a onda
alague: A noite caída em cima de teus dedos. (...)
Eterno, o tempo. De uma onda maior que o nosso
tempo. O tempo leitor de um. Autor.
Ou um livro e um Deus com ondas de um mar
mais pacientes. -
Ondas do que um leitor devagar».
Herberto Helder, Para um leitor ler de/vagar - 1962
Na prosa, dedicados a um tipo de ficção que reelabora a novelística tradicional para a aproximar de outros géneros (crónica, poema em prosa, e outros tipos de escrita estranhos à convenção literária), e praticando novas modalidades de articulação no discurso narrativo, emergem figuras femininas centrais: Maria Judite de Carvalho, Maria Velho da Costa e Maria Gabriela Llansol.
«Numa história, há (ou não há) um momento de desvendamento a que se chama sublime. Normalmente breve. Como penso que um leitor treinado já conhece todos os enredos, quase só esse momento interessa à escrita»
Maria Gabriela Llansol, Um Beijo Dado Mais Tarde - 1990
2006-10-08 14:32:30
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answer #3
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answered by Rodrigo M 3
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