Me desculpe pelo texto tão grande, mas está aí toda a explicação do porquê. OK?
Abcs.,
Postado por Douglas Adamoski Meira
.......Todo mundo já deve ter ouvido falar da brincadeira de jogar um punhado de mentos numa garrafa de coca cola e ver a espuma jorrar. O grande YouTube está cheio dessas proezas, até mostrarei uma mais ao final, porque esse não é o intuito do texto. Quero mesmo é chegar até ao X da questão científica: o motivo.
.......Vamos ver o que dizem pelo mundo afora:
“A pesada mistura de componentes existente nos produtos "light", como o Acesulfame K INS 930 que, misturado ao sabor artificial contido na pastilha Menthos (sic), dá origem à uma substância fatal, o Ta9V4. Essa substância gera altos níveis de liberação de gases e até explosões!!!” (Ref. 1)
.......O “Acesulfame K INS 930”, aparentemente, não existe. O que existe é o Acesulfame – K ou, como presumível, Acesulfame – Potássio. O sufixo “INS 930” pode ser alguma classificação extra colocada errôneamente. A nossa querida Wikipédia traz a seguinte imagem para o composto:
Um belo composto, não? Escrevendo, seria C4H4NO4KS. Perceba que não é um ácido, muito menos uma base, sendo um composto iônico comum: um sal. Vejamos o que mais a Wikipédia pode nos dizer:
“Acesulfame K is 180-200 times sweeter than sucrose (table sugar), as sweet as aspartame, about half as sweet as saccharin, and one-quarter the sweetness of sucralose. Like saccharin, it has a slightly bitter aftertaste, especially at high concentrations. “
(…)
“Unlike aspartame, acesulfame K is stable under heat, even under moderately acidic or basic conditions, allowing it to be used in baking, or in products that require a long shelf life.” (Ref. 2)
.......Numa tradução livre:
“O Acesulfame K é de 180 a 200 vezes mais doce que a sacarose (açúcar comum), doce como o aspartame, metade da doçura da sacarina e tem três quartos da doçura da sucralose. Como a sacarina, é sensivelmente amargo após a degustação, especialmente em altas concentrações”
(...)
“Diferente do aspartame, o Acesulfame K é estável em temperaturas elevadas, mesmo sobre condições moderadamente ácidas ou básicas, permitindo o uso na fabricação de pães ou em produtos que requeiram uma durabilidade maior.”
.......No primeiro trecho, apenas uma descrição que não adiciona muito a nossa discussão. O segundo já é interessante: “o Acesulfame K é estável em temperaturas elevadas, mesmo sobre condições moderadamente ácidas ou básicas”. Tendo em vista que que o refrigerante tem um pH entre moderado e forte (2,5~3,0) o Acesulfame K não reagiria com tamanha brutalidade. Logo, descartado.
.......E o misterioso sabor artificial da pastilha Mentos? Veja a composição do mentos:
“Mint: sugar, glucose syrup, hydrogenated coconut oil, gelatine, dextrin, natural flavor, corn starch, gum arabic.
Mixed Fruit: sugar, glucose syrup, hydrogenated coconut oil, gelatine, dextrin, natural and artificial flavor, gum arabic, coloring.” (Ref. 2)
.......Numa tradução livre:
“Menta: açúcar, xarope de glucose, óleo hidrogenado de coco, gelatina, dextrina, sabor natural, amido de milho , goma arábica.
Frutas: açúcar, xarope de glucose, óleo hidrogenado de coco, gelatina, dextrina, sabor natural e artificial, amido de milho , goma arábica, corante.”
.......De certa forma, isso não nos ajuda muito. Só que o texto afirma que o sabor reagente é artificial, logo o efeito não ocorreria com o mentos de menta (que é o usado normalmente nos jatos), por ter apenas sabor natural de menta. Igualmente falso. .......
.......Quanto ao “fatal Ta9V4” fica mais fácil: procurando no Google você só irá achar relatos ao próprio caso da morte. O que deslegitima o trecho indubitavelmente. .......
.......Mas, se o Spam é um hoax, qual é a verdade? Veja o que é o “gás” do Refrigerante
Quando o gás carbônico (CO2) é borbulhado no refrigerante sob alta pressão no refrigerante, o equilíbrio “corre” para o lado do ácido carbônico (H2CO3), visto que o CO2 tem um volume gasoso, o que, no equilíbrio, faz sua forma ser “indesejável” graças a alta pressão e eleva a concentração de H2CO3 para, na ionização, elevar a concentração dos íons. A inserção de ácido fosfórico (H3PO4) como conservante “atrapalha” o equilíbrio do H2CO3, visto que ambos em meio aquoso se ionizam, liberando H+ que desloca o equilíbrio de volta para o lado do ácido não ionizado:
Veja como também surgem íons H+ - que se aderem iônicamente à água formando o hidroxônio (H3O+) – os quais irão atrapalhar o equilíbrio da primeira reação, fazendo com que se forme CO2 mais fácilmente (Maior concentração de H+, mais fácil a reação “correr” para a esquerda).
.......Ok, formamos o CO2, como ele sai da garrafa? Por duas formas: ou pela formação de bolhas, ou pela difusão entre o polímero da garrafa PET, que deixa que escape uma quantidade irrisória (mas mesmo assim uma quantidade) de gás.
.......Quais são, então, os motivos para o gás simplesmente não jorrar da garrafa? Os dois primeiros motivos para isso são:
1. Alta Pressão no refrigerante, garantida pela garrafa que, quando aberta, perde essa pressão a mais, deixando o refrigerante a 1 atm (ao nível do mar), o que faz com que o gás saia.
2. A formação dos íons a partir do ácido, que se ligam a água (ex.: H3O+) e não deixam que se forme CO2.
.......Mas esses motivos não bastam: com a queda da pressão o gás deveria sair muito rápido e o grau de dissociação do H2CO3 não é dos mais altos. A explicação para isso é dada pela física.
.......Todos conhecem o ditado: “uma andorinha só não faz verão”. Tão verídico é que uma molécula de CO2 só não faz turbilhão. Entenda como a bolha é formada:
1. Uma molécula de CO2 fica “presa” entre a água, fortemente ligada pelas pontes de hidrogênio
2. Para esta molécula conseguir subir precisa de muita energia para quebrar a denominada “tensão superficial”, como explicado por James Sethna:
“The ice cube and the vapor bubble have sharp boundaries separating them from the water, with a surface tension (or free energy per unit area) s. It's this surface tension which keeps bubbles and raindrops round.” (Ref. 4)
.......Numa tradução livre:
“O cubo do gelo e a bolha do vapor têm limites definidos para separá-los da água, com uma tensão de superfície (ou energia livre por unidade de área) s. É a tensão superficial que mantém as bolhas e as gotas de chuva redondas.”
.......Nos exemplos usados por Sethna apareciam um copo de gelo com água e uma bolha em formação dentro da água. O que mantém o gelo separado da água é a tensão superficial, idem para a bolha. Veja a representação da última figura de forma m3. Com a constante agregação de moléculas, a bolha se forma, vai para a superfície, quebra a tensão superficial entre a água e a atmosfera e pode dissipar-se no ar:acroscópica, com essa idéia mais explícita:
Entendido o que ocorre numa situação padrão, podemos partir para o Mentos.
.......Infelizmente, não há um consenso total. A Física e a Química disputam a autoria dos Geysers. Scott Fielder, professor de química da universidade de York, deu a seguinte declaração para o blog Toronto Star:
"I find it funny that you could ask 10 chemists and get 10 different answers," (Ref. 5)
....... Numa tradução livre
“Eu achei engraçado o fato de você poder perguntar para 10 químicos e conseguir 10 diferentes respostas”
.......Vamos, então, expor as duas hipóteses principais: a Química e a Física.
.......A hipótese Química.
.......Como vimos anteriormente, a reação de formação do CO2 se dá pela seguinte fórmula:
.......Sendo que corre para a esquerda em alta pressão e para a direita em baixa pressão. Aberta a garrafa e diminuída a pressão, ela tenderá a correr para a direita. Porém, o Mentos age como um catalizador, segundo Scott Fielder:
“Mentos somehow catalyze the reversion of carbonic acid to carbon dioxide and water. ‘They make it go faster. They sink to the bottom, catalyzing it there. What we're doing is making a little carbon dioxide explosion at the bottom of the pop bottle that blows all the pop up and out.’” (Ref. 5)
Numa tradução livre:
“O Mentos de alguma forma cataliza a reversão do ácido carbônico (H2CO3) para dióxido carbônico (CO2) e água (H2O). “Ele faz isso acontecer mais rápido. Ele afunda na garrafa, catalizando lá. O que nós estamos fazendo é uma pequena explosão de dióxido carbônico no fundo da garrafa de refrigerante, o que explode todo o refrigerante para cima e para fora.”
.......Como podem ver, a reação citada (ver última imagem) é apenas acelerada, visto que o possível catalisador presente no Mentos não dá origem a nenhum outro composto (Catalisadores não interferem nos produtos da reação nem no equilíbrio da mesma). O que gera mais discórdia ainda é qual o catalisador em questão:
“At Fordham University in New York City, chemistry professor Donald Clarke has an idea what that catalyzing ingredient could be — an enzyme called carbonic anhydrase. This enzyme appears in living creatures and enables them to breathe faster by speeding up the chemical reactions in the bloodstream that produce carbon dioxide.
Clarke has suggested fruit-flavoured Mentos might contain some of this enzyme. But legions of Mentos experimenters have already determined that only the mints will get soda pop excited. Clarke isn't deterred. Mint comes from mint leaves — a vegetable, a living being. ‘Presumably (the mint) is not a purely synthetic flavour, so my guess is that the vegetable used would contain the enzyme.’” (Ref. 5)
.......Numa tradução livre:
“Na Universidade de Fordham em Nova Iorque, o professor de química Donald Clarke tem uma idéia sobre qual ingrediente deve estar catalizando a reação – uma enzima chamada anidrase carbônica. Esta enzima aparece em criaturas vivas e permite que elas respirem rapidamente por acelerar a reação química no sangue que produz dióxido carbônico.
Clarke sugeriu que o Mentos de Frutas deveria conter um pouco desta enzima. Mas legiões de experimentadores de Mentos já determinaram que só o de menta deixa o refrigerante excitado. Clarke não desiste. A menta vem das folhas de menta – um vegetal, algo vivo. ‘Provavelmente (a menta) não é um composto puramente sintético, então minha aposta é que o vegetal usado contém a enzima’”.
.......Quem leu com atenção o post até aqui já percebeu que Donald Clarke pode ter alguma razão: a menta (do Mentos) não é um composto sintético, vem mesmo da folha de menta. Aumentando a quantidade de moléculas de CO2, o processo de formação de bolhas é facilitado.
.......Sintetizando a hipótese química: O Mentos (mais especificamente a anidrase carbônica) catalisa a reação de formação do CO2, e, estando no fundo da garrafa, faz com que todo o gás flua de baixo para cima, levando junto o refrigerante num belo espetáculo.
.......A hipótese Física.
.......Como (também) vimos anteriormente, as bolhas não se formam com uma velocidade grande pela dificuldade de vencerem a tensão superficial da água ao redor das mesmas. Porém, com a formação de CO2 após a abertura da garrafa e o arremesso de um mentos, ocorrem coisas, no mínimo, estranhas:
1. As moléculas de CO2 começam a se agregar sobre a superfície do Mentos. Por que? A princípio, o doce não é uma superfície lisa:
Os “buracos” ali formados são ideais “alçapões” para as moléculas de CO2, ali elas podem se agregar sem (ou melhor, com quase nenhuma) influência da tensão superficial.
2. As bolhas vão se agregar nesses “alçapões”:
.......No 1º quadro temos representado o momento em que o mentos cai no refrigerante. No 2º, o que acontece: a aglomeração de moléculas de CO2 nos “alçapões” do Mentos.
.......Este processo é chamado “Nucleation”, cuja tradução para português não existe. Usarei o termo “Nucleation” mesmo. A Wikipédia explica o processo:
“Nucleation is the onset of a phase transition in a small region. The phase transition can be the formation of a bubble or of a crystal from a liquid.” (Ref. 6)
.......Numa tradução livre:
“’Nucleation’ é o início da transição de fase em uma pequena região. A transição de fase poder ser a formação de um bolha ou de um cristal num líquido.”
.......É, então, o processo de surgimento da bolha, já iniciada a explicação anteriormente. No “Nucleation” ocorre o aceleramento dessa reação.
“If a hypothetical nucleus is too small, the energy that would be released by forming its volume is not enough to create its surface, and nucleation does not proceed. The critical nucleus size can be denoted as by its radius, and it is when r=r* (or r critical) that the nucleation proceeds. As the phase transformation becomes more and more favorable, the formation of a given volume of nucleus frees enough energy to form an increasingly large surface, allowing progressively smaller nuclei to become viable.” (Ref. 6)
.......Numa tradução livre:
“Se um hipotético núcleo é muito pequeno, a energia que precisa ser liberada para criar seu volume não é suficiente, e o processo de ‘Nucleation’ não continua. O tamanho crítico do tamanho do núcleo pode ser expresso pelo seu raio, e quando r = r* (ou r crítico) o processo de ‘Nucletion’ acontece. Conforme a passagem de fase fica mais e mais favorável, a formação de um volume suficiente do núcleo libera energia suficiente para formar uma superfície maior, permitindo que núcleos menores se tornem progressivamente viáveis.”
.......Isso significa que é um processo em cadeia: quando mais energia consegue-se liberar para criar uma bolha, mais fácil é que outras bolhas também se formem. Quanto ao raio do núcleo, seria mais ou menos isso:
O raio “r” é pequeno demais para formar uma bolha visível, sendo necessário atingir o “r*” ou “raio crítico” para ser formada e observada.
3. Aglomeradas as moléculas fica muito fácil atingir o raio crítico e formar uma bolha. Basta, agora, multiplicar isto pelo número de “alçapões” encontrados em um único mentos e pela infinidade de vezes que o evento se repete (quando uma bolha se forma, ela sai do “alçapão” dando início novamente ao processo.
4. Agora, a conclusão para o Geyser do professor Steve Spangler (defensor da hipótese Física) é a mesma de Scott Fielder:
“The weight of a Mentos mint is also a factor in the eruption. ‘The Mentos are so heavy that they immediately fall to the bottom (of the bottle, and) all these bubbles jump out of the solution,’ Spangler says.” (Ref. 5)
.......Numa tradução livre:
“A massa do Mentos é também um fator na erupção. ‘O mentos é tão pesado que ele imediatamente cai até o fundo (da garrafa, e) todas essa bolhas pulam para fora da solução,' diz Spangler.”
.......Sintetizando a hipótese física: O Mentos age com o processo de "Nucleation", que favorece a formação de bolhas devido pequenos "alçapões" na superfície do doce que aglomeram dióxidos de carbono, e, estando no fundo da garrafa, faz com que todo o gás flua de baixo para cima, levando junto o refrigerante num belo espetáculo.
.......E aí, em qual crer?
.......Eu, sinceramente, simpatizei mais com a hipótese física, visto que o efeito já foi reproduzido com tabletes de sal e, também, nas caras taças de champanhe que tem pequenos “alçapões” no fundo produzidos industrialmente.
.......Vamos abandonar a ciência. Que tal sujar o chão um pouco?
.......Obviamente eu fui tentar o experimento. Digamos que ele foi um bocado fracassado:
.......Utilizei uma garrafa (2l) de água mineral com gás da marca Cini, uma garrafa (2l) de refrigerante gaseificado não-alcoólico e light sabor Gengibirra da marca Cini, e uma garrafa (2l) de refrigerante gaseificado não-alcoólico sabor Cola com Limão da marca Cini. E, claro, Mentos da Perfetti Van Melle. Para quem não é do Paraná, a escolha da marca Cini é bem simples: o melhor custo benefício da categoria, barata e boa.
.......Ao abrir a garrafa de água mineral já vi que não daria certo: o dióxido de carbono nela contido não é nada estável, começou a borbulhar insanamente. Daí foi jogar os confeitos e ver o pequeno derramar de refrigerante.
.......Com a garrafa de refrigerante light sabor gengibirra foi mais adequado, o Mentos fez um pequeno geyser, bom para um iniciante.
.......Já com a garrafa de refrigerante sabor cola com limão o Geyser foi um pouco menor. Aqui entra a conclusão de que o açúcar é deixa o refrigerante mais espesso, dificultando o movimento das moléculas e bolhas. Por isso que os lights/diets tem melhor resultado.
Referências:
Ref. 1: Spam que circula pelas nossas caixas de email. Autor desconhecido. Licenciado em Domínio Público.
Ref. 2: WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Acesulfame potassium. Disponível em: . Acesso em: 16 Set 2006. Licenciado em GNU FDL.
Ref. 3: GATHERING, The. The Candies. Disponível em: . Acesso em: 16 Set 2006.Licenciado em Copyright.
Ref. 4: SETHNA, James P. Critical Droplets and Nucleation. Disponível em:
. Acesso em: 16 Set 2006. Licenciado em Copyright.
Ref. 5: EVANS, Patrick. A blog, a bottle, a mint. Disponível em:
. Acesso em: 16 Set 2006. Reproduced with permission - Torstar Syndication Services. Licenciado em Copyright.
Ref. 6: WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Nucleation. Disponível em: . Acesso em: 16 Set 2006. Licenciado em GNU FDL.
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Excluindo-se os textos extraídos das referências supracitadas
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2006-09-29 12:22:21
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answer #1
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